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Revista Teias

versão impressa ISSN 1518-5370versão On-line ISSN 1982-0305

Revista Teias vol.19 no.53 Rio de Janeiro abr./jun 2018  Epub 19-Fev-2020

https://doi.org/10.12957/teias.2018.32120 

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QUAL EDUCAÇÃO É NECESSÁRIA PARA A SUPERAÇÃO DA VIOLÊNCIA E DE INJUSTIÇAS?

WHICH EDUCATION IS NEEDED TO OVERCOME VIOLENCE AND INJUSTICE

QUÉ EDUCACIÓN ES NECESARIA PARA LA SUPERACIÓN DE LA VIOLENCIA Y DE INJUSTICIAS?

Osmar Hélio Alves Araújo1 

1Doutorando em Educação pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB); mestre em Educação; graduado em Pedagogia e Letras. Atualmente estar vinculado ao Programa de Formação de Professores (PARFOR) junto ao curso de Letras da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), Ceará, Brasil. E-mail: osmarhelio@hotmail.com.


RESUMO

Este artigo indaga a respeito de qual educação é necessária para a superação da violência, de injustiças e procura avaliar se a superação da violência necessita de educação específica. É preciso refletir em que medida a educação tem desempenhado um papel de prevenção/formação, de luta e persistência pela justiça e igualdade social. A revisão de um extenso corpo bibliográfico permite perceber um cenário de violência e de injustiça suscitado, na maioria das vezes, pelo sistema capitalista. A educação para o exercício da cidadania, para o desenvolvimento humano e transformação social é uma das condições básicas para a superação desse cenário de violência e de injustiças no cotidiano social brasileiro.

Palavras-chave: Educação; Capitalismo; Violência e injustiças; Pedagogia

ABSTRACT

This article questions which education is needed to overcome violence and injustice and seeks to assess whether overcoming violence requires specific education. It is necessary to reflect on to which extent education has played a role in the prevention/training, struggle and persistence for justice and social equality. The revision of an extensive literature allows for the perception of a scenario of violence and injustice generated, in most cases, by the capitalist system. Education for the exercise of citizenship, for human development and social transformation is one of the basic conditions for overcoming this scenario of violence and injustice in Brazilian daily social life.

Keywords: Education; Capitalism.Violence and injustice; Pedagogy

RESUMEN

Este artículo cuestiona sobre qué educación Es necesaria para la superación de la violencia, de injusticias y busca evaluar si la superación de la violencia necesita educación específica. Es preciso reflejar en qué medida la educación ha desempeñado un papel de prevención/formación, de lucha y persistencia por la justicia e igualdad social. La revisión de un extenso cuerpo bibliográfico permite percibir un escenario de violencia y de injusticia suscitado, muchas veces, por el sistema capitalista. La educación para el ejercicio de la ciudadanía, para el desarrollo humano y transformación social. Es una de las condiciones básicas para la superación de dicho escenario de violencia y de injusticias en el cotidiano social brasileño.

Palavras-clave: Educación; Violencia y de injusticias; Pedagogia

CONSIDERAÇÕES INICIAIS (i)

Estamos imersos, no Brasil, em uma cultura institucionalizada de descaso com a educação e a saúde pública, com o ser humano que tem, cada vez mais, seus direitos e dignidade tolhidos. Um triste exemplo são as propostas de reforma da previdência e trabalhista2.

Além disso, um contexto perpassado de violência contra a mulher, de práticas de intolerância, racismo e homofobia, de exclusão e de desigualdades é realidade, mais do que nunca, no cenário social brasileiro. À guisa de exemplificação, no caso específico da violência contra a mulher brasileira, o Brasil pode ter uma taxa de quase meio milhão de estupros a cada ano; a cada 7.2 segundos uma mulher é vítima de violência física (SOARES, 2017). No que concerne à homofobia, a cada 25 horas uma pessoa LGBT é assassinada, o que torna o Brasil campeão mundial de crimes contra as minorias sexuais (GGB, 2016). Esses dados evidenciam que as mulheres e pessoas LGBT, entre outros, continuam sendo vítimas de violência doméstica, de abuso sexual, violência física, violência policial, discriminação, preconceito ou ódio de classe, de raça ou de gênero.

Segundo Fontes (2017), no Brasil, um país capitalista, parte da população está submetida a sucessivas violências, chacinas, envenenamentos e expropriações de camponeses e indígenas. Ainda segundo a autora, as crianças são educadas na lógica da competição, da guerra de todos contra todos, assim como na perspectiva da fascinação diante das vitrines e para as relações afetivas pautadas pela ideia de posse, esvaziando-se, dessa forma, as relações humanas.

