SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.21 número60TECNOLOGÍAS DIGITALES, LITERATURA INFANTIL Y MULTIALFABETIZACIONES EN FORMACIÓN DEL PROFESORADOLOS MOVIMIENTOS CIBERACTIVISTAS DE (RE)EXISTENCIA EN LAS REDES SOCIALES Y SUS IMPLICACIONES PARA LA EDUCACIÓN índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Compartir


Revista Teias

versión impresa ISSN 1518-5370versión On-line ISSN 1982-0305

Revista Teias vol.21 no.60 Rio de Janeiro ene./mar 2020  Epub 21-Mayo-2020

https://doi.org/10.12957/teias.2020.48627 

Seção Temática

PRÁTICAS DE ENSINO COM O USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS: o papel da formação docente

TEACHING PRACTICES USING DIGITAL TECHNOLOGIES: the role of teacher education

PRÁCTICAS DE ENSEÑANZA MEDIANTE TECNOLOGÍAS DIGITALES: el papel de la educación del profesorado

Ariane Xavier de Oliveira1 
http://orcid.org/0000-0002-4768-5348

Diene Eire de Mello2 
http://orcid.org/0000-0001-6048-8130

Sandra Aparecida Pires Franco3 
http://orcid.org/0000-0002-7205-744X

1Professora dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental da Prefeitura de Cambé/PR

2Professora do PPEDU-Universidade Estadual de Londrina (UEL).

3Professora do PPEDU-Universidade Estadual de Londrina (UEL).


Resumo

O objetivo do presente estudo foi promover uma discussão acerca do papel da formação de professores enquanto mobilizadoras de boas práticas com tecnologias digitais. Trata-se de um estudo qualitativo de caráter exploratório que utilizou como fonte de dados, entrevistas e consulta a documentos oficiais. Participaram das entrevistas cinco professores e uma assessora pedagógica. O estudo tem como base principal os fundamentos da Teoria Histórico-Cultural. Para a análise dos dados utilizou-se da análise de conteúdo. De posse dos dados analisados foi possível apreender a relevância da formação em serviço como mobilizadora de boas práticas com esses artefatos.

Palavras-chave: educação; educação básica; tecnologias digitais; boas práticas; teoria histórico-cultural

Abstract

The aim of this study was to promote a discussion about the role of teacher education as mobilizers of good practices with digital technologies. This is a qualitative exploratory study that used as source of data, interviews and consultation to official documents. Five teachers and one pedagogical advisor participated in the interviews. The study has as its main base the foundations of the Historical-Cultural Theory. For data analysis we used content analysis. With the data analyzed, it was possible to grasp the relevance of in-service training as a mobilizer of good practices with these artifacts.

Keywords: education; basic education; digital technologies; good habits; historical-cultural theory

Resumen

El objetivo de este estudio fue promover una discusión sobre el papel de la formación docente como movilizadores de buenas prácticas con tecnologías digitales. Este es un estudio exploratorio cualitativo que se utiliza como fuente de datos, entrevistas y consultas a documentos oficiales. Cinco profesores y un asesor pedagógico participaron en las entrevistas. El estudio tiene como base principal los fundamentos de la teoría histórico-cultural. Para el análisis de datos utilizamos análisis de contenido. Con los datos analizados, fue posible comprender la relevancia de la capacitación en el servicio como un movilizador de buenas prácticas con estos artefactos.

Palabras clave: educación; educación básica; tecnologías digitales; buenas prácticas; teoría histórico-cultural

APRESENTAÇÃO

Nas produções, acerca do uso de tecnologias, a ligação quase automática que o uso de tecnologias nos processos de ensino e aprendizagem nos vários níveis e as modalidades de ensino são sinônimos de boas práticas ou inovações pedagógicas. Se olharmos boa parte dos artigos publicados que analisam o uso de artefatos nas práticas, de maneira geral, estes chegam a conclusões que o uso de um artefato mobilizou novos conhecimentos, atitudes ou inovações no modo de organizar e planejar práticas.

O estudo de Moraes et. al. (2015) constatou que o uso didático das tecnologias digitais no Brasil ainda representa um dos maiores desafios da inovação pedagógica enfrentada pelos sistemas educacionais. Cool, Mauri & Onrubia (2010) também pesquisaram o tema em diversos países e haviam constatado que a incorporação das tecnologias digitais na sala de aula ainda é muito limitada. Em algumas exceções de integração dessas ferramentas na educação, avanços foram verificados, todavia, ainda muito baixo se comparado ao potencial transformador e inovador que essas ferramentas possuem. Assim, esses últimos autores enfatizaram que a realidade apresentada pelas pesquisas não pode interferir nas expectativas referentes ao potencial das tecnologias digitais na educação, pois a exploração dessas potencialidades depende do contexto em que são utilizados, ou seja, dos contextos de uso, determinados pelas finalidades perseguidas.

De acordo com Fantin & Rivoltella (2012), à medida que a cultura digital favorece outras formas de comunicação, interação, socialização e transmissão de símbolos, ela participa da prática sociocultural do sujeito nos campos da produção, socialização de conhecimentos e na composição de significados sobre o mundo. É baseado nesse cenário, do qual descortina outras formas de comunicação e acesso à informação a qualquer sujeito em diferentes espaços e tempos, que somos instigadas a repensar e investigar como alcançar a função social da educação escolarizada, visto que a escola está imersa em uma organização produtiva em constante mutação e carece de considerar que cada vez mais as gerações precedentes nascem, crescem, desenvolvem-se enfrentando o mundo real e virtual e convivem com alternativas divergentes de acesso à informação do mundo analógico (MEIRINHOS, 2015).

Santos (2014) alerta que muitos dos cursos de formação docente possuem em seus currículos uma dicotomia entre teoria e prática, pois o futuro professor (normalmente) só tem contato com a prática a partir da segunda metade do curso. Neste sentido, a autora a defender a pesquisa sobre formação enfatiza que docentes e discentes aprendem juntos, formando-se no contexto cultural, histórico e social em que essa relação acontece, sendo vital compreender a prática docente para além da racionalidade técnica, mas como uma fonte de conhecimentos e espaço e tempo privilegiado para fazer pesquisa.

Partimos da ideia que inserir não é o mesmo que integrar. Portanto, inserir novos artefatos no cotidiano das práticas de ensino não significam que estas se consolidem como boas práticas que buscam explorar as potencialidades das tecnologias ao mesmo tempo que contribuem para o desenvolvimento do aluno.

