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Educação: Teoria e Prática

versión impresa ISSN 1993-2010versión On-line ISSN 1981-8106

Educ. Teoria Prática vol.33 no.66 Rio Claro  2023  Epub 07-Ago-2024

https://doi.org/10.18675/1981-8106.v33.n.66.s17228 

Dossiê

Contribuições da pesquisa em representações sociais para ensinar e aprender Geografia

Contributions of research in social representation to teach and learn Geography

Aportes de la investigación en representaciones sociales para enseñar y aprender Geografía

1Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, São Paulo – Brasil. E-mail: jose.rossi@unesp.br.

2Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, São Paulo – Brasil. E-mail: andreia.osti@unesp.br.


Resumo

A representação tem grande centralidade na Geografia, estando associada a diferentes sentidos. Considerando que são construções simbólicas que reconstituem o real e dão a ele um significado, as representações sobre o mundo em que se vive são indispensáveis para nele viver, o que justifica a importância de uma investigação sobre elas. Nesse sentido, o artigo objetiva, inicialmente, apresentar elementos centrais da Teoria das Representações Sociais para, em seguida, expor um panorama das pesquisas envolvendo representações sociais e o ensino de Geografia ao longo do início do século XXI, o que permite identificar as principais influências teóricas, os caminhos metodológicos das investigações e as contribuições dos resultados das pesquisas para a discussão sobre o ensinar e o aprender Geografia. Como resultados conclui-se que: pesquisas sobre representações sociais no campo do ensino de Geografia são ainda incipientes; investigações sobre as representações contribuem para o embasamento de práticas pedagógicas e para a alteração de determinadas representações fundadas no senso comum; representações sociais situam e orientam os sujeitos no mundo, são valorativas e dão sentido às práticas sociais; e o processo de ensinar e aprender Geografia é relevante na elaboração de representações.

Palavras-chave Ensino de Geografia; Teoria das Representações Sociais; Geografia Escolar; Pesquisa Qualitativa

Abstract

Representation is associated to several meanings and plays a fundamental role in geography. Since symbolic constructions reconstitute reality and provide meaning to it, the representations regarding the world we live in are indispensable, which demonstrate the importance of investigating them. In this sense, the objective of the present study is to demonstrate the central elements of the Social Representation Theory to provide an overview of the research involving social representation and geography teaching in the early 21st century. The results will enable the identification of the main theoretical influences, the methodology, and the contribution of research conducted in the area, more specifically, on geography teaching and learning. The results revealed that studies on social representation in geography are still incipient; however, the literature contributes for pedagogical practices and for the modification of some representation embedded in common sense. Therefore, teaching and learning geography is of the utmost importance, since social representations provide social practices with sense and value.

Keywords Geography Teaching; Social Representation Theory; School Geography; Qualitative Research

Resumen

La representación presenta gran centralidad en Geografía y se asocia a distintos significados. Considerando que son construcciones simbólicas que reconstituyen lo real y le dan sentido, las representaciones sobre el mundo en que se vive son indispensables para habitarlo, lo que justifica la importancia de una investigación sobre ellas. En este sentido, el artículo tiene como objetivo, inicialmente, presentar elementos centrales de la Teoría de las Representaciones Sociales, para luego exponer un panorama de las investigaciones sobre las representaciones sociales y la enseñanza de Geografía a lo largo del inicio del siglo XXI, lo que permite identificar las principales influencias teóricas, los caminos metodológicos de las investigaciones y las contribuciones de los resultados de la investigación para el debate sobre la enseñanza y el aprendizaje de Geografía. Como resultado, se concluye que: investigaciones sobre las representaciones sociales en el ámbito de la enseñanza de Geografía son todavía incipientes; investigaciones sobre representaciones contribuyen a la fundamentación de prácticas pedagógicas ya al cambio de algunas representaciones basadas en el sentido común; representaciones sociales sitúan y orientan a los sujetos en el mundo, son valorativas y dan sentido a las prácticas sociales; y el proceso de enseñanza y aprendizaje de Geografía es relevante en la elaboración de representaciones.

Palabras clave Enseñanza de Geografía; Teoría de las Representaciones Sociales; Geografia Escolar; Investigación Cualitativa

1 Introdução

Uma das principais características do ser humano é a capacidade de representar e de construir representações precisas da realidade que lhe permitam atuar sobre ela e antecipar o que vai ocorrer. De acordo com Delval (1994), a representação está relacionada a todas as atividades de interpretação da informação que o ambiente fornece e constitui um aspecto da capacidade que o sujeito tem para construir e organizar o mundo que está ao seu redor.

O constructo de representação social, segundo Moscovici (1978), está baseado no pressuposto de que a imagem mental, que pode ser entendida como um modelo ou uma crença, não se distancia da opinião do indivíduo. Assim, a informação recebida é filtrada por meio de cognições e de valores próximos à percepção da realidade do indivíduo, sendo que essa concepção ocorre a partir dos valores e das crenças presentes no contexto em que ele está inserido.

