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Educação: Teoria e Prática

versión impresa ISSN 1993-2010versión On-line ISSN 1981-8106

Educ. Teoria Prática vol.33 no.66 Rio Claro  2023

https://doi.org/10.18675/1981-8106.v33.n.66.s17377 

Artigos

Arte e Ciência na formação de professores: um levantamento em revistas e eventos da área de ensino de Ciências (2001-2021)

Art and Science in teacher education: a survey of Science teaching journals and events (2001-2021)

Arte y Ciencia en la formación de profesores: una encuesta de revistas y eventos del área de enseñanza de las Ciencias (2001-2021)

Mônica Regina Vieira Leite1 
http://orcid.org/0000-0003-3177-0123

Sandra Regina Teodoro Gatti2 
http://orcid.org/0000-0001-5791-2498

1Universidade Estadual Paulista, Bauru, São Paulo – Brasil. E-mail: monica.regina@unesp.br.

2Universidade Estadual Paulista, Bauru, São Paulo – Brasil. E-mail: sandra.gatti@unesp.br


Resumo

A partir de um estudo de estado da arte, o artigo buscou analisar de que forma a temática “Arte e Ciência na formação de professores” tem sido abordada em importantes eventos e periódicos da área de Ensino de Ciências ao longo dos últimos 20 anos (2001-2021) a fim de melhor compreender os focos das pesquisas que vêm sendo realizadas e a abrangência de possibilidades relacionadas com essa temática. Foram encontrados 77 trabalhos, distribuídos majoritariamente na última década que discutiam a relação entre Arte e Ciência, sendo apenas 19 voltados para a formação de professores. Embora poucos, esses trabalhos demonstram diversas possibilidades a serem exploradas a partir da interdisciplinaridade proposta (áreas que podem ser relacionadas, público-alvo, estratégias e tipos de arte) e contribuições à formação de professores que abrangem desde aprimoramentos do conhecimento até uma reflexão mais crítica, o repensar da prática docente, reflexões sobre si e o próprio corpo e o desenvolvimento da criatividade.

Palavras-chave Estado da Arte; Prática Docente; Interdisciplinaridade; Criatividade

Abstract

Based on a state-of-the-art study, the article aimed to analyze how the theme "Art and Science in teacher education" has been addressed in important Science Teaching events and journals over the last 20 years (2001-2021) in order to better understand the focus of researches that have been developed and the possibilities related to this theme. We found 77 papers which discussed the Art and Science relationship, most from the last decade, with only 19 focused on teacher education. Although few in number, such studies demonstrate several possibilities to explore based on the interdisciplinarity proposed by them (areas that can be related, target audience, strategies, and types of art), as well as contributions to teacher education, ranging from knowledge improvements to a more critical reflection, a rethinking of the teaching practice, reflections on oneself and one's own body and the development of creativity.

Keywords State-of-the-Art; Teaching Practice; Interdisciplinarity; Creativity

Resumen

Desde un estudio de estado del arte, este artículo buscó analizar cómo el tema “Arte y Ciencia en la formación de profesores” ha sido abordado en importantes eventos y revistas del área de Enseñanza de las Ciencias en los últimos 20 años (2001-2021) para comprender mejor el enfoque de las investigaciones que se han llevado a cabo y el alcance de las posibilidades relacionadas con este tema. Se encontraron 77 trabajos que discutían la relación entre Arte y Ciencia, distribuidos, en su mayoría, en la última década, con solo 19 centrados en la formación de profesores. Aunque pocos, estos trabajos demuestran varias posibilidades que se pueden explorar desde la interdisciplinariedad propuesta (áreas que se pueden relacionar, público objetivo, estrategias y tipos de arte) y aportes a la formación docente que van desde la profundización del conocimiento hasta la reflexión más crítica, repensando la práctica docente, reflexiones sobre sí mismo y el propio cuerpo y el desarrollo de la creatividad.

Palabras clave Estado del Arte; Práctica Docente; Interdisciplinariedad; Creatividad

1 Introdução

A interdisciplinaridade é um assunto que sempre está em discussão e tem tido suas contribuições e potencialidades apontadas por diversos autores (BICUDO, 2008, HARTMANN; ZIMMERMANN, 2007, LAVAQUI; BATISTA, 2007). Nesse contexto, ao se pensar em Arte e Ciência, defendemos a ideia de que há uma relação de recorrência mútua entre ambas as áreas do conhecimento. Corroborando as ideias de Zamboni (2006), pensar em Arte e Ciência significa compreendê-las como formas complementares do conhecimento, não de maneira a enaltecer uma em detrimento da outra, mas, sim, como facetas integradoras de um pensamento que é regido pelas diversas partes de um cérebro humano complexo.

Apesar de essa relação (Ciência e Arte) proporcionar maior grau de compreensão da complexidade do conhecimento e da natureza, muitas vezes se mantém um olhar enviesado e limitante sobre a mesma. Snow (2015) chama a atenção para a falta de comunicação que há entre cientistas e artistas e como isso interfere na forma como eles se encaram, o que os impede de crescerem juntos. Essa falta de comunicação, somada a um olhar positivista e de senso comum que se tem sobre cada uma dessas áreas – como o de que a Ciência é dona de uma verdade absoluta, que é neutra, desenvolvida apenas por meio da razão, ou de que não existe método na Arte, a qual só se conecta com a emoção, que o processo artístico é totalmente ilógico – faz que muitas oportunidades de melhor compreender nossa realidade sejam perdidas. Como afirma Kuhn (1982), isso não quer dizer que não haja diferenças entre Arte e Ciência, entretanto não são essas que comumente são expostas que realmente configuram a natureza de cada uma delas.

Tudo isso também acaba afetando a forma como certos pesquisadores e professores desenvolvem seus trabalhos interdisciplinares. Muitas vezes, a Arte é encarada apenas como uma ferramenta, momento de diversão ou passatempo, e não como uma área de conhecimento. Não é difícil se deparar com práticas como “colorir uma tabela periódica” ou “mostrar um quadro” sem maiores reflexões que são tratadas como uma atividade interdisciplinar, o que demonstra uma compreensão equivocada tanto sobre o que é a interdisciplinaridade quanto sobre o que representa a potencialidade da Arte enquanto conhecimento. Daí a importância desse tipo de discussão na formação de professores.

A Ciência e a Arte são áreas do conhecimento presentes em todas as culturas. Bronowski (1983) afirma que não existe uma cultura que se dedique apenas à Ciência ou uma que o faça somente à Arte, e isso pode estar relacionado com a imaginação humana, que ocorre de forma natural em ambas as áreas. Para Bachelard (1978), o saber científico, que envolve o alcance de uma possível verdade que possa ser verificada de maneira racional, e o saber intuitivo, que envolve o imaginário social, têm uma relação entre si.

Rangel e Rojas (2014, p. 74) afirmam que:

[...] Associar arte e ciência na construção de saberes é o mesmo que associar razão e emoção, objetividade e sensibilidade, lógica, intuição e criação. Dessa forma, superam-se fragmentações e rupturas, para que se possa compreender, de modo mais abrangente, o mundo e as relações dos homens entre si e com a natureza.

Hoje, no mundo globalizado em que vivemos e no qual temos acesso a inúmeras informações e fontes de conhecimento do mundo todo em tempo real, é necessário que superemos essa tendência tão profunda de fragmentação dos saberes, que, muitas vezes, nos impede de compreender a complexidade que permeia o processo de construção dos conhecimentos. Nesse sentido, a relação Arte-Ciência-Ensino trabalha a favor de uma compreensão que vai além da hierarquização dos saberes alimentada pelo positivismo e caminha no sentido da complementaridade das dimensões dos saberes e da visão mais holística, crítica e criativa sobre o mundo (BRONOWSKI, 1983; CACHAPUZ, 2014; RANGEL, ROJAS, 2014).

Benedicto (2018), em sua tese, apresenta diversos exemplos dessa relação entre Arte e Ciência, seja a partir da divulgação científica ou da restauração de obras, da nanoarte, de exposições que unem essas áreas de tal forma que não há como separá-las e classificar até que ponto são Arte ou Ciência. Pelo contrário, a convergência se torna tão profunda, que a tentativa de compreender a obra de forma fragmentada só empobrece o seu significado– e é exatamente a não fragmentação que defendemos aqui. A Arte contribui muito mais do que como apenas uma ferramenta, ela também pode ser explorada como forma de entender a natureza, e compreender essa complexidade é o que enriquece o processo educativo.

