1 Introdução
De modo geral, o quantitativo de artigos de pesquisa sobre ensino e aprendizagem no Brasil apresenta uma tendência ascendente devido ao fortalecimento de políticas públicas voltadas para a produção acadêmica, principalmente após os anos 2000 (Delizoicov; Slongo; Lorenzetti, 2013). Em paralelo com o volume crescente de trabalhos publicados, é pertinente a realização periódica de levantamentos quantitativos e análises qualitativas, a fim de balizar quais dessas produções constituem-se efetivamente em diretrizes para educadores que atuam em sala de aula, pela consideração de aspectos teóricos e metodológicos envolvidos. Conforme André (2001), os estudos na área de educação utilizam para aplicação e interpretação um nicho específico, por vezes não representativo e simplificado da realidade, o que pode afetar diretamente na efetividade dos resultados indicados. Assim, faz-se necessário o desenvolvimento de pesquisas que primam por uma análise crítica e sistêmica das produções acadêmicas; um tipo de pesquisa ainda pouco realizada nacionalmente em comparação com a produção internacional (Neto, 2011).
Neste sentido, a Teoria das Inteligências Múltiplas (IM), de Howard Gardner, é uma temática que vem sendo estudada e veiculada entre pesquisadores, educadores e até mesmo em políticas de governo, com releituras e interpretações elaboradas tanto em realidades regionais diversas quanto em momentos sócio-históricos variados. Para compreender os princípios da Teoria IM, é preciso considerar que ela surgiu em um contexto específico da psicologia cognitiva na década de 1980, a partir da publicação do livro Estruturas da Mente: a Teoria das Inteligências Múltiplas. A obra indicou que os seres humanos possuíam e possuem uma combinação de capacidades além dos parâmetros bem institucionalizados à época de uma inteligência estritamente linguística e lógico-matemática. Além disso, é postulado que o desenvolvimento de múltiplas capacidades ou inteligências é resultado do contato com a realidade direta, ou seja, das interações do sujeito com o ambiente, com objetos diversos e com outros sujeitos. Tais inteligências podem ser identificadas, são distintas entre os indivíduos e não são estáveis, podendo ser instigadas ou suprimidas por meio da exposição e interação com determinados estímulos (Gardner, 2001).
Correlações propostas entre a Teoria IM e a necessidade de práticas educativas que sejam significativas para os estudantes, capazes de identificar um potencial de aprendizagem transformadora, não controlada por escalas padronizadas de inteligência (p. ex. Escala de Binet-Simon, reconhecida pela implementação do Teste do Quociente de Inteligência) e de alta adaptabilidade para os contextos culturais e sociais onde se situam os espaços de ensino, contribuíram para promover sua difusão nos processos de formação inicial e continuada de educadores, bem como para fomentar experiências de aplicações em sala de aula.
Quando se analisa, entretanto, o atual estado das abordagens educacionais promovidas em particular no ensino das ciências naturais no Brasil, constata-se a perpetuação de abordagens restritas ao caráter lógico-teórico do conhecimento em si (Ribeiro; Martins, 2007), tanto por generalizações demasiadamente amplas das deficiências socio-sanitárias no Estado (ou seja, expectativas de reduzir problemas sociais de largo espectro a partir da educação), quanto em razão da existência de uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC) objetivada no cumprimento mecânico e irrefletido de pressupostas competências profissionais que se sobrepõem a uma consciência cidadã e intrapessoal (Saviani, 2016). Tais fatores são impeditivos graves para uma educação plena das ciências naturais, pois conforme Saviani (2016, p. 78-79):
Aprender a ler, escrever e contar e dominar os rudimentos das ciências naturais (...) constituem pré-requisitos para compreender o mundo em que se vive, inclusive para entender a própria incorporação pelo trabalho dos conhecimentos científicos no âmbito da vida e da sociedade
(Saviani, 2016, p. 78-79).
Além disso, um fator perceptível em curto prazo, com a existência de tais práticas nos processos decisórios e direcionadores das relações de ensino-aprendizagem, é a internalização de um grau aversivo no estudante ao desejo de novos saberes e de compreendê-los efetivamente, em virtude da inexistência de um ambiente livre ao questionamento das postulações apresentadas (Gardner, p. 1975).
Ademais, mesmo com a existência de premissas que utilizam a proposição de Howard Gardner para subverter a realidade apresentada, o emprego da teoria IM em uma área de estudos distinta daquela de sua concepção resultou em alterações conceituais que a descaracterizaram ou a modificaram no cerne de sua estruturação primária (Gardner; Chen; Moran, 2009). Justifica-se, portanto, uma leitura pormenorizada e a catalogação dos artigos científicos produzidos em anos recentes sobre a Teoria IM por meio de uma pesquisa bibliográfica, para, então, se apreender como o assunto vem sendo compreendido e aplicado no contexto da pesquisa educacional brasileira (Teixeira, 2003).
