INTRODUÇÃO
Minha opinião é que nem tudo é ruim, mas tudo é perigoso, o que não significa exatamente o mesmo que ruim. Se tudo é perigoso, então temos sempre algo a fazer.
(Foucault, 2013, p. 299)
O mercado dos games desde a sua constituição vem se mantendo a partir de parcerias, inovações tecnológicas e muitos investimentos financeiros. Sua manutenção exige um olhar atento para a conjuntura que se instaura em cada época. Atenção que se faz necessária para investir nas demandas sociais, no que seu público aprecia e espera; estas são estratégias importantes nesse âmbito.
E é de forma estratégica que discursos são incorporados nos jogos eletrônicos, pois um discurso não se propagará sozinho. Por isso, vê-se emergir a necessidade de um pensamento computacional, que se liga à eficácia dos jogos eletrônicos, às questões de saúde, de inteligência, de Educação Ambiental etc. A eficácia dos jogos é legitimada por campos de saber, como a neurociência, a psicologia, a tecnociência, a educação, enfim, diversas vozes autorizadas se levantam para marcarem a importância dos jogos no cotidiano dos múltiplos sujeitos. Segundo Revel (2005, p. 37), Foucault denomina como discurso, “[...] um conjunto de enunciados que podem pertencer a campos diferentes, mas que obedecem, apesar de tudo, a regras de funcionamento comuns”.
As disputas no campo das tecnologias são percebidas nos discursos que emergem em cada tempo, pois o que hoje é dado como verdadeiro, em outra conjuntura não é. O que irá legitimar um saber como verdadeiro será as relações de poder que se estabeleceram e as condições conjunturais de uma época. A área da informática e dos games inicialmente travaram diversas lutas. Nessas lutas, discursos circularam no âmbito social. Questões referentes a condições de saúde foram associadas aos jogos eletrônicos. No âmbito da Educação em Saúde e Educação Física, por muito tempo se propagou que jogar videogame era sinônimo de muitos problemas de saúde. Problemas como introversão social, devido ao tempo excessivo no jogo, e estímulo a comportamentos agressivos (FINCO, 2010).
No panorama atual outros discursos despontam, por exemplo, de crise ambiental. Discurso que eleva a Educação Ambiental a um tema latente neste tempo histórico, visto que tem ganhado cada vez mais espaço, tanto no âmbito nacional quanto internacional. Efervescência percebida na criação de diversos fóruns e congressos, que tem por finalidade debater as problemáticas ambientais do mundo.
Observa-se discursos se coadunarem, o que favorece e impulsiona diversos questionamentos em torno do uso das tecnologias, das lições ambientais que conduzem a conduta dos sujeitos. As tecnologias estão atreladas a um modo de governamento que está próximo às questões do cérebro. Tomam como alvo múltiplos públicos1, que são investidos por um poder, o qual Lazzarato (2006), denominou de Noopolítica2. As tecnologias, portanto, descrevem os modos de vida na atualidade e uma nova ordem de poder que se exerce nos públicos. Para dar conta deste texto, apresenta se rastros de acontecimentos que tornam possível falar de tal poder.
ALGUNS TRAÇADOS NA CONTEMPORANEIDADE
Ao se pensar no contexto atual, se percebe a dinamicidade com que as relações de saber e poder estabelecem de tempos em tempos. Abre-se, dessa forma, possibilidades para compreender as condições que favoreceram a emergência, não apenas da noção moderna de Estado, mas também a de uma estrutura neoliberal3 que atravessa a invenção dos sujeitos.
Nesse sentido, o pensamento de Michel Foucault se faz potente para se refletir sob as novas configurações que o poder tomará na atualidade. Vê-se que outras formas e outras práticas de governamento surgem, pois, os mecanismos são atualizados e redimensionados de forma estratégica para capturar sujeitos em suas mais ínfimas pluralidades. Surge, assim, o capital cognitivo, o auto empreendedorismo, a flexibilidade (do sujeito e do trabalho), o discurso de crise, os cálculos estatísticos que reforçam o medo do planeta acabar, das epidemias, do trânsito etc. Garré e Henning (2014, p. 433), afirmam que,
E nesse jogo de forças e disputas travado entre nós, indivíduos já subjetivados pelo discurso do “ecologicamente correto”, acabamos persuadidos a participar dessa rede discursiva em prol do planeta! [...] Não basta que sejamos interpelados pelo medo da catástrofe; o objetivo é sim que tenhamos medo do que pode acontecer e que, frente a isso, tomemos uma atitude − uma atitude responsável.