Além da imaginação e da intuição, a criatividade é outro ponto que une Arte e Ciência. Essa dimensão se encontra na base de ambas as áreas do conhecimento, portanto é algo necessário para o desenvolvimento das mesmas, tanto no sentido educacional quanto profissional e pessoal daqueles que as produzem (ALENCAR, FLEITH, PEREIRA, 2017; RANGEL, ROJAS, 2014).

Apesar de ser algo muito importante para qualquer atividade humana, a habilidade criativa muitas vezes é reprimida no ambiente educacional, havendo um declínio de sua expressão cada vez maior com o avanço das etapas escolares. Daí a importância de se trabalharem os aspectos necessários para desenvolvê-la logo na formação de professores, a fim de aprimorar o ciclo educativo como um todo (ALENCAR, FLEITH, PEREIRA, 2017).

Essa realidade na qual a reprodução se sobressai à criação é muito observada no ensino de Ciências. Segundo Demo (2014, p. 12),

[...] Para que educação científica tenha devido impacto estrutural, a condição primeira é reconstruir outras estratégias de aprendizagem que não sejam instrucionistas e reprodutivas. Ciência não combina em nada com tais posturas. Conhecimento reproduzido é mera informação e esta reprodução, se fosse o caso, é mais jeitosamente feita por estratégias virtuais. [...] Em vez de acentuar a aula como referência central de ensino e aprendizagem, é imprescindível valorizar pesquisa e elaboração, autoria e autonomia, atividades que naturalmente desembocam na ‘construção de conhecimento’.

Nesse sentido, em um contexto no qual a expressão da criatividade é mais valorizada no ensino de Arte, isso se torna mais uma possível contribuição, entre outras, para a complementaridade entre ambas as áreas do conhecimento.

Além disso, incorporar a Arte ao ensino de Ciências (EC) pode proporcionar um aprimoramento na compreensão dos fatos, da imagem da própria Ciência em si e do homem cientista e suas limitações, uma vez que a Arte também é uma forma de entender a realidade, a natureza e a sociedade. A relação aqui defendida – Arte e Ciência –, pensada no contexto da formação de professores, potencializa o ato criativo, o olhar investigativo e o processo cognitivo e possibilita reflexões sob uma perspectiva mais crítica e consciente (CACHAPUZ, 2014, FIGUEIRA-OLIVEIRA et al., 2007; PRATA-LINHARES, 2012; RANGEL, ROJAS, 2014; ZAMBONI, 2006).

Nesse sentido, partindo-se do princípio de que a criatividade e a imaginação estão intrinsecamente relacionadas com a racionalidade que envolve o fazer científico, que a Arte é capaz de aprimorar a formação inicial de professores dessa área e a fim de contribuir para a pesquisa da qual este estudo faz parte, este trabalho tem o objetivo de analisar de que forma a temática “Arte e Ciência na formação de professores” tem sido abordada em importantes eventos e periódicos da área de EC ao longo dos últimos 20 anos (2001-2021) com o propósito de melhor compreender os focos das pesquisas que vêm sendo realizadas e a abrangência de possibilidades relacionadas com essa temática, contribuindo para a superação de uma visão equivocada sobre a relação entre Arte e Ciência.

2 Metodologia

Para levantar e analisar os trabalhos que têm sido produzidos no âmbito da formação de professores no que se refere à relação entre Arte e Ciência, esta pesquisa se enquadra como um estado da arte, fazendo uso da abordagem qualitativa para compreender de forma mais detalhada como essa relação é explorada.

A pesquisa qualitativa nos permite olhar e interpretar os significados presentes em uma determinada situação que está sendo estudada, considerando o contexto no qual ela se desenvolveu (FLICK, 2012), enquanto o estado da Arte nos possibilita mapear e analisar o que vem sendo produzido em uma área de estudo em um determinado período de tempo. Diferentemente do estado do conhecimento, que é um estudo mais amplo e que inclui uma revisão de todo o conhecimento disponível sobre um determinado tópico, o estado da arte se concentra em uma área mais específica, em geral com foco na identificação dos seus desenvolvimentos mais recentes, fornecendo uma atualização sobre um campo de estudo específico, agrupando e discutindo diversos aspectos importantes sobre a temática (lacunas, possibilidades etc.) (LUNA, 2011; GARCEZ, SOARES, 2017).

Nesse sentido, a primeira etapa realizada foi a determinação do tema de estudo, ou seja, pesquisas empíricas voltadas para a formação de professores que abordaram a relação entre Arte e Ciência. A segunda etapa foi determinar as fontes do levantamento, que, no caso foram os anais de três eventos e quatro revistas da área de EC nos últimos 20 anos (2001-2021), os quais foram escolhidos devido ao impacto que exercem na divulgação de pesquisas científicas voltadas para a Educação de uma maneira geral.

Os eventos selecionados foram: 10 edições (III-XIII)1 do Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências (ENPEC), seis edições (VI-XI)2 do Congreso Internacional sobre Investigación en la Didáctica de las Ciencias (CEnz) e sete edições (VII-XIII)3 do Conference of the European Science Education Research Association (ESERA). Já as revistas selecionadas foram: Ciência & Educação (CIEDU), Investigações em Ensino de Ciências (IENCI), Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências (RBPEC) e Enseñanza de las Ciencias (Enz).

Como todos os eventos e revistas são voltados para o EC, a busca pelos trabalhos foi realizada de maneira direta em seus respectivos sites por meio do único descritor: “Art*”,4 a fim de considerar também termos em inglês ou espanhol, no plural (artes) e derivados (artístico, por exemplo). Trabalhos que continham termos como “Estado da arte”, “A arte de fazer algo” ou “Artefato”, que não tinham relação com o tema (de explorar a relação entre Arte e Ciência), apesar de conterem o descritor, foram desconsiderados nessa etapa.

Em relação aos eventos, a busca se deu nos anais de cada edição disponível, sendo considerados apenas os trabalhos completos, enquanto nas revistas a busca ocorreu no site oficial de cada uma. Nessa primeira etapa, o levantamento se limitou a verificar os títulos e as palavras-chave.

A Tabela 1 mostra o total de trabalhos obtido em cada evento/revista na primeira etapa do levantamento.

Tabela 1 Total de trabalhos encontrados na primeira etapa do levantamento. 

Evento/Revista Total encontrado para o descritor “Arte”
ENPEC 52
CEnz 14
ESERA 3
IENCI 4
RBPEC 1
ENZ. 2
CIEDU 1
  77

Fonte: Elaborada pelas autoras.

A partir dessa primeira triagem foi possível observar e refletir sobre a distribuição desses trabalhos pelos anos em que foram publicados, entretanto, a fim de relacionar este estudo de maneira mais direta com a pesquisa da qual faz parte, que é voltada para a formação de professores, um segundo filtro foi aplicado. Foram lidos os resumos dos 77 trabalhos selecionados e, quando necessário, buscaram-se, no corpo do texto, o tipo de pesquisa realizada e o público-alvo. Depois da classificação de todos os trabalhos, foram elegidas apenas as pesquisas empíricas voltadas para a formação tanto inicial quanto continuada de professores da área de Ciências e que exploraram a relação entre Arte e Ciência (Tabela 2).

Tabela 2 Total de trabalhos encontrados na segunda etapa do levantamento. 

Evento/Revista Total encontrado e filtrado para o descritor “Arte”
ENPEC 11
CEnz 4
ESERA 2
IENCI 1
RBPEC 0
ENZ. 0
C&E 1
  19

Fonte: Elaborada pelas autoras.

Este trabalho faz uso da análise descritiva e interpretativa dos dados, ou seja, um tipo de análise que combina a descrição objetiva dos dados com a interpretação do pesquisador fundamentada na literatura, possibilitando uma compreensão mais aprofundada dos mesmos, assim como maiores reflexões do levantamento realizado. Por meio dessa técnica de análise oferecem-se não apenas medidas estatísticas, extraindo-se informações, padrões relevantes e relações entre variáveis, mas também inferências sobre o material organizado (GIL, 2002; MINAYO, 2007).