A escola tem como função a socialização da cultura elaborada e, nesse processo, o professor é o responsável pelo domínio e a seleção dos conteúdos científicos de modo a viabilizar a assimilação dos conceitos em uma forma, uma organização (SAVIANI, 2013). Com base neste pressuposto, entendemos que as tecnologias digitais por suas potencialidades de comunicação, interação, interatividade, hipertexto, simulação, convergência, mobilidade e ubiquidade, se inseridas em uma organização didática, podem contribuir com o desenvolvimento cognitivo dos alunos e a aprendizagem de conteúdos científicos (FREITAS, 2009).

Para tanto, evidencia-se a necessidade de orientações teórico-metodológicas capazes de instrumentalizar o trabalho docente de modo que o potencial das ferramentas digitais possa ser explorado e oportunize a apropriação do conhecimento científico. Segundo Freitas (2009, p. 7), o uso didático das tecnologias digitais na educação escolar requer “[...] uma nova relação professor-aluno centrada no diálogo, na ação compartilhada, na aprendizagem colaborativa no qual o professor é um mediador”. Para essa mesma autora, o aluno não mais é um receptor passivo mediante um dispositivo com acesso à internet, mas pode acessar, manipular, modificar e reinventar.

Para Kenski (2015), o avanço tecnológico, no entanto, não foi articulado com mudanças estruturais no processo de ensino, com propostas curriculares e com a formação dos professores para a nova realidade educacional. Desse modo, vivemos um grande desafio a ser enfrentado no âmbito da formação docente, pois convivemos simultaneamente com as mudanças e reconfigurações provocadas pelas tecnologias de informação e comunicação em quase todos os aspectos de nossas vidas, mas ainda estamos com escolas e práticas ainda presos a paradigmas de ensino que se coadunam com as necessidades de formação da sociedade contemporânea.

Diante disso, o presente estudo trata do recorte de uma dissertação de Mestrado vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Educação (PPEdu) da UEL, vinculado ao Grupo de Pesquisa DidaTic. A preocupação central do Grupo é compreender como as tecnologias digitais têm sido utilizadas pelos professores em seus diferentes níveis. Entretanto, na contramão da maioria das pesquisas, não se pretende denunciar ou diagnosticar “aquilo que a escola não pratica adequadamente”, mas lançar luz naqueles professores e práticas que apesar de condições adversas buscam desenvolver práticas com tecnologias digitais. No recorte descrito buscamos responder à seguinte problemática: “qual é o papel da formação docente para o uso pedagógico das tecnologias digitais? Em que medida a formação recebida é mobilizadora de práticas de uso dessas ferramentas?”

Para tanto, o estudo será dividido em quatro momentos. O primeiro buscou evidenciar o caminho metodológico que viabilizou os estudos e as reflexões sobre a temática imersa em uma realidade social. O segundo, propôs-se a aferir os fundamentos teóricos/psicológicos que embasam o fazer pedagógico docente. O terceiro buscou explorar os dados coletados junto a professores que desenvolvem ou desenvolveram práticas com o uso de tecnologias e quais os sentidos atribuídos à sua formação. E o terceiro e último teceram as considerações finais sobre os elementos elencados ao longo da pesquisa.

ASPECTOS METODOLÓGICOS

A organização do estudo buscou atender ao objetivo proposto por meio de uma pesquisa de abordagem qualitativa exploratória. Buscou-se compreender nas narrativas dos professores, que desenvolviam práticas com tecnologias digitais, o papel da formação e sua contribuição para o desenvolvimento das mesmas. Desse modo, trata-se de uma amostra intencional formada por cinco professores, selecionados (indicados por meio de uma solicitação à Secretaria de Educação Municipal de educação), e uma assessora pedagógica responsável pela área de Tecnologia de um município ao norte do Estado do Paraná. Ao todo foram seis entrevistas.

Como fonte de dados elegeu-se o instrumento entrevista semiestruturada com o objetivo do estudo de apreender o papel da formação docente no desenvolvimento de boas práticas com tecnologias digitais e o documento norteador da prefeitura.

Segundo Duarte (2004), entrevistas possuem como potencial dar voz aos sujeitos que vivenciam, observam e analisam seu espaço social e histórico, bem como, retratam a forma como os sujeitos atuam sobre ele. Nesse estudo, tal instrumento envolveu 31 questões, das quais utilizamos informações relativas ao perfil dos participantes e também dados específicos sobre o processo formativo desses docentes quanto ao uso didático-pedagógico das tecnologias digitais.

Para tanto, reunimos na tabela 1, as questões da entrevista semiestruturada que nortearam os resultados analisados. Os dados solicitados no campo perfil assim como os dados da questão 4, subdividida em duas partes, do qual tratam as indagações sobre a formação docente, estão elencadas na Tabela 1:

Tabela 1 Fonte de dados sobre o perfil e a formação docente para o uso das tecnologias digitais 

Perfil Possui alguma formação para uso das tecnologias digitais? Se sim, qual e quando?
▪ Sexo.
▪ Idade.
▪ Formação (graduação, pós-graduação, ano de formação).
▪ Tempo de serviço no magistério;
▪ Tempo de serviço no magistério superior;
▪ Há quanto tempo você trabalha na instituição em que realizou a experiência?
a) Poderia comentar um pouco sobre a estrutura do curso?
(a carga horária aproximada, presencial ou EaD, teórico, prático ou ambos.
b) Quais contribuições da formação para sua prática pedagógica com uso de tecnologias digitais?

Fonte: elaborado pelas autoras (2019).

Com base nos elementos apresentados na tabela 1, consideramos pertinente apresentar o perfil desses docentes, pois tais dados contribuem para situar aspectos relacionados à sua formação e atuação na realidade escolar. O perfil dos docentes e da professora assessora que aceitaram participar da pesquisa está apresentado na Tabela 2:

Tabela 2 Perfil dos docentes entrevistados 

Docente Sexo Idade Formação inicial Formação continuada Tempo de atuação na EB
P11 F 49 anos Magistério Ciências Sociais Mestrado em Ciências Sociais 12 anos
P2 F 56 anos Magistério Pedagogia Especialista em “Psicopedagogia Institucional” e “Gestão escolar” 40 anos
P3 F 26 anos Pedagogia Mestrado em “Educação Escolar” em andamento 6 anos
P4 F 31 anos Magistério Pedagogia Pós-graduação em metodologia da ação docente e trabalho pedagógico na Educação Infantil 9 anos
P5 F 29 anos Pedagogia Especialização em “Metodologia do ensino superior” 5 anos
PA2 F 41 anos Magistério Pedagogia Especialização em “Supervisão, orientação e administração escolar” e “EAD e Tecnologias Educacionais” 22 anos

Fonte: Elaborado pelas autoras. (2019).

