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Revista Teias

versión impresa ISSN 1518-5370versión On-line ISSN 1982-0305

Revista Teias vol.19 no.54 Rio de Janeiro jul./set 2018  Epub 05-Sep-2021

https://doi.org/10.12957/teias.2018.37619 

Cotidianos, Políticas e Avaliação

COTIDIANOS, POLÍTICAS E AVALIAÇÃO

Maria Teresa Esteban

Virginia Louzada

Fabiana Eckhardt


Avaliação, objeto de intenso debate, é um tema plural, presente nas diversas esferas que compõem a dinâmica educacional e nas múltiplas experiências educativas. Afeito a abordagens várias, se conecta a movimentos múltiplos, nos quais políticas, processos e práticas se entretecem a diferentes perspectivas, produzindo tanto regulação e controle como atuações no cotidiano escolar que se tornam fontes coletivas de diálogo, criação e re-existência.

Propomos o dossiê Cotidianos, políticas e avaliação como parte deste debate. Por realizar-se em diferentes contextos, articulando diferentes sujeitos, a avaliação traz em si possibilidades democráticas que alimentam pesquisas, estudos e práticas que se debruçam sobre este tema complexo e tantas vezes controverso. Afirmamos a potência da avaliação educacional como prática crítica, dialógica, participativa e reflexiva, diante de uma tendência de consolidação da avaliação como processo que padroniza, classifica, seleciona e justifica exclusões, consoante a um momento de forte retrocesso nas conquistas democráticas.

Reiteramos a esperança como força mobilizadora da educação e nos encontramos com Paulo Freire, destacando este momento em que celebramos os 50 anos da Pedagogia do Oprimido. A leitura desse importante livro, que nos convoca à leitura crítica do mundo e à ação ética comprometida com a libertação, nos oferece, dentre tantas e profundas lições, mostras de como o medo da liberdade sustenta o discurso do perigo da conscientização. Relação ainda atual, apesar das décadas que nos separam. Mas é também no diálogo com a obra freireana que encontramos a educação como encontro amoroso com o outro, para juntos pronunciar o mundo, lutar e transformar a vida.

Aprendendo com a sabedoria dos que nos antecederam, nos posicionamos frente aos discursos sombrios, à proliferação do medo e do ódio, à negação dos outros e das tantas formas de ser e viver, às ameaças e aos movimentos que pretendem reduzir educação a treinamento com coragem e com o vigor dos argumentos, do conhecimento e da certeza da importância da educação, como processo humanizador, para a contínua transformação do mundo.

À educação crítica, implicada na luta pela libertação, vinculamos a avaliação. Desse lugar, olhamos para a avaliação educacional em suas relações com as dinâmicas escolares cotidianas, com as políticas, em suas esferas macro e microestruturas, com as articulações entre as avaliações externas, cotidiano escolar e práticas docentes e com os modos como os resultados são (re)significados pela escola e pelos/as professores/as.

Abrimos o Dossiê com a discussão sobre as políticas de avaliação instauradas no Brasil, a partir dos anos 90 do século passado, com a criação do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Segundo o Instituto, o SAEB é composto por um conjunto de avaliações externas em larga escala que permitem realizar um diagnóstico da educação básica brasileira, fornecendo dados sobre a qualidade do ensino ofertado.

O primeiro artigo, “Avaliação Nacional da Alfabetização: produção e gerenciamento do risco do analfabetismo infantil”, de Renata Sperrhake e Samuel Edmundo Lopez Bello, apresenta uma temática proeminente na atualidade brasileira, ampliando o debate contemporâneo acerca da avaliação externa nas escolas. A pesquisa que sustenta o trabalho aponta elementos que fundamentam a tese de que o risco de analfabetismo infantil tem sido produzido discursivamente passando a ser gerenciado por diferentes estratégias, postas em funcionamento pelo próprio instrumento de avaliação.

