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Revista Teias

versión impresa ISSN 1518-5370versión On-line ISSN 1982-0305

Revista Teias vol.20 no.56 Rio de Janeiro ene./mar 2019  Epub 19-Dic-2019

https://doi.org/10.12957/teias.2019.39723 

Universidade e Democracia

A UNILA E A INTEGRAÇÃO: MIRAGEM LATINA, HORIZONTE NEOLIBERAL OU DISPUTAS CONTÍNUAS?

UNILA AND INTEGRATION: LATIN MIRAGE, NEOLIBERAL HORIZON OR CONTINUOUS DISPUTES?

LA UNILA Y LA INTEGRACIÓN: ¿ESPEJISMO LATINO, HORIZONTE NEOLIBERAL O DISPUTAS CONTINUAS?

Roberta Traspadini(*) 

Leo Alves da Silva(**) 

(*)Professora do curso de Relações Internacionais e Integração da UNILA, em cooperação técnica no departamento de Ciências Sociais da UFES de 2018-2020. Coordenadora do grupo de pesquisa - “Saberes em Movimento: um encontro entre Paulo Freire, Augusto Boal e Ruy Mauro Marini na luta por terra e trabalho no Brasil” (UNILA)-. Professora permanente do Mestrado em Relações Internacionais, UNILA e colaboradora do Programa de Pós Graduação em Política Social da UFSC. Coordenadora do Observatório de Educação Popular e Movimentos Sociais da América Latina (OBEPAL/UFES).

(**)Estudante do curso de Relações Internacionais e Integração da UNILA. Integrante do grupo de pesquisa “Saberes em Movimento: um encontro entre Paulo Freire, Augusto Boal e Ruy Mauro Marini na luta por terra e trabalho no Brasil” (UNILA).


RESUMO

O objetivo principal deste artigo é apresentar a UNILA a partir de uma perspectiva histórico-crítica, marxiana, àluz da história pensada e realizada de sua missão como universidade latino-americana para a integração, à luz dos nove anos que formalizam sua existência, de 2010-2019. Utilizaremos, como recurso didático, a compreensão de três momentos chaves da história das relações diplomáticas/internacionais do Brasil com o cone sul e os demais países do continente, que se mesclam com a própria história da UNILA: 2007-2010; 2010-2016; 2016, adiante. As perguntas geradoras de condução deste artigo serão: Como nasce e se desenvolve a UNILA? Quais os contextos de política externa e nacional nos quais está inserida a UNILA?

Palavras-chave: UNILA; Integração regional; Dependência

ABSTRACT

The main objective of this article is to present UNILA from a historical-critical, Marxian perspective, in the light of the planned and realized history of its mission as a Latin American university for integration, in light of the nine years that formalize its existence, 2010 -2019.We will use as a didactic resource the understanding of three key moments in the history of Brazil's diplomatic / international relations with the southern cone and the other countries of the continent, which merge with UNILA's own history: 2007-2010; 2010-2016; 2016 below. The driving questions for this article will be: How is UNILA born and developed? What are the foreign and national policy contexts in which UNILA is inserted?

Keywords: UNILA; Regional integration; Dependency

RESUMEN

El objetivo principal de este artículo es presentar a UNILA desde una perspectiva histórico-crítica, marxiana, a la luz de la historia pensada y realizada de su misión como universidad latinoamericana para la integración, a la luz de los nueve años que formalizan su existencia, de 2010 -2019.Utilizaremos, como recurso didactico, la comprensión de tres momentos claves de la historia de las relaciones diplomáticas/internacionales de Brasil con el cono sur y los demás países del continente, que se mezclan con la propia historia de la UNILA: 2007-2010 ; 2010-2016; 2016 en adelante. Las preguntas generadoras de conducción de este artículo serán: ¿Cómo nace y se desarrolla la UNILA? ¿Cuáles son los contextos de política exterior y nacional en los que está inserta la UNILA?

Palabras clave: UNILA; Integración regional; Dependencia

Quem nos dias de hoje quiser lutar contra a mentira e a ignorância e escrever sobre a verdade tem que superar ao menos cinco dificuldades. Deve ter a coragem de escrever a verdade, embora ela se encontre escamoteada em toda parte; deve ter a inteligência de reconhecê-la, embora ela se mostre permanentemente disfarçada; deve entender da arte de manejá-la como arma; deve ter a capacidade de escolher em que mão será eficiente; deve ter astúcia de divulgá-la entre os escolhidos. Essas dificuldades são grandes para os escritores que vivem sob o fascismo, mas existem também para aqueles que fugiram ou se asilaram. E mesmo para aqueles que escrevem em países de liberdade burguesa. (BRECHT, 5 dificuldades para quem deseja dizer a verdade, 1934).

A história da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA), apresenta uma série de elementos que nos permitem entender a concepção de integração e de desenvolvimento regional com a qual os Governos do Partido dos Trabalhadores trabalhava nas suas três gestões de Governo Federal (2003-2016). Isto significa dizer que o sentido de universidade voltada para a integração, perpassa uma análise mais ampla sobre o papel do Brasil nas relações internacionais do continente, sua perspectiva de integração, e não menos importante, a condição de se apresentar, ou não, para além das plataformas subimperialistas narradas por sua condição de dependência estrutural.

Assim, ainda que os que não a conheçam por dentro tendam a vê-la como um megaprojeto diferenciado de Universidade Pública continental, conformando um ideário romântico sobre sua incidência concreta no cenário político do continente, sua missão e a realidade concreta da mesma no território da tríplice fronteira, ao longo dos últimos oito anos, distam muito de um sentido progressista orientador de uma nova epistemologia “desde” e “para” o sul do continente. Esta é mais do que uma hipótese de trabalho. É uma constatação social e histórica de parte dos sujeitos que integram e executam os trabalhos na UNILA, quando da opção de ir, seja como docentes ou discentes, que não revelava, em primeira instância, o ambiente de contradições no qual a UNILA estaria inserida1 .

No âmbito da política externa brasileira os Governos do PT conformaram políticas econômicas centradas nos interesses dos grandes capitais e na manutenção da “ordem e do progresso” do capital sobre o trabalho. É com base neste pressuposto básico de entendimento sobre o funcionamento da estrutura econômica que baliza o funcionamento da superestrutura a ela condicionada, que partimos da perspectiva da manutenção da ordem vigente de supremacia do capital sobre e contra o trabalho. Nesse sentido, o enfoque de integração regional insere-se nos marcos do sentido de desenvolvimento centrado nos lucros e de uma perspectiva histórica de universidade formadora de mão de obra para o mercado de trabalho em constante mutação a partir das demandas do capital.

Entre a ideia de projeção de algo diferente e uma execução dentro dos marcos formais da política econômica implementada, a essência do subimperialismo brasileiro2 servirá como base estrutural geopolítica sob a qual a institucionalização da UNILA, como lei brasileira, será estruturada. Isto não retira da proposta inicial a potência de ação para o novo, em especial pela riqueza de diferentes experiências que chegaram/chegam para conformar o quadro de servidores públicos (técnicos e docentes) e, especialmente, estudantes de graduação e pós-graduação oriundos de diversas partes do continente, mas coloca os devidos pingos nos is deste processo sem mascarar a complexidade que, de fato, a envolve.

Segundo Traspadini e Honório (2017) 3:

O subimperialismo expõe o papel das economias intermediárias na consolidação de políticas externas, em suas respectivas regiões de abrangência, com duas funções: a) aumento da escala de produção de bens semi-elaborados a serem utilizados na produção de bens finais pelo capital financeiro monopolista; b) reestruturação política interna a partir destas novas dinâmicas externas, condicionando o papel protagonista das economias intermediárias de atuarem politicamente como pares dos capitais imperialistas no continente.

O objetivo principal deste artigo é apresentar a UNILA a partir de uma perspectiva histórico-crítica, marxiana, à luz da história pensada e realizada de sua missão como universidade latino-americana para a integração, à luz dos nove anos que formalizam sua existência, de 2010-2019. Tal empreitada requer a análise concreta do papel de cada economia do continente na consolidação desta política de estado(s), em especial, do protagonismo do Brasil a partir de sua supremacia comercial do continente e seus elos diversos nas relações econômicas internacionais. Por exemplo, na própria consolidação da lei de criação da UNILA, 1.189 de 12 de janeiro de 2010, se explicita um conteúdo, no mínimo polêmico, ao se enfatizar, no artigo 2o., inciso 2o., que:

Os cursos ministrados na Unila serão, preferencialmente, em áreas de interesse mútuo dos países da América Latina, sobretudo dos membros do Mercosul, com ênfase em temas envolvendo exploração de recursos naturais e biodiversidades transfronteiriças, estudos sociais e linguísticos regionais, relações internacionais e demais áreas consideradas estratégicas para o desenvolvimento e a integração regionais.