Para alcançar o objetivo do trabalho, ou seja, compreender a forma como a relação entre Arte e Ciência tem sido explorada na formação de professores nas pesquisas, bem como as possibilidades dessa relação, foram determinados os seguintes focos de análise e interpretação após a leitura dos 19 trabalhos finais, lidos na íntegra: 1) áreas do conhecimento relacionadas com a Arte; 2) público participante dos trabalhos levantados; 3) estratégias das atividades realizadas com o público alvo nos trabalhos; 4) tipos de Arte explorados nos trabalhos; e 5) contribuições da relação entre Arte e Ciência para o aspecto formativo. A partir disso, pudemos tecer nossas reflexões e considerações finais.

A fim de colaborar com a divulgação de trabalhos dessa natureza, no Quadro 1, a seguir, são apresentados os 19 trabalhos encontrados e analisados neste estudo.

Quadro 1 Identificação dos trabalhos analisados. 

TRABALHO EVENTO/REVISTA AUTORES E ANO TÍTULO
T1 IX ENPEC Carvalho et al., 2013 Ciências e arte no Sambaqui: uma experiência à luz das teorias da complexidade e do sóciointeracionismo
T2 IX ENPEC Silva e Pimentel, 2013 Análise de conteúdo em materiais didático-artísticos para educação ambiental
T3 IX ENPEC Araujo et al., 2013 Arte no Ensino da Citologia
T4 IX ENPEC Figueira-Oliveira et al., 2013 Ciência e Arte: uma prosa para a formação de professores de ciências
T5 XI ENPEC Silva, Martins Neto e Ducheiko, 2017 A leitura de imagens de Panofsky como possibilidade de aproximação entre Arte e Ciência
T6 XI ENPEC Guimarães & Silva, 2017 A Performance como processo educativo na formação inicial de professores de Química
T7 XI ENPEC Brito et al., 2017 Arte, natureza e interdisciplinaridade: (algumas) mediações pedagógicas no Museu Inhotim
T8 XI ENPEC Nunes et al., 2017 Aula de campo para debater as temáticas de educação não formal e sustentabilidade: uma prática além da sala de aula
T9 XI ENPEC Silva & Silva, 2017 Ciência e Arte na formação inicial de professores: aspectos educativos e formativos de uma performance do poema Física de José Saramago
T10 XII ENPEC Miquelin e Amaral, 2019 Arte e anatomia humana: uma relação entre ensino e espaços não formais
T11 XIII ENPEC Silva e Silva, 2021 Integrando Arte e Ciências: percepções dos licenciandos em Química em seus planejamentos pedagógicos
T12 IX ESERA Blanquet & Picholle, 2011 Challenging pre-galilean misconceptions through alternative visualizations
T13 XII ESERA Tobieson e Mutvei, 2017 Science integrated with aesthetic expression for better understanding of science subject matter
T14 XI CEnz Silva e Silva, 2021 A prática artística na formação de professores de Química
T15 X CEnz Crochik, 2017 A performance no ensino de física
T16 X CEnz Silva, Ducheiko e Martins Neto, 2017 A leitura de imagens de Panosky como possibilidade de aproximação entre arte e ciência
T17 X CEnz Paixão e Jorge, 2017 Formação inicial de professores através do recurso ao patrimônio artístico local relevando o trabalho experimental
T18 CIEDU Fernandes Junior & Caluzi, 2020 Concepções sobre Interdisciplinaridade entre Arte e Ciências: estudo a partir do relato de um professor e de alunos da Educação Básica
T19 IENCI Silva e Silva, 2021 Integrando arte e ciência na formação de professores de química: uma análise semiótica peirceana

Fonte: Elaborado pelas autoras.

3 Resultados e discussão

Primeiramente, antes de dar início à discussão dos 19 trabalhos encontrados ao final do levantamento, é interessante refletir sobre o número obtido no segundo momento de triagem (Tabela 1), que se refere a todos os trabalhos que discutem, de certa forma, a relação entre Arte e Ciência.

No total, foram 77 trabalhos, cuja maioria (69) está distribuída entre os eventos e apenas oito encontram-se nas grandes revistas da área de EC. Apesar de a relação entre Arte e Ciência ser considerada algo importante de ser explorado há muito tempo (BENEDICTO, 2018; BRONOWSKI, 1983; CACHAPUZ, 2014; SILVA, 2010; SNOW, 2015; ZAMBONI, 2006), é possível observar que pouco tem sido produzido no âmbito da pesquisa em Educação a respeito dessa temática. Isso indica que, embora a interdisciplinaridade, o pensamento complexo e a humanização sejam pontos defendidos no EC e a Arte seja capaz de potencializá-los (HARTMANN, ZIMMERMANN, 2007; LAVAQUI, BATISTA, 2007), é baixo o número de pesquisas no Brasil que têm demonstrado interesse em investigar as possibilidades e limites dessa relação.

A fim de melhor compreender esse contexto, foi possível analisar a evolução da produção dessas pesquisas encontradas ao longo dos anos, principalmente no que se refere ao contexto brasileiro, uma vez que, apesar de dois eventos e uma revista serem internacionais, todos são importantes meios de divulgação científica no Brasil. Dessa forma, o Gráfico 1, por meio de um recorte das últimas duas décadas (2001-2021), reúne os 77 trabalhos encontrados e os distribui por ano em que foram publicados.

Fonte: Elaborado pelas autoras.

Gráfico 1 Distribuição da quantidade de trabalhos pelos anos de publicação. 

Conforme o Gráfico 1 nos mostra, a maior parte dos trabalhos que aborda a relação entre Arte e Ciência de uma maneira geral se concentra na última década (2011-2021). Esse crescimento do interesse de pesquisadores da área nos últimos anos é uma informação interessante a se observar, pois indica um aumento na tendência em se explorar essa relação. O fato de esse crescimento ser mais evidente nos eventos, que são locais onde há maiores circulação e divulgação de pesquisas em andamento e já finalizadas, indica que, apesar de haver pouca constância nas revistas, novas ideias e propostas sobre essa temática têm sido desenvolvidas entre os pesquisadores.

Nesse sentido, vale ressaltar que o ENPEC e o CEnz, dois dos principais eventos nacionais e internacionais entre os pesquisadores brasileiros, foram os que mais se destacaram em relação a dar abertura para mais publicações sobre Arte e Ciência. A despeito disso, o levantamento nos mostra que a abordagem dessa temática permanece sendo uma porcentagem pequena frente ao total de trabalhos que ambos os eventos recebem. O ENPEC, por exemplo, que foi o evento que mais apresentou trabalhos ao longo das 10 edições analisadas, publicou cerca de 241.928 trabalhos, ou seja, aqueles que exploram a temática correspondem a apenas a 0,02%, enquanto, no CEnz, representam cerca de 0,42% do total apresentado em seis edições.

Em relação às revistas, o seu maior rigor na avaliação dos trabalhos submetidos e o fato de terem escopo mais específico e limitação da quantidade de trabalhos publicados por volume fazem que a quantidade total de estudos recebidos/publicados seja inferior à dos eventos, resultando, também, em menor número de pesquisas que abordam a relação aqui explorada. Pesquisas dessa natureza vêm, entretanto, sendo exploradas nos últimos anos, como o levantamento nos mostra. Sendo assim, é interessante que os pesquisadores busquem divulgar esses estudos em revistas da área, visto que isso aumentaria sua relevância, atingiria um público maior e poderia se tornar um tema mais frequente nesse meio de divulgação.

Outra possibilidade é a mobilização, por parte das revistas voltadas para o EC, de um espaço para mais pesquisas voltadas para a humanização das Ciências e interdisciplinaridade por meio do campo artístico, como o volume especial (v. 13) da revista História, Ciência, Saúde – Manguinhos, publicado em 2006, que publicou 17 artigos acerca da relação entre Ciência e Arte que se mostraram bastante importantes para as discussões dessa temática nos anos que se sucederam.

Uma forma de contribuir para o interesse nesse tipo de discussão e de divulgar esses trabalhos em diferentes meios seria a abordagem dessa relação na formação inicial e/ou continuada de professores, pois, como afirma Cachapuz (2014), é necessário que aprendamos a questionar sobre o futuro da educação e novos caminhos, principalmente na área de Ciências e ao longo da formação. Ademais, a Arte pode ser um interessante caminho a ser explorado para discutir as limitações e o papel desempenhado pela observação na Ciência, assim como para superar uma visão positivista do processo científico.