Dando continuidade à articulação avaliação, políticas e alfabetização, apresentamos o texto “Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA): um estudo preliminar”, escrito por Graciele Lipsuch e Michelle Fernandes Lima e produto de uma investigação em dois municípios da região sudeste do Paraná. A partir dos dados analisados, as autoras tecem um discurso buscando localizar a avaliação nacional no contexto das políticas neoliberais, que configuram a regulação e o controle do Estado sobre a educação.

O artigo “Sistema de avaliação dos estados do Brasil: avanços no gerencialismo na educação básica”, de Regiane Helena Bertagna e Raquel Fontes Borghi, objetiva discutir os avanços do gerencialismo no país, a partir do mapeamento dos sistemas estaduais brasileiros. As autoras argumentam que houve um aumento significativo de sistemas estaduais de avaliação a partir da criação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica *IDEB) em 2007, o que as leva a concluir que tal processo de intensificação revela e tensiona a lógica de gestão gerencial no campo da educação pública.

O artigo “Avaliação, meritocracia e performatividade: uma análise da política educacional pernambucana”, de Sergio Andrade Moura e Angela Maria Dias Fernandes, investiga o Modelo de Gestão Todos por Pernambuco, implementado em 2007, considerando, especialmente, a política de avaliação de desempenho educacional inserida nesse contexto. Os autores argumentam que essa

política de avaliação promove processos de responsabilização, competição e meritocracia, com o objetivo de garantir uma educação de “qualidade”, ferindo a autonomia docente e promovendo tecnologias gerenciais de controle.

O artigo “Complexa relação entre formação continuada e avaliação externa na rede pública de ensino”, de autoria de Ana Carolina Medeiros Gatto Vieira Carvalho e Adriana Varani, apresenta reflexão sobre sentidos produzidos a partir da relação entre os programas de formação continuada da rede oficial de Ensino do Estado de São Paulo e os discursos de discursos de professores de um município deste estado, avaliados pelo Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (SARESP). Segundo as autoras, tal relação tem gerado um contexto que enfatiza as disciplinas cobradas no SARESP, priorizando as temáticas que compõem as provas. Os discursos dos professores possibilitam refletir sobre as contradições existentes entre o desejo de ter autonomia do trabalho e a aceitação de avaliações regulatórias e responsabilizadoras, uma vez que há uma concordância de que a avaliação externa atua como indicador de aprendizagem dos estudantes.

O próximo artigo, “Política accountability educacional no estado do Ceará: repercussões nas dinâmicas pedagógicas”, de Karlane Holanda Araújo, Raimundo Hélio Leite e Eric Ferdinando Kanai Passone, analisa os efeitos da responsabilização a partir do Prêmio Escola Nota Dez, que faz parte do Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará (SPAECE). Os autores argumentam que essa política está assentada nos conceitos econômicos de mercado, sendo caracterizada pela responsabilização simbólica e pela utilização de mecanismos de incentivos financeiros e competitivos que visam mobilizar os profissionais da educação na busca pela melhoria da qualidade. Para eles, a prática de bonificação tende a pressionar o corpo docente a alcançar as metas, causando tensões nas relações intra e interpessoais no contexto escolar.

O artigo “Avaliações externas nas escolas organizadas em ciclos: uma esquizofrenia no espaço educacional”, de Andrea Rosana Fetzner e Nathalia Santos Corrêa da Silva, procura compreender como os ciclos, enquanto projeto de democratização escolar, e as avaliações externas, orientadas pela mensuração e pelo controle, coexistem em uma escola da rede pública municipal de Nova Iguaçu, no estado do Rio de Janeiro. Os estudos realizados percebem os ciclos e as avaliações externas como políticas em conflito. Embora exista um tempo destinado ao preparo para as provas padronizadas, isso não inviabiliza práticas avaliativas mais contínuas e processuais, práticas que as autoras consideram ser responsáveis por resultados mais favoráveis ao processo de ensino e aprendizagem.