1Utilizamos o grafema P para representar a palavra professor seguida de um número representativo da quantidade de entrevistados.

2Utilizamos o grafema P para representar a palavra professor e o grafema A para se referir à assessora.

O quadro acima demonstra que os docentes participantes são do sexo feminino, possuem idade entre 26 e 56 anos, Formação inicial em licenciatura e realizaram cursos de Formação continuada, com experiência acima de 4 anos na Educação Básica.

Desse modo, na tentativa de aprofundar sobre os elementos formativos que permitem o desenvolvimento de boas práticas com tecnologias digitais a partir da coleta de dados, para que seja possível a categorização, descrição e interpretação das informações alcançadas por meio da entrevista semiestruturada, a análise de conteúdo (BARDIN, 1977) mostrou-se pertinente. Assim, em sequência a discussão baseada na literatura sobre o tema, serão apresentados e analisados os resultados obtidos.

BOAS PRÁTICAS COM TECNOLOGIAS DIGITAIS: APROXIMAÇÕES AO CONCEITO PELAS LENTES DA TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

Importante enfatizar que tal estudo buscou como fonte de informações professores que desenvolvam práticas com tecnologias digitais e foram indicados pela Assessora responsável pelo setor de tecnologias como aqueles que desenvolviam práticas interessantes, “bem sucedidas” e organizadas, ou seja, desenvolviam boas práticas.

Um dos desafios do estudo foi buscar conceituar o que seria necessariamente uma “boa prática”. Dessa forma apoiamo-nos nos estudos de Vigotski (2004) em especial na sua obra Psicologia Pedagógica, edição de 2004, em que define psicologia pedagógica como uma ciência que trata das leis da mudança do comportamento humano e dos meios para dominar essas leis. Nesse sentido, Vigotski (2004) afirmou que a ciência surge das necessidades práticas. Para mudar o comportamento e dominar os meios, nesse texto, fizemos a analogia da tecnologia digital como o meio para a transformação desse sujeito que está inserido em um contexto com bruscas mudanças. A tecnologia digital ao invés de alienar o sujeito pode desaliená-lo por meio de boas práticas. No entanto, caberá ao docente ser um conhecedor do conceito de tecnologia digital, boas práticas e da Teoria histórico-cultural que proporciona a desalienação do sujeito nesta sociedade de trabalho alienado. (VIGOTSKI, 2004).

Um bom ensino, nos estudos de Vigotski (2004), significa que o professor detém o domínio do conhecimento, dos conteúdos e que consegue analisar se um conhecimento científico tem mais valor do que um conhecimento espontâneo. Não podemos inferiorizar um em detrimento do outro. A aprendizagem da criança começa muito antes da aprendizagem escolar. Ambos são importantes para a formação do pensamento. Nesse sentido, as tecnologias digitais não são mais valiosas do que as atividades exclusivamente manuais. Ambas devem estar juntas para agregar ao pouco conhecido (atividades manuais) algo mais, pois ninguém interioriza um determinado conteúdo com tanta precisão, como quem os vivencia.

Para uma “boa prática” é necessário que o professor conheça as vivências dos alunos, que o conteúdo tenha um motivo e que esse objeto a ser conhecido traga significado e sentido para o sujeito, pois a escola traz algo novo que a aprendizagem escolar introduz no desenvolvimento da criança. Esse novo conhecimento forma o novo homem. Logo as tecnologias digitais são o novo, que por meio das boas práticas forma o novo homem.

Assim, a Teoria Histórico-Cultural é a vertente psicológica que encaminha nossa concepção pedagógica de ensino. Essa Teoria previu a criação de um novo homem que se fundamenta no social, na história e na cultura, por isso o nome de Teoria Histórico-Cultural. Para que compreendamos o surgimento desse novo homem na sociedade vigente que utilize as tecnologias digitais como um objeto e que desse objeto se gere um motivo que tenha significado e sentido, importante que a formação do professor seja o movimento capaz de levar o futuro professor a desenvolver um olhar técnico, crítico e atento aos usos das tecnologias.

Resta-nos agora pensar o momento social, político e educacional que estamos vivendo e nos perguntar: Estamos frente a uma nova sociedade? Estamos passando por uma mudança, iniciando uma nova era que, portanto, deve levar em conta os avanços da ciência.

Desse modo, conforme a abordagem histórico-cultural, especialmente nos estudos de Vigotski (1998, 2000, 2004, 2005), Leontiev (1978), Mello (2004), Sforni (2004) Freitas (2009), Peixoto (2011), Zanatta e Brito (2015), assumimos o desafio de conceituar uma “boa prática” pedagógica com tecnologias digitais na tentativa de apontar aspectos que fundamentam o trabalho docente conforme essa abordagem, e ofereça elementos para refletir sobre o uso didático-pedagógico de tais ferramentas a favor do desenvolvimento humano.

Logo, nessa pesquisa, entendemos a partir dessa perspectiva, que uma “boa prática” é aquela fundada em um trabalho de mediação, em que a interação social a partir do uso de instrumentos e signos oportuniza a construção de conhecimentos, pois “[...] a teoria do âmbito de desenvolvimento potencial origina uma fórmula que contradiz exatamente a orientação tradicional: o único bom ensino é aquele que se adianta ao desenvolvimento “(VIGOTSKI, 2014).

Assim, o ensino é compreendido como um processo intencional que visa criação de zonas de desenvolvimento proximal, baseado em um trabalho colaborativo entre professor e estudante, em que o professor é o principal responsável por mediar a produção do conhecimento pelo aluno de forma partilhada, cooperativa, e a contar com o potencial pedagógico dos meios digitais nesse decurso, possibilite o acesso ao universo de informações e a construção do conhecimento pelo aluno vinculado à sua realidade histórica e social de forma consciente e crítica.

Assim sendo, compartilhamos da afirmação de Brito e Zanatta (2015, p.21), pois esclarecem a necessidade da mediação para o desenvolvimento de uma prática pedagógica com tecnologias digitais, na qual é preciso que o docente.

[...] compreenda o processo de mediação pedagógica para que ele entenda como ocorre a construção do conhecimento realizada pelo aluno no contexto escolar. Isso significa que o docente precisa saber como e quando fazer as intervenções pedagógicas com uso das tecnologias, o que depende da maneira como ele planeja, organiza e conduz a mediação do processo de conhecimento pelo aluno.