Apesar de ser observado um aumento na quantidade de trabalhos nos últimos 10 anos, é possível perceber um declínio nos anos de 2020 e 2021, o que pode estar relacionado com o momento de pandemia que atingiu o planeta. O ENPEC de 2021, por exemplo, recebeu apenas 895 trabalhos, sendo três voltados para a temática em questão, enquanto na edição anterior (2019) cerca de 1.254 foram submetidos, com 12 trabalhos abordando o assunto. Isso representa uma redução de 28,6% do total de trabalhos.

Dado esse contexto, nossa análise se volta agora para os 19 trabalhos encontrados ao final do levantamento, os quais se tratam de pesquisas empíricas e relacionadas com a formação de professores, uma vez que este é o tema de interesse da pesquisa maior da qual este estudo faz parte. Esse foco é justificado pelo fato de que, se mudanças no EC são esperadas, é necessário que as mesmas ocorram primeiro nos processos de formação de professores para que seja possível incorporá-las às suas práticas (CACHAPUZ, 2014, FIGUEIRA-OLIVEIRA et al., 2007; PRATA-LINHARES, 2012; RANGEL, ROJAS, 2014; ZAMBONI, 2006).

Além disso, a aproximação da Arte ao âmbito da formação de professores de Ciências de uma maneira geral é capaz de despertar e desenvolver a criatividade e a imaginação, além de possibilitar uma reflexão e observação mais crítica e humanizada da construção dos conhecimentos científicos (CACHAPUZ, 2014; SILVA, M. W.; SILVA, C. S., 2017).

Apesar de sua importância, apenas cerca de 25% do total de trabalhos que relacionam Arte e Ciência são voltados para a formação de professores. Distribuindo-os pelos anos em que foram publicados, obteve-se o Gráfico 2 adiante.

Fonte: Elaborado pelas autoras.

Gráfico 2 Distribuição da quantidade final de trabalhos pelos anos de publicação. 

Se considerarmos os dados apresentados no primeiro gráfico, os anos que mais tiveram trabalhos sobre Arte e Ciência publicados foram 2017 e 2019, entretanto as pesquisas com foco na formação de professores, como mostra esse segundo gráfico, estão presentes majoritariamente nos anos 2013 e 2017, mantendo-se o ENPEC como o evento com mais resultados e as revistas CIEDU e IENCI apresentando ao menos um trabalho.

Esse resultado aponta para uma necessidade de se desenvolverem mais pesquisas com essa temática no âmbito da formação de professores. De acordo com Prata-Linhares (2012), um dos principais pontos pelos quais a Arte pode auxiliar a formação de professores é por meio do desenvolvimento da criatividade, que inclui também propor novas abordagens, caminhos e formas de conhecimento, de maneira que os sujeitos possam integrá-los ao seu repertório. Daí a importância de isso ser explorado logo na formação, pois:

[...] O indivíduo que está no processo de formação é o responsável último para que esses processos se desenvolvam. Salientamos que isso não quer dizer que a formação deva ser autônoma. É por meio da interformação que os professores vão encontrar contextos de aprendizagem que favoreçam a procura de metas de aperfeiçoamento pessoal e profissional. [...] Desenvolvimento profissional de docentes não é uma simples aquisição de conhecimentos, mas uma transformação da própria pessoa, do professor. [...] Assim, essa transformação deverá transformar também sua prática e/ou conhecimento profissional.

(PRATA-LINHARES, 2012, p. 62)

Embora apenas aproximadamente 25% dos trabalhos encontrados tenham abordado a relação entre Arte e Ciência na formação de professores, é interessante investigar os detalhes de cada um para compreendermos como esses estudos foram desenvolvidos e as possibilidades de tal temática. Nesse sentido, as primeiras informações levantadas se referem às áreas do conhecimento relacionadas com a Arte ao longo dos trabalhos, as quais encontram-se distribuídas no Gráfico 3.

Fonte: Elaborado pelas autoras.

Gráfico 3 Áreas do conhecimento relacionadas com a Arte. 

O Gráfico 3 nos mostra a capacidade da Arte em se relacionar com as mais variadas áreas das Ciências da Natureza, o que evidencia que Ciência e Arte não são campos opostos; pelo contrário, são complementares, e essa pluralidade de possibilidades de relacioná-las no ensino se deve ao fato de ambas estarem presentes em todas as culturas, uma vez que são desenvolvidas pelo homem e estão atreladas à imaginação e à capacidade criativa do ser humano (BACHELARD, 1978; BRONOWSKI, 1983; PAIVA, 2005).

A imaginação, a criatividade e a intuição são capacidades humanas que permeiam todas as áreas do conhecimento e são pontos com grande potencial de exploração da relação entre Arte e Ciência (BACHELARD, 1978; BRONOWSKI, 1983; ZAMBONI, 2006). Para Bachelard, por exemplo, tanto a Ciência quanto a Arte criam realidades, ou seja, nunca apresentam a natureza verdadeira, mas sempre um conhecimento/representação aproximada do real (BACHELARD, 1978; CARVALHO, 2011).

Além disso, a Arte consegue se relacionar com os diversos campos das Ciências da Natureza pelos seguintes fatores: ambas as áreas constituem processos complexos e dinâmicos, com base na dialética, desenvolvem-se pela teoria, prática, razão e emoção, são atividades humanas, sofrem influência da sociedade, relacionam-se com um público e, de certa forma, são movidas pela curiosidade (BACHELARD, 1978; BENEDICTO, 2018; BRONOWSKI, 1983; RANGEL, ROJAS, 2014; ZAMBONI, 2006).

Trabalhos da natureza desses levantados vão ao encontro da mudança paradigmática defendida por Cachapuz (2014), ou seja, de que haja maiores articulação, comunicação e espaço para que os saberes sejam desenvolvidos de forma interdisciplinar a fim de que novas formas de conhecimento se construam.

O homem, assim como os saberes por ele construídos, é complexo e movido por emoções e intuições, algo que a Arte busca valorizar em seu desenvolvimento. Nesse sentido, ao se fragmentarem os conhecimentos, prejudica-se a totalidade de sua compreensão. Sendo assim, corrobora-se os apontamentos de Rangel e Rojas (2014, p. 74) quando afirmam que:

[...] Pensar, indagar, sentir, intuir são condições humanas. O homem é um ser integral, tanto no seu corpo e mente como no desejo, legítimo e natural, de perceber-se em sua integralidade, que não pode, não deve ser “partida”, segmentada, dividida, em suas formas de sentir, agir, expressar-se, revelar-se no mundo. Por isso, não se pode também fragmentar ou romper os laços entre arte e ciência, como criações e expressões do ser humano e ser no mundo.

Diversos conteúdos das Ciências da Natureza foram abordados ao longo desses trabalhos, como elementos químicos, ótica, misturas e soluções, cinética, gravidade, astronomia, eletroquímica, modelos atômicos, sustentabilidade, ecologia, área e volume, entre outros. Entretanto, apesar de ser interessante constatar que diversos conteúdos da Ciência podem ser abordados a partir de uma interface artística, vale ressaltar que poucos abordaram conteúdos de Arte, ou seja, poucos reconheceram que ela pode contribuir também como conhecimento teórico, e não apenas prático.

O trabalho T6 é um exemplo de estudo em que os alunos vivenciaram o processo artístico. A Arte não esteve presente apenas de forma ilustrativa e foi desenvolvida ao longo de nove encontros de várias formas, como a partir do poema, da dança, do circo e do teatro. Nesses encontros, as discussões abrangiam tanto a Química presente no poema, que serviu de base para toda a performance, como também toda a poética, estética, filosofia e reflexões corporais e pessoais presentes no processo.

Não há problema em explorar a Arte enquanto ferramenta ou algo ilustrativo se isso for contribuir de alguma forma para o processo de aprendizagem e não criar obstáculos epistemológicos no ensino. A questão é que apenas isso não se caracteriza como uma abordagem interdisciplinar, uma vez que a interdisciplinaridade em si vai mais além (FERREIRA, 2012; PÁTARO, BOVO, 2012).