Deste modo, para o embasamento da pesquisa bibliográfica, é utilizado o Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (CAPES), fonte reconhecida em divulgação da produção científica nacional (Santana; Peixoto, 2010; Neto, 2011). O Portal de Periódicos da CAPES tem porte e relevância, desde os anos 2000, por conter um acervo com mais de 24.000 itens, com 130 bases de dados, sendo 17% destes oriundos do acervo composto por materiais da área de Ciências Humanas, com mais de 5 milhões de acessos ao ano (Almeida; Guimarães; Alves, 2010).
Assim, nosso principal objetivo consiste em analisar quantitativa e qualitativamente, a partir da busca de artigos acadêmicos na Plataforma de Periódicos da CAPES, o atual estado do conhecimento acerca da Teoria das Inteligências Múltiplas, suas aplicações, aprofundamentos e distinções entre as diversas publicações identificadas no levantamento. Conjuntamente a isso, uma compreensão de aspectos quantitativos das produções acadêmicas permite denotar as áreas de saberes específicos que carecem de trabalhos, o que possibilita sugerir novos estudos mais assertivos e significativos (Brito; Oliveira; Silva, 2021).
2 Fundamentação teórica
2.1 Análise bibliográfica
A análise bibliográfica é um processo de estudo exploratório que possibilita a compreensão de um fenômeno ou um entendimento acerca de uma problemática específica a partir de uma investigação ampla, o que possibilita promover uma percepção assertiva da temática, desde que se disponha de uma bibliografia adequada. A investigação subsidiada em periódicos científicos se demonstra um dos recursos mais importantes tanto na comunicação acadêmica formal quanto na qualidade da pesquisa científica (Gil, 2002).
Compreendendo as necessidades primárias do método da análise bibliográfica, buscou-se uma base de dados reconhecida como fonte de acesso à produção científica nacional e internacional, de acesso comum às instituições de ensino superior e pesquisa e, também, composta por um processo de atualização dinâmica e de elevado rigor qualitativo. Neste sentido, tem-se que o Portal de Periódicos da Capes é um lócus que abarca tais especificidades, conforme corroborado por ampla literatura disponível (Maia, 2005; Cendon; Ribeiro, 2008; Rolim, 2012; Ocampo, Dávila, Neto, 2018).
Além disso, para identificar os recursos bibliográficos adequados e significativos para a pesquisa, realizou-se uma leitura seletiva, analítica e interpretativa subsidiada pelos parâmetros delimitadores da temática abordada e tangenciada pelo aprofundamento teórico dos conceitos em questão, visto que são exigidos sólidos conhecimentos do assunto para uma análise pertinente (Gil, 2002).
2.2 A Teoria das Inteligências Múltiplas
Para se realizar um levantamento bibliográfico de inferências objetivas, estruturadas e compostas por indicações qualitativas e com correlações entre a teoria e prática, torna-se necessária uma compreensão acerca da Teoria IM embasada nas publicações de seu idealizador e colaboradores diretos, atendo-se às concepções primárias e aos desenvolvimentos alinhados ao cerne do assunto.
Na concepção da Teoria, pontua-se que não é possível delimitar com exatidão e de forma indubitável, por meio de um teste, experimento psicológico, ou mesmo através de intervenções no sistema nervoso, todas as inteligências ou capacidades cognitivas humanas. É essencial, contudo, vislumbrar e apontar possibilidades de inteligências múltiplas, pois:
É preciso uma melhor classificação das competências intelectuais humanas do que as que temos; porque existem muitas evidências recentes provenientes da investigação científica, de observações transculturais e estudos educacionais que necessitam de revisão e catalogação; até mesmo, sobretudo, porque podemos apresentar uma lista de faculdades intelectuais que serão úteis para uma ampla gama de estudiosos e profissionais
(Gardner, 2001, p. 62, tradução nossa1).
Buscando uma série de critérios para indicar o que pode ser caracterizado como competência intelectual, podemos sintetizar que uma inteligência corresponde ao domínio de um conjunto de habilidades que promovem a resolução de problemas, que são úteis e importantes, que interferem de forma individual nos meios de convivência social e de ação sob o meio natural e cultural, que resultam em uma atividade neural distinta e que contêm certo grau de indicação de evolução biológica frente a outras espécies. A partir de tais critérios, Gardner indica oito possíveis inteligências, apresentadas em ordem alfabética no Quadro 1.
Quadro 1 As oito inteligências segundo Gardner.
| Inteligências | Descrições |
|---|---|
| Corporal-cinestésica | Uma capacidade de usar o próprio corpo para criar produtos ou resolver problemas. |
| Espacial | Uma capacidade de reconhecer e manipular, em grande escala e em fino grão, imagens espaciais. |
| Interpessoal | Uma capacidade de reconhecer e entender o humor, os desejos, motivações e intenções de outras pessoas. |
| Intrapessoal | Uma capacidade de reconhecer e compreender os seus próprios estados de espírito, desejos, motivações e intenções. |
| Lógico-matemática | Uma capacidade de desenvolver equações e provas, fazer cálculos e resolver problemas abstratos. |
| Linguística | Uma capacidade de analisar informações e criar produtos que envolvem linguagem oral e escrita, como discursos, livros e notas. |
| Musical | Uma capacidade de produzir, lembrar e dar sentido a diferentes padrões de som. |
| Naturalista | Uma capacidade de identificar e distinguir diferentes tipos de plantas, animais, e formações meteorológicas que são encontrados no mundo natural. |
Fonte:Gardner, 2011 apudSegeti, 2015.