A depender de quem interpreta e, prioritariamente, administra a universidade, o que se entende por exploração dos recursos naturais e biodiversidades transfronteriças? Qual o significado disto se trabalhado a partir do protagonismo de Itaipu, ou se visto a partir do foco dos movimentos sociais do continente e suas particulares interpretações sobre o desenvolvimento e a integração?

Partimos da mesma prerrogativa sobre a história desenvolvida por Ciavatta quando a autora argumenta que (2009; p. 32):

A análise histórica da totalidade social, produzida pelos homens em condições particulares no tempo e no espaço, que reconhecemos por meio do movimento e da transformação da realidade, implica reconhecer suas mediações ontológicas. Estas são a concretização, no mundo objetivo, da especificidade histórica dos fenômenos.

O contexto no qual a UNILA se apresenta como “novo projeto educativo de integração regional” está imerso na continuidade de políticas neoliberais no continente, como a Iniciativa de Integração da Infraestrutura Regional Sul-americana (IIRSA, 2000) e o cenário de disputas que se abria via protagonismo da Venezuela, de Hugo Chávez, a partir da constituição da Alternativa Bolivariana para América Latina y el Caribe (ALBA) e da União das Nações Sul-americanas (UNASUL, 2008). Enquanto o primeiro tinha a centralidade do Brasil nos marcos decisórios de atuação regional sob a hegemonia dos capitais transnacionais ou nacionais, que atuavam a partir do Brasil inclusive com vultosos empréstimos públicos oriundos do BNDES, os segundos foram protagonizados pela perspectiva de ação antagônica e de enfrentamento da Venezuela em sua relação de contraposição à hegemonia estadunidense no território.

A UNILA, do seu nascimento até o contexto atual, narra as relações políticas de diplomacia entre os países da região e seus reais condicionantes de afastamento e/ou estreitamento com o principal controlador imperialista do território: os Estados Unidos. Uma das grandes referências intelectuais do projeto UNILA, Dr. Nilson Araújo de Souza, destacava em seu texto sobre a integração latino-americana e seus desafios, (2015, p. 264) que:

[...] o processo de integração do MERCOSUL e mesmo do conjunto da América do Sul tem beneficiado, principalmente, às transnacionais e às grandes empresas instaladas no Brasil, nacionais ou estrangeiras. Isso se manifesta de três formas: a) nas relações comerciais entre os países do MERCOSUL, o Brasil tem sido sistematicamente superavitário; b) nessas relações, o Brasil tem exportado predominantemente produtos industriais e importado produtos primários, reproduzindo, à escala regional, a divisão internacional do trabalho clássica; c) tem havido um importante processo de internacionalização de empresas brasileiras na região, muitas delas apoiadas financeiramente pelo Estado brasileiro, por intermédio do BNDES.

Essa assertiva analítica contextualiza o processo da UNILA com base na crítica da economia política latino-americana a partir do entendimento da dependência estrutural4 na qual estão demarcados os países do continente frente às diversas fases do imperialismo e, não menos importante, o destaque para a centralidade do subimperialismo brasileiro5 a partir de sua política econômica subordinada aos interesses hegemônicos estadunidenses e chineses e reproduzida no continente na relação desigual entre os países pares do MERCOSUL, a partir da ênfase na continuidade de execução de políticas neoliberais nas últimas gestões dos governos do PT.

Nesse sentido, partimos de duas premissas-chave para reforçar os argumentos contidos neste artigo: 1ª.) os Governos Lula e o Governo Dilma não representaram um avanço de políticas progressistas de combate à hegemonia econômica, política e cultural neoliberais, ainda que tenham protagonizado políticas chaves vinculadas ao tema da questão social. Logo, o neodesenvolvimentismo6 não se apresenta, a nosso juízo, como uma contraposição ao neoliberalismo mas sim como a implementação de políticas sociais que afirmavam diferenças frente aos governos anteriores ainda mais à direita como os Governos de Fernando Henrique Cardoso, mas que nem por isto seriam de fato antagônicas à sua concepção de desenvolvimento protagonizada pelo capital financeiro hegemônico (PINASSI; FÉLIZ, 2017); 2ª.) tivemos em 2016 um Golpe de Estado no Brasil, com o impeachment da Presidenta Dilma Rousseff e a prisão em 2018 do ex-Presidente Lula. Dito golpe, no entanto, está inserido em um processo continental de golpes anteriores em que o próprio Governo brasileiro da gestão do PT pouco ou nada fez, para se colocar ao lado dos presidentes atingidos, como em Honduras (2009), com a deposição de Manuel Zelaya e no Paraguai (2012), com a destituição do Presidente Fernando Lugo (KATZ, 2017).

As perguntas geradoras de condução deste artigo são: Como nasce e se desenvolve a UNILA? Quais os contextos de política externa e nacional nos quais está inserida a UNILA? Com base nas mesmas, construiremos observações estruturantes sobre o que está em jogo na consolidação deste processo. E utilizaremos, como recurso didático, a compreensão de três momentos chaves da história das relações diplomáticas/internacionais do Brasil com o cone sul e os demais países do continente, que se mesclam com a própria história da UNILA: 2007-2010; 2010-2016; 2016, adiante. Esta periodização não é linear. Abriga, na processualidade da dialética, um conjunto de contradições que não necessariamente conseguirão ser explanados no presente artigo, mas que compõem a complexidade de narrar algo que ainda é movimento em construção, mesmo após quase nove anos de sua real implementação como Lei (12.189). Com o método de exposição, tal periodização pretende apresentar alguns elementos que contribuam para a compreensão do movimento dialético por trás da aparente simples análise de uma Universidade “sem fronteiras” presente em seus documentos oficiais iniciais.

Isto se faz necessário, pois a UNILA e seu caráter de integração-identidade − interculturalidade-bilinguismo, manifestos em sua missão, mesmo em seus documentos iniciais estão repleta de nuances que ocultam o real contraditório e sua história necessita ser estudada a fundo, para que se entenda porque um projeto aparentemente ousado para o contexto em que nascia, tende a crescer em contradições mais do que a ser executado em seu teor supostamente revolucionário: integração solidária entre os povos7 .

Ante o exposto, este artigo será dividido em três itens - Contexto 1 - O nascimento da utopia de integração dos povos versus a realização da integração mercantil; Contexto 2 - 2010-2016: do idealismo ao realismo concreto latino-americano; Contexto 3 - 2016-adiante: nada é tão ruim que não haja espaço para piorar, nem tão bom que não haja possibilidade de lutar - que compreendem os contextos históricos apresentados acima. Por fim, trará indagações finais sobre o que esperar da próxima administração pública sob a presidência de Jair Bolsonaro, empossada no dia primeiro de janeiro de 2018. Tudo indica o acirramento das contradições presentes desde o início do projeto-UNILA, a partir dos discursos até então apresentados e das práticas políticas manifestas pela ala mais conservadora da política brasileira protagonizada pelos representantes do neoliberalismo sem fronteiras. Além disso, o impacto de uma primeira gestão na reitoria eleita em 2018 a assumir em 2019 com aparente estreita conformidade com os projetos propostos pelo Governo Federal.

CONTEXTO 1 - 2007-2010: O NASCIMENTO DA UTOPIA DE INTEGRAÇÃO DOS POVOS VERSUS A REALIZAÇÃO DA INTEGRAÇÃO MERCANTIL

Esse primeiro momento de constituição da proposta, de reflexão coletiva da política que alicerçaria a consolidação de uma Universidade para a Integração regional, a começar pelo cone sul, atraiu muitos desejos e paixões. Afinal, desde o período do tão sonhado projeto de integração do libertador Simón Bolívar a integração é projetada como uma alternativa ao processo de invasão colonial que constituiu, nas diversidades que compõem o conjunto de países que conformam América Latina, um sentido único para os sujeitos e o território invadido: a pilhagem, o saqueio, a escravidão dos povos ante a transição mercantil, princípio da acumulação primitiva de capital, no qual esteve inserida a até então Pachamama.