Diante desse cenário de violência e injustiças no Brasil, é imperativo pensarmos a importância da educação (qual educação?) para a superação desse cenário. É preciso refletir sobre a seguinte questão: em que medida a educação tem desempenhado um papel de prevenção/formação, de luta e persistência pela justiça e igualdade social, além de incutir o respeito mútuo, visando à colaboração e à convivência entre as pessoas de diferentes culturas?

Além dessa questão norteadora, ainda convém indagarmos: qual educação é necessária para a superação da violência e de injustiças? A superação da violência necessita de educação específica? Nesse sentido, o objetivo deste texto é, justamente, promover um diálogo crítico e construtivo visando contribuir para a existência de uma educação para a superação da violência, injustiças e comprometida com o bem social.

Inicialmente, enfatizo o cenário de violência e de injustiça suscitado, muitas vezes, pelo sistema capitalista. Em seguida, a educação para o exercício da cidadania, para o desenvolvimento humano e transformação social será aqui problematizada. Em última análise, coloco a questão: superação da violência e de injustiças: o que fazer?

Devemos refletir e problematizar, cada vez mais, acerca da educação como emancipação política; democratização do acesso aos bens culturais e coletivamente produzidos; educação como prática da liberdade (FREIRE, 1981; GIROUX, 1986) e a respeito da educação para além da reprodução ideológica (MCLAREN, 1997). Devemos entender a educação como um bem social, direito de todos e um dos caminhos para a superação da violência.

ALGUMAS LINHAS SOBRE A VIOLÊNCIA E A INJUSTIÇA A PARTIR DO CAPITALISMO

O capitalismo expandiu seu alcance a todas as coordenadas do tempo-espaço sócio-geográfico (MCLAREN, 1997). Analisar e intervir criticamente no cenário social atual exige compreender as implicações do capitalismo na vida/relação humana no contexto contemporâneo para transformá-las. Essa compreensão, que precisa ser fruto de uma educação crítica, deve levar o indivíduo a intervir nas consequências do capitalismo na dignidade e na vida humana de modo global.

Sintetizo o capitalismo como o modo de produção no qual o capital se sobrepõe ao trabalho e ao trabalhador; concentra a propriedade em poucas mãos; centraliza o poder político; há dominação das forças da natureza; submissão do campo à cidade; assim como um forte antagonismo entre classes dominantes e dominadas (MARX; ENGELS, 1998). Por esses e outros tantos motivos, concordando com Marx e Engels (1998, p. 22), “[...] Queremos abolir o caráter miserável dessa apropriação, que faz com que o trabalhador viva para multiplicar o capital, viva enquanto é de interesse da classe dominante”.

O capitalismo tem impactado nas relações sociais, fortalecido ideologias dominantes e feito emergir marginalizados por causa de sua cor ou orientação sexual, outros excluídos e silenciados, sobretudo as mulheres, os negros, os indígenas, os grupos de baixa renda, os trabalhadores sem-terra, sem-teto e sem acesso às condições básicas e necessárias de saúde, educação, trabalho, moradia. Segundo Duriguetto (2017), entre as expressões das desigualdades sociais acentuadas pelas ofensivas do capital para a recuperação dos processos de sua expansão e valorização, encontra-se a penalização dos “pobres” e a criminalização dos movimentos sociais (como os sem-terra, sem-teto, compostos por pobres e, na maioria, negros), como delitos e atos criminosos.

O capitalismo, ainda, tem levado muitos indivíduos a ignorar esse contexto de marginalização, exclusão e exploração que tem fomentado, cada vez mais, a busca e a ostentação de riquezas (do capital), assim como tem imposto uma cultura que personifica as pessoas de acordo com o capital que acumulam. Por isso, concordo com Marx e Engels quando estes afirmam que o capitalismo “Dissolveu a dignidade pessoal no valor de troca e substituiu as muitas liberdades conquistadas e decretadas, por uma determinada liberdade, a de comércio. Exploração aberta” (MARX; ENGELS, 1998, p.10).