As representações são, portanto, formas de conhecimento que circulam por intermédio de uma fala, um gesto ou um encontro. Isso significa que as relações sociais que são estabelecidas, os objetos produzidos ou consumidos são e estão impregnados de representações. Ela constitui uma das vias de apreensão do mundo concreto e é preciso encará-la como própria da sociedade e da cultura. Para Moscovici (1978), a concepção que o sujeito tem, como ele pensa, acredita e interpreta sua realidade, ou seja, suas concepções, são, na realidade, representações sociais.

Toda representação é composta de figuras e expressões socializadas, isto é, consiste em uma organização de imagens e linguagem. Sendo assim, realça e simboliza atos e situações que se tornam comuns e acaba por modelar o que é dado do exterior na medida em que os indivíduos e grupos sociais se relacionam com situações, atos e objetos constituídos no decurso das interações sociais. Ela produz e determina os comportamentos, pois define a natureza dos estímulos (imagem ou modelo) que cercam e provocam, dando significado às respostas (reflexo de conduta), sendo, portanto, o sinal e a reprodução de um objeto socialmente valorizado.

As representações são criadas mentalmente e produto das nossas ações e comunicações. Elas precedem no sentido da nossa existência, mas ao longo da vida elas também vão sendo ressignificadas, criadas e reconstruídas (Kozel, 2002). Nesse sentido, podemos afirmar que as representações estão presentes em todos os contextos quando, por exemplo, no encontro e contato com pessoas ou objetos, passamos a nos familiarizar com eles. E a perspectiva da Teoria das Representações Sociais é a de um sujeito ativo e pensante, em oposição a concepções anteriores que acentuavam o indivíduo enquanto um ser passivo e atribuíam, ao sujeito, uma visão solipsista (Jodelet, 2009).

Uma das contradições existentes no campo da Psicologia se dá em torno da relação indivíduo-sociedade, com explicações que ora abstraem o indivíduo, ora abstraem a sociedade. Por isso, a necessidade de recuperar e construir explicações em que não há tensão entre o sujeito social e o mundo, o que demonstra a unidade do sujeito no interior da Teoria das Representações Sociais, ou seja, considerar o papel ativo dos sujeitos sem desconsiderar a relevância do mundo social (Jovchelovitch, 1995).

A representação é, ao mesmo tempo, individual e social, funcionando como um eixo que liga os dois extremos e desfaz uma possível dicotomia (GUARESCHI, 2000). Individual porque necessita de um sujeito, e social, pois perpassa a sociedade, os grupos, sendo possível identificá-la em fenômenos sociais, ou seja, não é a representação de uma única pessoa. Isso significa que a constituição do Eu se dá devido às relações com os outros, significando que a vida privada de cada ser humano se origina a partir de fora, do espaço público, que é marcado por diversidade, diálogo e pluralidade humana (Jovchelovitch, 1995).

Segundo Moscovici (2005), as representações possuem até mesmo relações estreitas com uma atividade profissional, como ser professor, médico, geógrafo ou popularizador da ciência, pois estes profissionais criam e transmitem as representações, mesmo quando não sabem exatamente que estão desempenhando essa ação. Uma vez criadas, elas se atraem ou se repelem e se transformam em outras.

No âmbito do trabalho, cada profissional tem suas ideias sobre a vida, a sociedade e determinados fenômenos. Em um grupo de operários, empresários ou estudantes, por exemplo, certamente será encontrado saberes correspondentes à quantidade de conhecimento e informação que cada indivíduo tem sobre o assunto, sendo que a soma de todas as opiniões representaria a ideia do grupo. Nesse caso, teríamos as representações subjetivas e intersubjetivas. A representação social, portanto, abrange não somente o conhecimento científico, mas todo tipo de conhecimento, envolvendo desde os mais elementares, como referir-se ao crescimento e ao desenvolvimento de uma criança ou de uma planta, à função de um carro, ao nascer do sol, ao significado da palavra amor, à influência da mídia, até a importância da coleta de lixo, o conceito de democracia, as consequências da Covid-19 para a saúde humana, entre muitos outros temas.

A representação, quando convertida num sistema de interpretação, torna-se uma ordenação das condutas na qual as informações adquiridas penetram na vida cotidiana das pessoas e acabam por gerar comportamentos adequados, fazendo com que mudem as relações entre as pessoas e a maneira como essas relações são vividas. Instituições como igrejas, movimentos populares, associações de bairro, partidos políticos e similares são organizados tendo como base doutrinas e critérios próprios e divulgam para os frequentadores seus ideais e valores, ou seja, sua representação de mundo. Isso significa que, a partir do momento em que esses valores são introjetados e absorvidos pelos indivíduos e pela comunidade, faz-se um reforço do conteúdo e dos aspectos da representação desses órgãos, portanto a representação que se faz acerca de algo ou alguém vai depender do sistema de valores que orienta a percepção dos indivíduos, pois esses valores é que modelam a representação.

Para compreender como funcionam as representações é fundamental conhecer os dois processos que as geram, denominados por Moscovici (1978, 2005) de objetivação e ancoragem. Na ancoragem transformamos algo estranho (um objeto ou ideia) em nosso sistema particular de categorias. Ancorar implica classificar e dar nome a algo, por exemplo, quando rotulamos uma pessoa dizendo que ela é pobre, emergente, comunista, histérica ou neurótica, estamos, na verdade, classificando-a de acordo com uma categoria que nós mesmos elegemos, estabelecendo uma relação positiva ou negativa.