O texto de Gentil Corazza (2010), uma das grandes referências latino-americanas que compôs como professor sênior visitante o seleto grupo de pesquisadores responsáveis pela implementação da proposta, faz uma boa recapitulação do sentido de integração e do processo de nascimento e consolidação da UNILA. Nas palavras de Corazza, tendo como base a indissociabilidade entre economia, política e cultura no entendimento da categoria integração (2010, p.85)8:

[...] a Unila está procurando definir um projeto acadêmico e organizacional que traduza seu objetivo maior de contribuir para o processo de integração da América Latina, em suas múltiplas dimensões, por meio do estudo e da pesquisa dos problemas latino-americanos e da busca de soluções. A realização deste objetivo implica um grande desafio e pressupõe ousadia intelectual para o desenvolvimento de novos métodos de ensino, que promovam a interdisciplinaridade e a implantação da pesquisa aplicada, sem que se percam de vista os necessários referenciais teóricos. Procura-se, assim, desenvolver metodologias de ensino-aprendizagem mais ativas e cooperativas, baseadas na resolução de problemas e focadas no aluno como sujeito do processo de aprendizagem, cultivando-se ao mesmo tempo uma perspectiva interdisciplinar que rompa com a fragmentação disciplinar superespecializada do conhecimento, ultrapassando-a. Do mesmo modo, cultiva-se a ideia de implementar um ensino do tipo tutorial e personalizado, que incentive a reflexão e valorize processos de natureza cognitiva e interpessoal, ensejando a aquisição de conceitos, a resolução de problemas, a pesquisa e os trabalhos práticos.

As palavras de Corazza apóiam a aposta feita por um número expressivo de intelectuais que participaram da implementação, de um projeto ousado de educação que somente seria de fato viável se a totalidade do processo a este fosse favorável, tanto no plano da política/diplomacia continental como no plano da política nacional brasileira. Porque ainda quando se trata de um projeto de Estado, conformado em Lei, as políticas governamentais incidem diretamente na forma-conteúdo que dão à sua implementação.

Cabe destacar que, assim como havia intelectuais comprometidos com a integração a partir do viés social e solidário da integração regional através da educação como Gentil Corazza, Nilson Araújo de Souza e Luis Eduardo Alvarado Prada, entre outros e outras, também integrava a equipe de implementação os ministérios da Justiça, do Planejamento e da Educação do Brasil, além do staff de Itaipu binacional.

Da fusão entre os interesses comerciais e o papel epistêmico-identitário-cultural, que deveria ter uma universidade com a intenção de um outro tipo de integração, explicitava em si mesma, desde o início, as disputas em movimento. Isto vale inclusive ao próprio tema da construção da obra de Oscar Niemeyer que, como projeto aparentemente modernizador para a fronteira, revelava-se, como ocorre com Itaipu-PTI, como mais um marco turístico da região das antigas Sete Quedas, em suas consequências perversas para a população local (RIBEIRO, 2002). De forma que, a história da UNILA para além da história narrada pelos implementadores e suas ideias geradoras acerca do desenvolvimento nacional dentro da ordem, necessita apresentar-se na complexidade que a envolve, a partir de uma perspectiva crítica e histórica que revele a relação entre as esferas macro-micro, internas-externas de sua consolidação real em um complexo processo de disputas políticas, epistêmicas e culturais.

Dentro do campo da expansão das universidades públicas brasileiras, REUNI, a UNILA é, após oito anos de sua concretização formal, uma das poucas universidades que não possui seu próprio campus e depende, na sua cotidianidade, de ensino-pesquisa-extensão de espaços cedidos e/ou alugados, ambos inseridos na era da especulação imobiliária, rentista, própria da forma de ser do capital fictício no século XXI. O que significa reiterar que parte expressiva dos recursos de uma universidade que segue no teor de implementação, são utilizados para pagamento de aluguéis de imóveis.

É desta disputa entre uma perspectiva intelectual9 aberta à renovação epistêmica presente em grande parte dos intelectuais que compunham a equipe de implementação, de professores visitantes com experiência em universidades públicas em diferentes países da América Latina e o modelo de educação alicerçado na indústria cultural PTI e do complexo energético de Itaipu que se apresenta a principal contradição entre o que se sonhava e o que se pôde, de fato, realizar. A efetivação de um projeto continental passa necessariamente por vultosos recursos econômicos como projetos prioritários de Governos dada a política de Estado que corrobora a lei de criação.

Este ponto da contradição esteve, de saída, manifesto na disputa entre os representantes dos recursos públicos estatais do período de Governo Lula e os intelectuais de diversas partes convidados a compor a equipe de implementação a partir de um pensamento crítico em suas universidades de origem. Além disso, havia outros sujeitos vinculados à concepção de desenvolvimento nacional capitalista protagonizado pelo PT no Governo Federal, que foram dando a tônica entre a concepção epistêmica, documental de cunho progressista versus a gestão oficial do governo federal assentada na educação como negócio. Desta diversidade de pensamentos e práticas políticas que compunham o projeto é que se elucidam, tempos depois, as principais contradições na realização de uma universidade diferenciada e pensada para a integração regional. Para uns, integração dos povos, para outros, integração comercial solidária.

O que foi inicialmente apresentado como projeto de consolidação dos marcos da tríplice fronteira turística sob a hegemonia do complexo de Itaipu e de seu Parque Tecnológico, a UNILA, através da obra de Oscar Niemeyer seguiria no plano de projeção da ideia de modernidade, como o ocorrido nos anos 1970 com a desapropriação de diversos imóveis que compunham o território que seria alagado em nome da “ordem e progresso” do período militar. Um texto necessário de ser estudado para quem deseja entender o significado da escolha de Foz do Iguaçu como sede da UNILA do significado do processo da construção de Itaipu e seus impactos no território de fronteira, é o de Maria de Fátima Bento Ribeiro, Memórias de concreto: vozes na construção de Itaipu, 2002. Neste, a autora traça uma excelente retrospectiva do que era o território, como funcionava o seu desenvolvimento e o giro de 360º decorrente da lógica neodesenvolvimentista do período militar que conformou a região no principal polo energético do cone sul.

Estas paixões sobre o projeto UNILA ancoradas no desejo de repensar o sentido de integração para além do plano econômico-comercial, no qual já haviam sido alicerçadas as bases continentais desde os anos 1940 com o nascimento da Comissão Econômica para América Latina (CEPAL), residiam na ressignificação do continente para além da supremacia do capital, voltada para suas próprias riquezas continentais oriundas de terras férteis, povos e culturas milenares e, não menos importante, para as possibilidades concretas de produzir vida em meio a contextos necrófilos que insistiam em permanecer hegemônicos no Sul do mundo a partir do ensurdecedor poder de poucos países do Norte sobre a Terra, e para além dela.

Dessas paixões também surgiam divergências sobre como se entendia o papel da universidade pública em meio aos contextos de devastação das contas públicas, dos planos nacionais de desenvolvimento, a partir do que se caracterizou como política neoliberal, nascida nos idos da década de 1970 e fortalecida nas décadas seguintes, com epicentro nos anos 1990. Portanto, não se trata de definir o projeto universitário como certo/errado, mal/bom e sim como um contínuo de disputas reiteradas tanto nos discursos, como nas práticas político-diplomáticas que deram vida ao projeto de Universidade concebido como de integração latino-americana: a UNILA.

Como o próprio documento A UNILA em construção ressalta, de 2007 a 2010 foram muitos encontros, reuniões e consolidações diplomáticas até a forma final do documento aprovado na forma de lei pelo governo brasileiro em todas as suas instâncias: Lei 12.189 de 12 de janeiro de 201010 .

Gisele Ricobom (2010) 11 , uma das principais referências iniciais de implementação do projeto UNILA também retrata a aposta colocada na proposta de integração via educação em uma perspectiva de autonomia sem, no entanto, se questionar acerca do contexto real no qual a mesma estava alicerçada. Segundo a autora, a partir das polêmicas diplomáticas abertas desde 2007, o governo brasileiro assume a tutela legal da UNILA e a consolida na forma de lei nacional, como universidade brasileira.

Nas palavras de Ricobom (2010, p. 3.748) em um texto que se apresenta como divulgação de algo promissor e inovador frente as diversas tentativas históricas de consolidação de algo comum aos países que já houveram no continente:

A Unila é, portanto uma Universidade Federal brasileira, mas que apresenta características completamente distintas das tradicionais Universidades Federais, dada sua função centrada na integração regional. Primeiramente porque é uma Instituição bilíngue, sendo o português e o espanhol suas línguas oficiais. Outro diferencial é a composição do corpo discente e docente, pois a Instituição ofertará metade de suas vagas a alunos latino-americanos e terá em seu quadro de professores igual proporção de latino-americanos. Sediada em Foz do Iguaçu, a nova Universidade oferecerá a partir do segundo semestre de 2010 cursos de graduação e pós-graduação.