Dessa forma, compreende-se que o docente ao planejar uma situação de ensino, deve entender os processos cognitivos de modo a propiciar ao aluno situações que contribuam para o seu desenvolvimento. Nesse sentido, práticas com tecnologias digitais devem considerar o cotidiano dos educandos em uma sociedade mediada pelas tecnologias, levando-os a não serem apenas consumidores, mas detentores de saberes que possibilitem uma ampla compreensão do conteúdo relacionado ao contexto histórico permitindo criação, no seio da escola.

Feitas as considerações, buscamos caracterizar uma boa prática com tecnologia, para tanto recorremos aos professores para compreender por meio de suas narrativas o papel da formação no âmbito dessas práticas.

A ESCUTA DOS PROFESSORES SOBRE SUA FORMAÇÃO NO CAMPO DAS TECNOLOGIAS DIGITAIS E EDUCAÇÃO ESCOLAR

Retomando o objetivo desse estudo que foi promover uma discussão acerca do papel da formação de professores enquanto mobilizadoras de boas práticas com tecnologias digitais, apresentamos os resultados a seguir.

Como forma de organizar a grande quantidade de dados brutos, buscou-se organizar um quadro que pudesse sintetizar a fala dos professores acerca de sua formação e o trabalho com tecnologias digitais.

Relativo à categoria formação docente tornou-se viável um número apreciável de inferências, entre as quais se destacam no quadro 3 e nos parágrafos abaixo.

Tabela 3 Categoria formação docente 

Categoria 1: formação docente
Subcategoria Unidade de registro
Formação inicial A formação no curso de graduação permitiu uma instrumentalização quanto ao uso pedagógico das mídias e a elaboração de planos de aula envolvendo o uso das tecnologias digitais.
A infraestrutura da universidade impossibilitou o acesso a experiências práticas com o uso dos artefatos digitais.
Formação continuada A Prefeitura do município de Londrina oferece uma formação continuada às professoras de laboratório de mídias e nas escolas onde não há laboratório é escolhido um professor que utiliza os artefatos digitais em suas práticas para participar.
A formação continuada da Prefeitura do município privilegia o contato direto e a vivência de situações pedagógicas com os artefatos digitais pelos professores.
A formação continuada da Prefeitura possibilita uma aproximação entre o potencial dos artefatos e seus usos pedagógicos.
A participação nos cursos de formação continuada possibilita ao professor explorar outro ambiente e com isso trocar experiências, conhecimentos e ideias com outros profissionais.
Além do contato direto com pessoas na formação continuada, há de se destacar as possibilidades de comunicação pela rede, do qual oportuniza o contato com pessoas de outras localidades e realidades, favorecendo a troca e ampliação da criatividade.
O curso presencial ofertado mensalmente pela prefeitura viabiliza a aprendizagem técnica de novas ferramentas.
A realização de uma pós-graduação por conta própria do professor, que entre os conteúdos discutiu tecnologia, oportunizou a base teórica para integração dos artefatos digitais na prática docente.
Existe uma “abertura” por parte da assessora (docente responsável pela formação e apoio ao uso das tecnologias digitais na educação do município) para auxiliar as necessidades dos docentes.
A formação continuada da prefeitura oportunizou novas percepções quanto ao uso exclusivo dos artefatos móveis e suas particularidades (técnicas e aplicativos) relacionadas ao uso didático.
O apoio da gerência do curso da prefeitura concebe apoio com relação ao conteúdo científico e a forma de explorá-lo com a potencialidade do digital.
Formação continuada enquanto abertura para novos estudos.
Devido ao número de participantes na formação continuada propiciada pela prefeitura e o tempo disposto para o curso, normalmente os encontros eram restritos à discussão teórica como suporte para a exploração dos equipamentos em si.
Estudo próprio Necessidade de atualização por meio de incessantes buscas pelo conhecimento.
Apoio em experiências de outros profissionais como embasamento à prática desenvolvida.

Fonte: Elaborado pelas autoras (2019).

O quadro acima teve o intuito de organizar as narrativas dos professores no sentido de identificarmos como estes concebiam sua atuação no âmbito dos usos das tecnologias, pois como se tratava de uma amostra intencional, era necessário que estes pudessem refletir acerca do que mobilizou tais práticas: a formação inicial na graduação, a formação continuada propiciada pelo órgão gestor a qual os professores estão vinculados ou ainda uma necessidade individual por meio do estudo próprio.

Conforme a Tabela 1, é possível ponderar que a formação inicial se constituiu como a base da prática de apenas uma das professoras que, na ausência da formação continuada mostrou-se pertinente para a integração dos artefatos digitais em sua prática:

As formações que eu tive foi no ‘curso de pedagogia, na graduação mesmo’, que tem a aula de tecnologia, e a prefeitura oferta alguns cursos, mas aí são para professores específicos. Faz um tempinho já (risos), fiz pedagogia na UEL, então assim, por ser algo do governo também é um pouco sucateado, então a gente ‘não tinha nas aulas, infelizmente não tinha acesso assim, um computador para cada professor’, não tinha toda essa tecnologia, e a universidade também não é toda tecnológica, preparada pra isso, tem-se a aula, é uma professora excelente, ‘ela explicou muito bem como usar, ela explicou bem as mídias que poderiam ser utilizadas, pediu para que a gente planejasse aulas que pudessem ser utilizadas as mídias, mas nem tudo a gente tinha acesso’ (P4).

Conforme o relato acima, P4, única professora que obteve aproximações com discussões sobre o uso didático das tecnologias digitais ainda na formação inicial, destacou que esse processo formativo permitiu uma instrumentalização quanto ao uso pedagógico das mídias e a vivência pela docente da elaboração de planos de ensino envolvendo o uso das tecnologias digitais. Entretanto, outras experiências de manuseio e contato direto com as tecnologias digitais no processo de formação não foram possíveis, pois a infraestrutura da universidade não atendeu a demanda de equipamentos para os alunos.

Segundo Moraes et.al (2015, p. 53), formações de professores voltadas para uso da tecnologia, não podem ser pensadas “[...] em cursos ofertados em pacotes fechados com fins imediatos e de forma aligeirada, nos quais os professores ficam apenas ouvindo, sem nenhuma participação, sendo que estes deveriam ser os mais atuantes.” Além do mais, apenas uma professora teve contato na graduação, mas não participou de cursos relativos à área ao longo da atuação profissional.