Estamos sempre classificando pessoas, fatos, ideias ou objetos. Por meio de nossas próprias vivências e conhecimentos agrupamos esses objetos ou pessoas em uma categoria que pensamos ser apropriada, podendo essa ser convergente ou não com a norma social. Nessa perspectiva, é possível observar, na mídia e nas propagandas, a veiculação de representações em que são mostrados padrões do que é “normal”, “desejável”, “adequado”, “bom”, tornando-os acessíveis e concretos.

O segundo processo, a objetivação, é muito mais atuante que a ancoragem, pois une uma ideia, fato ou conceito com a nossa realidade. Objetivar implica reproduzir um conceito em uma imagem, ou seja, transformar as palavras e ideias em nossas representações, tornando aquilo que não é familiar em algo familiar. Consiste, portanto, num outro processo pelo qual o objeto passa da condição de abstrato para concreto, materializando-se por meio da palavra.

Como contribuição à compreensão da circulação e do domínio das representações, Jodelet (2009) propôs três esferas/dimensões de pertença das representações sociais que se relacionam: a subjetividade, a intersubjetividade e a transubjetividade. A subjetividade considera os processos operados, em nível dos indivíduos, de natureza cognitiva e emocional, dependendo da experiência de vida. Correspondem, portanto, ao processo pelo qual o indivíduo se apropria e constrói suas representações. A dimensão da intersubjetividade relaciona-se às situações que contribuem para o estabelecimento de representações elaboradas na interação entre sujeitos, sendo negociadas e estabelecidas em comum pela comunicação verbal direta em um dado contexto social e espaço de interlocução. Já a transubjetividade abrange tanto os indivíduos quanto os grupos e contextos de interação, e remete a diferentes espaços, abrangendo o espaço social e público onde estão presentes as representações provenientes de fontes diversas, a exemplo dos meios de comunicação de massa e dos contextos impostos pelos funcionamentos institucionais.

Diante de todas essas contribuições das representações para a compreensão do mundo, da sociedade e dos sujeitos, as pesquisas em representações sociais têm grande contribuição para um olhar sobre os processos de subjetivação, o que significa que estudos nesse campo são fortuitos para o estudo da produção e significação do conhecimento e do papel das representações na constituição das subjetividades (Jodelet, 2009). Isso quer dizer que, enquanto campo de pesquisa, oferecem um novo caminho à Educação e esclarecem fatores de influência no processo educativo, tais como a relação pedagógica, a instituição, o modo como o professor e o aluno concebem o seu papel e o entendimento e relação com e sobre determinados objetos (Gilly, 2001). Além disso, como o objetivo central das representações sociais é compreender o mundo em que habitamos, isso se aproxima, inegavelmente, do papel da Geografia, inclusive de seu ensino escolar.

Como há o desenvolvimento de símbolos a partir da atividade representacional, por meio deles, enquanto “pedaços de realidade” mobilizados pela atividade psíquica e criadora dos sujeitos, eles podem dar sentido e forma ao mundo em que vivem (Jovchelovitch, 1995). Vale dizer, dado o caráter ativo dos seres humanos, que as representações sobre a realidade não são uma mera reprodução psíquica, já que há um conjunto de fatores que influenciam nesse processo de constituição que tem papel de mediação entre o indivíduo e a sociedade.

Diante disso, a valorização das representações na Geografia, para além da expressão dos conhecimentos geográficos por meio dos mapas, está ligada ao interesse pelos atores sociais que produzem espaço e pelo pensamento construído, com objetivos diversos, o que possibilita a apreensão, organização e leitura da realidade. É possível até afirmar a existência de uma geografia das representações, cujo propósito, que agrega a dimensão subjetiva à análise espacial, seria compreender as relações entre as representações, as ações humanas e o imaginário como forma de explicar a diversidade das práticas sociais, dos comportamentos, das mentalidades, do vivido (Kozel, 2002). E o processo de gênese das representações sociais, sendo sociocultural, não está desvinculado da comunicação e das práticas sociais (Jovchelovitch, 1995). Tais representações, sejam elas individuais ou sociais, são construídas a partir da realidade espacial e permitem o entendimento das simbioses dos atores sociais com a organização espacial (Kozel, 2002). Inclusive, consideramos que as representações sobre determinados objetos têm uma dimensão espacial, o que as torna de interesse para o campo da Geografia.

A partir dessas contribuições das representações para as pesquisas científicas em diversas áreas e para a Geografia, busca-se, inicialmente neste artigo, apresentar um breve panorama das pesquisas envolvendo representações sociais e o ensino de Geografia, o que possibilita, em um primeiro momento, identificar as principais influências teóricas, os caminhos metodológicos das investigações e as contribuições dos resultados das pesquisas para a discussão sobre o ensinar e o aprender Geografia. Posteriormente, serão discutidos, a partir dos pressupostos da Teoria das Representações Sociais, quais são os subsídios dessa teoria e desse campo de estudos para a compreensão da relevância das representações no ensino de Geografia.