E conclui (p. 3.749):

A Universidade Federal da Integração Latino-Americana - Unila - é a única instituição do continente a ofertar cursos de graduação e pós-graduação vocacionados para a integração e que contempla a possibilidade real de intercâmbio duradouro de alunos e professores provenientes de toda a América Latina. É um passo irrevogável rumo a uma integração mais humana e menos mercadológica, cujos custos seriam caros ao Brasil caso se adotasse uma política avessa ou tímida em relação ao continente, como já ocorreu no passado.

Ricobom nos dá o tom de uma idealização baseada no desejo de integração manifesto na esperança de uma solidariedade entre Estados que culminaria na supremacia dos povos sobre os mercados. No entanto, cabe destacar que o contexto no qual a UNILA se ergueu não previa nenhum ambiente que desse suporte a essa possível, porém não realizável, idealização, e, razão da adoção pelo Governo Lula da própria concepção de desenvolvimento capitalista centrado na perspectiva primário exportadora do agronegócio que atua no país (GONÇALVES; FILGUEIRAS, 2007).

Esta âncora histórica de desenvolvimento “para fora”, puxada pela pauta de exportação às custas de um mercado interno com nenhuma possibilidade de uma autonomia para lá de relativa, dada a relação indissociável entre consumo e dívida individual e familiar. Isto significava, na prática, a continuidade da dependência estrutural (TRASPADINI; STÉDILE, 2011) a qual a universidade se vincula como projeto político à própria materialidade concreta da produção de riqueza e de valor capitalistas (CARCANHOLO, 2015).

Vale destacar novamente que este sentido político de visualizar o desenvolvimento de uma epistemologia do sul a partir da UNILA12 não se apresenta como uma análise a partir da dicotomia bom/mau, certo/errado sobre as ideias inicialmente propostas. Pelo contrário, se ancora numa análise histórico-crítica após um caminho de quase dez anos percorridos e por muito ainda a se desenvolver pela instituição. Até mesmo porque muitos novos nomes passaram a integrar e compor a proposta, estando ou não em conformidade com ela. O que significa dizer que a história da UNILA se apresenta dentro da processualidade dos sujeitos que a compõem e materializam no território seu ideário de forma concreta.

Prevalece, sim, sem sombra de dúvidas, uma perspectiva vinculada ao ideário da CEPAL inclusive de suas concepções de desenvolvimento e modernização apresentados na era de coordenação de Fernando Fajnzylber. Momento em que, a partir da compreensão da “caixa preta” do progresso técnico, a CEPAL tende a se aproximar do ideário monetarista que aparecia nos anos 1940 como seu contraponto. Afinal, as ideologias do desenvolvimento capitalista ainda quando se apresentem como diferentes, partem do mesmo alicerce argumentativo prático: a viabilidade do capitalismo nacional, ainda que, na prática, a dita nostalgia não tenha sentido concreto, dada a primazia econômico-política do capital transnacional que opera a partir da livre circulação de capitais.

Para estes autores e intelectuais cuja aposta foi/é no projeto democrático nacional de desenvolvimento, a UNILA se apresentava como algo novo porque também entendiam como novo o Governo Lula. Tratava-se assim de uma aposta entre o que se tinha de forma mais explícita e o que se poderia conter, a partir da centralidade do Estado nacional, sem necessariamente sair da mesma rota do desenvolvimento.

Cabe destacar que um dos grandes referenciais desse tipo de concepção, o economista Celso Furtado, responsável pela construção e propagação do referencial clássico cepalino nas décadas de 1950 e 1960, faz, nos anos 1980, uma revisão crítica fecunda sobre essa perspectiva em Brasil a construção interrompida13, centrado nas novas dinâmicas das relações internacionais do século XX. O autor apresenta o giro argumentativo sobre a inviabilidade de se manter a defesa do nacional na era de hegemonia do capital transnacional, o que acirra os vínculos estruturais de dependência das economias latino-americanas e põe em evidência a fragilidade de defesa de termos como soberania e autonomia decisória dos Estados nacionais.

Parece, assim, haver uma discrepância entre a revisão histórica de um autor que acompanha os marcos da dependência estrutural e a de uma geração forjada para entender o subdesenvolvimento como uma fase superável dentro do desenvolvimento capitalista. Nesta dinâmica, Furtado apresenta um verdadeiro ensaio sobre a lucidez, para parafrasear Saramago, que as gerações formadas, a posteriori, insistem em desconhecer.

Essa dificuldade de compreensão geracional atrelada à distorcida questão do desenvolvimento capitalista dependente como rota viável para a resolução da desigualdade estrutural tende a gerar explicações distintas sobre o sentido e a possibilidade de uma universidade diferente em um contexto como o atual, de primazia neoliberal, mesmo quando para além de repressivo e pautado em uma prática social aparentemente progressista. Entender isto é fundamental para que se possa fazer uma revisão crítica, inclusive da própria esquerda associada à lógica de desenvolvimento do PT sobre os limites de suas ações ao longo dos seus quase quatro mandatos de Governo Federal. Isto gera, inclusive, um processo de conflitos contínuos entre a assim caracterizada como esquerda radical e a esquerda tradicional, muito vinculada à gestão do PT. Além disto, apresenta-se outro elemento a ser refletido com paciência histórica real nos próximos anos: a maior dificuldade de gerir o novo não está necessariamente na perspectiva antagônica entre esquerda e direita, como a mídia conservadora tende a projetar. Está, isto sim, na dificuldade dialógica no interior da própria esquerda. Dita situação gera tantos blocos de poder no interior da mesma que reorienta, sem dificuldades, a hegemonia da direita sem obstáculos concretos.

Nesse sentido, o contexto no qual nasce e se consolida a UNILA como política de Estado referendada pelo Governo Lula, é o da reestruturação logística no continente sob a hegemonia dos grandes capitais transnacionais, IIRSA, e a tentativa, sob a presença protagonista de Hugo Chávez da consolidação de uma bloco contra-hegemônico para romper com o poder dos Estados Unidos no território, a UNASUL. Isto significa dizer que o protagonismo econômico/comercial do Brasil e suas escolhas tiveram e têm impacto direto sobre o sentido de integração regional no continente. Enquanto o Governo venezuelano de Hugo Chávez afirmava uma convicção política anti-imperialista reiterada na proposição da ALBA e da UNASUL, o Governo brasileiro, sob o comando de Lula e Dilma reforçavam a continuidade do subimperialismo brasileiro via MERCOSUL E IIRSA14 . A posição do Brasil fica mais evidente se analisada a partir de sua atuação diplomática para a consolidação do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul) a partir de 2009.

Para Gentil Corazza, havia uma disputa entre duas propostas com protagonismos diferentes: de um lado Hugo Chávez reivindicando a centralidade da ALBA ou a reformulação total do sentido do MERCOSUL, e um modelo liderado pelo Brasil de manutenção de seu status quo na política comercial do MERCOSUL, abstendo-se das políticas modificadoras até então protagonizado pelos governos do continente. Nas palavras de Corazza (2015, p. 284):

O modelo de integração proposto pelo Presidente Chávez se expressa na proposta da Alternativa Bolivariana (ALBA), um modelo de integração que ultrapasse a dimensão comercial e inclua a coordenação de estratégias sociais e promovam a equidade e a justiça social, bem como iniciativas políticas, diplomáticas e de segurança. Em termos econômicos, o ingresso da Venezuela significa que o MERCOSUL passa a representar quase 80% do PIB latino-americano, mas seu interesse tem mais um cunho político que econômico. Chávez pretende converter o MERCOSUL em um bloco anti norte-americano. Trata-se mais de uma decisão presidencial, sem muita mobilização dos setores econômicos, sociais, políticos do país.

Em síntese, este primeiro contexto reflete no espelho a miragem do sonho de emancipação pela educação, a partir de um projeto que conectasse os países pela pauta comum da interculturalidade, do bilinguismo e da integração solidária, bandeira das chamadas “epistemologias do sul”, em estrutura, porém, de voracidade política neoliberal com aparentes ares de postura política progressista a partir do espectro de vanguarda do governo brasileiro. No entanto, na miragem refletida como verdade, muitos jovens sedentos por emprego e por uma política emancipatória se viram atraídos à construção deste projeto diferenciado no discurso, mas engessado na prática progressista concretamente implausível.