A partir de então, sobretudo no cenário social brasileiro, os banqueiros, os presidentes de fundações internacionais e proprietários de multinacionais, de diferentes áreas de produção, entre outros donos do capital, “busca[m] o crescimento constante do mercado, visando estabelecer-se, explorar e criar vínculos em todos os lugares” (MARX; ENGELS, 1998, p.11). Por essa e outras razões, está evidente que os chamados donos do capital, de várias formas, fazem o que querem e como querem, embora corram riscos de provocar crises financeiras das quais as vítimas, que ao mesmo tempo são apontadas como os culpados, são os trabalhadores, sobretudo os servidores públicos; os aposentados que requerem sua aposentadoria no tempo merecido e necessário para o repouso3; os jovens que ocupam os espaços das escolas básicas e universidades públicas, entre outros.

O relatório do Banco Mundial4, "Um ajuste justo - propostas para aumentar eficiência e equidade do gasto público no Brasil", confirma a assertiva acima. Segundo o relatório, a massa salarial do funcionalismo público pode ser reduzida significativamente e que as despesas com o ensino superior são, ao mesmo tempo, ineficientes e regressivas. O relatório propõe, ainda, que uma reforma do sistema poderia economizar 0,5% do PIB do orçamento federal.

A meu ver, entre as possíveis ações violentas e injustas propostas pelo Banco Mundial, encontra-se o fim do acesso gratuito ao ensino superior público. Ou seja, a “desconstrução da educação pública brasileira como um direito social e na estruturação de um tipo de universidade adequada a atual etapa de acumulação do capital, particularmente em um país capitalista dependente como o Brasil” (LIMA, 2011, p. 01).

O cenário exposto até aqui é uma realidade, mais do que nunca, evidente no contexto brasileiro, notadamente, no governo do Michel Temer, pós-impeachment/2016. Convém lembrar, concordando com Gonçalves (2017, p. 133), que:

Em maio de 2016, o Brasil sofre um Golpe civil, jurídico e midiático, no qual a presidenta Dilma Rousseff é afastada e assume interinamente a Presidência do País o vice-presidente Michel Temer. Em agosto do mesmo ano, o Senado aprova o impeachment de Dilma Rousseff. Uma série de ações do governo começam a ser operacionalizadas e verifica-se um grande retrocesso no campo das políticas sociais e educacionais.

Os indivíduos que se opõem ao cenário exposto são, muitas vezes, criminalizados e culpabilizados pelas misérias sociais brasileiras, intitulados de “esquerdopatas”, seguidores de Paulo Freire. A escola pública é apontada como espaço de doutrinação ideológica marxista, o professor como o doutrinador5 e intelectual de esquerda, como têm evidenciado os estudos de Frigotto (2017) e Penna (2017).

É perceptível, de diversas formas e meios (rádio, TV, redes sociais, entre outros), a obscuridade de consciência de muitos indivíduos em face do contexto de violência e injustiça desencadeado, muitas vezes, pelo capitalismo, como a negação do outro e a fragilização de valores como o respeito, a ética, a responsabilidade e o diálogo. Mclaren (1997) enfatiza que as escolas e universidades, infelizmente, estão se tornando crescentemente mecanismos de oferta planejados para satisfazer um mercado mundial cada vez mais competitivo. Com efeito, é perceptível que as implicações do capitalismo, muitas vezes, perversas e injustas, hegemônicas e insensíveis às reais necessidades e peculiaridades humanas, estão presentes nos vários segmentos/instituições sociais. No entanto, não é uma realidade visível apenas aos olhos, mas, ao contrário, é um contexto violento e injusto que, na maioria das vezes, está a esfacelar e devorar a vida.

Por isso, no Brasil, como diz Orso (2017), nenhum de nós está tranquilo e confortável com a situação do desemprego, dos conflitos, da violência, das crises e de mortes diariamente estampadas no jornal, na tela da TV, dos computadores ou dos celulares. Além do mais, estamos, ou deveríamos estar, no mínimo, inquietos em perceber que

[...] uma pessoa sozinha possui um capital maior que o PIB do Haiti, da Nicarágua, da Bolívia e de Honduras juntos; quando uma empresa detém mais capital do que toda a população da Argentina; quando 10 pessoas possuem 1,5 vezes tudo o que o Brasil produz; quando as 62 pessoas mais abastadas do mundo possuem um capital equivalente ao da metade da humanidade, ou seja, de 3,5 bilhões de pessoas, [...] (ORSO, 2017, p.136).