Com o tempo, entretanto, outras propostas de inteligências foram apresentadas, como a existencialista, que consiste em uma capacidade de nos correlacionarmos e atribuirmos sentido à vida e que nos sensibiliza para reflexões sobre a relação de nossa existência no mundo; a espiritual, que se relaciona com as atribuições personalíssimas de dar significado às coisas e à vida para algo de uma maior ordem; e ainda a inteligência moral, que se atrela ao desempenho no julgamento de ações e na tomada de decisão (Caba-Hoyos; González-Bracamonte; Hoyos-Regino, 2017).
Essas novas propostas, por vezes apresentadas de forma alinhada a propostas pedagógicas como a Waldorf (Mavrelos; Daradoumis, 2020), não são tipicamente aceitas, visto que se distanciam de uma caracterização universal em suas habilidades, capacidades e potencialidades. Inclusive, essas outras inteligências surgem muitas vezes para somarem nas perspectivas que estão momentaneamente em destaque (Villamizar; Donoso, 2013) e não se baseiam em dados científicos lógico-dedutivos, mas por um forte viés de fatores afetivos (Macnamara, 2016). Desse modo, não compõem esta análise.
Retomando a literatura-base que sustenta as oito inteligências, temos que elas não são perceptíveis ou atuantes isoladamente; elas interagem entre si basicamente em três modos. As inteligências podem se restringir, visto que a demonstração ou exequibilidade delas pode ser exigida por meio de uma tarefa intrinsecamente ligada a outra habilidade (p. ex., uma avaliação escolar baseada exclusivamente em respostas por escrito, não abrangendo expressões oralizadas ou práticas). As habilidades cognitivas podem também realizar uma compensação quando as limitações de uma inteligência são subsidiadas por outra (p. ex., um empresário sem formação acadêmica, mas com exímia comunicação interpessoal). Elas podem, ainda, se estimular e aprimorar mutuamente em um fenômeno caracterizado como catálise (p. ex., uma pessoa com alto desempenho teatral e musical). Cabe ressaltar que tais interações ocorrem no âmbito individual e entre diferentes sujeitos (Gardner; Moran, 2006 apudGardner; Chen; Moran, 2010).
Ademais, abarcar as possibilidades existentes nas interações entre as inteligências dos estudantes é uma perspectiva que deve estar presente no processo de ensino-aprendizagem, embora se deva reconhecer, de forma explícita, as dificuldades inerentes a isso, como a maior individualização do plano de trabalho do educador em sala de aula. Gardner (2011) indica que utilizar recursos tecnológicos em sala de aula ou de forma complementar ao ensino regular é um dos caminhos para se contrapor tal problema. Isso já tem sido feito e tem-se indicado benefícios efetivos. Conforme uma metanálise da literatura de Perveen (2018), o uso planejado e complementar de tecnologias possibilita a maior exposição e interação com os conteúdos conceituais, facilita o acompanhamento do desempenho dos estudantes e promove revisitas e aprofundamentos aos conhecimentos desejados.
Considerando tais elementos teóricos, evidencia-se sinteticamente que o sistema educacional deveria avançar no sentido de promover avaliações individualizadas, com processos de ensino-aprendizagem personalizados, realizados em espaços formais e não formais, com o uso adequado de TDICs e a promoção de trocas de experiências entre estudantes e professores, fomentando a apresentação dos conceitos curriculares de modo contínuo, em longo prazo e no sentido dos saberes amplos aos mais profundos ou específicos.
3 Metodologia
3.1 Materiais e métodos
A metodologia adotada no presente artigo considera que uma pesquisa caracterizada como uma análise bibliográfica de trabalhos publicados em determinada área se inicia com um levantamento primário de materiais, a realização de uma caracterização dos dados obtidos e a tabulação desses números. Seria possível, assim, inferir sobre o estado atual do conhecimento em questão, seu desenvolvimento acadêmico, as tendências prováveis e possíveis lacunas do campo em estudo, compreendendo aspectos não apenas de cunho qualitativo, mas também quantitativo (Neto, 2011).
Essa sistematização e inventariamento teve, enquanto critério para composição de seu corpus, a definição do descritor específico “Teoria das Inteligências Múltiplas” em todos os idiomas disponíveis do banco de dados utilizado, com uma seletividade para itens dos anos de 2010 a 2020 e restrita a materiais do tipo “artigo”. Com esse levantamento, foram categorizados, a priori, considerando o ano da publicação, a Grande Área do Conhecimento (CAPES) que compunha e a Instituição de Ensino Superior de fomento ou do autor principal.
Dada a leitura analítica dos resumos e a consideração dos demais descritores neles presentes, restringiu-se a avaliação a determinados itens a partir da indicação de relações com processos de ensino e aprendizagem na educação básica e, sobretudo, concernentes às ciências naturais. Objetivou-se, apenas então, dar seguimento com uma análise completa dos materiais. Assim como Romanowski e Ens (2006) ponderam, entretanto, tipicamente se faz presente artigos com resumos inespecíficos (p. ex., sem explicitar o tipo de estudo, as técnicas utilizadas, o contexto da pesquisa etc.), tornando necessária uma leitura direcionada para identificar as categorias selecionadas.