A discussão sobre os processos avaliativos, as políticas e o cotidiano escolar na Educação Infantil também está presente no Dossiê. Levando em conta o cenário educacional atual, com políticas que privilegiam uma “alfabetização precoce”, como o Pacto pela Alfabetização na Idade Certa - que prevê, desde 2017, ações de formação para profissionais que trabalham com pré-escola - entendemos a importância ética e política de ampliarmos a discussão sobre os princípios que orientam as práticas avaliativas na Educação Infantil.

O artigo “Avaliação Formativa na Educação Infantil: relações entre políticas públicas e práticas docentes”, de autoria de Patrícia Dias Prado e Angélica de Almeida Merli, pretende confrontar os princípios de avaliação defendidos nos documentos oficiais e as práticas docentes, que ainda têm apresentado práticas avaliativas classificatórias modeladas pelo Ensino Fundamental, embora os documentos nacionais e os da própria rede privilegiem os princípios da avaliação formativa. Segundo as autoras, investir em pesquisas sobre essa temática e a formação de professores/as das diferentes etapas da Educação Básica, nas quais as crianças estão presentes, deve se tornar uma demanda educacional atual e permanente pelo direito à educação, à formação profissional e humana para toda a vida.

O artigo “Tensionando currículos na Educação Infantil”, de Andrea Serpa e Cristiana Callai, assume o desafio de problematizar as diferentes concepções de infância, ensino e aprendizagem e currículo e sua direta relação com as práticas de avaliação vivenciadas no cotidiano escolar. Para as autoras, torna-se necessário discutir os currículos propostos para a educação das infâncias e suas concepções conteudista e meritocrática, que descaracterizam o trabalho pedagógico realizado com essa faixa etária. Nesse sentido, a brincadeira, linguagem privilegiada para a Educação Infantil, dada a sua importância para os processos de aprendizagem e desenvolvimento infantis, vai perdendo espaço, a partir de uma lógica produtivista que entende que brincar significa perder tempo.

O artigo “As avaliações nacionais, o currículo da escola básica e a produção do aluno com distorção idade x série”, dos autores Marcelo Ribeiro de Mesquita e Wladirson Ronny da Silva Cardoso, apresenta uma reflexão sobre a interferência das avaliações nacionais na construção do currículo, ressaltando tais avaliações como instrumentos que produzem no cotidiano escolar o aluno problema, por meio da negação das diferenças. O texto é produto de uma pesquisa qualitativa que tem como foco um projeto de aceleração em uma escola da periferia de Belém.

Considerando os movimentos formativos no contexto das práticas cotidianas, os próximos três textos tratam de diferentes modos de interpretar e significar as políticas e os processos de avaliação. Sendo o cotidiano escolar esse espaçotempo complexo, no qual muitas tramas se entretecem, com Paulo Freire e Michel de Certeau, o texto “O lugar do cotidiano nas escolas rurais” de autoria de Darieli Daltrozo Ilha, Simone da Silva Ribeiro e Dileno Dustan Lucas de Souza analisa as práticas avaliativas do processo de alfabetização empreendidas por escolas rurais nas décadas de 1980/1990. O estudo defende que outras lógicas sustentam a manutenção da vida e os saberes dos povos do campo, precisando ocupar espaço nas discussões que repensam o papel e a função social da escola.

O artigo “Sistema de Avaliação da Educação de Niterói: a percepção de professores no contexto da prática”, de Carla Cristina Martins da Conceição Vasconcellos e Lúcia Velloso Maurício, buscou considerar as interpretações dos professores dos anos finais do ensino fundamental sobre as políticas públicas de avaliação educacional no município de Niterói, no âmbito do Sistema de Avaliação da Educação de Niterói (SAEN). O texto expõe uma temática importante no quadro das políticas públicas para a educação ao explorar a produção de políticas de avaliação no ambiente de uma secretaria municipal de educação e os modos de interpretar e significar as políticas no cotidiano escolar.