2 Um panorama das pesquisas sobre representações sociais e ensino de Geografia

Diante da importância atribuída às representações na pesquisa em Educação e, mais especificamente, no ensino de Geografia, é sempre fundamental, como ponto de partida, investigar aquilo que já se sabe sobre determinado assunto, observando os caminhos da investigação e os resultados encontrados nas pesquisas que precederam a que se pretende realizar. Pensando nisso, sistematizar um panorama geral das pesquisas em representações sociais envolvendo o ensino de Geografia é um dos caminhos para se fazer um diagnóstico sobre a relação entre as áreas (caso já haja publicações nesse sentido), assim como encontrar percursos (ou por eles não seguir) nas pesquisas futuras. Não se trata aqui de fazer uma pesquisa do tipo estado da arte ou estado do conhecimento, já que essas demandam mais elaboração e finalidades distintas do que aqui é proposto.

O breve panorama realizado teve como objetivo promover um diagnóstico sobre determinado tema (o das representações sociais no ensino de Geografia), identificar os aportes teórico-metodológicos já empregados nos estudos analisados e contribuir para a definição e a busca de campo de pesquisa. Destaca-se também a importância desses levantamentos para o avanço do conhecimento em determinada temática. Com base nele é possível compreender as lacunas existentes nas pesquisas, assim como projetar possibilidades de investigações futuras a partir do diagnóstico do que ainda não foi feito, ou seja, essa revisão inicial contribui para o “ineditismo” dos trabalhos, o que pode ser relevante para as respectivas áreas de conhecimento.

Barbosa e Silva (2017), por exemplo, já analisaram as dissertações e teses que se valeram do referencial teórico e metodológico da Teoria das Representações e da Teoria do Núcleo Central, fazendo buscas por meio das palavras-chave “representações sociais” e “geografia”. As autoras apontam que houve um crescimento nas pesquisas envolvendo essas temáticas entre 2005 e 2015, distinguindo-as em duas principais categorias: ensino de Geografia e representações sociais (que é interesse nesse breve panorama), envolvendo temas geográficos, conceitos e processos educacionais (com 22 trabalhos) e ciência geográfica e representações sociais (com 24 trabalhos).

Para o levantamento inicial aqui realizado, duas bases de dados foram utilizadas como referência: o Banco Digital de Teses e Dissertações (BDTD) e o Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). A partir dos resultados encontrados nessas plataformas, a análise foi amparada nos seguintes objetivos: quantificar os trabalhos de mestrado e doutorado que tem como foco discutir as representações sociais envolvidas no ensino da Geografia no período das duas primeiras décadas do século XXI; caracterizar quais metodologias são utilizadas e quais referenciais teóricos embasam as pesquisas; identificar quais são os polos de produção das pesquisas que envolvem representações sociais e ensino de Geografia no país; e identificar as contribuições dos trabalhos para a realização de outras pesquisas sobre representações sociais e ensino de Geografia.

Após uma breve consulta a essas bases, foram definidos os descritores de acordo com as temáticas de interesse. Essa etapa da investigação é fundamental, já que influenciará diretamente os resultados encontrados. A depender dos descritores escolhidos, o resultado poderá sofrer grandes variações. Em seguida à escolha dos descritores, fez-se um exercício de verificação das palavras-chave em cada um dos sites, elaborando algumas combinações de palavras diferentes para verificar a quantidade e a qualidade dos resultados. Como esperado, dependendo do arranjo empregado, o número e o tipo de resultado eram significativamente distintos, e o número de resultados encontrados em cada uma das bases também foi diferente, o que indicou que o Catálogo de Teses e Dissertações da Capes, para o caso dessa pesquisa, era mais completo. Os resultados e os descritores utilizados estão sistematizados nos Quadros 1 e 2:

Quadro 1 Resultados de busca no Catálogo de Teses e Dissertações da Capes. 

Banco de Teses e Dissertações da Capes
Palavras-chave Número de resultados
Representações sociais AND geografia 3.886
Geografia AND representações sociais 998
Representações sociais AND geografia AND ensino 533
Representações sociais AND geografia AND educação 653
Geografia AND ensino AND representações sociais 263
Geografia AND representação 931
Geografia AND representações 998
Representação social AND geografia AND ensino 397
Ensino AND geografia AND representação social 224

Fonte:https://catalogodeteses.capes.gov.br/catalogo-teses/#!/. Elaborada pelos autores (2022)

Quadro 2 Resultados de busca no Banco Digital de Teses e Dissertações. 

Banco Digital de Teses e Dissertações
Palavras-chave Número de resultados
Representações sociais AND geografia 483
Geografia AND representações sociais 483
Representações sociais AND geografia AND ensino 122
Representações sociais AND geografia AND educação 153
Geografia AND ensino AND representações sociais 122
Geografia AND representação 1.255
Geografia AND representações 1.002
Representação social AND geografia AND ensino 112
Ensino AND geografia AND representação social 112

Fonte:http://bdtd.ibict.br/vufind/. Elaborada pelos autores (2022)

Depois de várias combinações e refinamentos, foram escolhidos os seguintes descritores: Geografia AND ensino AND representações sociais. A ideia era que essas palavras estivessem presentes, de forma conjunta, nos títulos, resumos e/ou palavras-chave das teses e dissertações. Esse procedimento pretendia buscar trabalhos que utilizassem, nas pesquisas sobre ensino de Geografia, o aporte teórico da Teoria das Representações Sociais. Com essa escolha, obtiveram-se 263 resultados de busca. O recorte temporal escolhido para a análise se referiu às duas primeiras décadas do século XXI, ou seja, de 2001 a 2020, o que resultou em um total de 235 trabalhos. Também foram inseridos outros filtros: um ligado à grande área de conhecimento, restando apenas trabalhos das Ciências humanas, Ciências sociais e aplicadas e multidisciplinar; e outro ligado à área específica. No caso, foram eleitos trabalhos das seguintes áreas: Educação, Educação de Adultos, Ensino, Educação Especial, Interdisciplinar, Social e Humanidades. Em seguida, restaram 92 teses e dissertações para análise.