Apesar disso, a formação continuada recebeu pelas demais docentes a posição de fator preponderante para a aproximação entre o potencial dos artefatos e seus usos pedagógicos:

[...] eu acho que esses cursos que eu faço me ajudam muito (P1);

[...] na pós em gestão eu tive essa formação que foi mais teórica. Como era a distância, em todos os trabalhos você tinha que usar a ferramenta, a tecnologia, então, foi bem legal por causa disso [...] (P2);

[...] fiz a formação continuada fornecida pela prefeitura, foi ao longo do ano de 2017 [...] foi muito boa me ajudou bastante, porque essa formação me fez perceber maneiras mais dinâmicas de usar o tablet (P3);

[...] o curso me ofereceu um caminho, depois desse caminho eu explorei muito além do que o curso me deu (P5).

De acordo com Freitas (2009, p. 12), a formação inicial e continuada para atender as necessidades da contemporaneidade a qual requer outras formas de aprendizagem, em especial, aqueles referentes às tecnologias digitais, “[...] precisa instaurar a reflexão sobre o papel mediador do professor na preparação dos alunos para o pensar. Isso porque [...] as tecnologias digitais têm grande potencial a oferecer ao processo educativo, mas precisam ser balizadas por uma formação que assegure o entendimento e o uso pedagógico” (MORAES et. al, 2015, p. 54). Assim, apreendemos o potencial de transformação do pensar e agir docente quando submetidos a processos formativos que visam a aprendizagem e o desenvolvimento dos estudantes por meio da mediação docente.

Entretanto, com exceção de P2, a qual realizou uma formação continuada por conta própria na modalidade à distância em que as experiências e percepções geradas pelos conteúdos e atividades a instigaram para novas percepções em relação ao uso didático das tecnologias digitais. Tais momentos de formação (encontros mensais realizados pela equipe de Apoio Pedagógico em Tecnologias da Informação e Comunicação em Educação da Prefeitura Municipal) propiciaram embasamento teórico, apropriação dos saberes técnicos e didáticos relativos ao uso das tecnologias digitais em suas práticas:

[...] a gente tem formação continuada todo mês, a gente se encontra todo mês com a nossa gerência [...] da Secretaria da Educação [...] ela organiza para nós um curso, leva para nós novidades, ideias, trabalhos de outras pessoas para que a gente conheça. Leva outra gerência também, porque lá na secretaria é separado por área, então tem a área de matemática, área de português, área de história e geografia, então a gente vai trabalhando juntas, essa última formação que eu tive agora o mês passado foi com a matemática, então é muito interessante porque a gente fica conhecendo os jogos na internet que são dessa área, conhecendo trabalhos de outras pessoas que fizeram [...] (P1).

Eu fui para o “Londrina Mais” aí lá ‘o pessoal me chamou para fazer esse ano [2018] a formação [da prefeitura] [...] é uma vez no mês, quatro horas. Então a gente faz dentro de uma sala de informática [...] gente tem todo o recurso e faz a prática [...] o curso da prefeitura é presencial, [...] ela disponibiliza também textos para gente ler em casa, mas é mais presencial’ (P2).

[...] fiz a formação continuada fornecida pela prefeitura, foi ao longo do ano de 2017 (P3).

[...] eu tive todos os anos. Todos os cinco anos. São formações mensais, com assessores do município de tecnologia [...] a gente também tinha o apoio das assessoras pedagógicas da área de matemática, ciências, todo o mês tinha uma assessora diferente que ajudava dar esses cursos, então a gente acaba tendo essas formações. Era mensal, quatro horas mensais de formação presencial, com algumas atividades semipresenciais, mas eram bem poucas (P5).

Ao analisar a narrativa das professoras foi possível identificar que as vivências formativas propiciadas pela SME (Secretaria Municipal de Educação) ao professor em serviço foram significativas para as professoras entrevistadas.

Assim, como função singular do trabalho de assessoria pedagógica, a professora assessora situou o trabalho formativo direcionado aos docentes:

Londrina é uma rede muito grande, não é uma tarefa fácil, hoje a gente tem 87 escolas, 33 CMEIs. Então sempre eu procuro dar o maior enfoque do meu trabalho na formação dos professores, isso eu não abro mão, então a gente faz formações mensais, e também tento auxiliar mesmo individualmente nas dúvidas do que eles precisam, nas necessidades deles, fazendo visitas in lócus nas escolas, muitas vezes eles precisam, a gente vai até a escola, a gente faz um acompanhamento pedagógico, então a gente tem um número x de escolas que a gente acompanha, e daí a gente tenta acompanhar um pouco mais de perto o trabalho desse professor, e assim, a gente tenta principalmente a minha parte é a pedagógica, mas assim, a gente sabe que a tecnologia só com pedagógico não funciona, tem toda a parte de infraestrutura, toda parte de técnica, então assim, eu não cuido dessa parte, mas nas dificuldades que elas tem eu tento entrar em contato com DTI, que é nosso serviço, com o Ricardo que cuida de internet, então assim, elas me procuram também pra tentar ajudá-las na questão técnica, para tentar agilizar todos esses serviços, todos esses trabalhos (PA).

A formação concedida aos professores pertencentes à SME - segundo o documento norteador das formações As TIC como recurso mediador nos processos de ensino e de aprendizagem - é destinada a professores representantes de cada unidade escolar selecionados pela equipe gestora das escolas. Em sua maioria, são os professores dos laboratórios de mídias ou na ausência deste, um professor que utiliza os artefatos digitais em suas práticas ou tenha disponibilidade para cumprir um papel de facilitador, “[...] uma formação que eu ia passando para os meus colegas da escola que eu fui como facilitadora, eu ia representando a escola, voltava pra escola e ia desmembrando, então me ajudou bastante e foi me dando repertório para repercutir nessa prática” (P3). Desse modo, o professor facilitador tinha a função de constituir uma ponte entre a formação e a equipe docente de sua escola na socialização das discussões e práticas obtidas pelos cursos.

Conforme esse documento concebe-se um leque de possibilidades à integração das tecnologias digitais, “[...] mas o desafio está em repensar o papel do professor frente à tecnologia, devendo ser aquele que irá possibilitar a mediação do aluno com tais recursos de forma integrada e contextualizada" (LONDRINA, 2018, p. 4). Para tanto, com base nesse desafio, os cursos ofertados têm como objetivo:

[...] conhecer o potencial educacional oferecido pelos diversos recursos tecnológicos, sendo capaz de alternar adequadamente atividades habituais de ensino e aprendizagem e atividades que utilizam as diversas ferramentas tecnológicas. De modo que o uso da tecnologia não priorize exercícios mecânicos e repetitivos, transformando o computador ou tablet num caderno digital, mas sim, envolva os alunos em tarefas de ensino que exijam produções por partes dos mesmos (LONDRINA, 2018, p. 3).