E se tratando de índices estatísticos, nota-se que estes possibilitam a regulação das condutas por meio do governamento do medo, pois reforçam a necessidade do treinamento para o sucesso e do aprimoramento de práticas corretas. Lemke (2014, p. 117), afirma que, “a visão contemporânea de autoempreendimento promete opções e oportunidades múltiplas para consumir, mas também exige o cálculo e a estimativa constante, estabelecendo, assim, um medo permanente de fracasso”. Sendo assim, entende-se que as análises desenvolvidas por Foucault sobre as relações de poder, contribuem para o tensionamento das verdades fabricadas neste tempo. Permitindo pensar a atualidade e suas contingências, através de noções, que certamente não foram desenvolvidas num contexto solúvel e instável.
Diante deste panorama, pode-se apontar que a produção do medo serve como governamento de públicos em uma época que é atravessada por um outro modo de governamentalidade, visto que a conjuntura histórica é diferente da analisada por Foucault. A constante deste tempo se torna então a condução e o controle por meio do medo, pois afinal, o medo é a arma mais antiga do mundo. Arma que num campo de guerra, de lutas e embates, ganha o caráter de estratégia potente, pois se vence sem o dispêndio de energias e o menor auxílio de outras estratégias. A estratégia do medo torna-se um elemento chave para a fabricação de verdades e práticas de subjetivação. Lemke (2014, p. 115-116, destaques do autor), aponta que:
[...] o controle é deslocado das pessoas concretas para supervisionar os espaços e estruturas abstratas de oportunidade. No centro desta estratégia nós não encontramos indivíduos ou grupos, mas contextos situacionais e ações possíveis. As tecnologias do controle [...], tem como objetivo uma gestão econômico-racional das correntes de modalidade e informação, através da regulação de funções operacionais e regimes de admissão. [...] também é possível detectar a remoralização dos discursos políticos e sociais que permitiram o surgimento de novas formas de responsabilidade individual e coletiva acerca dos comportamentos “perigosos” ou de “risco”.
A governamentalidade e suas primeiras táticas, analisadas por Foucault, não desaparecem com a cibercultura, pois a sociedade e os públicos que se constituem, não são compostos apenas de uma geração cyber (crianças e jovens que nasceram imersos em um mundo tecnológico), mas sim, de diversas gerações, ou seja, X, Y, Z. Gerações que são atravessadas por uma nova cultura. Conforme Henning et al. (2014, p. 230), “no tempo da cibercultura, o poder deixa de atuar apenas através de disciplinas e emana através de modulações e em diferentes espaços, [e diferentes sujeitos]”.
Os discursos contidos nas tecnologias interpelam e capturam grupos que se constituem em públicos diversos. Públicos que ganharam o foco e passam a ser investimentos de um poder, a saber, de um noopoder. O noopoder é um poder que incide na memória, consciência, atenção, produtividade intelectual e na dinamicidade do sujeito. Portanto, a noopolítica se configurará em táticas que atuarão sobre os públicos para modulação das “[...] mentes com o objetivo de formar aquilo que se conhece por opinião pública” (VEIGA-NETO, 2011, p. 47). Coadunados, o noopoder e a noopolítica, tomam por alvo aquilo que, talvez, o biopoder e a biopolítica não consigam capturar, o homem-espírito, o qual, de acordo com Foucault, somente é objeto do biopoder no limite, pois passará a estar em primeiro plano (LAZZARATO, 2006).
Frente a tais percepções, pode-se indicar que o discurso ambiental contido em artefatos tecnológicos, como forma de conduzir as condutas, também incidirá na mente destes públicos, buscando mobilizá-los à, “[...] fechar a torneira quando escovar os dentes, lavar o carro economizando água, reciclar o lixo e tantas outras intervenções, que a cada dia, a mídia nos interpela, convidando-nos (ou convocando-nos?) a pensar no futuro” (HENNING et al, 2014, p. 236).