CONTEXTO 2 - 2010-2016: DO IDEALISMO AO REALISMO CONCRETO LATINO-AMERICANO.

De 2010 até o momento atual, a UNILA continuou seu caminho de gestão pró-tempore nas reitorias e foi avançando, gradativamente, para o desenho de consolidação dos cursos de graduação e pós-graduação em diferentes áreas do conhecimento. No plano diferenciado de gestão, a opção da equipe de implementação foi a de constituir institutos no lugar de departamentos e faculdades. O curioso é que, apesar da ideia original se destacar na forma de consolidar políticas mais fluidas de horizontalidade entre os cursos que compõem os institutos15, na prática cotidiana da universidade, esta diferenciação não mudou a rotina do engessamento, hierarquização e processo fechado no interior dos próprios cursos.

Os institutos não apresentam fluidez, dado que os processos de institucionalização tardios vão aos poucos engessando a proposta de fluidez original e as históricas diferenciações presentes nas universidades mais antigas se fazem presentes também na UNILA: institutos vinculados às humanidades versus institutos vinculados à ciência e tecnologia. Enquanto os primeiros parecem abrigar o pensamento crítico, progressista orientador do projeto diferenciado de Universidade, os segundos apresentam-se, no cotidiano universitário, como o tom da continuidade do pensamento conservador. Mais uma pervertida miragem no ambiente universitário, uma vez que no interior dos próprios institutos reconhecidos como das humanidades, rege em hegemonia o pensamento conservador frente à essencial e histórica condição de atrofia política da assim chamada esquerda, mas com reais dificuldades no trabalho de gestão e administração pública no cotidiano universitário.

A partir de 2010, visando à consolidação da Universidade, começam a ocorrer os concursos públicos para docentes e técnicos administrativos, além da abertura de diversas vagas para professores visitantes e substitutos. Neste ano se inicia um novo capítulo da história da UNILA. A diferenciação entre os que projetaram a Universidade, seus sonhos e dilemas, e os que vão sendo aprovados nos concursos sem necessariamente estarem afinados com a proposta, seja utópica ou não. E talvez o que se apresente como debilidade inicial se mostre como virtude. Em realidade, os e as aprovadas/os em concursos públicos, tanto não brasileiros como brasileiros, foram cada um à procura de seus respectivos sonhos e, não necessariamente, seus sonhos têm a ver com a defesa de um projeto centrado na identidade latino-americana, no bilinguismo e no multiculturalismo. Isto vai ficando mais evidente à medida que os cursos vão se consolidando e que os discursos começam a discrepar, tanto entre os que visualizam diferenças antagônicas entre o sentido particular desta Universidade, como no interior dos que, em concordância sobre o projeto, discrepam na forma de fazer política ou mesmo de entendê-la.

Curioso isto: enquanto há divergências evidentes e processos individuais diferenciados entre os que chegam por concurso na UNILA, oriundos de diversas partes do Brasil e da América Latina e o Caribe, há, no início do processo, de 2010 a 2012, uma força estudantil latino-americana e caribenha que vai dando o tom das disputas nos institutos. O movimento estudantil, de caráter expressamente latino-americano cobra, na prática, coerência entre a proposta e sua real execução e luta pela paridade nos marcos decisórios e pelo bem viver anterior ao direito normativo das leis brasileiras.

As salas de aulas davam, assim, o tom das intensas e vivas contradições entre um corpo docente conflitivo, não necessariamente engajado com o latino-americanismo proposto na missão institucional da UNILA, sem espaços para a verdadeira e rica batalha das ideias, um amplo número de técnicos administrativos cada vez mais voltado para trabalhar conforme o princípio de legalidade e institucionalização em contraste com um universo de estudantes latino-caribenhos sedento pelo novo, repleto de experiências de lutas sociais e de vida cotidiana sofrida no interior dos seus próprios países de origem.

Em 2016, conforme tabela 1 abaixo, do total de 356 docentes, 298 são brasileiros e 58 não brasileiros; 339 são efetivos e apenas 17 são temporários (substitutos e/ou visitantes). Ampla maioria, 317 pessoas estão no regime de dedicação exclusiva. Além disso, 251 são doutores, 94 são mestres e somente 11 são especialistas. Quadro que reforçará o sentido inicial de começar forte na pós-graduação latu e strictu sensu.

Tabela 1 Os Números de Pessoal - UNILA (2010-2016) 

Pessoal - Unila
Sinopse 2010 2011 2012 2013 2014 2015 *2016
Docentes 25 78 121 144 265 331 356
TAEs 44 74 156 160 499 511 517
Terceirizados 0 43 72 84 134 121 117
Total 69 195 349 388 898 963 990

Fonte: PROGEPE

*2016 - Dados parciais, referentes ao 1º quadrimestre.

Neste mesmo período, a UNILA passou de 6 para 29 cursos de graduação; de dois cursos de pós-graduação latu sensu em 2011, para 8 em 2016, de 4 cursos de pós-graduação strictu sensu e de 2 passou a ter 10 latu sensu. Chama a atenção a tabela de distribuição discente ao longo do período 201-2016 conforme a Tabela 2 abaixo:

Tabela 2 Estudantes/matrículas no período 2010-2016 

Número de estudantes matriculados por nacionalidade/ano
Ano de ingresso Brasileiros Paraguaios Argentinos Uruguaios Peruanos Chilenos Bolivianos Colombianos Equatorianos Venezuelanos Salvadorenhos Haitianos Panamenhos Cubanos Guatemaltecos Dominicanos Costarriquenhos Franceses Total
2010 25 17 6 2 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 50
2011 69 35 6 11 7 0 10 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 138
2012 115 52 8 13 38 2 22 25 38 15 4 0 0 0 0 0 0 0 332
2013 3 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 3
2014 293 84 16 17 1 2 11 26 7 0 0 0 0 0 0 0 0 1 458
2015 689 108 19 7 7 31 31 13 14 4 7 61 0 0 0 0 0 0 991
* 2016 790 119 20 2 14 12 12 72 8 4 10 10 2 4 1 1 3 0 1084
Total 1984 415 75 52 67 47 86 136 67 23 21 71 2 4 1 1 3 1 3056

Fonte: PROGRAD (posição maio/2016)

* 2016 - * Dados parciais, referentes ao 1º quadrimestre.

O ano de 2014 apresenta-se como um giro real na proposta de integração latino-americana se computada pela entrada de não brasileiros em conformidade com sua proposta original de composição de 50% das vagas para estudantes provenientes de outras nacionalidades uma vez que a UNILA, se torna, legalmente, uma universidade brasileira, atuando na fronteira, sem necessariamente um perfil latino-americano com centralidade para as ações do MERCOSUL. Dos 458 estudantes que ingressaram em 2014, 63% são brasileiros; aproximadamente 23% são paraguaios e apenas 14% são provenientes de outra nacionalidade. Agregados todos os período compreendido entre 2010-2016, temos um total de quase 65% de brasileiros, 13,5% de paraguaios, quase 4,5% de colombianos e apenas 17% de outras nacionalidades. Se contarmos com o fato de que apenas o cone sul é composto por Argentina, Brasil, Paraguai, Chile e Uruguai e que a América Latina e o Caribe possuem 32 países, a taxa de representatividade latina é muito baixa desde o começo de seu funcionamento.

Em 2016, o quadro fica ainda pior em termos de representatividade latino-caribenha: dos 1084 ingressantes, aproximadamente 73% são brasileiros, quase 11% são paraguaios e mais de 6% são colombianos e apenas 10% de outras nacionalidades. É também em 2016 que passamos pelo processo de Golpe de Estado no Brasil com a deposição de Dilma Rousseff. De forma que não podemos caracterizar o momento do golpe como o de intensificação da vulnerabilidade de defesa do projeto UNILA, se tido como ponto de partida a diversidade em sala de aula. De 2014 adiante, diminui drasticamente a diversidade discente composta por diversos países do continente, o que também vale para os concursos públicos efetivados, com parte expressiva de aprovação de brasileiros em especial como técnicos administrativos em educação.

Em essência, o que temos desde 2014 é o aprofundamento das contradições entre o projeto original e sua cotidianidade em disputa dentro e fora da universidade16. Mas, em 2016, com o golpe que depôs a presidenta Dilma Rousseff, a situação fica ainda mais complexa dado que os ataques à UNILA pela bancada ruralista do Paraná, associado ao complexo ambiente interno de construção de uma prática política dissonante inclusive da possibilidade de aprendizagem com a diversidade inicialmente proposta. Os ataques da direita institucional representada por uma parte de políticos e grandes empresários vinculados ao agronegócio na região, se intensificarão e o projeto entrará em evidência no cenário nacional brasileiro como um “projeto do Partido dos Trabalhadores”17.