As publicações analisadas em caráter quantitativo foram acessadas através da Plataforma de Periódicos da Capes, fornecendo uma amostra ampla para análise, em um espaço virtual que permite uma investigação controlada por meio do uso de funcionalidades que possibilitam a manipulação e ordenamento bibliográfico. O objetivo consistia na obtenção dos dados pretendidos, procedimentos necessários para o tipo de pesquisa realizada, conforme indicam Prodanov e Freitas (2013).
Para sintetização e apresentação dos resultados, além das indicações de volumes produzidos, as suposições se deram por uma ordem ontológica e metodológica, majoritariamente. As suposições ontológicas intentam na ponderação entre o cerne da Teoria IM em razão dos artigos dentro do corpus da pesquisa, realizando indicações dos fundamentos principais que são utilizados na produção das literaturas analisadas. As suposições metodológicas, que se apresentam por perpassar as formas de apresentação do objeto desta pesquisa e a visão demonstrada pelos autores dos respectivos artigos, possibilitam pela compreensão das metodologias encontradas uma melhor sistematização para futuras publicações (Burrel; Morgan, 1979 apudTeixeira; Bonfim; Filho, 2011).
É considerada, a rigor, a clareza na apresentação dos artigos identificados, inventariados e avaliados para que se façam explícitas as questões quantitativas e qualitativas dos materiais fornecidos através do Portal de Periódicos da CAPES, visando também a realização, com igual teor, de ponderações a partir dos materiais mais relevantes. Tal princípio é imprescritível para que o objeto de estudo desta pesquisa de revisão bibliográfica tenha uma difusão ponderada, dado que tal modalidade de trabalho acadêmico está em situação morosa no contexto brasileiro dos estudos em Educação, quando contraposto a outros países com maior tradição nesse tipo de pesquisa (Campos, 2009).
Buscando ponderar as características do levantamento bibliográfico e as inferências objetivadas, foi realizado um estudo com intuito de subsidiar o arcabouço teórico com relação à Teoria das Inteligências Múltiplas, a fim de se alcançar resultados atuais e relevantes (Teixeira, 2003). Com isso, o escrutínio das correlações e possíveis deficiências entre os processos de ensino-aprendizagem presentes nos artigos selecionados e a Teoria IM se baseia sumariamente nos textos-base “Estruturas da Mente: a Teoria das Inteligências Múltiplas” (2001), de Howard Gardner, que fundamenta a teoria; e “Inteligências múltiplas ao redor do mundo” (2009), de Gardner, Chen e Moran, que também possui ampliações conceituais, mas investigam e analisam ambientes educacionais com práticas vinculadas à teoria, sendo somadas a algumas inferências decorrentes de pesquisas atuais que se vinculam ao corpus deste estudo.
3.2 Etapas da pesquisa
As análises, conclusões e perspectivas desta investigação são resultantes das atividades realizadas no período entre setembro de 2021 e setembro de 2022, conforme mostradas no Quadro 2.
Quadro 2 Etapas da pesquisa.
| Mês/Ano | Atividades | Objetivos |
|---|---|---|
| Setembro/2021 a Outubro/2021 | Pesquisa e análise de bibliografias | Busca crítica de artigos |
| Outubro/2021 a Novembro/2021 | Pesquisa e análise de bibliografias | Tabulação geral de artigos obtidos |
| Dezembro/2021 | Pesquisa e análise de bibliografias | Análise e tabulação específica de artigos sob enfoque nas ciências naturais |
| Janeiro/2022 a Março/2022 | Estudos e aprofundamentos na Teoria IM | Análise geral da Teoria IM; análise específica do desenvolvimento teórico no Brasil |
| Abril/2022 | Estudos e aprofundamentos na Teoria IM | Breve estudo qualitativo por conversa com pesquisadores |
| Maio/2022 | Estudos e aprofundamentos na Teoria IM | Revisão da pesquisa |
| Junho/2022 a Julho/2022 | Sintetização e conclusão | Identificação das confluências da bibliografia tabulada com os aprofundamentos da Teoria IM no processo de ensino-aprendizagem |
| Agosto/2022 | Sintetização e conclusão | Análise crítica da investigação bibliográfica |
| Setembro/2022 | Sintetização e conclusão | Revisão geral da pesquisa e finalização |
Fonte: Autoria própria, 2022.
4 Resultados e análises
Com busca em assuntos pelo termo exato “Teoria das Inteligências Múltiplas” na categoria específica de artigos do período compreendido de 2010 a 2020, em todos os idiomas disponíveis, foram encontrados 73 itens nos parâmetros exigidos. Sete resultados de natureza editorial, porém, foram desconsiderados visando à manutenção da sistematização teórica do estudo (Gil, 2002). A distribuição dos artigos no decorrer do período considerado é mostrada na Figura 1.