Como podemos perceber, o capitalismo, muitas vezes, tem sido protagonista de um cenário de violência, de pobreza, de desigualdades sociais e de guerras, de instalação da miséria humana, cultural e social e, sobretudo, de destruição da existência/sobrevivência e consciência humana. Atualmente, a intolerância, o ódio, o preconceito, a discriminação, a violência ante a orientação sexual de muitos indivíduos, o autoritarismo político, o obscurantismo de consciência, como aqui já enfatizado, são alguns dos sinais da “[...] cultura mediada pelo dinheiro, pela pedagogia do medo e da violência, que é exposta online em tempo real” (FRIGOTTO, 2017, p. 19-20).

É fato que vivemos, hoje, no Brasil, com pistas claras de destruição de valores, como: respeito, ética, humildade, responsabilidade, diálogo, solidariedade e tantos outros que estão sendo ceifados da convivência humana. O cenário exposto, presente, na maioria das vezes, em todas as esferas sociais, sustenta-se, muitas vezes, por meio de “[...] uma mídia que manipula a opinião pública com a produção sistemática das versões da realidade, versões que interessam a quem essa mídia representa e da qual é parte: o capital” (FRIGOTTO, 2017, p. 20).

A mídia, porta-voz das forças produtoras de injustiças e desigualdades, altera e, sobretudo, destrói verdades conforme os seus interesses. Logo, inverdades e opiniões, fundadas em suposições, são compartilhadas por meio da "mídia" enquanto instrumento para manter, na maioria das vezes, os privilégios de alguns. E, por certo, de poucos.

Essa nova ordem mundial, novos tempos, um tempo ironicamente definido como a idade do capitalismo democrático, produção da pobreza, da exploração, da marginalização e da morte (MCLAREN, 1997) exige uma Pedagogia Radical que, como explicou Giroux (1986), promova relações sociais que sejam compatíveis com as necessidades radicais de existência/sobrevivência humana, assim como que impulsione os “estudantes a questionarem criticamente suas histórias e experiências íntimas” (GIROUX, 1986, p. 199).

Isto posto, o objetivo da próxima seção é discutir o sentido da educação e, consequentemente, o sentido da própria atividade escolar em face desse cenário de violência e injustiças que urge ser suplantado para que possamos construir uma sociedade verdadeiramente humana e habitável.

EDUCAÇÃO VERSUS CIDADANIA, DESENVOLVIMENTO HUMANO E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL

A curiosidade, a criatividade, a capacidade de descoberta de si, do outro e do mundo são algumas das peculiaridades da inteligência humana. Como potencializar a aprendizagem e o desenvolvimento humano? Diante dessa indagação, enfatizo que a educação é um processo permanente, contínuo e ininterrupto ao longo de toda a vida. Por isso, a educação deve ser um processo de promoção de igualdade, dignidade, e construção de uma sociedade democrática, multicultural6, solidária e responsável pelo desenvolvimento individual e coletivo de todos os indivíduos.

Gadotti (2004) destaca a educação como um processo de descobertas, da alegria de viver, assim como de amar, acordar, libertar e agir. E, ainda, como diz o autor, “[...] educar é comprometer-se, é tomar partido, é marcar posições” (p.71). Na concepção de Giroux (1986), a educação é o ponto de partida para a construção da cidadania e o compromisso com a justiça social. Acompanhando esse viés, compreendo a educação como um processo inerente/necessário à condição/ sobrevivência humana, à construção e fortalecimento da humanidade e seu desenvolvimento. Assim como é intrínseca a uma cultura de paz.

A educação como processo indissociável da vida humana de modo global, como ato político, processo de humanização e emancipação, é uma das condições básicas para a superação da cultura da violência e de injustiças presentes no cotidiano social brasileiro. Trata-se, portanto, da necessidade de uma educação para a cidadania, para a intervenção crítica, consciente e transformadora da sociedade e que fomente e instale ações de preservação da natureza, contribuindo para a sustentabilidade social, ambiental e econômica.

A educação e a transformação estrutural da sociedade são campos indissociáveis. Logo, faz-se necessária uma educação como sinônimo de consciência crítica, articulada a uma práxis desafiadora e transformadora das estruturas sociais. No entanto, como explica Gadotti (2004), a mudança estrutural da sociedade não é uma questão técnica, mas política. Por isso, como nos ensina o mesmo autor (2004), faz-se necessário uma educação que estabeleça um diálogo crítico, horizontal, nutrido no amor, na humildade, na esperança e a partir do qual o discente se descubra como sujeito (histórico) do processo. Esperança é aqui compreendida como necessidade ontológica (existencial e histórica) (FREIRE, 1992).