Quanto aos resultados dessa pesquisa, evidenciou-se que há um número superior de trabalhos de mestrado com relação às teses de doutorado. Foi possível também constatar a predominância de pesquisas em representações no âmbito das Ciências Humanas e Sociais, com destaque para a Geografia e para a Educação. Já a distribuição geográfica das pesquisas, no que se refere às instituições onde elas foram desenvolvidas, é bastante diversificada.

Apesar de conterem todos os buscadores (Geografia, ensino e representações sociais), nem sempre essas palavras remetiam ao título, aos objetivos, à metodologia e às palavras-chave dos trabalhos. Por exemplo: em alguns casos, a palavra “representação” aparecia no nome do programa de pós-graduação ou na linha de pesquisa, o que não necessariamente significava que a pesquisa tivesse como foco a investigação sobre as representações sociais. Além disso, havia trabalhos que envolviam representações sociais e Geografia, mas que não traziam uma discussão em torno do ensino dessa disciplina nas instituições formais e nos espaços não-formais de Educação. Há ainda os casos em que o termo representação não estava associado ao qualitativo “social” nem com pesquisas que utilizam o referencial teórico-metodológico da Teoria das Representações Sociais. Inclusive, o termo “representação” tem grande centralidade, considerando sua importância nas pesquisas sobre ensino de Geografia, representação do espaço pelos sujeitos e representações cartográficas enquanto linguagem geográfica por excelência.

Como já afirmado, com base na sistematização dos dados, conclui-se que há uma dispersão geográfica no desenvolvimento de trabalhos sobre ensino de Geografia que utilizam como referência a Teoria das Representações Sociais. Há, no entanto, uma concentração de trabalhos em instituições como a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a Universidade Federal de Goiás (UFG), a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e a Universidade Federal do Piauí (UFPI). Os orientadores das respectivas teses e dissertações vinculadas a essas universidades têm grandes contribuições nas pesquisas sobre ensino de Geografia e, em alguns casos, participaram das bancas de avaliação dos trabalhos defendidos em outras universidades, os quais foram também considerados no levantamento.

Fazendo uma análise qualitativa dos títulos, palavras-chave e resumos, primeiramente buscou-se identificar qual abordagem de pesquisa foi adotada nos trabalhos: qualitativa, quantitativa e quanti-qualitativa. A maior parte das dissertações e teses utilizou a abordagem qualitativa, com exceção de duas pesquisas, que empregaram a quanti-qualitativa. Esse resultado também era esperado, já que a natureza dos dados de pesquisa provenientes das investigações sobre representações sociais é de natureza qualitativa, além de que os problemas de pesquisa de cada um deles justificam uma abordagem desse tipo.

No que se refere aos procedimentos metodológicos, o que inclui metodologias, instrumentos e técnicas de pesquisa, ficam evidentes alguns deles como os mais importantes: revisão bibliográfica, análise de conteúdo, questionário, técnica de associação livre de palavras, análise documental, grupo focal, discurso do sujeito coletivo, pesquisa narrativa, método clínico, observação, entrevista semiestruturada, entrevista, entrevista semiaberta, uso de mapas mentais e expressão das representações por meio de fanzines.

Destaca-se que alguns desses procedimentos metodológicos são bastante comuns nas pesquisas em representações sociais, sobretudo a entrevista (seja ela estruturada ou semiestruturada), a pesquisa narrativa, o discurso do sujeito coletivo (que é uma metodologia bastante específica das pesquisas no campo das representações) e a técnica de associação livre de palavras. O questionário não é um instrumento tão comum nesse tipo de pesquisa, apesar de ser utilizado, já que não permite, a depender da forma como for elaborado, que sejam capturadas as subjetividades que estão além das respostas. Nesse caso, os outros procedimentos metodológicos citados são mais interessantes pensando as problemáticas de pesquisa que buscam compreender as representações sociais dos sujeitos sobre determinado objeto representacional.

No que se refere a esses objetos, identifica-se uma diversidade deles, todos ligados a questões que envolvem, direta ou indiretamente, o ensinar e o aprender Geografia, entre eles: o espaço vivido, a natureza, o continente africano, o processo formativo, o curso de licenciatura, o meio ambiente e o conteúdo escolar. Todas essas pesquisas tiveram como um dos objetivos, seja geral ou específico, captar e analisar as representações dos sujeitos, utilizando os referenciais da Teoria das Representações Sociais em suas diferentes vertentes teóricas e algumas referências contribuíram para a análise e discussão, tais como Serge Moscovici, Denise Jodelet, Jean-Claude Abric, Fernando Lefevre, Ana Maria Cavalcanti Lefevre, Celso Pereira de Sá, Ivana Marcová e Ângela Arruda. Entre eles, o mais citado foi Serge Moscovici, o psicólogo romeno que desenvolveu, inicialmente, a Teoria das Representações Sociais, originando uma nova vertente na Psicologia Social.