É necessária a busca por um equilíbrio entre as diferentes áreas abordadas ao longo do processo, assim como que a Arte seja explorada como área de conhecimento que é, pois é nesse movimento que podemos alcançar maior grau de compreensão da complexidade que constitui a construção do conhecimento. A partir desse tipo de abordagem, na qual ambas as áreas são consideradas de maneira mais ampla, fica difícil delimitar o que é Arte e o que é Ciência naquele saber construído. É nesse momento que fica claro como é natural a presença de uma na outra e que tentar separá-las/classificá-las é empobrecer e limitar a compreensão do todo. Em outras palavras, “[...] Como áreas distintas de produção de conhecimento acerca do mundo no qual vivemos, é nos contatos entre si que perspectivas interessantes surgem” (FERREIRA, 2012, p. 5).

Outro ponto que pôde ser analisado se refere ao público participante das pesquisas, apresentado no Gráfico 4.

Fonte: Elaborado pelas autoras.

Gráfico 4 Público participante dos trabalhos levantados. 

Assim como no tópico anterior, que apresentou várias áreas do conhecimento abordadas, podemos observar aqui uma diversidade de públicos alvo nos estudos selecionados, mesmo estando eles voltados para o ensino de Ciências. No Gráfico 4 percebe-se a predominância de professores de Ciências da Educação Básica, o que significa que diversos estudos se voltaram para a formação continuada de professores. A maioria dos trabalhos, entretanto, concentrou-se na formação inicial, incluindo as três maiores áreas das Ciências da Natureza e os pós-graduandos.

Vale ressaltar que alguns trabalhos se desenvolveram com mais de um público, como o caso do T5, que produziu uma oficina interdisciplinar visando à alfabetização científica e visual a partir da leitura de imagens (com base no método de Panofsky5) com licenciandos em Física e Arte Visuais.

O trabalho T10 também foi desenvolvido com diferentes públicos: Biologia (licenciatura), Psicologia (bacharelado) e Biomedicina (bacharelado). Apesar de apenas o primeiro grupo estar diretamente envolvido com a formação de professores (motivo de inclusão do trabalho no levantamento), os demais também foram considerados nessa categoria de análise, visto que isso demonstra que a relação entre Arte e Ciência pode contribuir para a formação acadêmica dos estudantes de uma forma geral, independente do curso. Além disso, ressalta o potencial de comunicação interdisciplinar que essa temática é capaz de oferecer.

Snow (2015), em seu livro As Duas Culturas e uma Segunda Leitura, reflete sobre a polarização da sociedade entre cientistas e artistas (da literatura, mais especificamente). Para ele, há uma lacuna muito profunda na comunicação entre esses grupos, de maneira que estimula ainda mais uma incompreensão e a visão equivocada sobre ambos, podendo levar até mesmo a um sentimento de contrariedade entre eles.

De acordo com o mesmo estudo, essa falta de comunicação, muito reforçada pela educação especializada, possibilita que se percam diversas oportunidades no sentido de criação e ideias tanto na Arte quanto na Ciência. Snow (2015) defende que, a fim de atingir um grau maior de criatividade e intelectualidade, é preciso que a Educação seja repensada de forma a ampliar a comunicação entre esses grupos. Por esse motivo é importante, sempre que possível, permitir que diferentes grupos interajam ao longo do processo formativo, para que a interdisciplinaridade seja vivenciada de fato e que outras perspectivas, de pessoas que experienciam processos formativos diferentes, possam ser compartilhadas e caminhar juntas na compreensão e construção de um determinado conhecimento. Esse também é o caso do T15, que promove o contato de docentes e licenciandos de Física com artistas cuja trajetória está, de alguma forma, associada ao diálogo entre Arte e Ciência.

Em outras palavras,

[...] Sendo um processo que precisa ser vivenciado, para ser assimilado em sua complexidade, a interdisciplinaridade ganha importância na vida escolar à medida que os docentes passam a desenvolver de forma integrada um trabalho pedagógico que capacita o estudante a comunicar-se, argumentar, enfrentar problemas de diferentes naturezas e a elaborar críticas ou propostas de ação em torno de questões abrangentes da atualidade.

(HARTMANN, ZIMMERMANN, 2007, p. 3)

O próximo tópico analisado refere-se às estratégias das atividades desenvolvidas com o público-alvo nos trabalhos selecionados para abordar a relação entre Arte e Ciência (Gráfico 5).

Fonte: Elaborado pelas autoras.

Gráfico 5 Estratégias utilizadas nos trabalhos selecionados. 

De acordo com o Gráfico 5, é possível perceber as diversas possibilidades de estratégias pelas quais a temática em questão pode ser abordada. Visitas a espaços não formais, sequências didáticas e minicursos foram as mais exploradas. Sobre a primeira, a relação entre Arte e Ciência foi buscada para além dos limites da sala de aula, incluindo propostas de ensino que utilizam visitas a museus, sítios arqueológicos e exposições.

O T7, por exemplo, teve por objetivo estudar alguns aspectos metodológicos de uma formação continuada de professores de Ciências e Matemática em educação não formal realizada no Museu Inhotim (museu de arte contemporânea em meio à natureza), tendo em vista a construção de algumas possíveis mediações pedagógicas. Com base nessa estratégia, que foi desenvolvida em três etapas (pré-campo, campo e pós-campo), os participantes partiram da Arte e de sua interpretação para refletir sobre a Ciência e, posteriormente, sobre essa relação dentro do ensino.

Outro exemplo de trabalho que usou essa estratégia é o T10, que investigou a relação entre a Arte e a anatomia humana sob a perspectiva do ensino não formal. Nele, as pesquisadoras realizaram uma exposição sobre esse tema, confeccionaram algumas das obras e conseguiram outras que já estavam prontas, incluindo tanto desenhos quanto peças anatômicas, permitindo que os alunos participantes refletissem sobre essa relação desde outra perspectiva.

Esses trabalhos demonstram que a relação entre Arte e Ciência também pode ser explorada além dos limites da sala de aula, dos livros ou de meios mais tradicionais, como filmes e quadros. O espaço não formal de ensino, quando explorado de forma guiada e com objetivos claros, promove no público um olhar mais amplo, relacionando aquele conhecimento com a sua realidade, a natureza da qual faz parte, e o desafia a buscar relações não tão óbvias (BRITO et al., 2017; MARANDINO, 2008), uma vez que museus e exposições artísticas nem sempre contam com objetivos pedagógicos e didáticos, visto não ser essa a sua função, diferentemente de alguns centros de ciências. Essa estratégia, portanto, mostra-se como uma possibilidade enriquecedora no sentido de explorar a relação entre Arte e Ciência em prol do ensino.

Além dos espaços não formais, também houve trabalhos explorando a temática em sequências didáticas com os mais variados assuntos. O T12, por exemplo, tinha como objetivo investigar o impacto da ficção contemporânea e de visões de artistas para ajudar futuros professores a superarem seus próprios preconceitos a partir de duas sequências didáticas com base no ensino investigativo. Já o T6 realizou diversas atividades ao longo de nove encontros cujo objetivo era analisar alguns indicativos de uma performance artística-científica (desenvolvida no contexto de um subprojeto do PIBID) como processo educativo na formação inicial de professores de Química e que foram apresentadas em um Sarau Universitário, ou seja, explorando também ambientes fora da sala de aula.

As sequências didáticas também demonstram exemplos interessantes de como explorar a relação entre Arte e Ciência, uma vez que possibilitam abordar e desenvolver esse assunto de maneira mais aprofundada, unindo a teoria à prática, permitindo que o aluno também exerça um papel ativo e reflexivo sobre sua própria formação. Nesse sentido, esses trabalhos vão além de momentos pontuais que frequentemente são realizados sob a premissa da interdisciplinaridade e que acabam não resultando em uma reflexão construtiva de fato sobre o assunto, servindo, muitas vezes, apenas como um momento ilustrativo ou de descontração.

Os minicursos também são uma estratégia relevante que pode contribuir de maneira positiva para a formação de professores, uma vez que geralmente é possível que sejam planejados com maior duração e mais encontros do que uma sequência didática. Nesse sentido, também possibilitam desenvolver a temática de maneira mais aprofundada e holística, permitindo maior investigação da complexidade que a envolve.