O artigo “Práticas avaliativas e profissionalização nos cotidianos: uma análise de produções acadêmicas”, de produção das autoras Crislainy de Lira Gonçalves e Lucinalva Andrade Ataíde de Almeida e Carlinda Leite, apresenta uma análise de discursos sobre avaliação da aprendizagem nos trabalhos acadêmicos publicados entre 2004-2014 no Encontro de Didática e Práticas de Ensino, no Encontro de Pesquisa Educacional Norte e Nordeste e na Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação (nos GTs de Didática, Formação de Professores e Ensino Fundamental). Na construção da argumentação, as autoras destacam o avanço de políticas de controle e gerenciamento nas práticas avaliativas e colocam em debate a constituição da docência no cotidiano escolar.

Por fim, o artigo “Políticas de avaliação e subjetivação docente: uma análise curricular pós-fundacional”, de Carmen Teresa Gabriel e Marcus Leonardo Bomfim Martins, analisa os processos de subjetivação docente em meio às políticas de avaliação em nossa contemporaneidade. Nesse contexto, a docência acaba por ocupar um lugar subalterno no sistema hierarquizado de saberes. Para os autores, os processos de subjetivação docente e as possibilidades de subversão ou deslocamento da posição de subalternidade implicam na articulação estabelecida com os processos de objetivação do conhecimento legitimado e avaliado.

Na Sessão Elos, estão em diálogo olhares sobre a ação pedagógica radicalmente comprometida com os processos emancipatórios e de libertação. No artigo “Construir convivencia en un país en medio del conflicto: una experiencia pedagógica alternativa”, as autoras Trujillo Pérez e Trujillo Perdomo, representando a comunidade da Escuela Popular Claretiana, em Neiva, Colômbia, apresentam uma experiência de educação popular, numa escola pública, fundada em ação cooperativa, participação, autogestão comunitária e criação de ambientes pedagógicos favoráveis à aprendizagem de todos. A vida da escola, suas questões e seus percursos, trazida pelos próprios sujeitos que a produzem cotidianamente. Seguindo o mesmo percurso crítico, porém se valendo de análise documental, Gómez e Torres, no artigo “La creación curricular cotidiana: crítica y apuestas desde la Educación Popular”, analisam as repercussões do projeto educacional neoliberal na produção curricular colombiana e encontram na educação popular e na noção de currículo como criação cotidiana contribuições para a formulação de propostas contra-hegemônicas que convocam a comunidade educativa a participar de uma construção democrática, articulada em torno de temas significativos. O artigo indica a proposição de projetos educativos alternativos como ato potente para o enfrentamento do sentido prescritivo do projeto hegemônico, que desconhece as desigualdades e assimetrias sociais características dos estudantes colombianos. O que, a nosso ver, se estende a toda a América Latina.

Neste caminhar crítico, dialógico e reflexivo, portanto amoroso e esperançoso, trazemos uma entrevista com Jussara Hoffmann. Uma autora indispensável quando tratamos de avaliação da aprendizagem, que alia longa e consistente experiência com o cotidiano escolar e importante pesquisa na área. Numa interessante conversa, são tratados temas como as relações entre as políticas públicas para a educação e os processos escolares de avaliação, sua proposta de avaliação mediadora, o lugar da avaliação no processo educacional e muito especialmente no cotidiano da sala de aula e o erro e a reprovação, questões recorrentes no debate sobre a ação escolar.

Encerando este número, a bonita indicação de Marisa Narcizo Sampaio: a leitura do livro Passageiros da Noite: do trabalho para a EJA: itinerários pelo direito a uma vida mais justa, de Miguel Arroyo. A resenha nos apresenta um livro em que humanização e libertação conduzem a reflexão sobre o trabalho com Educação de Jovens e Adultos, chamando a atenção para a urgência de interrogar o pensamento pedagógico e a docência. O diálogo e a problematização emergem como centrais na tensão humanização/desumanização presente na experiência dos sujeitos periféricos que se encontram em seus percursos, em sua busca por um viver menos indigno.

Este Dossiê se junta aos trabalhos que afirmam a educação como ato político, portanto, indissociável do compromisso ético. Uma educação feita de encontros, partilhas, encantamento, pergunta, cooperação, desafios e tantas outras ideias e apostas que nos convocam, freireanamente, a ser mais.

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