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Revista Teias

versão impressa ISSN 1518-5370versão On-line ISSN 1982-0305

Revista Teias vol.20 no.59 Rio de Janeiro out./dez 2019  Epub 22-Jan-2020

https://doi.org/10.12957/teias.2019.47461 

Entrevista

ENTREVISTA – NILDA ALVES

Rafael Marques Gonçalves1 

1Doutor em Educação (UERJ/PROPED). Professor da Universidade Federal do Acre vinculado ao quadro permanente de docentes no Programa de Pós-Graduação em Educação PPGE/UFAC. E-mail: rafamg02@gmail.com


AO REALIZARMOS UM LEVANTAMENTO DOS ARTIGOS MAIS CITADOS PUBLICADOS NA REVISTA TEIAS, O ARTIGO INTITULADO “SOBRE MOVIMENTOS DAS PESQUISAS NOS/DOS/COM OS COTIDIANOS”, PUBLICADO NO ANO DE 2003, DE SUA AUTORIA, MOSTROU-SE COMO DESTAQUE NA QUANTITATIVO DE CITAÇÕES, SENDO UM DOS MAIS REFERENCIADOS. CONSIDERANDO A RELEVÂNCIA DESTE ARTIGO, SOBRETUDO PELO SEU IMPACTO, COMO A SENHORA RECEBE ESTA NOTÍCIA E A QUE ATRIBUI TAMANHO DESTAQUE?

O primeiro texto escrito, no Brasil, buscando identificar esses movimentos e que fez surgir uma série de artigos, livros e teses que buscavam pensar epistemológica, teórica e metodologicamente as pesquisas nos/dos/com os cotidianos por outros autores, teve o título “Decifrando o pergaminho - o cotidiano das escolas nas lógicas das redes cotidianas”. Nele, identifico e busco explicar quatro movimentos necessários às pesquisas com os cotidianos: 1. O sentimento do mundo; 2. Virar de ponta cabeça; 3. Beber em todas as fontes; 4. Narrar a vida e literaturizar a ciência. Lido, hoje, entendo que é uma boa síntese do que pensávamos naquele então e nos ajudou a articular as pesquisas dentro desta corrente. Ele é resultado de uma pesquisa desenvolvida em dois municípios (Angra dos Reis e Nilópolis), financiada pelo CNPq, entre março de 1997 e fevereiro de 1999, sob o título “A construção do conhecimento sobre currículo pelas equipes pedagógicas de dois municípios do estado do Rio de Janeiro” e que foi desenvolvido por mim com Inês Barbosa de Oliveira e Joanir Gomes de Azevedo. O texto foi publicado em livro organizado por mim e Inês, pela editora DP&A, sob o título “Pesquisas no/do cotidiano das escolas” - ainda sem o plural e sem ‘com as’’, que será acrescentado depois por indicação de Carlos Eduardo Ferraço. No momento da publicação sentimos necessidade de incluir artigos de outros autores que trabalhavam com os cotidianos, mas, também, autores que trabalhavam em outras correntes que estudavam os currículos ou entendendo a ciência como produção cultural/material, permitindo aumentar os diálogos no campo da Educação.

Com as conversas desenvolvidas com colegas que utilizavam esse primeiro texto em seus grupos de pesquisa, fui compreendendo que deixara de indicar um quinto movimento que vai ser nomeado e explicado, então, neste segundo texto que se situa entre os mais referenciados na Teias. A esse movimento nomeei “Ecce femina”. Esse texto foi escrito para uma seção coordenada da ANPEd (na qual estavam ainda Maria Teresa Esteban e Carlos Scliar, com a coordenação de Marcos Reigota) e publicado em uma reedição ampliada do livro, já na Editora DPetAlii.

Uma pequena história: no livro, desde sua primeira edição, levantamos a necessidade de que nas pesquisas nos/dos/com os cotidianos, precisávamos mergulhar nos ‘espaçostempos’ com todos os sentidos, o que foi contrariado pela editora inicial quando resolve colocar, na capa, olhos sucessivos indicando o olhar como sentido principal da pesquisa - ideia hegemônica desde a modernidade - e que, justamente buscávamos mostrar seus limites ao criar esta ideia de “mergulho” com todos os sentidos. Esse ‘equívoco’ foi arrumado na edição seguinte, felizmente.

DE QUE MANEIRA OS MOVIMENTOS DA PESQUISA NOS/DOS/COM OS COTIDIANOS SÃO REVISTOS, REINVENTADOS E RECRIADOS, OU NÃO, NO ÂMBITO DOS MÚLTIPLOS ENCONTROS E REDES QUE ESTE MODO DE PESQUISA ADENTRA NO CAMPO ACADÊMICO?