Como argumenta Freire (1992, p.10), “Minha esperança é necessária, mas não é suficiente. Ela, só, não ganha a luta, mas sem ela a luta fraqueja e titubeia”. Com amparo, ainda, nas contribuições do autor, faz-se necessário uma educação que provoque a esperança ancorada na prática, na concretude histórica, crítica e, sobretudo, no inédito viável.

Educar para o exercício da cidadania é também formar cidadãos capazes de compreender que a paz é uma necessidade e um direito da humanidade. Assim como capazes de desocultarem os reais interesses econômicos, políticos e de poder do modelo capitalista vigente, pois, como nos ensina McLaren (1997), precisamos desocultar os conflitos socioeconômicos, ou seja, das diferenças, para não cairmos no conceito de consenso social que visa a nivelar as diferentes realidades materiais dos indivíduos e dos grupos socialmente marginalizados e/ou excluídos.

Educar para o exercício da cidadania, superação da violência e de injustiças é resgatar a ética nas relações; contribuir para uma sociedade mais humana e solidária, menos egoísta, capitalista e insensível ao sofrimento e às reais necessidades dos grupos marginalizados e explorados. Em suma, cabe à educação contribuir para a sedimentação de uma cultura de paz.

Segundo Giroux (1986), a educação para a cidadania deve ser fundada na reformulação do papel do professor. Assim, os professores devem “ser vistos como homens e mulheres livres, com uma dedicação especial aos valores do intelecto e ao fomento da capacidade crítica dos jovens” (GIROUX, 1997, p. 160). Deste modo, esses profissionais são intelectuais transformadores, não técnicos, mas sujeitos críticos e questionadores que devem agir em favor da emancipação e da libertação dos indivíduos (GIROUX, 1997). Por isso,

[...] devem trabalhar para criar as condições que deem aos estudantes a oportunidade de tornarem-se cidadãos, que tenham conhecimento e coragem para lutar a fim de que o desespero não seja convincente e a esperança seja viável (GIROUX, 1997, p.163).

A concretude de uma educação para o exercício da cidadania, para o desenvolvimento humano e a transformação social, exige que os professores assumam “[...] a responsabilidade ativa pelo levantamento de questões sérias acerca do que ensinam, como devem ensinar, e quais são as metas mais amplas pelas quais estão lutando” (GIROUX, 1997, p. 161). Exige, então, que os mesmos problematizem o sentido da educação e, consequentemente, o sentido da própria atividade escolar na vida pessoal e social dos indivíduos.

Na perspectiva de Mclaren (1997), os professores precisam ajudar os “estudantes a desafiarem cenários de hierarquia discursiva, em vez de deslocalizá-los e des-historicizá-los, e a contestarem as maneiras pelas quais os seus desejos e prazeres estão sendo policiados” (p. 155). Realço, igualmente, as contribuições de Mclaren (1997) no que tange à busca de uma ação coletiva transformadora da realidade de opressão, criada pelo capitalismo contemporâneo, atentando para atitudes de conscientização das relações opressoras, desvelando, assim, situações injustas nas relações de gênero, raça, classes ou outras.

Necessitamos, todavia, construir relações mais alegres e potentes entre docente e discente nos processos de ensino e aprendizagem para, por consequência, fortalecer o papel social e transformador da educação no desenvolvimento humano e na transformação social. Precisamos transformar as escolas em espaços onde a paz, a tolerância, o respeito e a ética possam desabrochar e envolver ativamente todos os sujeitos em uma unidade de solidariedade e luta intelectual e política por uma sociedade mais justa, ética, responsável e construtora da dignidade humana.

Precisamos da pedagogia crítica e de resistência de McLaren (1997) para que possamos resistir e nos opor às posturas culturais baseadas numa lógica linear e unitária que tenta universalizar e naturalizar as diferenças propostas pelo capitalismo, assim como para denunciar às relações de exploração e injustiças, sejam essas de raça, gênero ou de classes.

Acredito que a superação da violência e de injustiças exige uma educação que lute por uma democracia, de fato, que contribua para a existência de uma sociedade plural, que promova ações humanizadoras e que favoreça a igualdade, a justiça social, o respeito e o diálogo entre as diferenças culturais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Superação da violência e de injustiças: o que fazer?

Neste estudo nos propomos, na primeira seção, a conduzir a análise e a compreensão crítica do cenário de violência e injustiça a partir do capitalismo para, na sequência, discutir e problematizar a educação como um dos campos necessários para a superação desse mesmo cenário. Dedicamos especial atenção para a educação como um processo para o exercício da cidadania, desenvolvimento humano e transformação social.