Há que se destacar, antes disso, o episódio que marcou o ano de 2012 como um ano de necessária reflexão para universidades pensadas de forma diferente no Brasil, como o caso particular da UNILA. A greve de 2012 teve um impacto forte sobre as expectativas dos estudantes brasileiros e não brasileiros matriculados naquele ano. A greve durou mais de 3 meses o que impactou diretamente os estudantes que vieram de outros países e somente se deslocam uma vez ao ano para seus locais de residência, alcançando aproximadamente 90% dos estudantes matriculados.

Ainda que parte expressiva dos estudantes tenha se colocado ao lado da demanda dos servidores, a particularidade da UNILA exige que se repense o método brasileiro tamanha a dificuldade de manutenção de estudantes de outros países no próprio território de fronteira, sem as devidas políticas de assistência, moradia estudantil e restaurante universitário, além da real dificuldade econômica real de se deslocarem mais de uma vez por ano aos seus locais de moradia familiar18 .

Se de política externa se trata aqui, quando falamos da integração regional pela educação, vale a pena situar a América Latina de 2012 a 2016 como o território de ofensiva dos Estados Unidos sobre os recursos naturais, minerais, e, portanto, com implicações tático-estratégicas sobre seu posicionamento militar e político no território. Os Golpes do Paraguai (2012) e do Brasil (2016) retratam bem a ofensiva. E explicitam a retomada, a ferro e fogo, dos processos de privatizações, terceirizações e aberturas comerciais centradas na exorbitante composição da dívida externa dos países latino-americanos. E a UNILA, como política externa de integração regional, não poderia sair ilesa disto.

Outro destaque importante deste período foi a morte de Hugo Chávez em 2013 e o impacto disto para o processo de integração regional, dado seu protagonismo na ofensiva crítica ao poder dos Estados Unidos sobre o território e a cobrança sobre o Brasil de se vincular ainda mais em políticas comerciais e solidárias necessárias ao continente como a UNASUL, ALBA, Banco do Sul. Após a morte de Chávez a ofensiva dos Estados Unidos sobre a Venezuela foi dura e o impacto disto se deu por diversas e expressivas estruturas de embargos econômicos de diversos tipos que geraram a acentuação das desigualdades sociais inerentes ao capitalismo dependente latino-americano. Morria com Chávez a centralidade em um sentido de integração que custava ao próprio PT reconhecer sua necessidade.

CONTEXTO 3 - 2016-ADIANTE: NADA É TÃO RUIM QUE NÃO HAJA ESPAÇO PARA PIORAR, NEM TÃO BOM QUE NÃO HAJA POSSIBILIDADE DE LUTAR

O ano de 2016 foi de um duplo vazio para os que acreditam em um projeto de integração solidária latino-americana. Por uma lado, a morte de Fidel Castro representou o fim do socialismo real no continente, apesar da formal destituição deste, baseada na apresentação imagética da destruição do muro de Berlim e de consolidação do Consenso de Washington19 , em 1989. Por outro lado, a destituição formal da Presidenta Dilma Rousseff e a ilegítima condução de seu Vice ao cargo de Presidência geram para o sentido de sociedade do espetáculo, na mesma linha argumentativa do livro de Guy Debord (1997), a confirmação do fim de uma era representada pela esquerda no continente.

Por mais que diversos intelectuais defendam, como nós, que os Governos do PT não representaram um projeto de esquerda no Brasil, ainda quando tenham se diferenciado no plano das políticas sociais se comparados aos governos que o antecederam, as imagens midiáticas intencionais do sindicalista Lula e da guerrilheira Dilma, das décadas de 1960/1970 foram projetadas como reprodução social de uma concepção revolucionária no século XXI. Na era das imagens e das redes sociais, os discursos se proliferam muito mais rápido que o conhecimento e o estudo. Na verdade, porém, 2016 entra para a história como a consagração do capitalismo estadunidense e de seus representantes na América Latina, sem fronteiras inclusive no interior da própria política econômica cubana que refaz seus documentos e retira dos mesmos palavras como: socialismo, comunismo, revolução. Se através de seus principais porta-vozes − Chávez e Fidel (integração dos povos) Lula e gestão PT (integração sob o jugo do subimperialismo brasileiro) − a integração poderia ser entendida como processo em disputa, a partir de 2016 o termo é de fato suplantado por uma política deliberada de retorno ao sentido global neoliberal. O caso do Governo Temer é simbólico. Com um slogan de “Ordem e Progresso”, Michel Temer ocupa a Presidência da República alicerçado em uma plataforma da fundação vinculada ao seu partido, o então PMDB, intitulada “Uma ponte para o futuro”.

Ao ser lançado em outubro de 2015, o documento mostrava, antes mesmo da deposição da Presidenta,a articulação para a destituição ilegítima de Dilma Rousseff. Com medidas destoantes àquelas que venceram as urnas em 2014 (ainda que possamos discordar da efetiva implementação destas na prática), o projeto capitaneado por Temer previa uma série de reformas com um forte teor de ataque às conquistas históricas da classe popular. É emblemático constar no próprio documento que seria “necessário em primeiro lugar acabar com as vinculações constitucionais estabelecidas, como no caso dos gastos com saúde e com educação [...]” (FUNDAÇÃO ULYSSES GUIMARÃES, 2015, p. 9).

A partir disso, já se nota a trama que se deslancharia para, sem votos, submeter de forma expressa o serviço público e a classe trabalhadora nas áreas de previdência social, educação e saúde, dolorosas medidas de austeridade, a partir de uma retórica incessante sobre superar a crise propagada pelo Governo anterior, mesmo quando este silenciava respostas outras que não as das reformas dentro da ordem capitalista. Algumas delas, inclusive, foram implementadas com certo fôlego, com ajuda dos setores reacionários do Congresso Nacional: ementa Constitucional apelidada de “Teto dos Gastos” e a Reforma Trabalhista; Lei da terceirização nas atividades fins; outras vieram avulsas ao pretendido pela plataforma, mas não menos atrozes. Foi o caso da “Reforma do Ensino Médio”, que alterou os roteiros de formação dos estudantes, flexibilizando a obrigatoriedade das áreas humanas e dando maior destaque àquelas bem avaliadas internacionalmente, como no caso de linguagens e matemática pelo Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA).

O bloco até então hegemônico protagonizado pelo PT foi substituído pela ala mais conservadora do próprio governo, mas Temer foi apenas o acelerador das reformas que já estavam sendo traçadas pelo próprio governo de Dilma a partir de sua aliança neodesenvolvimentista/neoliberal com o agronegócio, a bancada ruralista e uma base expressiva de deputados da ala evangélica que votaram junto com o PT em muitas ocasiões.

O Golpe de Estado destituiu a Presidenta Dilma Rousseff do cargo, mas manteve as premissas básicas de uma concepção de desenvolvimento que ia, aos poucos, sufocando as lutas sociais a partir da sanção da lei antiterrorismo, ainda que em uma versão bem mais dura que a inicialmente apresentada pelo próprio PT.

Isso para dizer que, se em 2015 o governo dito progressista evidenciara a boda às escondidas com a agenda neoliberal, conduzindo o banqueiro Joaquim Levy para dirigir a agenda da austeridade, a partir de 2016 o cenário se mostraria ainda mais espinhoso para a educação pública, em especial. O impacto nas universidades foi de um corte orçamentário abrupto, chegando em 2017 a R$ 3,4 bilhões em uma série de três anos20. A Emenda Constitucional n° 95/2016, que institui o Novo Regime Fiscal, se tornou um agravante, pois estabeleceu um teto de gastos ante às despesas primárias, que passaria a variar conforme a movimentação inflacionária. O crescente custeio teve como impacto a estagnação e involução do orçamento vinculado ao investimento. A universidade pública retoma seu conteúdo elitista ante a tentativa de mudança em seu perfil que presente nos últimos anos, que havia levado as instituições de ensino superior da rede federal a serem compostas por 66,19% de estudantes de origem em famílias com renda média de 1,5 salário mínimo21 .

Para uma universidade em implantação como a UNILA, ainda muito dependente de infraestrutura alugada, a situação é desesperadora. A falta de equipamentos básicos para a permanência estudantil, ensino, pesquisa e extensão, indica uma previsão a curto prazo de inviabilidade, sobretudo, quando esta passar para a matriz orçamentária de custeio (MOCC) e capital utilizado por toda a rede federal de ensino superior.