As ações que surgem para conduzir a si próprio e os outros, são deliberadas por uma microfísica do poder que se utiliza de ferramentas tecnológicas para subjetivar os corpos e as mentes de públicos. Assim, o governamento materializa-se em modos de se conduzir corretamente frente ao trânsito, ao meio ambiente, a si próprio e aos outros. Entende-se que tais modos configuram sujeitos em públicos que se agregam por lógicas comuns, que se ligam a tantos outros públicos em uma rede imensurável. Segundo Tarde (2005), públicos que se vinculam por uma simultânea convicção ou paixão, consciência que cada um deles possui de que essa ideia ou essa vontade é compartilhada no mesmo momento por um grande e diverso número de sujeitos.
Ressalta-se que embora a ênfase hoje seja o controle de públicos, não significa que não existam mais táticas direcionadas ao sujeito e à população, ou técnicas de disciplinarização. Não se trata de uma substituição, e sim de uma atualização e inclusão de outras práticas de governamento. Uma atualização que inclui o gerenciamento do corpo, mas também, e talvez principalmente, da mente. Por isso, é possível pensar que, “[...] enquanto os dispositivos de segurança multiplicam a fabricação de riscos, os dispositivos de controle multiplicam a fabricação de públicos” (VEIGA-NETO, 2011, p. 47).
Nessa perspectiva, a gestão dos riscos e dos públicos são parte da propagação e a efetivação das formas neoliberais de governamento, as quais têm colaborado na produção da insegurança e do cultivo do medo, que vão além dos graus constatados por Foucault durante sua vida (LEMKE, 2014). Garantir a segurança em diversos âmbitos implica, certamente nesse contexto, em produzir estratégias que operem sobre os diferentes contextos sociais. Por isso, segundo Lemke (2014, p. 115-116),
[...] a ideia de mecanismo de segurança enfatiza que o funcionamento da economia capitalista necessita de um quadro político-legal que não somente providencie os meios de infraestrutura para a troca de mercado, mas também aplica mecanismos para regulamentar, compensar ou minimizar as inseguranças sociais ou riscos como, acidentes, desempregos, doenças, [degradação do meio ambiente] etc.
A sociedade passa a ser interpelada constantemente pelo espectro da insegurança. As sombras das incertezas atormentam para assinalar e demarcar a posição dos sujeitos neste tempo. Uma rede discursiva cheia de enunciações de medo que se instaura para “[...] regular a vida atingida pela doença, pelo desemprego, pela velhice, pela morte, [e pelas catástrofes ambientais][...]. As técnicas de controle voltam-se, assim, para a vida, mas em um sentido completamente diferente” (LAZZARATO, 2006, p. 81). Segundo Lemke (2014, p. 117, grifo nosso),
A ameaça constante de desemprego e miséria, a ansiedade sobre o futuro, induz o planejamento do futuro e a prudência. O medo não somente estimula a consciência dos riscos econômicos e das incertezas que acompanham o empreendedorismo social esperado, ele também é um meio importante de medicalização e genetização da sociedade.
Com a emergência dessa tão disseminada crise ambiental, desponta a cobrança cada vez mais acentuada de sua divulgação e da conscientização dos sujeitos. Nota-se que essa consciência é precedida por um pensamento contemporâneo, cuja lógica alinha-se a que Deleuze (1976) entende por “niilismo reativo”4 ou “consciência reativa” (VEYNE, 2008) ou ainda uma “má consciência”5 (NIETZSCHE, 2009). Os sujeitos que apresentam uma consciência reativa não tomam determinadas ações, porque em suas concepções estão fazendo algo errado.
Uma consciência reativa pode ser fabricada por diversos artefatos que reforçam um panorama de crise e incerteza. Nesse sentido, uma autoconsciência rege as condutas dos sujeitos através do medo e da culpabilização. O que, consequentemente, potencializa a existência de um ideal de sujeito, com determinadas características, virtudes e valores. Nietzsche (2005, p. 24, destaques do autor), aponta que,
[...] como, na grande maioria dos casos, só houve querer quando se podia esperar também o efeito da ordem - isto é, a obediência, a ação -, a aparência traduziu-se em sensação, como se aí houvesse uma necessidade de efeito; em suma, o querente acredita, com elevado grau de certeza, que vontade e ação sejam, de algum modo, a mesma coisa - ele atribui o êxito, a execução do querer, à vontade mesma, e com isso goza de um aumento da sensação de poder que todo êxito acarreta.