Nas pesquisas, essa teoria aparece associada a outras teorias importantes no campo da Educação, da Psicologia e da Geografia. Ela está relacionada, nos trabalhos analisados, ao Paradigma da Complexidade, à Geografia Humanista, à Geografia Cultural, à Fenomenologia, à Teoria do Núcleo Central, à Epistemologia Genética, à Teoria crítica das representações sociais e à abordagem estrutural das representações sociais. Vale dizer que esses referenciais contribuem para aprofundar a discussão das representações sociais, já que estão ligados ao interesse nas percepções e concepções dos sujeitos e a explicações de processos de subjetivação e construção mental sobre algo. Há, por exemplo, várias interfaces entre os escritos de Moscovici, Henri Lefebvre e Jean Piaget. Quanto à análise das representações, a metodologia mais utilizada foi a análise de conteúdo, fundamentada, principalmente, na obra de Bardin (2011), a qual serve como referência para sistematizar e compreender as representações sociais coletadas pelos instrumentos de pesquisa citados. Em dois trabalhos também foi utilizado o software de análise de dados denominado Ensemble de Programmes Permettant l Analyse des Evocations (EVOC).

3 Contribuições do estudo das representações para ensinar e aprender Geografia

O objetivo dessa seção é o de apresentar, articulando com os pressupostos da Teoria das Representações Sociais, algumas contribuições do estudo das representações para embasar o debate sobre os atos de ensinar e aprender Geografia. Defende-se aqui a importância das representações no sentido de situar e orientar os sujeitos no mundo e dar sentido às práticas sociais. Já a pesquisa sobre elas, mesmo que não baseada em uma estrutura acadêmica, contribui para a fundamentação de práticas pedagógicas e para a alteração de determinadas representações baseadas no senso comum, sendo o processo de ensinar e aprender Geografia fortuito para a elaboração e reelaboração de representações.

As representações sociais (que também podem ser socioespaciais) fazem parte do universo dos estudantes, possibilitando que sejam utilizadas no processo de ensino-aprendizagem. Inclusive, elas podem ser utilizadas para o confronto entre o senso comum e o conhecimento científico. Elas vão sendo construídas historicamente (em processos contraditórios e tensionados) a partir de diferentes origens e manifestam, por meio da linguagem e dos signos, significados atribuídos, pelos sujeitos, ao espaço (Kimura, 2008). Os sujeitos constroem seus sistemas de referência a partir das representações pré-existentes e internalizam representações que vão constituir, em conjunto, a compreensão que tem sobre a realidade.

Pensando na organização didático-pedagógica do ensino de Geografia, é importante esclarecer que representações acontecem em uma progressão espiral, em um nível crescente de complexidade, e, sendo assim, os saberes do “senso comum” podem ser incorporados, como base, à análise científico-geográfica como ponto de partida e reformulados ao longo do processo formativo (Kozel, 2002).

Assim, o ensino de Geografia, embasado por estudos e por aportes interpretativos do campo das representações sociais, poderia se dar no sentido de intervenção sobre as representações sociais de diferentes objetos, cuja aprendizagem faz parte dos conteúdos e conceitos da Geografia escolar, a fim de contribuir para mudanças nas concepções dos sujeitos. Nesse sentido, as representações sociais dos estudantes podem ser o início de discussões que envolvem a análise da realidade a partir do ponto de vista espacial (Pontuschka, 2015).

Essas representações iniciais, no entanto, poderão ser alteradas com base em uma reinterpretação das situações de vida. Sendo assim, o ato de ensinar e aprender Geografia pode ter um papel essencial. A perspectiva de que uma abordagem sobre as representações sociais pode provocar mudanças sociais em níveis individual e coletivo é das maiores contribuições desse campo de estudo, já que isso possibilita reorientar concepções e práticas (Jodelet, 2009).

Ao mesmo tempo em que esse papel da Geografia é de extrema relevância, essa possibilidade de reorientação é desafiadora, dada a complexidade das representações, ou seja, alterá-las, dependendo do nível de consolidação, não é uma tarefa simples. Por outro lado, contudo, elas também podem contribuir para a formação e a consolidação de conceitos científicos, inclusive o estudo sobre elas pode indicar o processo de construção do conhecimento pelos alunos (Cavalcanti, 2013). Desse modo, é papel do professor considerar as representações sociais dos sujeitos escolares, construídas a partir de múltiplas experiências espaciais, ao mesmo tempo que estimule o conhecimento sobre as raízes das representações que circulam por e sobre os diferentes espaços (Pontuschka, 2015).

Ademais, a compreensão sobre as práticas espaciais, as representações do espaço e os espaços de representação a partir das teorizações de Henri Lefebvre são interessantes para um debate no âmbito da Geografia e, consequentemente, sobre os processos que envolvem a sua aprendizagem. E é nesse debate que se inserem as distinções e inter-relações dos espaços vivido, percebido e concebido, os quais se relacionam diretamente com a psicogênese da noção espacial nos sujeitos desde antes do processo de escolarização.