O T3 realizou um minicurso intitulado “Arte no Ensino de Citologia”, de 36 horas distribuídas em nove encontros, com o intuito de contribuir para a formação continuada de professores e licenciandos de Ciências e de Biologia na elaboração de materiais didáticos. Foram exploradas desde questões teóricas sobre o conteúdo de citologia até questões de caráter técnico e prático sobre materiais e procedimentos utilizados na Arte para a confecção de modelos.

Outro exemplo é o T11, que, embora tenha sido descrito como uma disciplina optativa de 30 horas, foi classificado como um minicurso por seguir o mesmo padrão dos outros trabalhos nessa categoria. Esse trabalho buscou compreender como licenciandos em Química e Pedagogia integram Arte e Ciência em seus planejamentos pedagógicos, resultando em propostas que incluíam sequências didáticas, experimentações, trabalhos em espaços não formais, entre outros como os aqui mencionados.

Sobre a categoria “Entrevista”, outros trabalhos utilizaram esse recurso como instrumento de coleta de dados complementares, entretanto o foco dessas pesquisas era o desenvolvimento de outras atividades. O T18, considerado nessa categoria, não desenvolveu qualquer outra atividade, sendo as entrevistas a própria estratégia em si, por isso foi categorizado dessa forma. Nesse caso, os pesquisadores fizeram uso desse tipo de coleta de dados, dentro da perspectiva da pesquisa-ação, para compreender as concepções de um professor de Ciências do Ensino Fundamental sobre a interdisciplinaridade entre Arte e Ciências, permitindo que o mesmo refletisse sobre a temática em questão.

De maneira geral, foi possível identificar diversas estratégias e, consequentemente, metodologias utilizadas nesses trabalhos, que também incluem pesquisas participantes, pesquisa-ação, grupos focais, entre outras. Além disso, quanto à obtenção dos dados, as pesquisas utilizaram os mais diversos instrumentos, como questionários, entrevistas, gravação de áudio e vídeo, fotografias, anotações e desenhos.

Essa etapa de planejamento é essencial para um trabalho interdisciplinar, que é complexo e demanda tempo, estruturação e trabalho coletivo (HARTMANN, ZIMMERMANN, 2007; PÁTARO, BOVO, 2012). Tudo isso reforça a extensão da pluralidade da inserção da Arte no ensino de Ciências, possibilitando que seja explorada por diferentes caminhos, conforme a criatividade do pesquisador e o contexto da pesquisa o permitam. Além disso, essa etapa auxilia o pesquisador/professor na busca pelo equilíbrio entre as áreas, ou seja, a pensar de que forma cada uma será explorada de maneira a serem complementares.

O próximo tópico analisado, a seguir, diz respeito aos tipos de Arte utilizados/explorados e como foram introduzidos nos trabalhos selecionados (Gráfico 6).

Fonte: Elaborado pelas autoras.

Gráfico 6 Tipos de Arte explorados nos trabalhos. 

Como é possível perceber por meio do Gráfico 6, os trabalhos levantados exploraram os mais diversos tipos de Arte, desde desenhos, pinturas, performances, teatro, música, histórias em quadrinhos (HQs), poemas, construção de modelos, entre outros, abrangendo suas três principais categorias: visual, literária e performática, ou seja, há inúmeras possibilidades de se abordar a Arte ou fazer uso de elementos artísticos dentro do ensino de Ciências.

Benedicto (2018), como discutido no início do trabalho, oferece diversos exemplos de formas pelas quais a Arte pode ser explorada dentro dessa relação, partindo tanto dela mesma, a partir de esculturas, pinturas, música, poema e outras exposições, quanto da Ciência por meio de divulgação científica, revistas, programas de TV e outros meios, e, também, enquanto objeto de pesquisa. Os trabalhos selecionados enriquecem essa lista de possibilidades no campo da Arte que podem ser exploradas com o propósito de complementar a Ciência, como é o caso de determinados museus visitados, do poema de António Gedeão (T6) ou de José Saramago (T9), da obra Framed Earth, do artista Manchu, (T12), etc.

É importante ressaltar que vários trabalhos utilizaram mais de um tipo de Arte, o que é muito interessante, pois permite que o aluno experiencie, desenvolva ou construa determinado conhecimento com base em linguagens e perspectivas diferentes, o que estimula o desenvolvimento da imaginação, da criatividade e, consequentemente, do raciocínio. Sobre isso, Bronowski (1983, p. 34) afirma que:

[...] Muitas pessoas pensam que o raciocínio, e por conseguinte a ciência, é uma actividade diferente da imaginação. Mas trata-se uma falácia e temos de a afastar do espírito. [...] O raciocínio, tal como a poesia, constrói-se com imagens móveis. [...] Não existe qualquer diferença entre o emprego de palavras como <<beleza>> e <<verdade>> no poema, e de símbolos como <<energia>> e <<massa>> na equação. Fazemos muito mal às crianças quando, no ensino, as habituamos a separarem o raciocínio da imaginação. [...] A imaginação é a manipulação no espírito de coisas ausentes, utilizando em seu lugar imagens, palavras ou outros símbolos.

O desenvolvimento da criatividade, da imaginação e do raciocínio (como consequência) está intimamente relacionado com a experiência e a vivência de cada um. Quanto mais material temos disponível no nosso imaginário, maiores correlações, associações, desassociações e, por fim, criações conseguimos realizar. O ato criativo reside justamente em tentar encontrar uma unidade na diversidade de informações que a natureza nos oferece (BRONOWSKI, 1977, 1983; VIGOTSKI, 2003). Daí a importância de os alunos experienciarem outras perspectivas, seja por meio de obras de museus, dança, música, desenho, entre outros.

No T7, por exemplo, a Arte foi explorada por intermédio de obras de um museu de Arte contemporânea do Instituto Inhotim. A partir delas, o público participante pôde relacionar diversos conteúdos da área das Ciências da Natureza e da Matemática (teorema de Tales, eletroquímica, evolução, entre outros) e, com isso, foi elaborado um catálogo de atividades interdisciplinares. Esse público teve a oportunidade de experimentar a própria atividade interdisciplinar, fazer correlações entre as diferentes perspectivas e transpor toda essa experiência para o ensino.

Outros trabalhos já descritos anteriormente, como aqueles que optaram pela performance artística, ou o T3, que permitiu que os alunos explorassem diversos materiais e técnicas artísticas na construção de modelos, envolveram diversas linguagens e seguiram nesse caminho de experienciar o fazer artístico em si. Há também, entretanto, outras formas de explorar a Arte, como é apresentado no T12, que utiliza a visão de um artista como referencial de concepção de natureza para trabalhar conceitos de Astronomia (fazer o aluno pensar sob essa outra perspectiva), e nos T5 e T16, cujo referencial de leitura de imagens é muito utilizado no campo artístico.

Nesse sentido, fica claro que a Arte não se resume apenas a um instrumento de ilustração e motivação na Ciência. Embora esses pontos sejam contribuições relevantes para o ensino, não se limitam apenas a isso, podendo ir muito além, auxiliando também enquanto área de conhecimento, assim como o lúdico, que não consiste somente no entretenimento. O conhecimento artístico é capaz de promover reflexões acerca da realidade e do mundo, e isso acontece porque:

[...] assim como a ciência, a arte não é apenas o produto final do quadro, da peça, do roteiro de cinema ou da letra da música. É antes de tudo um processo, idas e vindas de imagens, desejos e expectativas, revisões de conhecimentos anteriores e projeções para o futuro, diferentes linguagens que se cruzam e entrecruzam, enfim, um mistério a penetrar [...].

(FERREIRA, 2012, p. 8)

O fato de serem atividades humanas faz que tanto a Arte quanto a Ciência sejam produtos de seu próprio tempo, resultado de heranças epistemológica e material historicamente construídas pelo homem (VIGOTSKI, 2009), portanto outro ponto que as une é o fato de não serem neutras justamente por estarem inseridas em um determinado contexto (social, histórico, econômico, entre outros). É por isso que ambas estão presentes ao nosso redor o tempo todo e pelo mesmo motivo. Bronowski (1977, 1983) afirma que não há culturas que tenham se desenvolvido apenas com base em uma ou na outra e que os grandes feitos na Ciência acompanham e acompanharam os grandes feitos na Arte, e isso explica o fato de conseguirem se complementar com a finalidade de melhor compreender a realidade em que vivemos, pois são frutos dessa natureza vivenciada.