Convém reiterar que a obscuridade ou anestesia de consciência de muitos indivíduos diante do quadro de violência e injustiça, fruto, na maioria das vezes, do sistema capitalista, somente será superada, ou pelo menos dirimida, quando uma educação cidadã, crítica e transformadora não somente levar o sujeito a identificar a cultura da violência. Ela deve, também, levá-lo a entender que essa cultura está se legitimando, cada vez mais, em crianças, adolescentes e jovens7 expostos e submetidos cotidianamente à cultura do consumismo desenfreado; no idoso que tem, por vezes, seu direito à aposentadoria negado; em diversas mulheres que sofrem violências diversas, entre outros. Além disso, espera-se que essa mesma educação cidadã, crítica e transformadora leve o indivíduo a combater essa cultura da violência, ou seja, a agir na realidade.

Considerando esses apontamentos, podemos indagar sobre o que fazer. Entre possíveis respostas, acredito que o futuro da humanidade depende de uma pedagogia para a inclusão, para o acolhimento, para a transformação social e a convivência coletiva. Além disso, uma pedagogia, cuja centralidade seja o ser humano, capaz de desdobrar-se como uma prática ativa de (re)construção da história e comprometimento com a humanização e a superação da violência que emana do interior do sistema capitalista.

À guisa de conclusão, precisamos lutar pela consolidação dessa pedagogia, por políticas públicas que favoreçam e promovam a dignidade do ser humana em suas várias nuances, como educação, saúde, moradia, trabalho, seguridade social (previdência e assistência social), entre outros. Assim como pela democracia, pela cultura, pela liberdade de expressão, pela autonomia e por igualdade de direitos.

iDesejo expressar meus agradecimentos, pelo estímulo e compartilhamento de ideais ao longo dos últimos anos no contexto da Universidade Regional do Cariri (URCA), Campus Missão Velha (CE), ao Watla Faustino, Cloves de Moares, Rosana Dantas, Edivânia Gomes e Paulo Maia. Estou igualmente grato a Luciléia Melo pelos inúmeros diálogos que, de alguma forma, colaboram/enriquecem minha atuação pessoal/profissional.

2No Brasil, a reforma trabalhista, projeto (PL 6787/2016) transformada na Lei Ordinária 13467/2017; a reforma da previdência, ainda em curso, encaminhada ao Congresso Nacional pelo presidente Michel Temer, dificulta o acesso aos benefícios, exige mais tempo de contribuição e reduz drasticamente os valores a serem recebidos por meio de aposentadorias e pensões, entre outros ataques aos direitos conquistados durante anos de lutas (GENTIL, 2017).

3“[...] nós temos que fazer a reforma da Previdência, porque é evidente que os dados da Previdência, que geram um déficit extraordinário, estão pautados por esse período em que o homem vivia até os 60 anos, 65 anos”. Trecho do discurso do Presidente Michel Temer durante cerimônia solene de abertura do Futurecom 2017 - São Paulo/SP. Disponível em: <http://www2.planalto.gov.br/acompanhe-planalto/discursos/discursos-do-presidente-da-republica/discurso-do-presidente-da-republica-michel-temer-durante-cerimonia-solene-de-abertura-do-futurecom-2017-sao-paulo-sp>. Acesso em: 30 dez. 2017.

4O referido documento foi encomendado ao Banco Mundial pelo ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy e entregue ao ministro, Henrique Meirelles, e do Planejamento, Dyogo Oliveira, no dia 21 de novembro de 2017. Disponível em: <http://documents.worldbank.org/curated/en/884871511196609355/pdf/121480-REVISED-PORTUGUESE-Brazil-Public-Expenditure-Review-Overview-Portuguese-Final-revised.pdf>. Acesso em: 30 dez. 2017.

5Ver: O Escola sem Partido: Flagrando o Doutrinador , disponível em: <http://escolasempartido.org/flagrando-o-doutrinador >. Acesso em: 30 dez. 2017.

6Convém advertir, concordando com Freire (1992, p. 157), que uma sociedade multicultural “demanda, [...], uma certa prática educativa coerente como esses objetivos. Que demanda uma nova ética fundada no respeito às diferenças”.

7Segundo dados da UNESCO, os jovens representam o grupo mais vulnerável às violações de direitos humanos e são as maiores vítimas da violência letal (OSP, 2017).

REFERÊNCIAS

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