Conforme a Figura 1, a quantidade de artigos publicados sobre a Teoria das Inteligências Múltiplas apresenta crescimento na década, com uma expressiva queda em 2019 que pode ser associada à redução de financiamentos públicos em pesquisa dos dois maiores órgãos nacionais de bolsas, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Capes, vinculados a ministérios governamentais que sofreram cortes de 33 e 50%, respectivamente, em seus orçamentos de estímulo à pesquisa de bolsistas (ESCOBAR, 2020). Evidencia-se, no entanto, uma retomada no ano subsequente na produção, que retorna a um quantitativo similar aos anos anteriores.
Além disso, assim como constatado por Gardner, a Teoria IM foi apropriada e aprimorada fora do campo de sua concepção original. A psicologia e as ciências cognitivas e comportamentais passaram a influir nas discussões educacionais contemporâneas (GARDNER, 2001). Tal afirmação pode ser corroborada pela Tabela 1, onde se indica a área do conhecimento CAPES dos 66 materiais correspondentes aos parâmetros supracitados.
Tabela 1 Aplicações da Teoria IM nas áreas do conhecimento.
| Ciências Humanas | 48 | 73% |
| Ciências da Saúde | 10 | 15% |
| Linguística, Letras e Artes | 4 | 6% |
| Ciências Sociais Aplicadas | 3 | 5% |
| Multidisciplinar | 1 | 2% |
| Total | 66 | 100% |
Fonte: Autoria própria, 2022.
Considerando os 66 itens encontrados que abarcam a Teoria das Inteligências Múltiplas, após um exame e pesquisa individual dos materiais em posse, registrou-se a instituição de fomento da pesquisa quando possível e, quando não havia apresentação explícita e assertiva, a partir da instituição de origem do autor principal, dada a necessidade de demarcar e localizar potenciais expoentes na área de enfoque desta pesquisa (Pizzani et al., 2012). Tais resultados são apresentados na Figura 2.

Fonte: Autoria própria, 2022.
Figura 2 Instituições de Ensino de fomento das pesquisas com enfoque na Teoria IM.
Durante a análise dos artigos encontrados, foi realizada uma tabulação dos idiomas de escrita, como mostrado na Figura 3, dada a presença de instituições de fomento internacionais e o alto fluxo informacional e técnico produzido majoritariamente em língua inglesa. Tal levantamento fornece subsídios para identificar tendências de produção no idioma nativo, o estabelecimento acadêmico do objeto de pesquisa em território nacional e realizar inferências mais assertivas, resultado de uma compreensão clara e bem delimitada (Volpato, 2000 apudPizzani et al., 2012).

Fonte: Autoria própria, 2022.
Figura 3 Idioma dos artigos com a perspectiva da Teoria das Inteligências Múltiplas.
A partir da caracterização primária das áreas do conhecimento, foi possível identificar, com intuito de restringir os dados ao enfoque da pesquisa, que, dos 48 artigos de Ciências Humanas, foram produzidos 40 com a área de avaliação Capes de Educação. Ainda assim, considerando apenas os trabalhos na área de Educação relacionados especificamente às Ciências Naturais, constatou-se apenas quatro artigos. Conforme ilustra a Quadro 3, consideram-se para caracterização seus títulos, as disciplinas obrigatórias ofertadas na Educação Básica às quais se referem, os periódicos e sua avaliação no Qualis-Capes na área de Ensino durante o quadriênio 2013-2016, além dos respectivos autores.
Quadro 3 Artigos específicos sobre ensino-aprendizagem nas Ciências Naturais.
| Título do artigo | Área do conhecimento básico | Periódico / Classificação | Autores |
|---|---|---|---|
| A educação em mudança no século XXI: ecos de ciências na educação contemporânea para a 1ª infância | Ciências Naturais | Revista Saber & Educar / B4 | MATHEUS, C. C.; SOUZA, D. N. |
| Clube de Ciências: atendimento a alunos com superdotação. | Ciências Naturais | Journal of Research in Special Educational Needs / A1 | MARTINS, F. R.; CARDOSO, F. S.; DELOU, M. C. |
| Educação infantil na trilha das múltiplas inteligências: uma proposta de construção do conhecimento a partir de salas ambiente | Ciências Naturais | Revista de Educação em Ciências e Matemáticas / A2 | KLEMANN, A. P.; NUNES, J. M. |
| Teorias das inteligências múltiplas e suas contribuições no ensino aprendizagem da disciplina de Física | Física | Research, Society and Development Journal / B2 | SANTOS, A. M.; SILVA, A. N. |
Fonte: Autoria própria, 2022.
Após a obtenção dos dados, fez-se possível realizar uma análise bibliográfica que interprete, sistematize e relacione proposições com os resultados.
Ainda que os documentos oficiais da educação básica, desde os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) até a atual Base Nacional Comum Curricular (BNCC), instaurem um fluxo de trabalho que abrange o ensino de questões ligadas ao meio ambiente de forma transversal, são reforçadas, nos artigos analisados, certas deficiências no ensino-aprendizagem de tais conceitos. A perspectiva da inteligência naturalista – mais próxima dos conhecimentos sobre a natureza – é abordada, por vezes, de forma reducionista nos espaços educativos que a desenvolvem, pois se limitam a “visitas ocasionais ao jardim, ao terrário (...) ou do animal de estimação da classe” (Gardner; Chen; Moran, 2009, p. 36), com objetivo de possibilitar o estímulo de situar-se no mundo natural. Essa prática simplificada pode ser observada no artigo de Klemann e Nunes (2015), onde se exploram pontualmente a identificação e classificação de plantas, animais e processos naturais em uma sala-ambiente dedicada, além de saídas esporádicas ao espaço externo da sala de aula (parque recreativo).