Os sujeitos em questão, agem por que são afetados por uma verdade, a de que o mundo está em crise. Assim, precisam ter práticas política e ecologicamente corretas, senão suas ações poderão acarretar na futura destruição do planeta e da humanidade. Nessa perspectiva, volta-se ao pensamento de Nietzsche (2009, p. 64, destaques do autor), o qual afirma que,
A “má consciência”, a mais sinistra e mais interessante planta da nossa vegetação terrestre, não cresceu nesse terreno - de fato, por muitíssimo tempo os que julgavam e puniam não revelaram consciência de estar lidando com um “culpado”. Mas sim com um causador de danos, com um irresponsável fragmento do destino.
O medo é incutido nas mentes contemporâneas, que passam a receber a cada segundo incontáveis informações, que chegam por meio de diversas tecnologias de comunicação. Vê-se que, se as disciplinas produziam corpos através de hábitos, especialmente na memória corporal, as sociedades de controle modulam os cérebros, fabricando hábitos sobretudo na memória mental (LAZZARATO, 2006).
OS TRAÇADOS E ALGUMAS ANÁLISES DA PESQUISA EM EVIDÊNCIA
A contemporaneidade apresenta um contexto de movimentos que se deslocam para perspectivas onde não existem fronteiras e espaços concretos. Um mundo invisível idealizado ou fabricado por múltiplos sujeitos subjetivados. Mundo que está muito longe de ser neutro! As mídias eletrônicas emergem para fazer parte das redes que circundam neste tempo. Redes virtuais e redes capilares de poder se espraiam pelo âmbito social para, de forma convidativa, envolver muitos com a suas verdades. Para Lazzarato (2006), a sociedade de controle exerce seu poder graças às tecnologias de ação a distância da imagem, do som e das informações, que funcionam como máquinas de modulação ou máquinas de modular e cristalizar os pacotes de bits.
Em uma “Análise do Discurso” (FOUCAULT, 2015), o processo metodológico buscou perceber as recorrências discursivas que produzem verdades, “pois além do discurso, tomado como uma questão metodológica, é necessário ter presente os resultados dessa metodologia, isto é, a descrição dos discursos, das formações discursivas [...]” (CASTRO, 2016, p. 117).
As análises que ora se apresentam, fazem parte de uma pesquisa maior que vêm sendo desenvolvida desde 2016, que tem mostrado a existência de estratégias de condução da conduta e de subjetivação de sujeitos em jogos eletrônicos. Sendo assim, buscou-se investigar os jogos eletrônicos com o objetivo de se perceber os discursos de EA nestes artefatos. Bem como, as formas de governamento dos sujeitos para uma vida ambientalmente correta. Formas que materializam e sustentam, por meio do dito e do visível, um discurso ambiental, tecnológico, computacional etc. Foram selecionados dois jogos, ECO e The Sims, a partir de reportagens apresentadas em sites de jogos. As análises se deram no site que divulga o jogo ECO e em gameplays do jogo The Sims, disponíveis no YouTube.
O jogo eletrônico ECO (Figura 1), é desenvolvido pela empresa Strange Loop Games, e até 2016 não se encontrava em versão comercial, havia apenas a versão pré-alfa disponível aos jogadores para testes. Em 2017, o jogo passou a ser comercializado e em 2018, entre as seis versões apresentadas está uma especial para a sala de aula que custa US $500 dólares (STRANGE LOOP GAMES, 2018).
ECO é um jogo de simulação que possui o gráfico semelhante ao do jogo Minecraft, pois sua criação foi inspirada neste jogo. O jogador tem a possibilidade de gerenciar seu mundo, porém para cada ação humana terá uma reação no jogo (STRANGE LOOP GAMES, 2018).
No site da Strange Loop Games, ECO é apresentado com chamadas que trazem comentários de representantes de empresas mundialmente conhecidas, que destacam o ineditismo do jogo, e assim, o legitimam perante um público consumidor. Representantes da IPad e da FORBES são indicados nos seguintes comentários: “Parece incrível. Nunca vi um conceito de jogo tão lindamente projetado em torno do pensamento sistêmico e da tomada de decisões respaldadas por evidências” e “[Outros jogos] não encorajam o tipo de decisão ética que será exigida dos futuros pioneiros. Talvez, o ECO possa oferecer uma solução” (STRANGE LOOP GAMES, 2018, tradução nossa).
No trailer de exposição do jogo, apresentado no site, indica que o mesmo possui uma planilha gráfica que monitora não só os impactos causados pelo jogador no seu planeta como também a própria alimentação do personagem, ou seja, o nível de nutrientes que possui no organismo. Segundo informações do site Critical Hits (2016, s/p),
O mundo de Eco será o lar de milhares de espécies de animais e plantas, cada um vivendo continuamente 24 horas por dia, crescendo, comendo, se reproduzindo, com sua existência dependendo de outras espécies. Então as coisas ficam complicadas quando humanos - os jogadores no caso - se envolvem.
Percebe-se que tais discursos são engendramentos que fabricam determinados sujeitos, pois, conforme Lemke (2014, p. 118), “no contexto neoliberal, o medo é a base e o motivo para a constituição do sujeito responsável, confiável e racional. Ele tem uma qualidade civilizadora: os bárbaros não têm medo - é por isso que são tão perigosos”. Tal visão pode ser encontrada no seguinte trecho do site Critical Hits (2016, s/p),
Recursos poderão ser coletados e usados para sobreviver e prosperar, mas diferente de outros jogos do gênero, cada recurso impacta diretamente no funcionamento do planeta, e sem um planejamento e entendimento do ecossistema pode haver desmatamento, rios podem ser poluídos, habitats destruídos e espécies podem ser extintas.
Os sujeitos de hoje são aglomerados em públicos, fabricados, conduzidos, gerenciados por diversos dispositivos que constituem “[...] modos de ver, de falar e de pensar sobre a questão ambiental a partir de uma trama de diferentes discursos que se engendram, sejam eles legais, midiáticos, políticos, educacionais, científicos, ecológicos ou econômicos” (GARRÉ; HENNING, 2015, p. 71).
Nos gameplays do jogo The Sims, ficou evidente que o cenário configurado nos jogos é de uma natureza bucólica. As imagens trazem ambientes verdejantes e com pedregulhos, que denotam uma vida natural, pautada em uma natureza bela, boa e pura. Associada a esta nostalgia existem lições de cuidado com as plantas, de produção de horta, (que é apresentada como jardinagem), de uso de fertilizante à base de produtos naturais (peixe e frutas), de consumo de produtos naturais na alimentação e de realização da reciclagem (que se configura tão-somente com o personagem colocando o lixo na lixeira), figura 2.
Ligado a uma forma de vida saudável, as plantas são apontadas como fonte de longevidade. Entre as classificações dada às sementes, aparece, por exemplo, a de “planta especial”, que dá origem à “planta da vida” (figura 2c). Em sua descrição, segundo indicação nos gameplays, diminui a barra de envelhecimento e aumenta o tempo de vida do personagem. Nota-se que o personagem apresentado nos gameplays aponta para um sujeito com práticas ecologicamente corretas. As falas de um jogador acerca de seu personagem denotam tal pensamento: “Ellen tem o dedo verde. Tem o dom da jardinagem!”; e “A família perfeita tem que viver de forma natural.”. Este sentimento nostálgico de vida natural é projetado tanto nas falas dos jogadores, quanto na própria configuração do jogo, assim, jogador e personagem se fundem na criação do avatar.
São perceptíveis nestes materiais as visões e concepções de Educação Ambiental. Uma Educação Ambiental pautada no gerenciamento dos recursos naturais e numa visão de natureza bela, boa e pura. Por meio desses modelos, os sujeitos são educados para a constituição do homem bom, para uma vida mais saudável e mais verde.
É clara a proposta dos jogos de educarem os sujeitos para situações reais. Pode-se então indicar que este artefato se firma em uma “Pedagogia da mídia” (COSTA; SILVEIRA; SOMMER, 2003), que tem por intuito treinar sujeitos para resolverem problemas sociais, considerando que os mecanismos digitais de simulação são utilizados para prepararem sujeitos para enfrentar determinadas situações. Nesse caso, Educação e questões ambientais são problemas latentes na atualidade, o que por sua vez, faz fabricar uma demanda de sujeitos com determinadas condutas.