Foi neste mesmo ano em que os políticos representantes do agronegócio da região começaram uma campanha nacional de produção de um imaginário de que a UNILA seria a expressão política do projeto do PT, ledo engano com ares inclusive de propensa ironia, pois, como argumentamos até este momento, se demarcarmos o que o PT entende por desenvolvimento e integração, visualizaremos que suas gestões não se caracterizaram por uma crítica feroz ao sistema capitalista22 , portanto, delegar ao PT a consigna de radical, esquerda e revolucionário e transportar dita condição à UNILA é no mínimo risível e no máximo absolutamente descontextualizado.

A UNILA está conformada por tensões e pluralismo presentes em todas as universidades públicas latino-americanas. E a defesa, em unidade, de seu projeto e sua missão não se apresentam com centralidade a partir de uma concepção única de desenvolvimento e integração. Ao contrário, assim como a sociedade brasileira, e os diversos espaços políticos que a compõem, a UNILA é um espaço de disputa demarcado pela ausência de infraestrutura própria, pela entrada, em breve, na matriz OCC, o que fragiliza ainda mais sua autonomia, dada a primazia da Itaipu na consolidação final do projeto inconcluso.

Aos poucos, esta Universidade ancorada na ideologia do desenvolvimento para a integração regional, foi avançando para uma universidade brasileira de fronteira, o que dista muito de seu projeto original e assenta as bases para a conformação de uma universidade a partir das demandas dos megaprojetos da região. O Governo não legítimo de Temer acelerou o esvaziamento do sentido de integração, deu centralidade às áreas vinculadas às ciências duras em relação às humanas e cortou recursos públicos para a implementação de diversos projetos pensados a partir da concepção plural de conhecimento. Acelerou, em certo sentido, uma piora que já vinha ocorrendo desde 2014, como ressaltado no item anterior.

O impacto destas ações pode ser visualizado no próprio perfil dos estudantes a partir de 2016. Começam a se dirigir para a UNILA jovens próximos à região que não entram na Universidade porque buscam algo diferente e sim desejam um diploma para serem inseridos no seletivo mercado de trabalho. Em 2017, dos 3421 estudantes de graduação matriculados, mais de 1200 são da própria região do Oeste do Paraná, com destaque para os estudantes oriundos de Foz do Iguaçu, 944. Contando a universidade, neste ano, com sete cursos de mestrado e um total de 175 estudantes matriculados23.

O latino-americanismo do perfil inicialmente proposto vai sendo substituído pelo nacionalismo conservador brasileiro e, aos poucos, aquela contradição inicial da qual se irradiavam possibilidades de disputa vai se esvaindo no ar, materializando uma universidade de fronteira sem compromisso com a integração e sim com o mutante e esvaziado mercado de trabalho do agronegócio da região.

Cabe destacar, no entanto, que se de disputa se trata, e se é na sala de aula que se ancora de fato o perfil latino-americano dos estudantes, ou não, os editais especiais para o ingresso em 2018 (refugiados; povos indígenas latino-americanos; entre outros), apresenta-se como um esforço, da gestão em exercício para manter parte da lógica inicial, em meio a um contexto difícil de projetar, inclusive, a manutenção destes grupos, na lógica da permanência atual.

Outra observação importante é que em 2018 foram realizadas as primeiras eleições para a reitoria da UNILA, com destaque para a não unidade de um campo de esquerda e a vitória com baixa disputa do campo de representação do modelo de integração e de desenvolvimento pautado pelos megaprojetos, a partir da vitória da chapa 2, dos doutores representantes do ILATIT-ILACVN. Estas eleições anunciam bem o cenário futuro que teremos em termos de acordos e tratativas no plano da UNILA com seus parceiros históricos, e no plano nacional a partir de um enfoque centrado na dimensão política da universidade e na reiteração de seu caráter técnico, segundo os discursos do então empossado Presidente Jair Bolsonaro.

Parece que não haverá dificuldades para a primeira gestão eleita em 2018, sem paridade na UNILA, dada a não divergência entre os postulados do âmbito nacional e a vitória institucional de um grupo que defende a mesma “ordem e progresso” atualmente propagadas no âmbito nacional, cujos fortes ecos se disseminam a partir do Norte do continente. No entanto, ainda é muito cedo para que se possa fazer uma análise de como será projetado o desmonte do ensino público, bem como, sobre o poder de reação dos atingidos pela barragem virulenta, em andamento, da política neoliberal ora no poder sem freios.

Vale deixar expresso: na disputa interna e externa o campo de esquerda perdeu e parte desta pagará um preço muito alto pelas políticas do capital efetivadas pelo próprio PT, mas que seguem sendo projetadas pela mídia e pela direita como políticas socialistas/comunistas. Se não formos capazes de separar o joio do trigo no campo do pensamento crítico, todos serão apresentados como iguais, quando, em realidade, são na práxis, muito diferentes. O que inviabiliza se falar de esquerda e sim de esquerdas e suas batalhas concretas.

Então, nem ao desmonte se refere à circunstância da UNILA porque a mesma sequer está consolidada. Disto resulta mais uma de suas fragilidades enquanto projeto de integração. Em um cenário de reiteração das regras de mercado, sua consolidação pode realizar-se em um momento abertamente desfavorável a qualquer possibilidade de integração regional presente e futura. Portanto, o que começou confuso, avança para uma piora. E o que não se consolidou com pertinência, apresenta-se como inviável: integração solidária.

O projeto da UNILA consolida-se na prática cotidiana da Universidade para dentro e para fora dela. Ao longo dos últimos três anos, o diverso foi sendo substituído pelo monolítico, o encontro de culturas pela centralidade do português e a integração pela matriz nacional dos grandes negócios executivos. Isto, somado às diversas disputas inerentes ao ambiente universitário, foi gerando um esvaziamento significativo da mesma sobre a defesa de sua missão e seu projeto original.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na mínima tentativa de suplantar as abordagens idealistas do processo de “integração pelo conhecimento”, almejada na lei de criação da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA), nos deparamos com a contradição entre a integração solidária pretendida e a “formação de capital humano”, política do ensino superior alinhada à ideologia do desenvolvimento. No seu processo de consolidação, a UNILA encontra-se muito mais próxima do tradicionalismo da universidade - algo comum para o universo das universidades públicas latino-americanas na atualidade - que do ponto ideal de sua inovação. Muitos de seus fundamentos foram deformados pelo caminho ao longo de seus quase nove anos de institucionalização. Ainda com menos expectativa de sucesso, temos a necessidade massiva de travar lutas reais nos marcos somente formais/institucionais, para uma integração que minimamente encarne uma investida que se aproxime da luta contra o imperialismo, contra a pauperização de nossos povos e sua subjugação às forças destruidoras do Capital.

O ano de 2019 começa com a confirmação nas eleições de 2018 da vitória de um nacionalismo conservador protagonizado pelo candidato eleito Jair Bolsonaro e seu grupo vinculado à lógica evangélica-ruralista. Para que seja possível avaliar o processo que está por vir nos próximos quatro anos de governo, com a vitória expressiva de seu partido no Congresso Nacional, vale a pena considerar quem são, para este governo, os principais inimigos a que sua concepção de “nacional” mas não nacionalista de desenvolvimento e integração se destina. Além disto, há que analisar com rigor o papel na psique social de seu discurso ofensivo sobre o pensamento crítico e plural presente nas universidades públicas e nos movimentos sociais e políticos, além de sua demarcada posição de classe presentes em suas políticas de governos principais.

Ainda que esteja tudo em aberto, sabemos quem são os entraves ao desenvolvimento proposto e à ideia de integração que o alicerça: os trabalhadores do campo e da cidade de toda América Latina. Assim como sabemos da dificuldade real que a esquerda, tem de defender um projeto que a caracterize em unidade. Frente às incertezas de como se reconstruirá ante a ofensiva da criminalização e da violência estrutural, apresenta-se a certeza do desmonte do pouco que se fez como política social diferenciada entre os Governos PSDB e PT. No entanto, isto não deve deixar de se apresentar como centralidade a partir da piora significativa que teremos no plano das disputas.

O que de fato está em xeque não é a UNILA. É o projeto de sociedade que vai além do capital e que necessita de células bem construídas para a defesa e manutenção de uma ordem que os que estão no poder deflagrarão como desordem do progresso. Aguentaremos? Sim. Desde que sejamos capazes de nos refazermos rápido de nossos próprios equívocos na construção de uma esquerda que passe a dialogar, divergir sem destratar no interior do pluralismo que a caracteriza, se reafirmar na diversidade no que se concebe como produtiva batalha de ideias. A UNILA tem o mesmo objetivo pela frente: entender a que veio, o que quer, e como realizar, em unidade, aquilo que necessita realizar como projeto societário.