Ao se abarcar questões referentes ao ensino de física, dispomos exclusivamente do artigo de Santos e Silva (2020) acerca de setes intervenções pedagógicas (45 minutos/aula) ao longo de um mês com a temática da eletricidade para uma turma de 9º ano dos Anos Finais do Ensino Fundamental (EF II) de uma escola pública, com o objetivo de estimular as Inteligências Múltiplas, sobretudo as habilidades linguísticas, lógico-matemáticas e espaciais. As atividades são realizadas em diferentes espectros, como com a alteração da disposição das carteiras, aulas dialogadas, elaboração de um produto, elaboração de mapas conceituais, uso de recursos midiáticos e aplicação de questionário objetivo, a fim de, assim, possibilitar uma aprendizagem significativa aos estudantes ao se trabalhar a temática com múltiplas perspectivas. Tais reflexões, por sua vez, convergem aos princípios ponderados na Teoria IM (p. ex., abordar conteúdos conceituais com pluralidade, partir das visões de mundo particulares da comunidade, não restringir as atividades sob uma suposta predileção de inteligências), embora antagonizem diretamente com a problemática da constante proposição de processos de ensino-aprendizagem alternativos e temporários de universidades para escolas, onde não promovem especificamente a melhoria das pessoas, corroborando apenas a demonstração de resultados no campo acadêmico (Gardner; Chen; Moran, 2009).
Temos também o relato de experiência feito por Martins, Cardoso e Delau (2016) sobre um projeto realizado com estudantes superdotados de uma escola particular do 9º ano do EF II até o 3º ano do Ensino Médio. Sob tal contexto, ainda que a Teoria IM vise desafiar a ótica restrita da superdotação enquanto alta proficiência em linguagens, matemática e ciências, tal como o estabelecimento de propostas pedagógicas horizontais para escolares em situação de vulnerabilidade socioeconômica, os autores primaram pela elaboração de um Clube de Ciências enquanto ação de enriquecimento escolar para o público-alvo, objetivando a participação em uma Feira de Ciências, Tecnologia e Inovação. Deste modo, voltaram-se às práticas tradicionais do incentivo à vocação exclusivamente científica de pessoas com alto desempenho escolar, colocando as Inteligências Múltiplas apenas enquanto espaço de abertura para o desenvolvimento de projetos livres dentro daquele âmbito, mesmo que a superdotação seja “a capacidade de resolver os problemas mais complexos das maneiras mais eficientes, efetivas ou econômicas” (Gardner; Chen; Moran, 2009, p. 347) e, então, não excludente das diversas outras áreas do conhecimento.
O único artigo estritamente reflexivo contido no Quadro 3 foi desenvolvido por Matheus e Sousa (2016), que apontaram a Teoria de Gardner como um dos componentes essenciais “no desenvolvimento, evolução, afirmação e adequação da educação para a primeira infância de um novo século, que requer um novo paradigma: a contemporaneidade” (p. 7). Considerou-se Gardner como um autor que apresenta conceitos de grande contribuição para a ciência do desenvolvimento cognitivo com a inclusão das diferentes competências do ser humano enquanto constructo. Demonstrou-se, na pesquisa, a relevância do autor ao apontar considerações de terceiros autores (p. ex., Silver; Strong; Perini, 2000), que revisitam e ampliam a Teoria IM.
Em contraposição, indicando práticas efetivamente dedicadas ao exercício das inteligências múltiplas com reforço à naturalista, temos o relato de Gardner H., Chen e Morin (2010) sobre um grupo de escolas norueguesas reconhecidas pelo termo uteskole (ou seja, escola ao ar livre). Nelas, as atividades dos diversos campos dos saberes são realizadas em ambiente aberto, mesmo com adversidades (p. ex., em seu relato, mesmo após iniciar uma chuva, nem os professores nem estudantes retornaram ao prédio, como seria o usual em escolas tradicionais, mas se adaptaram às novas circunstâncias).
As transformações presentes no cotidiano, devido à introdução de novas e mais aprimoradas tecnologias, geram reflexos diretos no ensino, pois faz-se necessário incorporá-las às práticas educacionais (Magalhães, 2015). O que se tem constatado, entretanto, é a substituição de processos analógicos em detrimento de uma suposta superioridade digital. O que deve ser posto em voga é o uso de tais recursos em prol da complementação, melhora e como ponto de entrada para a aprendizagem dos conhecimentos propostos pelo currículo formativo, a fim de enriquecer e abarcar as mudanças oriundas da comunidade global e, em última instância, promover o desenvolvimento das capacidades individuais para o mercado de trabalho, como pode ser observado em algumas escolas internacionais no Japão (Gardner; Chen; Moran, 2009).