Explicam-se, então, a necessidade e a importância de que mais pesquisas sejam realizadas no âmbito da interdisciplinaridade, principalmente na formação de professores, possibilitando novas formas de se encararem os conhecimentos construídos historicamente e também a própria realidade, que, em sua complexidade, não hierarquiza os saberes (CACHAPUZ, 2014).

O último tópico a ser discutido se refere às contribuições da relação entre Arte e Ciência para a formação de professores apontadas nos trabalhos selecionados (Gráfico 7).

Fonte: Elaborado pelas autoras.

Gráfico 7 Contribuições da relação entre Arte e Ciência para a formação de professores. 

Buscou-se, com o Gráfico 7, categorizar todas as contribuições envolvendo a relação entre Arte e Ciência para a formação dos participantes das pesquisas discutidas nos trabalhos selecionados. Como é possível observar, essa relação proporcionou aprimoramentos tanto de caráter pessoal quanto profissional, epistemológico e prático.

O “aprimoramento do conhecimento” foi o ponto mais citado, incluindo um olhar mais crítico e holístico para as temáticas estudadas e também em relação a novos conhecimentos que passaram a complementar o corpus de saberes dos participantes. Isso também se relaciona com o segundo ponto mais citado, que se refere à reflexão e à experiência interdisciplinar.

De acordo com o que foi apresentado nos trabalhos, a interdisciplinaridade, explorada entre diferentes áreas do conhecimento, mas principalmente entre Arte e Ciência, foi um aspecto desenvolvido, experienciado e compôs o leque de reflexões apresentadas pelos participantes das pesquisas. Isso foi decisivo não só para a ampliação da dimensão sobre a construção do conhecimento, como também para a quebra de paradigmas no desenvolver do coletivo, na alfabetização visual e científica e na compreensão crítica da natureza dos envolvidos, outros pontos também citados nesses trabalhos.

Essas contribuições são de suma importância para a formação docente. Como já discutido no início deste trabalho, a interdisciplinaridade é uma necessidade para o ensino de Ciências (CACHAPUZ, 2014). De acordo com Rangel e Rojas (2014, p. 75), reconhecer e compreender os elos que compõem diferentes perspectivas e dimensões teóricas e metodológicas, sem desvalorizar as especificidades, é algo que favorece a construção dessa rede de saberes na formação docente. Nesse sentido, os autores enfatizam o valor epistemológico da multidisciplinaridade e da contextualização, considerando a articulação entre Arte e Ciência que, em suas palavras, “[...] não só ampliam e multiplicam os prismas de compreensão dos fatos, processos e fenômenos naturais e sociais, como, principalmente, o alcance do olhar investigativo”.

Outros aspectos também citados nos trabalhos se referem a novas percepções sobre si mesmo e incluem as categorias “reflexão e aprimoramento da própria formação” e “reflexão sobre si e o próprio corpo”. Sobre a primeira, de maneira geral, de acordo com os resultados apresentados, essa relação explorada possibilitou que os participantes das pesquisas repensassem suas práticas e sua própria formação tanto no que diz respeito a valorizar a arte e ampliar seu olhar para as possibilidades desse campo na prática docente quanto no que se refere ao desenvolvimento de uma visão mais crítica sobre os conhecimentos científicos, que puderam ser compreendidos dentro de uma rede de conexão de saberes.

Em relação à segunda categoria, os estudos permitiram que os participantes refletissem sobre seu papel na sociedade, capacidades e habilidades enquanto seres humanos e explorassem as possibilidades e limitações do próprio corpo (principalmente com aqueles que desenvolveram as artes performáticas). Nesse sentido, puderam vivenciar novas formas de interpretação do conhecimento e do mundo, indo além da teoria e da prática, o que se configurou em algo de fato transformador.

Esses aspectos realçam algumas das principais contribuições que o campo da Arte pode proporcionar ao ensino de Ciências: incluir o sujeito no seu próprio processo de construção do conhecimento e humanizar o processo científico. Na Ciência, dentro de uma crença positivista e mecanicista da imparcialidade, neutralidade e impessoalidade (que ainda se mantém no campo científico e no ensino de Ciências), muitas vezes se preza por esse afastamento entre o cientista e aquilo que ele faz, buscando olhar apenas para o produto acabado em vez de para todo o processo. Esse é um dos pontos que mais prejudicam a compreensão da natureza da Ciência e dificultam o processo de significação de determinados conhecimentos científicos (MATTHEWS, 1995, LEITE, 2020).

Quando falamos de criação, seja ela artística ou científica, é necessário saber que todo processo criativo não se finaliza no produto final. Na verdade, o fim desse processo está na apreciação desse produto (seja ele um teorema ou uma pintura) e na ressignificação que fazemos para nós mesmos. Ou seja, se aquilo não tiver um significado/sentido para nós, de nada vale a criação, aquilo não será compreendido ou sentido (BRONOWSKI, 1979; VIGOTSKI, 2009).

Sabemos que a Arte e a Ciência têm suas particularidades, como as diversas discutidas por Kuhn (1982), contudo não são aquelas erroneamente disseminadas, como “ciência é razão e arte emoção”, “a ciência é neutra e a arte sofre influência” ou “uma é criativa e a outra é logica”. Na verdade, esses são pontos em que elas coincidem, apesar de alguns elementos serem mais ressaltados em uma e negligenciados em outra, como a questão da neutralidade na Ciência positivista, por exemplo. Como na Arte há mais liberdade para se explorar esses outros aspectos, ela se torna uma importante aliada no que diz respeito à busca pela humanização do processo científico, o que contribui para esse olhar mais crítico sobre a natureza da Ciência, sobre si mesmo e a realidade na qual se está inserido, além de auxiliar o processo de ressignificação daquilo que foi criado pelos seres humanos.

Ademais desses pontos, a relação entre Arte e Ciência foi capaz de estimular a participação mais ativa do público alvo e proporcionar uma experiência estética, além de contribuir para o desenvolvimento da criatividade. O ato criativo é um dos principais aspectos que une essas duas áreas do conhecimento. Tanto uma quanto a outra tem a base na criação, apesar de essa habilidade ser mais explorada no ensino de Arte quando em comparação com o de Ciências.

De acordo com Kind e Kind (2007), no ensino da Arte há um ambiente que favorece e valoriza a expressão de sentimentos e opiniões individuais a partir de materializações criativas e do compartilhamento das mesmas. Em relação às Ciências, ainda prevalece um ensino mais tradicional, que costuma tratar os alunos como aprendizes passivos, o que resulta, muitas vezes, em que os professores busquem na Arte maneiras de revitalizar seus conteúdos e abordagens. Não é qualquer aproximação com a Arte, no entanto, que vai tornar o processo criativo bem-sucedido. Segundo os mesmos autores, para isso é necessário que a integração entre Arte e Ciência inclua projetos que permitam um papel mais ativo, coletivo, pessoal e criativo, geralmente podendo ser explorado por meio de atividades performáticas ou da elaboração de produtos criativos, como é possível observar em alguns dos trabalhos selecionados. Em suas palavras:

[...] Pensamos que o ensino de ciências se beneficiaria com a adaptação do processo artístico de autoexpressão, incluindo 'arriscar o fracasso, apostar e confiar em uma abordagem mais criativa quando o resultado não é tão preciso’ [...]. Esta pode ser uma maneira de fazer com que o ensino atenda às necessidades das crianças, ao mesmo tempo em que enfatiza verdadeiramente a criatividade. O desafio, claro, é garantir que o ensino ainda tenha a ciência como foco principal, e não a expressão artística. Para isso, é necessário ter consciência das características da criatividade científica e objetivos claros para os resultados da aprendizagem.

(KIND, KIND, 2007, p. 9, tradução nossa)

De acordo com Alencar, Fleith e Pereira (2017), ambientes de aprendizagem que promovem o exercício da criatividade muitas vezes fogem da zona de conforto dos professores. É necessário que a criatividade seja um dos pontos centrais no Ensino Superior a fim de que haja melhor formação desse público jovem para lidar com as demandas complexas e incertas que o mundo vem exigindo. Para isso, os autores afirmam que não é preciso que a criatividade se torne uma disciplina a mais a ser adicionada no currículo, mas, sim, que um ensino criativo e para a criatividade permeie os ambientes de aprendizagem, pois, dessa forma, os futuros professores terão a oportunidade de vivenciar, enquanto estudantes, possíveis práticas docentes que possibilitam o desenvolvimento de seu potencial criativo de diversas formas.