O interesse pela compreensão do espaço vivido, até mesmo como uma exigência curricular, passa pelas representações e relações que são construídas sobre ele e com ele, as quais estão ligadas às imagens mentais e/ou cognitivas (Correia; Bastos; Siqueira, 2015). O espaço vivido, ou seja, onde o sujeito está (a escala da vida), é vivenciado por meio do movimento e do deslocamento, quando a criança inicia o seu processo de exploração do espaço e começa, assim, a construir relações espaciais (Almeida; Passini, 1989). Por sua vez, o espaço percebido é aquele que está relacionado com os objetos e os fenômenos imediatos, com sua incorporação inicial e parcial às estruturas cognitivas. Nesse caso, não há mais necessidade de uma experimentação física do espaço, portanto o sujeito já é capaz de rememorar experiências espaciais anteriores sem que esteja em contato direto quando elabora esse raciocínio.

Já o espaço concebido é o lócus dos processos cognitivos e das representações sociais, já que ele não possui uma ligação direta com as práticas espaciais cotidianas (SERPA, 2005). Ele é formado por meio da representação e pode ser evocado sem a presença imediata. Quando há uma elaboração desse espaço concebido, o sujeito é capaz de estabelecer relações espaciais por meio da representação, mesmo quando nunca houve contato com determinado espaço que está sendo analisado/representado (Almeida; Passini, 1989). Do ponto de vista piagetiano, no processo de descentração, em que o indivíduo ultrapassa uma apreensão do mundo em relação a si e passa a compreendê-lo, por meio do pensamento simbólico e da linguagem, como parte desse mundo, a representação tem papel fundamental (Jovchelovitch, 1995).

Duas ressalvas são importantes quanto a esses “espaços”. Primeiro, que os espaços de representação (o concebido) contêm os espaços percebido e vivido e expressam os conflitos que envolvem sua concepção pelos diferentes grupos. Segundo, que está havendo uma valorização seletiva do percebido e do concebido em detrimento do vivido (Serpa, 2005). Essas concepções sobre o espaço, traduzidas nesses espaços de representação, são expressas por meio da linguagem, o que não significa que haja uma correspondência direta entre a realidade e sua representação.

Dependendo das experiências espaciais e do contato com representações intersubjetivas e transubjetivas, as representações subjetivas serão mais ou menos complexas e elaboradas. Em outras palavras, a representação que se tem do espaço é, na verdade, o entrecruzamento, a justaposição e a aglutinação de representações subjetivas e coletivas, circulando em diferentes esferas de pertença. E os conhecimentos geográficos sobre o mundo, compreendidos como uma das formas de interpretação da realidade a partir de determinados objetivos (identificar e analisar a espacialidade dos fenômenos) e com base em categorias e em conceitos específicos, circulam por diferentes esferas de pertença das representações sociais e pertencem a diferentes universos. É possível também que as representações hegemônicas, que circulam sobre a realidade, não correspondam às práticas espaciais cotidianas (SERPA, 2005), o que é bem ilustrado por Adichie (2019) em O perigo de uma história única.

Os meios de comunicação de massa e as instâncias políticas de planejamento têm o poder de interferir nos espaços de representação (SERPA, 2006). Articulando com as esferas de pertença, há representações sociais que que fazem parte do conjunto transubjetivo e que são formuladas pelos agentes mais poderosos. Espaços são concebidos por esses tais atores e forjam representações sobre o mundo, as quais são incorporadas pelos sujeitos e, inegavelmente, vão compor o universo da sala de aula. Isso justificaria a preocupação em se desenvolver uma geografia das representações sociais, cujo foco seria analisar como visões de mundo são impostas por diferentes grupos (ou seja, as relações entre cultura e poder) e como essas visões geram identidades e representações. Essa área, na visão de Serpa (2005, p. 230), seria a chave para a compreensão da tensão, a nível cognitivo entre “(...) percepção e cognição, vivência e experiência, espaços concebidos e vividos”. Isso significa que no mundo, apesar de ser o mesmo, as posições nele e as perspectivas sobre ele variam (Jovchelovitch, 1995).

Considerando a complexidade das representações sociais (Jovchelovitch, 1995) articuladas com as representações que penetram o processo de ensinar e aprender Geografia, é preciso entender que as representações podem transgredir ou reproduzir determinada realidade ou compreensão sobre a realidade. De igual modo, ao mesmo tempo em que reafirmam determinadas concepções, também as denunciam e as superam. Sendo assim, essas duas facetas das representações, uma no sentido da manutenção/reificação/acomodação e outra no sentido da superação/transformação/transgressão podem embasar a educação geográfica, mas aqui defende-se, em favor de uma Geografia crítica na escola, que o ensino contribua para construir no segundo sentido. Essas premissas estão alinhadas com a perspectiva crítica da Teoria das Representações Sociais, voltada para a defesa do sujeito enquanto ser ativo, e para a busca pelo entendimento das relações sociais e de poder.