Ponderando os artigos da área da Educação, dessa forma, é considerável a focalização na aplicação da Teoria IM em processos de ensino-aprendizagem mediados por ou com produtos finais relacionados à tecnologia, desconsiderando os pressupostos supracitados. Dado o alto índice de publicações com tais premissas, são possíveis exemplos o uso de Realidade Aumentada na alfabetização (Arellano; Sbriziolo, 2020); criação de hipermídias distintas para um mesmo conteúdo (Soares; Brennand, 2017); o uso de caderno e aulas virtuais com autotutoria em prol de uma personalização do ensino (Santos, 2017); e a produção de vídeos estudantis como instrumento avaliativo (Santana; Sant’Ana, 2018).
Já no espectro das instituições que promovem as pesquisas analisadas, visualizadas da Figura 2, temos uma parcela superior a 18% de artigos oriundos de espaços particulares do ensino superior. Isso corrobora com a transição presente no sistema de ensino brasileiro que era, em suma, limitado ao desenvolvimento de pesquisas no setor público com verbas significativas, avaliações periódicas e rígidas cláusulas contratuais. Atualmente, porém, nota-se uma maior valorização da pesquisa privada tanto pela manutenção de um status competitivo no mercado privado quanto pela própria depreciação das instituições públicas pelo Estado (Durham, 2003).
Ademais, é possível avaliar que as experiências escolares no Brasil específicas às ciências naturais são geralmente restritas a comunidades com uma equipe de educadores dedicada em tempo integral, localizadas em sociedades não vulneráveis e de duração limitada, pois são estes os espaços escolares com maior estabilidade, recursos e incentivados por órgãos governamentais e, em geral, escolhidos para publicização e não o favorecimento do ensino básico nacional. Por outro lado, temos que um dos princípios fundamentais na Teoria IM é a construção de uma base de trocas entre as escolas e as universidades, entre a teoria e a prática, entre professores e escolas, sendo que, neste sentido, há o projeto L@atitud (Argentina), que estabeleceu uma rede de compartilhamento de informações para ampliar as possibilidades formativas de educadores e seus discentes, tida como a espinha dorsal para uma prática educativa reflexiva contínua (Gardner; Chen; Moran, 2009).
Por fim, a partir de uma entrevista sob a ótica da metodologia aberta com uma pesquisadora brasileira estudiosa da Teoria IM, buscou-se compreender as práticas, valores e possíveis conflitos não explícitos nos materiais teóricos analisados (Duarte, 2004). A conversa se deu a partir de dois eixos temáticos:
1) As trocas, vivências e produções acadêmicas entre pesquisadores brasileiros e estrangeiros: Apontou-se a existência do diálogo livre e construtivo entre docentes pesquisadores brasileiros da área, em especial os vinculados ao Núcleo de Arquiteturas Pedagógicas da USP, com o Prof. Dr. Howard Gardner e sua equipe, sendo possível realizar projetos e materiais acadêmicos colaborativos a partir do desenvolvimento conceitual feito em ambos os países, dadas suas realidades educacionais. Quando dois pesquisadores brasileiros atuaram como professores visitantes na Universidade de Harvard – instituição à qual Gardner é vinculado – foi possível promover discussões que enriqueceram e geraram algumas alterações no fluxo de trabalho, alternando a atenção da Teoria das Inteligências Múltiplas para um novo projeto concebido já dentro do campo educacional, visto a identificação da necessidade de se avançar em outras temáticas e a compreensão da existência de outras pesquisas bem fundamentadas e correlatas primando aperfeiçoamento da Teoria IM.
2) O desenvolvimento realizado em comunidades escolares e o panorama futuro das pesquisas educacionais na área: No Brasil, corrobora-se com a percepção obtida por meio de dados perquiridos pela Plataforma CAPES, em que houve realmente um desenvolvimento teórico não aprofundado de forma geral, ainda que se tenha feito presente um alto grau de contatos realizados por professores e outras comunidades interessadas em aplicar processos de ensino-aprendizagem com a perspectiva da teoria gardneriana. Em perspectiva futura, é esperado um aprofundamento conceitual por outras instituições de ensino e seus pesquisadores, pois tem-se que a priorização de experiências pontuais, constadas tanto por esta pesquisa quanto empiricamente, surgiram apenas como um modusde experenciar a existência de uma melhora efetiva e significativa na aprendizagem dos estudantes. A atenção presente, no entanto, é voltada para fatores ligados à excelência, à ética, ao engajamento e às habilidades socioemocionais na educação por meio do The Good Project Brasil e do Laboratório de Educação Socioemocional e em Valores, acompanhando o espectro de atenção dos estudos mais recentes de Gardner e seus pares estadunidenses.
5 Considerações finais
Durante a realização da revisão bibliográfica no Portal de Periódicos da Capes, algumas dificuldades foram encontradas, a saber: a necessidade de login institucional para a leitura dos artigos quando o acesso se dava fora do ambiente virtual da universidade, mas que apresentava constantes instabilidades; e a ausência de clareza nas ferramentas de parametrização na busca e apresentação de resultados duplicados ou sem o texto integral. Esses fatores resultaram em adversidades tanto no tempo de conclusão das atividades previstas quanto na exigência da busca por ferramentas explicativas sobre o sistema de periódicos utilizados. Essas conclusões empíricas são corroboradas em estudos específicos do nicho das ciências de sistemas informacionais (Mendes et al., 2013; Miranda; Carvalho, 2017).