Os jogos eletrônicos passam a assumir o slogan do político e ecologicamente correto, para conquistar consumidores de todas as faixas etárias. No entanto, “se eles educam, não bastaria que educassem apenas para o consumo. Para obterem tanto sucesso, seriam necessários outros ‘processos educativos’” (MENDES, 2006, p. 72, destaque do autor). Por isso, eles não só educam para o consumo, mas para uma determinada Educação Ambiental e para a formação de um determinado sujeito. Há também uma certa educação para um pensamento computacional. Vê-se, então, valores determinantes para a sociedade.
Os sujeitos são subjetivados num processo que extrapola o individual, pois assume uma dimensão extra pessoal. Vê-se que nessa rede de relações que se configuram sujeitos e artefatos eletrônicos, transcendem a dicotomia sujeito e objeto. Os artefatos eletrônicos se tornam “produtivo do ser”, enunciadores e propulsores de discursividade “parcial” (LAZZARATO, 2014), pois ambos, sujeitos e artefatos eletrônicos, fabricam os discursos ambientais.
No exercício destas relações de poder percebe-se não só um poder que age no corpo deste público, mas principalmente na mente. O pensamento e a consciência dos sujeitos são ativados quando existe um obstáculo, desequilíbrio ou qualquer acontecimento. Assim, sujeitos, consciência e representação são empregados a fim de alterar as relações de feedback entre humanos e artefatos eletrônicos (LAZZARATO, 2014). Pode-se entender a pronunciada crise ambiental como um acontecimento, e o feedback desta, como as ações ecologicamente corretas, dentre elas, a busca por uma vida de qualidade, o consumo politicamente correto, enfim, a fabricação e a invenção dos sujeitos cybers ambientais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Educação Ambiental entra no campo dos games como estrela de ouro, ou melhor como estratégia de ouro, para a ação do noopoder, pois não basta se fabricarem sujeitos informatizados, também precisam ser ambientalmente corretos. O noopoder encontra sua efetividade, sua materialidade, justamente nas demandas sociais da contemporaneidade. Percebe-se assim, que o noopoder atua através da crise da Educação, da Educação Ambiental, do campo da informática, da criatividade, de valores etc. Um poder que age em conjunto com outras formas de governamento, as quais modulam a memória e a atenção, disciplinam os corpos, produzem condutas. Talvez, este novo poder seja uma das formas mais sagazes de poder já descrita, pois encontrou uma fonte potente para o seu exercício, a saber, o cérebro.
Os jogos eletrônicos estão presentes em diversos âmbitos, e atualmente passam a fazer parte de ações e estratégias pedagógicas dentro da escola. Sob o discurso de transformar a realidade, estes artefatos fascinam e conquistam o espaço escolar, para emergirem como uma possível tábua de salvação para a educação e a educação ambiental. As relações de poder que se estabelecem em torno destes artefatos refletem os interesses que o seguem. Portanto, entende-se que não há campo de saber sem disputa e sem relações de poder, assim, certamente, o campo das tecnologias tem incidido na invenção de sujeitos que carregam as peculiaridades de um tempo.
Com isso, notou-se que os ditos no jogo ECO, reforçam o medo pela perda do planeta como forma de fabricar consciências reativas e, consequentemente, condutas ambientalmente corretas. Os sujeitos jogadores são interpelados por uma narrativa de catástrofe que é mobilizada por imagens, paratextos e sons.
No jogo ECO, o homem é o causador dos problemas ambientais. No jogo The Sims, o homem está em integração com a natureza e não polui. Uma consciência ambiental se torna parte dos personagens, visto que os avatares podem possuírem habilidades verdes. Os ditos do jogo The Sims, ensinam que tal consciência tem como resultado uma vida mais saldável e longa, e uma natureza pura e boa novamente. Com isso, conduzem a conduta dos múltiplos sujeitos jogadores.
A partir do que foi explanado, volta-se o olhar para os discursos presentes nos jogos eletrônicos. Discursos de vida saudável, sustentável, de harmonia com uma natureza boa e pura, de salvação, de solução da crise ambiental e da formação de um novo cidadão. Assim, percebe-se que é na junção do sujeito/jogos que o discurso se produz e se materializa em processos de subjetivação. Sujeitos e artefatos narram-se e são narrados em meio a relações discursivas de poder.