Partindo disso, o ensino de Geografia poderia se articular com uma geografia das representações. Logicamente que seus objetivos não seriam coincidentes, porém a discussão sobre os conteúdos escolares de Geografia passa por um olhar sobre as representações que circulam sobre o mundo por meio das redes sociais, das propagandas políticas, dos jornais e dos livros didáticos (por exemplo), em confronto com outras possibilidades de representação e compreensão da realidade. Na Teoria das Representações há uma importância dada às relações entre mundo real e mundo simbólico (Jovchelovitch, 1995). Traduzindo isso ao interesse do debate sobre o ensino de Geografia, este não deve promover apenas uma análise sobre o real, mas também sobre as construções materiais e simbólicas que existem sobre ele, o que passa pela valorização das representações sociais dos estudantes.

Além disso, um dos objetivos da Geografia na escola é o de promover uma discussão sobre o espaço vivido dos sujeitos, articulado com processos e fenômenos que ocorrem em outras escalas. E isso se conecta à questão dos sentimentos de pertença. Nesse caso, as representações socioespaciais são um caminho para a construção desses sentimentos sobre o espaço em que se vive, ou seja, fazem parte da formação da identidade espacial que, inclusive, possui um componente afetivo. Como mostram as pesquisas sobre representações sociais do espaço do bairro (enquanto espaço de vivência e relações cotidianas) por alunos do final do Ensino Fundamental I, dependendo das representações sociais principais que há sobre o bairro, há uma valoração mais positiva ou mais negativa sobre ele (Correia; Bastos; Siqueira, 2015). Pensando nisso, pode haver uma valorização de espaços por meio da construção de representações, ou seja, em conformidade com as características e valores que são atribuídos a determinado espaço, a representação elaborada poderá contribuir para elevar a importância dele. Trata-se das dimensões imateriais do espaço vivido, alusivas aos sentimentos, conexões, impressões e representações dos sujeitos sobre o espaço, os quais guardam particularidades a depender das vivências, experiência e do grupo social a que pertencem os indivíduos.

Em resumo, o papel da escola é o de acolher as representações dos sujeitos, buscar o entendimento do seu conteúdo e potencializar práticas pedagógicas voltadas para o desenvolvimento cognitivo, afetivo, social e espacial dos sujeitos, inclusive, levando-os a compreender o mundo de forma mais crítica e estruturada, o que está ligado diretamente com o papel da Geografia na escola (Correia; Bastos; Siqueira, 2015). As crianças negociam e compartilham suas representações, havendo a possibilidade de estabelecer, na prática educativa, comparações entre as representações sociais sobre determinado objeto e problematizações sobre elas, principalmente quando estão relacionadas com preconceitos e estereótipos.

4 Considerações finais

Este artigo objetivou apresentar um panorama sobre a Teoria das Representações Sociais e sobre as pesquisas envolvendo representações sociais e o ensino de Geografia ao longo do início do século XXI, o que permitiu identificar, nas produções nacionais, as temáticas estudadas, os caminhos metodológicos das investigações e as contribuições dos resultados das pesquisas para a discussão sobre o ensinar e o aprender Geografia. Todas essas pesquisas sobre representações envolvendo temas ligados ao ensino-aprendizagem de Geografia estão centradas em discussões que contemplam tantos processos cognitivos quanto sociais, representando tal unidade na Teoria que fundamenta essa perspectiva. O panorama realizado também indicou que as pesquisas sobre representações sociais no campo do ensino de Geografia, apesar do seu desenvolvimento nas últimas décadas, ainda são incipientes.

Uma das ideias centrais foi discutir como as representações sociais situam e orientam os sujeitos no mundo, são valorativas e dão sentido às práticas sociais. Elas dão sentido e significado ao mundo em que os sujeitos vivem, condição indispensável para a existência humana diante da mobilidade e diversidade da realidade. Portanto, como os sujeitos compreendem e interpretam o mundo por meio das representações e como elas situam e orientam os sujeitos, defende-se então o papel do ensinar e aprender Geografia no processo de elaboração e reelaboração dessas representações. Elas também estão radicadas no espaço público, contribuindo para dar sentido ao mundo e se relacionando com os processos de construção simbólica. E vida pública no espaço não pertence a apenas uma geração, ganhando imortalidade por meio dos objetos e das narrativas que permanecem, ou seja, mediante as representações (Jovchelovitch, 1995).

Por meio das representações ocorre a apropriação do mundo exterior (de forma ativa) e a construção de um modelo de realidade, sendo que há uma unidade entre o real e o imaginário nas imagens mentais que constituem as representações. E o contexto é um elemento fundamental da pesquisa em representações sociais. Portanto, o espaço (de interesse da Geografia) é um componente essencial na discussão sobre as representações, sendo que elas estruturam e são estruturadas pelo contexto.

Postas essas considerações, podemos dizer que as representações sociais são trazidas pelas palavras e cristalizadas em condutas, estando ligadas tanto a sistemas de pensamento mais abrangentes – ideológicos ou culturais – quanto à condição social e à esfera de vida individual, privada e afetiva das pessoas, fazendo-se presente em diferentes aspectos da realidade. Sendo assim, podem implicar na forma de tomar decisões no espaço e de posicionar-se ante os acontecimentos que envolvem a realidade socioespacial dos sujeitos.

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Recebido: 21 de Novembro de 2022; Aceito: 23 de Agosto de 2023

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