Mediante o objetivo do documento expresso no trecho acima, observa-se aproximações com a realidade vivida pelas docentes participantes das formações, como demonstram os trechos das entrevistas:

[...] a gente entra no jogo, joga o jogo, comenta, faz um estudo, faz toda aquela parte de você entender o que você está pretendendo com aquilo para você vir para a escola e saber o que você pode usar com a criança pra que ela entre em contato com aquele conteúdo que ela está estudando (P1).

[...] os conteúdos eu fui aprendendo tirando ideias lá do curso de História e Geografia o modo de usar a tecnologia de uma maneira mais educadora de uma forma não só como uma ferramenta, mas fazer com que ele tivesse presente nas minhas aulas de uma maneira que as crianças aprendessem, o curso do tablet me ajudou muito, inclusive a pensar de maneira interdisciplinar, não levar o tablet pra ter aula de tablet, mas o tablet como auxiliar, o curso me ajudou muito (P3).

A partir das narrativas, fica evidente que as professoras vivenciaram momentos de contato, manuseio e produção de conhecimentos no decorrer dos encontros formativos. Segundo a entrevista concedida pela professora assessora, os conteúdos (Matemática, Língua Portuguesa, História, Geografia etc.) abordados são baseados nas necessidades dos professores. Para tanto, é realizada uma avaliação anual para a escolha dos conteúdos eleitos em maior número. Assim, como as formações são mensais, em um mês é priorizado o conteúdo, os professores estudam o conteúdo a ser ensinado aos alunos por uma assessoria responsável, e no encontro seguinte, vivenciam uma situação de exploração de uma ferramenta digital (que prioriza a produção do conhecimento pelo aluno) para ensinar o conteúdo estudado. Assim, os professores se aprofundam no conteúdo científico e, também, para o uso didático e pedagógico de uma ferramenta digital.

Com base nos relatos de P1, P2, P3 e P5 é possível inferir que as vivências formativas propiciadas pela formação continuada mobilizaram exploração por parte do professor de outro ambiente fora da escola. Nesse contexto, trocar experiências, conhecimentos e ideias com outros profissionais que desenvolvem o mesmo trabalho:

[...] a gente junto lá, a gente tem ideias mil, então uma conversa com a outra, a outra “aí, vou fazer assim!” “aí, eu queria fazer assado”, “aí, vamos fazer junto?”, então é muito rico! [nas formações] [...] sair da escola para fazer um curso, para conversar com outras pessoas, para ver o que as pessoas estão fazendo, entrar em contato com o trabalho de outras pessoas (P1).

[...] foi muito bom porque ela dividiu nesse ano quem tinha sala de multimídia e quem não tinha, eu fui no grupo de quem não tinha sala de multimídia, como eu nunca tinha feito curso assim eu ia fazendo algumas coisas por instinto e lá ela foi instrumentalizando como estruturar o plano de aula voltado para as tecnologias, porque eu ia fazendo as coisas mais voltado para a minha área incluindo a tecnologia, então ela foi dando dicas de como instalar programas em todos os tablets ao mesmo tempo (P3).

Observa-se que a troca de experiências e o estudo coletivo têm somado aspectos positivos aos docentes que participam dos encontros. Torna-se possível ponderar a relação mediadora entre formador, conteúdo e instrumento, como o tripé que garante a apropriação dos signos por parte desses docentes.

Mediante o trabalho supracitado, o apoio da gerência constitui um elemento fundamental para que os docentes façam uso pedagógico das tecnologias digitais:

Ela [gerência do curso] foi ajudando bastante, ela é uma pessoa muito acessível que apoiou muito, então quando eu precisava de alguma coisa: “quero um aplicativo para trabalhar tal coisa, realidade aumentada em ciências tem? Ela procurava um aplicativo e mandava pra mim... “Aí, preciso de um aplicativo para trabalhar translação e rotação não estou conseguindo”. Ela procurava e mandava pra gente [...] (P3).

Perante esses aspectos evidenciados pela participação das professoras, apreende-se o potencial instigado pelos cursos tanto nos relatos docentes quanto nas intencionalidades descritas pelo documento. A convergência da formação e a viabilidade no cotidiano escolar traduzida pelas práticas são contempladas pela concepção da equipe assessora que organiza as formações em apreender:

[...] as tecnologias como mais um instrumento mediador de aprendizagem, e ressalta o papel do professor, pois o processo de produção do conhecimento depende da mediação e intervenção do professor ao utilizar os diversos recursos em sala de aula de forma planejada, intencional e sistematizada. Ele é o responsável pela organização do ensino, pela dinâmica da aula, por estabelecer objetivos e também por avaliar e mediar todo o processo de ensino e aprendizagem, visando o protagonismo do aluno (LONDRINA, 2018, p. 10-11).

A partir do excerto acima, apreende-se que as tecnologias digitais são compreendidas como produções culturais que, a depender do seu uso no contexto escolar, vão além de uma simples substituição de tecnologias antigas, mas podem se constituir como ferramentas de pensamento e propiciar a aprendizagem dos estudantes (COOL; ONRUBIA, MONEREO, 2010. Para tanto, é primordial o significado de uma formação que possibilite ao professor clareza quanto as suas intencionalidades, que segundo Saviani (2013), concerne ao professor identificar elementos da cultura clássica que carecem ser apropriados pelos estudantes, ou seja, a seleção dos conteúdos. No entanto, também é fundamental a descoberta das formas adequadas para o desenvolvimento do trabalho pedagógico, trata-se da organização dos meios que o professor irá dispor para conseguir a apropriação do conhecimento escolar dos alunos.

O estudo de Schuhmacher; Filho e Schuhmacher (2017) considera verdadeira a hipótese de que a formação inicial é um dos mecanismos produtores de obstáculos no uso das TIC do licenciando ou, ainda, ela não oferece as condições necessárias para a superação de obstáculos já instalados. No mesmo estudo, os autores apontam que os cursos de formação de professores ainda não atuam no sentido de formar uma ambiência formativa capaz de dar da conta da dinamicidade da cultura digital e das singularidades dos estudantes, da escola e dos conteúdos.

Levando em conta os dados coletados e as observações do estudo citado no parágrafo anterior pode-se inferir que a formação continuada organizada a partir da necessidade dos professores a partir dos conteúdos, como foco em aplicativos específicos tenham um efeito mobilizador mais enfático que a formação inicial, por conferirem maior significado e sentido ao trabalho do professor.