A primeira mudança feita nesses movimentos, foi esta que indiquei, trabalhada no segundo texto: a criação de um quinto movimento - Ecce femina - que foi assim nomeado rebatendo, talvez, a ideia de “Ecce homo”, de Nietzsche, em um campo no qual o exercício profissional é majoritariamente de mulheres. Quero ressaltar, mais uma vez, que esta mudança se dá graças às inúmeras conversas com colegas que atuavam nesta corrente de pesquisa, em inúmeras universidades brasileiras. De certo modo, este movimento, já estava - hoje diríamos, com Deleuze, “de modo virtual” - no primeiro texto, sob a forma de um grande exemplo, vindo de um texto anterior escrito a partir de uma pesquisa anterior, no qual trabalho com os múltiplos ‘praticantespensantes’ das escolas - estes termos aparecem escritos, assim, pela primeira vez, em texto de Inês Barbosa de Oliveira, publicado em 2012. Ou seja, estes - os ‘praticantespensantes’ - já estavam lá, no primeiro texto, e eu não consegui nomeá-los como um dos movimentos necessários: aquele da presença dos que ‘faziampensavam’ os cotidianos. Precisei para isto, dessas conversas com alguns outros que também pesquisavam os cotidianos.

Mas a possibilidade desta escritura, indo além do já escrito, mostrava, também, algo que cabe aos pesquisadores nos/dos/com os cotidianos fazerem; mostrarem nossos próprios limites, indo além do que já sabemos e daquilo que está marcado em nós por nossa formação dentro das ideias hegemônicas desde a Modernidade.

Por isto, vai surgir, por exemplo, a ideia de escrevermos de outra maneira as dicotomias herdadas das ideias hegemônicas, pluralizando termos, invertendo-os nas maneiras como são conhecidos etc. Assim vai aparecer: ‘praticasteorias’; ‘aprendizagemensino’; ‘dentrofora’ das escolas; ‘praticantespensantes’, ‘espaçostempos’, ‘conhecimentossignificações’ etc

CONSIDERANDO A REINVENÇÃO CONSTANTE NAS/DAS MANEIRAS DE PENSAR A PESQUISA NOS/DOS/COM OS COTIDIANOS, SOBRETUDO PELO EXPRESSIVO NÚMERO DE GRUPOS DE PESQUISA QUE A PRATICAM EM DIFERENTES REGIÕES DO PAÍS, BEM COMO NO EXTERIOR, QUAL A IMPORTÂNCIA DE BUSCARMOS PENSAR EM OUTRAS EPISTEMOLOGIAS E METODOLOGIAS NAS INVESTIGAÇÕES SOBRE CURRÍCULO?

Esses processos de ‘ir além’, mostram a importância das trocas e das conversas - lembrando que estas são entendidas como o principal lócus das pesquisas com os cotidianos - no que realizamos. Desse modo, neste ano de 2019, mais uma vez, fomos além na escritura desses movimentos. Com Nívea Andrade (da UFF) e Alessandra Nunes Caldas (da UERJ), publicamos, em livro organizado por Inês Barbosa de Oliveira, Leonardo Peixoto e Maria Luiza Sussekind um texto que vai além dos anteriores, sob o título “Os movimentos necessários às pesquisas com os cotidianos - após muitas ‘conversas’ acerca deles”. Nesse texto, que esperamos, substitua os anteriores, mudamos o nome dado a dois deles (cuja explicação vai dada no texto) e criamos um sexto movimento: ‘a circulação dos ‘conhecimentossignificações’ como necessidade’. Ao final, no texto, avisamos que temos certeza que novas mudanças virão pois, afinal, isto é próprio da vida e importante para todas e todos que ‘fazempensam’ as pesquisas nos/dos/com os cotidianos.

POR FIM, GOSTARIA QUE A SENHORA COMENTASSE COMO A PERSPECTIVA DE PESQUISA NOS/DOS/COM OS COTIDIANOS TÊM CONTRIBUÍDO COM A PESQUISA EM EDUCAÇÃO, SOBRETUDO NO MOVIMENTO DE RESISTÊNCIA FRENTE A AGENDAS DE RETROCESSO NO CAMPO DA PESQUISA CONDUZIDAS PELA POLÍTICA NACIONAL?

Também aqui, temos insistido em ‘pensar além’: entendemos que todos os momentos de crise, como o que vivemos agudamente no presente - exigem duas ações complementares: a resistência e a criação. Na resistência combatemos as agendas formuladas por aqueles que criam a crise e buscam inverter ou liquidar conquistas anteriores. Na criação, apesar da crise, continuamos a ‘fazer pensar’ outros movimentos, outras ações, outros componentes curriculares, trazendo a esperança, a ética, a estética e as políticas ao nosso campo. Isto não é invenção do agora: isto compõe o que de humano nos forma. Resistir e criar andam juntos sempre, na história humana.

Recebido: Agosto de 2019; Aceito: Dezembro de 2019

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