É importante, por conseguinte, superar determinadas visões a respeito da criatividade, como a de que o ato criativo está ligado somente a elevadas faculdades intelectuais, quando, na realidade, todos os seres humanos possuem essa capacidade em diferentes graus e ela é passível de ser desenvolvida e está presente em diversas atividades, inclusive nas mais simples do cotidiano (JACKSON, 2014; ZAMBONI, 2006).

Outra visão a ser superada é a de que a imaginação e a sensibilidade estão presentes apenas no mundo da Arte. Como já mencionado, a criação também é a base da Ciência, que se se desenvolve por meio de percepções sensíveis, de forma a transformar as emoções e determinar passos a serem dados em ambas as áreas (BACHELARD, 1978; BRONOWSKI, 1983; ZAMBONI, 2006).

A experiência e a sensibilidade estética, ou seja, a Ciência do saber sensível, da manifestação da autoconsciência de si e de sua realidade, já vêm sendo discutidas e apontadas como algo presente tanto no fazer científico quanto no artístico (BACHELARD, 1978; CARVALHO, 2011; RANGEL, ROJAS, 2014). De acordo com Rangel e Rojas (2014, p. 73),

[...] A sensibilidade estética pode ser início, motivação e fundamento da sensibilidade científica, que motiva e inspira a busca do saber. A descoberta do conhecimento, a criação, a criatividade, as atividades lúdicas são processos da natureza humana que se associam à evolução histórica e cultural do mundo, do progresso da ciência e da tecnologia. [...] a dimensão do sensível é própria da multidimensionalidade do ser humano que [...] envolve os níveis físico, psíquico, estético.

Segundo os autores supracitados, a experiência estética e as emoções ligadas a ela não só contribuem para o aprimoramento do processo de construção do conhecimento, mas também para a vida do sujeito enquanto cidadão e enquanto pessoa, o que se torna algo relevante e necessário para o contexto contemporâneo. Nesse sentido, a Arte também pode ser uma opção catalisadora dessas contribuições citadas até agora, pois “[...] as artes são um importante veículo de conhecimento e, especialmente, extraímos delas uma compreensão da experiência humana e, através dela, dos valores humanos, que, no meu entender, a transforma num dos modos fundamentais do conhecimento humano” (BRONOWSKI, 1983, p. 77).

Todos os resultados apresentados a partir deste levantamento contribuem para a superação de uma visão equivocada e limitada a respeito da relação entre Arte e Ciência. Como é possível perceber, as contribuições são muitas e, frente às necessidades de um ensino de Ciências crítico, criativo, coletivo, emancipador e transformador, essas pesquisas demonstram o potencial dessa relação. É importante ressaltar o fato de que, apesar de todos os trabalhos terem sido desenvolvidos no âmbito do ensino de Ciências, as contribuições são mútuas, tanto de uma área para com a outra quanto entre os sujeitos participantes da pesquisa (professor, aluno, pesquisador e demais públicos).

Enxergar a rede de conexões entre os saberes e desenvolver um olhar complexo e crítico sobre si e sobre a realidade na qual se está inserido permitem que avancemos como profissionais e cidadãos, facilitam o olhar sobre e a comunicação com o outro, abre-nos para outras perspectivas e nos desafia a sair da zona de conforto. Tudo isso favorece o papel ativo e criativo dos futuros professores. Nesse sentido, concordamos com Rangel e Rojas (2014, p. 85) quando se posicionam a favor de “[...] uma formação mais sensível e criativa dos docentes, no intuito de que estabeleçam uma relação criadora e criativa com o saber e produzam conhecimento em favor de um mundo mais sensível às questões candentes da humanidade”.

4 Conclusão

A Arte e a Ciência são campos dos saberes que, embora muitas vezes compreendidos como opostos, têm, na verdade, uma recorrência mútua. O homem, assim como a sociedade da qual faz parte e o conhecimento por ele construído historicamente, é algo complexo, movido por sensações, emoções, racionalidade e criatividade. Sendo assim, essa dicotomia entre Ciência e Arte ou razão e emoção, no sentido de exclusão da possibilidade de se relacionarem, tende a dificultar a compreensão dos saberes em sua totalidade, além de limitar possibilidades de aprimoramento nos processos de ensino e aprendizagem das duas áreas.

Este estudo nos permitiu perceber que alguns trabalhos específicos não exploraram de maneira aprofundada a relação entre Arte e Ciência, pautando-se em atividades mais pontuais e sem grandes reflexões, entretanto, a partir do panorama geral que uma pesquisa de levantamento é capaz de proporcionar, foi possível perceber que, ante os diversos pontos defendidos como importantes e necessários para o ensino de Ciências e a formação de professores, como a interdisciplinaridade, o desenvolvimento da criatividade e o olhar para a Arte como área de conhecimento, muitos foram os resultados positivos sobre a forma como essa temática tem sido explorada.

Por meio da análise mais detalhada, pode-se resumir a forma como a relação entre Arte e Ciência tem sido explorada em uma palavra: diversidade. Os resultados apontam para uma variedade de áreas do conhecimento que podem ser abordadas a partir dessa interação (Ciências exatas e biológicas, sociais, humanas e Artes); público alvo (licenciandos, professores e mestrandos); estratégias (visitas a espaço não formal, minicurso, sequência didática, oficinas etc.); tipos de Arte explorados (obras de museu, teatro, poemas, dança, música, pintura, performance, entre outros); e contribuições que abrangem desde aprimoramentos do conhecimento, reflexão mais crítica e repensar da prática docente até reflexões sobre si e o próprio corpo e o desenvolvimento da criatividade.

A partir deste trabalho fica evidente a pluralidade de caminhos, possibilidades e contribuições que a relação entre Arte e Ciência pode proporcionar ao aprimoramento da formação de professores do ensino de Ciências e demais áreas relacionadas. Essas pesquisas caminham no sentido da superação dessa visão equivocada que se tem sobre essa relação, além de auxiliar na comunicação entre diferentes públicos, que, como Snow (2015) defende em seu livro, é a chave para o entendimento mútuo entre esses grupos e, consequentemente, para o avanço de ambas as áreas do conhecimento.

Apesar desses resultados, vale ressaltar que, frente ao total de trabalhos que são publicados nesses eventos e revistas de grande impacto na área, o número de pesquisas que abordam essa temática é baixo, principalmente quando o foco se dá no âmbito da formação de professores. Nesse sentido, este estudo tem o intuito de inspirar pesquisadores a explorar cada vez mais essa relação e outras também possíveis, visto ser um assunto que vem ganhando espaço nos últimos 10 anos e apresentado resultados positivos para a área.

Em suma, Ciência e Arte são áreas que se complementam, mas, para que essa interseção seja explorada e desenvolvida, é necessário que haja comunicação entre os sujeitos participantes de cada grupo. É nesse sentido que a Educação pode ser considerada a principal chave potencializadora de tal diálogo e encontros. A socialização, o trabalho coletivo e a rede de saberes compartilhada é que permitem o avanço de todas as áreas do conhecimento, portanto é preciso almejar e desenvolver um ensino mais integral e interdisciplinar, mais humano e criativo, mais crítico e transformador, e isso se inicia na formação de professores.

1Com exceção da VII edição, uma vez que os anais são foram encontrados.

2O evento ocorre a cada quatro anos.

3Os anais da última edição (XIV-2021) ainda não foram publicados, e os das edições IV, V e VI não foram disponibilizados no site oficial do evento.

4Ressalta-se, aqui, a importância de se considerar os critérios utilizados para a busca, existindo a possibilidade de outros trabalhos abordarem o assunto buscado, mas que não se encaixaram no tipo de critério adotado.

5Historiador da Arte e referencial teórico para a leitura de imagens.

Referências

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Recebido: 04 de Janeiro de 2023; Revisado: 07 de Março de 2023; Aceito: 09 de Março de 2023

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