Nesse sentido, a formação docente necessita da indissociação entre teoria e a prática, constituindo para Saviani (2013), um aspecto fundamental da formação de professores. Nesse contexto, há de se inferir também a necessidade de articulação entre competência técnica, a qual se refere ao domínio do conteúdo a ser ministrado, com a seleção apropriada das formas que podem viabilizar a aprendizagem, ou seja, a didática. O compromisso político é o que reflete aos interesses particulares do professor para com sua atividade pedagógica (SAVIANI, 2013). Em vista disso, tomando o trabalho educativo enquanto uma atividade consciente e orientada para o alcance de determinados fins, para além de criar produtos da sua atividade sobre o meio, o professor também forma suas capacidades e constrói conhecimentos, processo conceituado por Leontiev (1978, p. 96-97) como significação:

A significação é o reflexo da realidade independentemente da relação individual ou pessoal do homem. O homem encontra um sistema de significações pronto, elaborado historicamente, e apropria-se dele de tal modo como ele se apropria de um instrumento. O fato propriamente psicológico, o fato da minha vida, é que eu me aproprie ou não, que eu assimile ou não uma dada significação, em que grau eu a assimilo ou não uma dada significação, em que grau eu a assimilo e também o que ela se torna para mim, para minha personalidade, este último elemento depende do sentido subjetivo e pessoal que esta significação tenha para mim [...] O sentido consciente é criado pela relação objetiva que se reflete no cérebro do homem entre o que incita a agir (motivo) e aquilo para o qual a sua ação se orienta (o fim a atingir).

Assim, a aproximação entre o sentido e a significação no trabalho docente se torna atividade autorrealizadora na medida em que sua atuação promova emancipação humana. Por conseguinte, é relevante pensar o processo formativo do professor enquanto um processo de formação omnilateral3, em que este, ao acessar um artefato cultural, possa extrair dele todas as potencialidades humanas e de igual modo, transferir as apropriações à realidade educacional.

P2 mediante significação de sua prática com o blog, foi convidada a participar das formações da prefeitura, e segundo ela, tem utilizado desses saberes em longo prazo.

Instigadas pelas formações e pela necessidade de atualização por meio de incessantes buscas pelo conhecimento inerente ao trabalho pedagógico, P1 e P5 afirmaram:

[...] até pela internet [...] eu converso com gente de Curitiba, gente de São Paulo, eu conheci um trabalho de umas pessoas de Portugal então assim isso vai enriquecendo também, porque você tem a sua criatividade, mas você vê tudo o que está acontecendo, você vai fomentando essa criatividade né, vai mudando, vai aumentando o que você pretende, e eu falo que cada vez mais eu tô querendo coisa maior (P1).

[...] não só a formação que eu tive no curso, mas toda formação que eu fiz pós-curso, então o curso me ofereceu um caminho, depois desse caminho eu explorei muito além do que o curso me deu” (P5).

As docentes destacaram o estudo próprio como uma alternativa de apoio em outras experiências concretizadas para mais ideias de integração didática das tecnologias digitais, “[...] eu fui pesquisar, então assim, eu li artigo, eu li notícia, eu achei algumas experiências de professores no país que tinham levado em consideração aquilo [...]” (P5). Nesse aspecto, além do contato direto e pessoal com pessoas no decorrer da formação continuada, revelaram-se as possibilidades de comunicação pela rede, as quais oportunizam o contato com pessoas de outras localidades e realidades, favorecendo a troca e ampliação da criatividade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o intuito de promover uma discussão acerca do papel da formação de professores enquanto mobilizadoras de boas práticas com tecnologias digitais, foi possível apreender a relevância da formação em serviço como mobilizadora de boas práticas com esses artefatos.

Na tentativa de elucidar o papel da “formação docente” no desenvolvimento de práticas pedagógicas com as tecnologias digitais na Educação Básica pública, apreendeu-se que a formação continuada obteve um papel de destaque e propiciou transformações no processo de ensino das professoras, à medida que permitiram o acesso, a aprendizagem do conteúdo e da técnica,

contribuindo para a reflexões acerca da necessidade de reconfiguração das práticas na realidade escolar. As professoras são enfáticas ao mencionarem o estudo no decorrer da atuação profissional como preponderante para suas práticas com as tecnologias digitais. É notória a compreensão das profissionais acerca do uso das tecnologias para a aprendizagem do aluno, e não como um mero recurso de apoio as aulas do professor, intencionalidade que permeia as ações da gestão do município.

Embora nas formações analisadas una-se um preparo técnico e prático acerca dos usos de artefatos digitais e também do conteúdo científico a ser ensinado, foi possível ponderar a necessidade de uma maior ênfase nos aspectos teóricos que possam conciliar específicos sobre a abordagem histórico-cultural, para que os professores possam somar em suas práticas saberes e reflexões que os instrumentalizam na mediação do conhecimento pelo aluno.

A partir das sínteses expostas, foi possível ressaltar que a formação em serviço propiciada consistiu em um elemento fundamental para repensar as práticas de ensino com o uso de artefatos. Foi notória a visão das professoras quanto ao uso das tecnologias digitais enquanto ferramentas de aprendizagem, não restringindo os equipamentos como apoio ao processo de ensino, visão defendida e discutida pela gestão do município.

Assim, com base em Leontiev (1978) e Saviani (2013), o domínio do conteúdo a ser ensinado, a formação didática, pedagógica e as condições histórico-sociais do professor convergem para o delineamento de sentido e significado ao trabalho docente que podem ser atingidos por processos formativos orientados pelo propósito de humanização.

Embora as formações vivenciadas buscassem integrar o preparo instrumental e prático acerca das tecnologias na educação e também do conteúdo científico a ser ensinado, é possível ponderar a necessidade de conciliar na formação ofertada pela Secretaria de Educação Municipal à momentos de estudos específicos sobre a abordagem histórico-cultural (embora o município adote tal perspectiva teórica), para que os professores pudessem embasar suas práticas a partir de determinada teoria, mobilizando saberes e reflexões que os instrumentalizem na mediação do conhecimento pelo aluno e contribuam para a humanização do novo homem.

Dado o limite do presente texto, sem entrar em pormenores, em direção à reflexão sobre formação docente no âmbito das tecnologias, a presente pesquisa pretende contribuir para os estudos do campo, em uma perspectiva que permita repensar práticas e cenários de formação de professores no sentido de mostrar caminhos para o delineamento das demandas de formação dos professores.

3Formação que contemple o homem em todas as suas dimensões, em sua forma integral: “[...] a chegada do homem a uma totalidade de capacidades produtivas e, ao mesmo tempo, a uma totalidade de consumo e prazeres, em que se deve considerar sobretudo o gozo daqueles bens espirituais, além dos materiais, e dos quais o trabalhador tem estado excluído em consequência da divisão do trabalho” (MANACORDA, 2010, p. 96).