Pois, como retratado no artigo de Traspadini (2016):

Sejam pontes e muros naturais, ou sociais, o que permite o ser humano interagir com o meio e recriá-lo, recriando-se, é o trabalho. O trabalho é a força ontocriativa de produção do ser social em sua histórica relação indissociável com a natureza. A produção material de vida, subsumida como geração privada na produção apropriação do fruto do trabalho no específico modo de produção capitalista não é destino, nem fim último da humanidade. É um caminho manifesto desde uma perspectiva dominante, que se pretende único e onipotente, ao longo da histórica caminhada dos seres sociais, sempre em movimento. Fugir dos múltiplos desertos, criar novos abrigos, nominá-los e recriá-los com os materiais fornecidos pelo meio e elaborados paulatinamente pelo ser social, através de seu trabalho, eis uma das características de ser, dos seres humanos.

Colocar a categoria trabalho no centro dos debates, para além da precarização de sua condição de assalariamento e/ou sobrevivência, torna-se um enorme desafio no momento atual. As universidades públicas estão no “olho do furacão” da retomada violenta do neoliberalismo no continente. E os professores, servidores, estudantes críticos em particular, são os que girarão em meio à tormenta. Mas este não é o primeiro, nem será o último acidente social e historicamente construído. O futuro está em aberto, mas é o presente que cobra uma (re)ação conjunta. Para que a UNILA não tenha como lei tendencial a miragem de integração regional, ou sua antagônica, a integração territorial liderada pelo capital transnacional, é necessário que o trabalho coletivo, fora e dentro da universidade, em prol de um projeto societário justo, solidário e de integração regional de fato se estabeleça como disputa possível. Sem isto, não há chance real.

Como ressaltado por Brecht, no texto que abre a introdução deste trabalho, acreditamos que a astúcia seja a de fazer essa reflexão chegar naqueles e naquelas pessoas que ainda acreditam ser possível, na real batalha das ideias que nos interessa, a construção de algo que seja de fato verdadeiro, diverso, em unidade popular. Porque mais difícil do que dizer a verdade é enfrentar nossos próprios dilemas com vistas a superá-los rumo a consolidação de um projeto societário para além do capital.

1Cabe destacar que, mesmo a partir de uma perspectiva crítica às políticas neodesenvolvimentistas de cunho neoliberais do PT no que tange à política econômica das gestões Lula e Dilma, a implementação do REUNI, com todos os limites dentro de uma ordem que ainda não democratizou o acesso à educação em geral e superior em particular, permitiu a inserção de jovens trabalhadores recém mestres e doutores, técnicos com qualificação profissional e, principalmente, o acesso de uma geração filha da classe trabalhadora que chega ao ensino superior como primeira geração de sua família.

2O trabalho da cientista política Cecilia Vuyk contribui sobremaneira para a discussão relativa ao subimeperialismo brasileiro. Como sugestão indicamos: Subimperiaslimo brasileño y dependência de Paraguay. Los intereses económicos detrás del golpe de Estado de 2012. Livro publicado em 2015.

4Para o tema da dependência estrutural sugerimos: Traspadini, R & Stédile, J. P. Ruy Mauro Marini vida e obra, 2015.

5Sobre a conformação da categoria subimperialismo na obras de Ruy Mauro Marini, sugerimos: LUCE, M: Teoria marxista da dependência. Problemas e categorias, uma visão histórica, 2018.

6Sobre o tema do neodesenvolvimentismo e sua aparência progressista, vale a pena ler: PINASSI, M.O.; FELIX, M (2017). La farsa neodesarrolista y las alternativas populares em América Latina y Caribe; PAULA, J.A. de. Adeus ao neodesenvolvimentismo: a opção do governo lula, 2005.

7Cabe reforçar um posicionamento reflexivo-dialógico: este texto parte de um ponto de vista crítico, marxiano e marxista, sobre as bases materiais, objetivas, que conformam os projetos nos contextos em que eles se dão, a partir das gestões que o executam, suas perspectivas políticas e não menos importante a disputa concreta entre capitais manifesta nas relações de poder. Portanto, como ponto de vista, não entendemos este posicionamento como único, nem tampouco como verdade absoluta. Ele se abre como ponto de referência dialógica e como tal propenso a discutir a partir de outras perspectivas críticas referenciais sobre a práxis latino-americana.

9Vale a pena a leitura do livro organizado por Hélgio Trindade, “universidade em ruínas na república dos professores”, 1999. primeiro Reitor Pró-tempore da UNILA, empossado em 2010.

12Vale a pena a leitura da dissertação de mestrado sobre este tema, de Virgínia Góes, “Colonialidade do saber e a dinâmica universitária latino-americana: reflexões desde e com o eixo de fundamentos de América Latina”, 2018, sob a orientação do professor latino-americanista, adepto as teses decoloniais, professor Gerson Ledezma Meneses.

13Um ótimo texto explicitando as principais análises de Furtado se encontra em Plinio de Arruda Sampaio Júnior. Furtado e os limites da razão burguesa na periferia do capitalismo, 2002. Disponível em: < http://www.seer.ufu.br/index.php/revistaeconomiaensaios/article/viewFile/3200/2435 >. Acesso em: 20 dez. 2018.

14Para uma análise sobre as forças conservadoras e reacionárias presentes ao longo do processo de gestão Chávez-Maduro, sugerimos o elucidativo texto de Claudio Katz, “laizquierda frente a Venezuela”, 2017. Disponível em: <http://katz.lahaine.org/b2-img/LAIZQUIERDAFRENTEAVENEZUELA.pdf>.

15Instituto Latino-americano de Arte, Cultura e História (ILACH); instituto Latino-americano de Economia, Sociedade e Política (ILAESP); Instituto Latino-americano de ciências da natureza e da vida (ILACVN); Instituto Latino-americano de Tecnologia, Infraestrutura e território (ILATIT).

16O artigo de Gerson Ledezma e Senilde Guanaes, “Olhares sob a perspectiva do ICAL e a linha de pesquisa cultura, colonialidade; decolonialidade e movimentos sociais, 2016, nos dá excelentes apontamentos sobre a experiência epistêmica crítica vinculada aos marcos decoloniais latino-americanos.

17Sobre este tema muitas matérias foram veiculadas em contraofensiva ao ataque direto efetivado pelos representantes do agronegócio da região, entre elas, vale a pena produzida por Julia Dolce para o jornal Brasil de Fato em 2016, com o título: “Unila se mobiliza contra proposta feita por deputado da bancada ruralista”.

18O ano de 2012 merece ser visto como um ano de revisão das categorias docente e técnica administrativo sobre as formas-conteúdos históricos de greves nos demais países da América Latina, abrindo-se assim a uma reflexão necessária e fraterna sobre os movimentos de lutas e as particularidades que o compõem em cada época histórica. Isto foi tão significativo, que no período seguinte de chamada de greve, 2015 e 2017, a adesão foi minoritária, tanto do corpo docente, como das próprias pautas discentes, exigindo que os docentes partissem para pautas de mobilização específica mais do que para a chamada de greve geral sem tempo determinado.

19Para este tema, ver o documento elaborado por Paulo Nogueira Batista: “Consenso de Washington a visão neoliberal dos problemas latino-americanos”, 1994.

20VerToledo, Luiz Fernando. Orçamento das universidades federais do País cai R$ 3,4 bilhões em três anos. O Estado de S. Paulo. Disponível em: < https://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,orcamento-das-universidades-federais-do-pais-cai-r-3-4-bilhoes-em-tres-anos,70001957732 >. Acesso em: 31 dez. 2018.

22Basta visualizar o quanto os bancos lucraram ao longo dos períodos de governo do PT, além dos grandes financiamentos, via BNDES, brindados às grandes empreiteiras do País na produção de projetos polêmicos, tais como: as remoções das populações do centro do Rio de janeiro para abrigar as reformas dos megaeventos esportivos protagonizados pelo Brasil, a construção, em regiões de megaprojetos de energia como Jirau, a transposição do Rio São Francisco, entre outros.

23Ver documento UNILA no território, disponível em: < https://www.unila.edu.br/sites/default/files/files/Informati voUNILA.pdf >. Acesso em: 16 dez. 2018.

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