Quanto aos resultados da investigação realizada, demonstra-se como a Teoria IM se mantém em voga no campo educacional, além de suas colaborações em outros campos do conhecimento. Perpetua-se, entretanto, seu embasamento em trabalhos teóricos ou vinculados a generalizações na área de ensino-aprendizagem, não existindo experiências pedagógicas contínuas ou propostas escolares permanentes, fato que promove a prevalência de trabalhos com relatos de situações esporádicas na educação básica.
Por conseguinte, isso corrobora com a continuidade dos entraves em se construir formas de organização do trabalho nas escolas que sejam genuinamente significativas, vinculadas ao estudante enquanto sujeito com particularidades na aprendizagem. Pois, ainda que a introdução e confluência de novas perspectivas educacionais e a transformação da atitude dos educadores seja uma proposição prevalecente na literatura (Marques et al., 2021), sobretudo no tangente ao campo das ciências naturais, enquanto ação imperativa de inovação pedagógica, tal imperativo é “a rigor, antigo, não obstante travestido de perpétua novidade” (Aquino; Boto, 2019, p. 28).
É possível concluir, também, uma crescente abordagem crítica de teóricos em neurociência e áreas correlatas acerca das proposições de Gardner. Nelas são apontados problemas como uma educação que classifica e limita os estudantes em suas supostas pré-disposições de aprendizagem (Dekker et al., 2012), a prática baseada em percepções intuitivas dos professores e não na literatura disponível (Sarrasin; Riopel; Masson, 2019), ou mesmo o uso de avaliações de inteligências múltiplas (Ruhaak; Cook, 2018). Tais apontamentos a colocariam como uma teoria não científica (ou seja, um neuromito); contudo, tais supostas contrariedades carregam consigo questões de anacronismos, simplificações e generalizações.
Nas obras que embasaram e ampliaram os conceitos de inteligências múltiplas, temos que não é possível realizar um currículo dedicado para cada inteligência ou com atividades promotoras de uma classificação entre elas; pelo contrário, as inteligências atuam de forma variável em cada indivíduo em sua localização temporal, social e até mesmo geográfica. Além disso, o processo avaliativo não é finalista, mas formativo, contemplando aspectos de todas as habilidades do estudante e das percepções da comunidade escolar (p. ex., professores, colegas de turma, pais etc.). A Teoria IM deve ser apresentada em sua idealização original, dentro dos estudos da psicologia – não na neurologia – e, por consequência, ampliada pelos valores presentes nas práticas pedagógicas (Gardner, 2020).
Desde a publicação fundante da Teoria das Inteligências Múltiplas, novos teóricos vêm apresentando estudos e pressupostos alinhados de forma articulada aos conhecimentos correntes de psicologia, educação e neurociência, possibilitando, assim, compreensões mais assertivas e plurais sobre perspectivas de aprendizagem que ponderam em suas raízes as questões acerca da inteligência humana.
Neste sentido, destaca-se Stephen Ceci (1950) e a Teoria Bioecológica da Inteligência, que parte da ideia de múltiplos potenciais cognitivos, mas amplia sua construção conceitual ao estabelecer o desenvolvimento intelectual em razão das interações e modificações de competências provenientes dos fatores biológicos (i.e., características genéticas e a capacidade de processamento cognitivo de informações) versus fatores ecológicos (i.e., os diversos contextos da situação vivenciada naquele momento, em certo ambiente cultural). Tal perspectiva promove mudanças não aleatórias em decorrência das associações e decisões entre o indivíduo e o meio e, assim, modifica o nível de competência e novas possibilidades à vivenciar.
Além disso, é possível apontar, em decorrência dos estudos de Gardner, a retomada da perspectiva da polimatia por Douglas Hofstadter (1945), Ezio Manzini (1945) e outros, que propõem uma articulação de princípios matemáticos, filosóficos, linguísticos, ecossustentáveis, neurocientíficos e até mesmo computacionais voltados às possibilidades inerentes das potencialidades no estímulo das capacidades entre o corpo, a mente e o ambiente externo. Cabe ressaltar, ainda, que tamanha integração e dinamismo fornece o subsídio para a denominada Segunda Revolução Cognitivista, que floresceu próximo ao início dos anos 2000 e exige maior atenção aos avanços ali iniciados.
Os artigos analisados, portanto, apontam uma constante vinculação de ações positivas às urgências do ensino de ciências naturais por preconizarem uma prática docente desenvolvida com um olhar multidisciplinar e transdisciplinar, objetivando uma educação significativa e que compreenda as particularidades na aprendizagem de cada estudante. Todavia, para que tenhamos êxito na perspectiva requerida, é essencial a realização de aprimoramentos conceituais na formação inicial e continuada de professores, bem como o desenvolvimento de pesquisas que sopesam as realidades brasileira e internacional estabelecidas de modo atemporal.