REFERÊNCIAS

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 1977. [ Links ]

COOL, César; MAURI, Teresa; ONRUBIA, Javier. A incorporação das tecnologias da informação e comunicação na educação: do projeto técnico-pedagógico às práticas de uso. In: COOL, César, MONEREO, Carles (org.). Psicologia da educação virtual: aprender e ensinar com as Tecnologias da Informação e da Comunicação. Porto Alegre: Artmed, 2010. p. 66-93. [ Links ]

DUARTE, Rosália. Entrevistas em pesquisas qualitativas. Educar, Curitiba, n. 24, Editora UFPR. p. 213-225, 2004. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/er/n24/n24a11.pdf . Acesso em 18 out. 2019. [ Links ]

FANTIN, Mônica, RIVOLTELLA, Pier Cesare. Cultura digital e escola: pesquisa e formação de professores. Campinas, São Paulo: Papirus, 2012. [ Links ]

FREITAS, Maria Teresa de Assunção. Janela sobre a utopia: computador e internet a partir do olhar da abordagem histórico-cultural. In: 32ª Reunião Anual da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação, 2009, Caxambu. Anais. Caxambu: ANPEd, 2009. p. 1-14. Disponível em: http://32reuniao.anped.org.br/arquivos/trabalhos/GT16-5857--Int.pdf. Acesso em 18 out. 2019. [ Links ]

KENSKI, Vani. A urgência de propostas inovadoras para a formação de professores para todos os níveis de ensino. Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v. 15, n. 45, p. 423-441, maio/ago. 2015. [ Links ]

LEONTIEV, Alexis. O homem e a cultura. In: O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Horizonte, 1978. p. 261-284. [ Links ]

LONDRINA, Secretaria Municipal de Educação. As TIC como recurso mediador nos processos de ensino e de aprendizagem. Londrina: Secretaria Municipal de Educação, 2018. [ Links ]

MANACORDA, Mario Alighiero. Marx e a pedagogia moderna. Tradução de Newton Ramos de Oliveira. 2. ed. revisada. Campinas: Alínea, 2010. [ Links ]

MEIRINHOS, Manuel. Os desafios educativos da geração Net. Revista Psicología y e Educación. Vol. extra n. 15, 2015. Disponível em: http://ojs.uem.br/ojs/index.php/TeorPratEduc/article/viewFile/15671/8499. Acesso em 18 out. 2019. [ Links ]

MELLO, Suely Amaral. A escola de Vygotsky. In: CARRARA, Kester (org.). Introdução à psicologia da educação: seis abordagens. São Paulo: Avercamp, 2004. [ Links ]

MORAES, Dirce Aparecida Foletto de; OLIVEIRA, Diene Eire de Mello Bortotti; BROIETTI, Fabiele Cristiane Dias; STANZANI, Enio de Lorena. O uso de tecnologias digitais por professores da escola básica: realidades do contexto educativo. Boletim Técnico do Senac. Rio de Janeiro, v. 41, n. 2, p. 48-63, maio/ago. 2015. [ Links ]

PEIXOTO, Joana; CARVALHO, Rose Mary Almas de. Mediação pedagógica midiatizada pelas tecnologias? 2011. Disponível em: http://ojs.uem.br/ojs/index.php/TeorPratEduc/article/viewFile/15671/8499. Acesso em 18 out. 2019. [ Links ]

SANTOS, Edmea. Pesquisa-formação na cibercultura. Santo Tirso, Portugal: Whitebooks, 2014. [ Links ]

SANTOS, Edmea. A cibercultura e a educação em tempos de mobilidade e redes sociais: conversando com os cotidianos. In: FONTOURA, Helena; SILVA, Marco (org.). Práticas pedagógicas, linguagem e mídias: desafios à Pós-graduação em Educação em suas múltiplas dimensões. Anped, Rio de Janeiro, 2011. Disponível em: http://www.educacao.ufrj.br/anpedinha2011/ebook1.pdf#page=75 . Acesso em 18 out. 2019. [ Links ]

SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 11. ed. re v. Campinas, São Paulo: Autores Associados, 2013, p. 10-20. [ Links ]

SCHUHMACHER, Vera. R. N.; ALVES FILHO, José. P.; SCHUHMACHER, Elcio. As barreiras da prática docente no uso das tecnologias de informação e comunicação. E. Ciênc. Educ., Bauru, v. 23, n. 3, p. 563-576, 2017. [ Links ]

SFORNI, Marta Sueli de Faria. Aprendizagem conceitual e organização do ensino: contribuições da teoria da atividade. 1. ed. Araraquara: JM Ed., 2004. [ Links ]

VIGOTSKY, Lev Semenovich. A formação social da mente. Tradução José Cipolla Neto, Luiz Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. [ Links ]

VIGOTSKY, Lev Semenovich. Construção do pensamento e da linguagem. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes , 2000. [ Links ]

VIGOTSKY, Lev Semenovich. Psicologia pedagógica. Tradução de Paulo Bezerra. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004. [ Links ]

VIGOTSKY, Lev Semenovich. Pensamento e linguagem. Tradução Jefferson Luiz Camargo. 3. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. [ Links ]

VIGOTSKY, Lev Semenovich; LURIA, Alexander Romanovich; LEONTIEV, Alex N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. Tradução de Maria da Pena Villalobos. 12. ed. São Paulo: Ícone, 2014. [ Links ]

ZANATTA, Beatriz Aparecida; BRITO; Maria Aparecida Candine de. Mediação pedagógica com uso das tecnologias digitais na educação. Educativa. Goiânia, v. 18, n. 1, jan./jun. 2015. [ Links ]

Recebido: Outubro de 2019; Aceito: Janeiro de 2020

E-mail:arianee.oliveira94@gmail.com

E-mail:diene.eire.mello@gmail.com

E-mail: sandrafranco26@hotmail.com

Ariane Xavier de Oliveira Professora dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental da Prefeitura de Cambé/PR E-mail: arianee.oliveira94@gmail.com ORCID: http://orcid.org/0000-0002-4768-5348Link Lattes: http://lattes.cnpq.br/8728457686612907

Diene Eire de Mello Professora do PPEDU-Universidade Estadual de Londrina (UEL). E-mail: diene.eire.mello@gmail.com ORCID: http://orcid.org/0000-0001-6048-8130Link Lattes: http://lattes.cnpq.br/9692207152022739

Sandra Aparecida Pires Franco Professora do PPEDU-Universidade Estadual de Londrina (UEL). E-mail: sandrafranco26@hotmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7205-744XLink Lattes: http://lattes.cnpq.br/4775777293922801

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons