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Revista Teias

versión impresa ISSN 1518-5370versión On-line ISSN 1982-0305

Revista Teias vol.21 no.60 Rio de Janeiro ene./mar 2020  Epub 21-Mayo-2020

https://doi.org/10.12957/teias.2020.48633 

Seção Temática

AUTONARRATIVA EPISTOLAR: um olhar sensível de um estrangeiro sobre o Brasil

EPISTOLARY SELF-NARRATIVE: a sensitive look from a foreigner about Brazil

AUTONARRATIVA EPISTOLAR: una mirada sensible de un extranjero sobre Brasil

1Doutor e Professor do Departamento de Didática da Universidade de Cádiz, Espanha.


Resumo

A trajetória das cartas na história é inegável. Existiram em todos os domínios da vida e constituíram parte do acervo pessoal e coletivo. A autonarrativa epistolar é mesmo um exercício de expressão onde o autor mostra parte de sua identidade. Com uma metodologia qualitativa a discussão e os resultados são veiculados fornecendo uma rede de conclusões que vêm nutrir o valor da comunicação; do fato comunicativo. Com este grupo de cinco cartas dão a conhecer uma parte do sentir do autor e onde a subjetividade adquire seu protagonismo. Estamos diante de egodocumentos abertos à leitura e à interpretação.

Palavras-chave: autonarrativa; educação; Brasil; pesquisa qualitativa

Abstract

The trajectory of the letters in history is undeniable. They have existed in all areas of life and have formed part of the personal and collective acquis. The epistolary self-narrative is an exercise in expression where the author shows part of his identity. With a qualitative methodology the discussion and results are seen by providing a network of conclusions that come to nurture the value of communication; of the communicative fact. With this group of five letters they make known a part of the author's feeling and where subjectivity takes on its prominence. We are before ego-documents open to reading and interpretation.

Keywords: self-narrative; education; Brazil; qualitative research

Resumen

La trayectoria de las cartas en la historia es innegable. Han existido en todos los ámbitos de la vida y han configurado parte del acervo personal y colectivo. La autonarrativa epistolar no deja de ser un ejercicio de expresión donde el autor muestra parte de su identidad. Con una metodología cualitativa la discusión y los resultados se vehiculizan proporcionando una red de conclusiones que vienen a nutrir el valor de la comunicación; del hecho comunicativo. Con este grupo de cinco cartas dan a conocer una parte del sentir del autor y donde la subjetividad adquiere su protagonismo. Estamos ante egodocumentos abiertos a la lectura y a la interpretación.

Palabras clave: autonarrativa; educación; Brasil; investigación cualitativa

Não é escritura neutral

(Roland Barthes, 2002)

INTRODUÇÃO

Há muitos anos, no passado dos egípcios, as cartas já eram um fenômeno da comunicação. Belas experiências escritas pelos escribas onde sabiamente davam lições a modo de ensinos, falando de comportamentos éticos, fatos sociais e condutas pro cívicas. Embora, as epístolas de São Paulo no novo testamento fossem mostras inevitáveis da sensibilidade e fé para a cristandade. Do mesmo jeito, os outros apóstolos também expressaram suas mensagens para as originárias comunidades cristãs. Inclusive, o epistolário já contava no pretérito grego com os grandes mestres. Estamos pensando em Horácio que com sua obra Arte poética que se ocupava em mostrar dotes didáticos em seu fazer literário-criativo. Neste sentido, dois elementos nos chamam a atenção: a) sua habilidade criativa e b) sua capacidade de associar ideias sempre com uma clara intenção comunicativa.

Outro referente da civilização romana foi Cícero, uma pessoa bem formada, de quem se destaca a obra Epistulae ad familiares (Cartas aos familiares) onde lutas políticas ou as preferências por literatos ou filósofos eram misturadas com narrações íntimas. Este é seu começo das epístolas ou cartas familiares tomo terceiro, livro nove: Ex his literis, quas Atticus a te missas mihi legit, quid ageres, et ubi esses, cognovi: quando autem te visuri essemus, nihil sane ex iisdem literis potui suspicari. In spem tamen venio, appropinquare tuum adventum: qui mihi utinam solatio sit. (CICERÓN, 1780: p. 4)1.

Em nosso caso, as cartas do Cícero são o motivo, em parte, de inspiração das nossas. Tal vez, podemos ressaltar quatro aspetos: a) de estilo, de fácil leitura. b) de destinatários, dirigidas a familiares (ou amigos). c) de conteúdos, vários alvos falando desde política a questões mais pessoais e d) de propósitos, ou seja, dar a compreender.

O nascimento das epístolas tinha umas intenções ligadas ao ensino. Cativar pessoas pelas palavras sempre teve grandes adeptos que ganharam ainda mais com a chegada do humanismo renascentista. As cartas daquela época não deixavam de lado às intenções didáticas, enquanto ganhavam em exigências formais podendo ser escritas em versos ou prosa. E sempre mantinham o propósito comunicativo. Consideremos também, o poeta Petrarca, com cartas com conteúdos políticos, de amores ou moral, mais sobretudo destacaríamos outras de corte autobiográficas. E aqui temos mais um autor que inspirou nossas cartas; agora por dois motivos: a) as intenções didáticas e b) a perspectiva autobiográfica.

Erasmo de Roterdã (na Holanda), Montesquieu (no contexto francês) ou Benito Pérez Galdós (na Espanha de finais do século XIX) seriam autores próprios para ser destacados. Suas obras em cartas tem um espaço para o reconhecimento nas letras universais. E o dramaturgo espanhol Fernando Arrabal (1973, p. 8) exiliado na França, fugindo do franquismo ingenuamente escreveu “Quizás haya una remota esperanza de que oiga: siendo niño me llevaron a un acto oficial que Vd. Presidia”. Mostrando o interesse do escrito epistolar que vira um documento, ou objeto, de estudo.

As cartas têm uma apresentação poliédrica. Seus perfis são diversos e seus resultados no leitor são ambíguos. As cartas, aliás, dum meio de comunicação são veículos de relações e emoções. As cartas não só devem ser lidas com a razão e tentar chegar a um fim compreensivo. Tem uma variante que passa por ser sentidas, já que estão comprometidas com o coração e as emoções. Não só foram escritas para ser lidas, foram escritas para ser sentidas.

As cartas têm uma vertente valente e abrangente. Valente, pois olha aos olhos do leitor e abrangente, já que pega a mão do leitor e faz seu percurso pelos sentidos e sentimentos olhando aos olhos. Uma leitura em ramo que se abre a outros horizontes, que encaminham a compreensão ao umbral do quem pretende a descoberta do sentido das coisas. O justo é traído pela razão e o fato do deleite de ler forma à justificativa de tentá-lo várias vezes até renunciar, pois o caminho da carta é ensinar sem demostrar, é debater sem combater. Então, torna-se uma experiência que vira de afetiva a efetiva, ou vice-versa. E, por isso, contribui à comunicação e à educativa. Segundo Traveset (2007, p. 32): “El gran objetivo de la educación debe ser la comunicación efectiva y afectiva”.

Escrever uma carta é, talvez, isso; um fato onde o autor fica nu mais está dentro da sua casa. Mais quando o escritor duma carta pensa em que outro vai ler seu escrito, possivelmente, saiba que vai adquirir uma nova dimensão. Quer dizer, transforma-se num objeto de estudo, num documento que já não lhe pertence em solitário. Agora forma parte do património dos outros. Provavelmente, esse mesmo autor pode estar agora vestido, ou continuar nu, mais na rua, na res publica.

Uma vez se compartilha a carta, esta adquire uma nova dimensão, mesmo assim porque sua leitura vai ser diferente, será interpretada e a subjetivação será outro novo elemento para a análise, disfrute ou compreensão. Cada receptor terá um possível nível de interpretação, será ativo no processo de leitura e sempre estará vinculado a um resultado segundo sua bagagem cultural ou situação anímica. Neste momento, o leitor adquire uma nova dimensão, não só interpretativa, senão podemos chegar a considerá-lo como um cocriador (INGARDEN, 1997, p. 60).

A carta como obra de criação literária e como um artefato de leitura, simplesmente, cobra vida nas mãos dos receptores. A imaginação recebe um novo encorajamento que via lhe permitir receber ou aceitar, disfrutar ou rejeitar, julgar ou esquecer. Assim, a carta forma parte do processo e da história criativa e literária do escritor e do leitor.

A METODOLOGIA E EPISTOLOGRAFIA

O método é o caminho. Um percurso que estamos convidados neste labor como pesquisadores qualitativos (BALLESTÍN e FÀBREGUES, 2019). Onde temos uma finalidade: analisar e compreender uma realidade, mais agora com um novo elemento: dar a compreender o valor das cartas. Já que a carta é um documento escrito para que os leitores possam entrar no universo pessoal do autor, ou vice-versa. Portanto, a pesquisa qualitativa tem grande relevância no estudo e compreensão dos fatos humanos, da criação humana, inclusive, a comunicação com as cartas.

Estamos convencidos que a investigação qualitativa “[...] ha llegado a la mayoría de edad” (FLICK, 2014, p. 19). Do mesmo jeito, que:

No se configura como un proceso lineal pues es necesaria la realimentación constante entre los pasos que la componen y de esta forma se hace necesaria la comunicación permanente entre el investigador y los participantes para aproximarse a la comprensión de sentidos y significados. (ARIAS-CARDONA, ALVARADO-SALGADO, 2015, p. 175).

Neste exercício de pesquisa a ética entra em jogo. Aliás, o objeto da carta e da autonarrativa são considerados elementos imprescindíveis. E sempre dentro dos parâmetros estabelecidos por Bruner (1988, p. 27) quando desejamos mostrar intenções humanas graça às cartas, a autonarrativa e as opiniões dos implicados na pesquisa. E agora estamos em disposição de chamar à comunicação epistolar no âmbito da pesquisa qualitativa como epistolografia.

Neste artigo vamos indagar sobre cinco cartas enviadas ao mesmo colega e amigo, da Espanha para o Brasil, em cinco momentos diferentes de nossas vidas. A pessoa implicada neste projeto de pesquisa conhece ao autor das cartas a nível professional e pessoal. Pelo que muitas ideias que aparecem nas cartas para ele podem ter um sentido maior do que, no princípio, pode parecer na escrita. Todas as cartas iam encabeçadas com o mesmo pensamento que será motivo de estudo do convidado a ler as cartas. E o feedback chegou através duma rede social.

A pesquisa será sobre um pensamento, não de nossa autoria, que ia (no encabeçamento) em cada uma das cartas e nosso interesse está em conhecer como o receptor interpreta este ditado dum político que tem muito elementos em comum com o autor das cartas. Neste sentido, procuramos analisar e compreender o testemunho carregado de subjetivação que viram valorações.

A epistolografia é a arte de escrever cartas. Uma maneira de conhecer e compreender emoções, sentimentos e ideias. A autonarrativa tem muito de “[...] relato retrospectivo en prosa que una persona real hace de su propia existência” (LEJEUNE, 1996, p. 14) sem esquecer sua personalidade e vida. Porém sejam notáveis as temáticas nas cinco cartas, inspiradas no uso do eu e com um grande grau de escritura subjetiva, já que pertence ao protagonista. Aliás, são autobiográficas, pois a narrativa compartilha a realidade vivida e escrita pelo autor. Contudo, nossa proposta epistolográfica é uma autonarrativa com um grande matiz autobiográfico.

AS CARTAS

Pensar. Caro amigo

Lembro quando conversávamos do Brasil. É lógico que cada pessoa tenha sua ideia. Mas eu nunca fui uma pessoa ligada as bandeiras. Acho que é o mais parecido que encontrei com bando ou banda. E não gosto muito disso. Acho que as bandeiras dividem, são fronteiras que, inclusive, transpassam a nossa mente. Encontrei muitas diferencia olhando pelo caleidoscópio multicor das bandeiras. Eu gostaria lembrar daquele dito de Vinicius de Moraes: Quando eu digo que sou o branco mais preto do Brasil, digo a verdade. Então sou, ou pelo menos gostaria dizer com voz alta, que sou o brasileiro que nasceu mais longe do Brasil. Longe do largo do Machado do Rio de Janeiro, da Avenida Cupecê de São Paulo ou da praia do Flamengo de Salvador. A diferença pode ser que você ama ao Brasil e eu aos brasileiros. A semelhança pode ser que você olha do Brasil para fora e eu de fora para os brasileiros. Sei que amamos a feijoada, o samba de roda ou o começo do romance Iracema de José de Alencar que diz Verdes mares bravios de minha terra natal, onde canta a jandaia nas frondes da carnaúba.... Sou um filho ausente ou ninguém duvidou de minha ausência. É lógico, quem? Quem teria dó de mim? Morei lá, mais sumi. Sabes disso. Nunca ocultei meu destino. Sou aquele que quando chegavam as cartas, eram levadas de volta com um grande carimbo que dizia: assente, com tinta verde ou preta. Era a cor dos Correios. Soaram tambores de mudanças políticas. Os governos brasileiros são instáveis. Quando estava ali conheci um feriado bancário. Despois tudo continuou igual. Acho que há mudanças muito sérias. Da ausência à essência. Mas algo me aproxima: chama-se Internet. Posso ler jornais do mundo tudo. Posso ter acesso à Folha de São Paulo, ao Globo. Mais não é igual, talvez, o mesmo, só isso.

Desculpa meu caro, esquecer-se da amizade também contém palavras de ausência. Caro amigo digo tudo isso em nome da amizade.

Sentir. Doce abraço

O tango diz algo como Volver... con la frente marchita / las nieves del tiempo platearon mi sien. / Sentir que es un soplo la vida, / que veinte años no es nada / que es febril la mirada / errante las sombras te busca y te nombra. / Vivir con el alma aferrada / a un dulce recuerdo, que llora otra vez. Creio que não precisa tradução. Vou te dizer palavras soltas que ligam com meu passado e o sentimento de voltar aos brasileiros, não tanto ao Brasil, ou vice-versa. Não sei exatamente o que eu quero. Passei exatamente vinte anos longe do Brasil, de vocês, dos engarrafamentos nas BR(s), das filas para pegar o trem ou o ônibus para Osasco ou da possibilidade de tomar banho no rio São Francisco, comer peixe e um suco bem gelado. Gosto da umbuzada e do sorvete de jaca. E agora com neves também passo o pente por meus cabelos. Já apenas lembrava do sabor do guaraná ou do cheiro de fumo daquele velhinho sentado à beira do mar. Agora olho para um lugar e outro. Sei lá eu. Sou estrangeiro? Falo enrolado e a galera ri de mim. Não fico bravo, pois é normal. Errante ou ausente... Agora não sei que dizer mais. Preciso do doce abraço da gente que gosto. Preciso viver con el alma aferrada, mas não enferrujada. E depois de vinte anos sou capaz de voltar, mais choro, não estou magoado. É pura alegria. Agora começo a lembrar das coisas que me faz bem. Estou disposto a voltar ao Brasil. Tenho vontade e força. Preparei minha mala ou, melhor dito, malas, já que vou com meus filhos e mulher. Estou preocupado pois me falam que há violência. Apenas caminhamos sozinhos pelas ruas. Tem gente que nos fala de futuros câmbios políticos. O governo vai sair logo. Será expulso. A fala é inglesa o estou escutando impeachment nas ruas, nas rádios e no parlamento.

Sentir doze doces abraços, não é mole. Gente... obrigado. Voltei ao Brasil. Agora sim.

Amar. Tô feliz

Avião, voo e aeroporto. Calor (nas ruas), calor (depois de comer mocotó) e calor (no sítio). Voltamos. Vamos para Petrolina e Juazeiro... Na metade, símbolo de dois estados... Unidas por uma ponte, duas cidades. Ali é concebida minha filha Brenda (seu nome significa guerreira, forte como uma espada). Sem passaporte, na barriga de sua mãe, voltaremos para Espanha. Antes vamos para o Sertão. Amo o Sertão, sou um sertanejo, ou não? Vamos para Salvador, voltamos para Recife... Que maravilha! E eu disse que vinte anos não é nada. Tudo uma vida, e com disse o bolero Estaría contigo / no me importa en qué forma / ni cómo, ni dónde, pero junto a ti. Não conheço outra forma que contar, quer dizer, cantar minhas mágoas. Esqueça não são amarguras. Tô feliz. E no Sertão junto a uns bons amigos e amigas, com outra canção, lembro-me dum momento de minha vida muito importante. Ali casei. Eu sou desses amantes à moda antiga... cantava Roberto Carlos. Também cantávamos Eu gosto de você. Eu gosto de ficar com você de Marisa Monte. Músicas de ontem, né? Músicas de outros tempos, para entender meu presente. Agora, passo tempo na Universidade. Conheço gente. Falamos e sou convidado a pesquisar junto a eles. São anos de muita produção acadêmica. Inclusive, sou convidado em várias ocasiões como palestrante no Brasil. Amei. Publiquei livros, artigos... Um sonho, uma realidade. Viajo com minha família e minha família brasileira. Brenda já nasceu. Um tesouro. Continuo sendo um estrangeiro que mergulha na brasileiridade. É o mais parecido que achei entre Brasil e realidade. Munda a política. São tempos duros. Que posso fazer? Na política. Dizem que tudo vai mudar completamente. A crise. De que crise você me fala? Mais se o Brasil, nosso Brasil, sempre está em crise. Não acredito na crise nem que vai sair dela. A crise para os brasileiros não é uma espécie de colapso, quer dizer anormalidade. Será que ajuda a viver o dia a dia? Existem conflitos. Ou será que tudo continua do mesmo jeito? Infelizmente, torna-se um aflito. Há gente que sofre. Eu corrijo e digo: vamos pra frente.

Escuto a Marisa Monte e Paulinho da viola, sofrimento de quem ama. Amo a música brasileira.

Da educação

Quanta responsabilidade é compartilhar a palavra educação? Inclusive desde a Universidade. Quanta dor no meu coração! Às vezes, não aguanto mais. Tento compreender, ler, olhar ao mundo, seguindo a Paulo Freire e não consigo olhar mais longe que o que alcança minha ignorância. Lembro ter falado com você, alguma vez na minha vida, de ausência. Agora digo ignorância. Não querer compreender certas realidades torna-me burro. A educação se escreve; diga-me, por favor, como? Olha isso, educa e ação ou educação. São duas coisas tão diferentes. Amigo brasileiro; sei lá. Agora estou confuso. Tinha tão claro meu papel na educação que não sei que fazer com aquela questão da ação. Acho que está implícita na mesma educação. Quer dizer, seria uma educa e (re)ação (lembre-se que multiplica por dois o sufixo ação). Então, agora temos: educação, educa e ação e, por último, educa e reação. Sem dúvida, a educação é proação, pro-social e pro- comunitária. Um dia quis definir o que significava educação. Pesquisei em livros especializados, escutei a grandes vozes da pedagogia. Não achei nenhuma convincente. Passei tempo demais lendo aos livros e não olhando a vida. Agora acho que a educação é tudo aquilo que presta para a vida. Por isso, vamos viver a vida com educação (educa e ação). Vamos, então, aceitar as mudanças políticas que estão acontecendo no mundo, também no Brasil e na Espanha. Será que como não prestam e, por isso, que não devem ser tomadas com educação. Não quero nem pensar no que pode vir. Não sou pessimista nem optimista. Realmente, não gosto muito das palavras que acabam em ista, tenho minha preferência pela palavra realidade. Mas temo aos oportunistas. Olha só, são os políticos os que estão nos convencendo que a realidade, aqui e agora, é uma ficção. Não sei que final vai ter o filme. Faria faltos um pagador de promessas ou um Antônio das Mortes.

É de má educação. Apenas tem falado do Brasil. Você sabe que não é isso. Só um pequeno descuido.

Possíveis rumos

Hoje acordei com a rádio no meu ouvido. As notícias davam a vitória ao homem (inominável). O samba saiu da emissora e entrou uma longa fala. Eu escutava pela rádio digital. Parei e foi para as redes sociais, não gostava dos comentários. O povo se mostra rompido. Achava que era augúrio de má agoureiros. Mas faz tempo que reparei que as cartas já não são mais em papel. São digitais. Meus colegas já não são só os conhecidos, agora estão nas redes sociais ou nas minhas redes de influência. Existe um saber social na Internet. Os pensadores estão nas telas. A crítica está na tela, a possível resistência está na tela. Na tela se escuda a multidão. Enquanto o homem, aquele que não posso dizer seu nome, chega ao poder. Certamente, o povo votou no homem e povo vai ter que botar o homem. Estamos mediados pelas redes digitais que organizam nossas vidas. Os rumos são outros. Antigamente, tinha claro qual ia ser meu rumo. Sair do Brasil. Agora fico nas redes digitais para não cair, para fugir, para levantar a voz, para dizer: Cadê a educação? Temos todo o dia medos ou estamos mediados? Olha bem, internauta! Duvida! Cogito ergo sum. Duvida então existes. Os movimentos sociais, acreditem; eles fazem falta. Poderia ser um reduto de existência e de (re)existência, de insistência e de assistência. Não de ausência ou inexistência. Veja: A educação, está. Os movimentos sociais, existem. A (re)existência, persiste. As redes digitais, estão disponíveis. Online, mesmo, permanece. Pensando, podemos e devemos saber os rumos que vamos tomar. Ou é que só eles vão decidir pela gente? Inclusive, faz falta a formação, até não ficar deformados. Pós-golpe, que? Que quis dizer com isso do golpe? E, com pós? O Brasil não deixou de ganhar golpes de acima, de baixo, de um lado e de outro. No fim de tudo, o Brasil, de novo, está em luta. Uma luta mediada que tem um monte de gente preparada para entrar na batalha. Agora, a pancadaria nas ruas não presta. Melhor nas redes digitais pois são globais. Falam de ubiquidade; duma educação conectada. Com pensamentos que são fluidos e invisíveis. Com uma educação que move ao e pelo mundo. Hoje não temos mais música, literatura, cinema ou teatro como antigamente... Só temos golpes, pancadas e batidas. Mais não sejamos pessimistas... Vamos pensar positivo. Vamos escrever cartas digitais, virtuais... Até com nossas mãos. Vamos amplificar nossas rações, pois estamos cheios de verdades com argumentos...

Prezado parceiro digital, daqui e de lá, só falta uma palavra para que tudo corra bem: Sedução.

CONSIDERAÇÕES ÀS CARTAS

Depois de uma revisão das cartas, todas de corte auto narrativo e compartilhadas, pensei em obter retorno dos resultados delas. Fiquei com a necessidade de saber quais poderiam ser as impressões destes documentos que tinham uma forte conotação pessoal com um de meus melhores colegas e amigos brasileiros. Ele, insistimos nesta ideia introdutória, conhece minha vida. De modo que nada foi novo para ele. Só que no começo das cinco cartas coloquei este pensamento atribuído a Fermín Salvochea (inspirado em Thomas PAINE, 2005), um político anarquista do século XIX do sul da Espanha (Cádiz): Mi patria es el mundo, mi religión hacer el bien, y mi familia la humanidad. Então, pedi que me enviassem por uma rede social opiniões de este pensamento.

O canal de circulação da mensagem, como já adiantei em outro parágrafo, foi uma rede social. O informante (ou respondente) é uma pessoa vinculada à vida pública, aos estudos universitários e à cotidianidade do Brasil. Sem dúvida que as apartações digitais, desde nossa rede social, são apresentadas desde o anonimato, para preservar ao autor. O tempo de recepção das notas foi um dia. E respondeu dando sua opinião sobre o pensamento do político espanhol. O informante conhecia as cartas, pois são de corte autobiográfico e conhece a vida do protagonista e, provavelmente, poderia achar conexões com o autor das cartas. De modo que e neste momento, os conteúdos das cartas não eram motivo da pesquisa; só o pensamento do anarquista. Segundo nosso informante foi:

Entendo que o autor busca transcender, romper com as fronteiras. Se sua pátria é o mundo ele se coloca na condição daquele que não tem Patrícia no sentido restrito do termo, mas adota a própria condição humana e terrena como referência para se identificar e se autodenominar. Do mesmo modo, no que diz respeito às religiões, o autor abdica de qualquer denominação ou crença para se deter no gesto de praticar a bondade como consequência e síntese desse desprendimento estrutural. O autor se coloca também fora do conceito convencional de família ao se identificar com a ideia de que a família que prevalece é a família como sinônimo de humanidade.

O informante sabe de minha sensibilidade apátrida. Não gosto de fronteiras nem bandos. Tal vez, porque conseguem vencer e não promovem a união dos povos e das pessoas. A bandeira está onde outros colocaram sua simbologia: imposição ou posições. A pessoa está onde se acha melhor para ela e para os demais. Romper com as fronteiras - não só as físicas, também as intelectuais ou afetivas - que delimitam o perfil geopolítico. Denominam as pessoas como estrangeiras, ou falam: você não é daqui, ou ele não é meu conterrâneo. Isto é um modo de exclusão. No ato de buscar está contido o percurso. O caminho não está fechado ou feito. É algo parecido com os versos de Antonio Machado: “[...] caminante no hay camino, se hace camino al andar”. (MACHADO, 1980)

Não pátria. Não há lugar que não sejam os sentimentos, com os pés sobre a terra. Lógico, tudo porque adopta a própria condição humana e terrena como referência para se identificar e se auto denominar. A condição humana é fundamental para entender o ser humano; para se denominar; não para

dominar. Esse pensamento é a chave do depoimento do informante e dos conteúdos das cartas. A religião não é caminho para encontrar Deus. O caminho está quando ficamos perto das pessoas. Crer, não significa só não ter dúvida; crer é, também, aceitar aos outros, tal como são ou sentem. Será aquilo que o informante fala como praticar a bondade. Vamos programa-lo realmente para nossas vidas!...

A família é um grupo humano, não se instala sobre os convencionalismos. A família é nossa humanidade. Nossa raça é a humana e nossos sentimentos são diversos. Só precisamos respeita-los... Absolutamente. Vamos olhar verticalmente para ter uma visão e compreensão horizontal. O informante fala de se colocar também fora, talvez, para não ter preconceito dos convencionalismos da família. A gente escolhe os amigos, nem sempre à família. Por isso, minha família e sinônimo de humanidade.

As redes sociais ou de influência (IMÍZCOZ BEUNZA, ARROYO RUIZ, 2011) foram uma vez mais um excelente elemento para ficar perto das pessoas. Teve as respostas quase imediatamente, e meu colega foi um foco epistemológico imprescindível para esta pesquisa. As cartas eram o veículo perfeito para viajar dum lugar para outro. As ideias eram de ida e volta, sem precisar de vistos. As ideias e os sentimentos, os pensamentos e os ditos navegam livremente dentro dum envelope ou por entre as redes digitais. O limite está na bagagem interpretativa dos colegas e amigos, dos pesquisadores e estudantes. Ninguém duvida das intenções das cartas, de seu valor e, inclusive, da carga afetiva delas. Era um salvo conduto que se abria passo entre tempos convulsos e ante um passado que sumia entre os anos inevitavelmente, entre as canas dos cabelos e entre as rugas na cara. O esquecido, agora pode sair à luz pública graça a este grupo de cinco cartas.

CONCLUSÕES ÀS CARTAS

A autonarrativa epistolar tentou, em todo momento, dar a conhecer uma parte do sentir do autor. Possuem uma grande carga de subjetividade. Aliás, tinha a intenção de interpretar sob o olhar interpretativo algumas realidades vividas e, também, dar a compreender certas emoções com um propósito didático. Tudo foi escrito com a finalidade de divulgar um ideário, muito arraigado ao autor, e apresentá-lo desde sua perspectiva. Mais com uma redação simples manteve a vontade de persuadir o leitor ou leitores. Um transcorrer de ideais que fluem promovendo o debate.

A autonarrativa foi uma proposta metodológica para poder contar a vida ou parte dela, escrita e descrita em primeira pessoa e contando com a opinião dum amigo e colega. Foi à maneira que melhor achamos para dar a compreender as dúvidas, experiências ou acontecimentos vividos; quer dizer, narrados.

Todo tem sido um pretexto para dar a conhecer e compreender. Um jogo entre fronteiras, dum lado a literatura, do outro a vida. Lá as cartas e cá o destinatário. Os quatros cantos deste ensaio de estilo ágil que presigue uma fundamentação sintética do assunto a desenvolver: compreender e dar a compreender. Dando sentido e significado (TAYLOR, BOGDAN, 1996). Um escrito livre com tons de ficção, onde os argumentos são mostrados mais não são, precisamente, demostrados. Existe um veemente convite à reflexão. A carta de corte autonarrativa tem sido o pretexto que temos encontrado para poder expressar sem grandes amarras os nossos pontos de vistas sobre determinadas realidades ou fatos. Um modo de pesquisar e refletir. O convite perfeito para que sejam os possíveis leitores os que coloquem o ponto final deste documento escrito; de nosso particular egodocumento.

Sem estar sujeito à rigidez da investigação quantitativa, aqui, a liberdade foi à fonte de inspiração, das ideias e das opiniões que aparecem nas cartas. Por isso, nossa tendência qualitativa, foi desenvolver um ensaio expositivo e assim o leitor lograr entender melhor o universo complexo do autor. Um exercício por informar e formar, sem esquecer as pretensões didáticas de dar a compreender tudo para a maioria dos leitores.

As cartas que foram escritas a partir das emoções, uma vez compartilhadas, pertencem, também, ao receptor. Uma escritura íntima, mais não privada, que pretende abrir mais interrogações do que fechar respostas. São egodocumentos abertos à leitura, à interpretação... ao disfrute de escrever e ler (GREYERZ, 2010). Quer dizer, estamos ante uma prática social para ser compartilhada; com uma grande presença da capacidade interpretativa do informante e dos leitores.

E, por último, todo o relatado nas cartas foi verdade.

Em Cádiz (Espanha), fevereiro e março de 2019,

quando a primavera vai chegar,

o sol esquenta só um pouco

e já há flores nos campos.

1Tradução: Pela carta que tem escrito a nosso amigo Ático, a qual ele leu para mim, sei onde está e qual é sua ocupação: porém não consigo entender pela mesma carta, para quando poderíamos nós ver. Embora, acredite que será em breve a sua vinda: a qualquer Deus que seja para meu consolo.

REFERÊNCIAS

ARIAS-CARDONA, Ana, ALVARADO-SALGADO, Sara. Investigación narrativa: apuesta metodológica para la construcción social de conocimientos científicos. p. 171-181. Revista CES Psicología, 8 (2), 2015. [ Links ]

ARRABAL, Fernando. Carta al General Franco. Barcelona: Granica, 1973. [ Links ]

BALLESTÍN, Beatriz, FÀBREGUES, Sergi. La práctica de la investigación cualitativa en ciencias sociales. Barcelona: UOC, 2019. [ Links ]

BRUNER, Jerome. Realidad mental, mundos posibles. Barcelona: Gedisa, 1988. [ Links ]

CICERÓN, Marco Tulio. Epistols o cartas de Marco Tulio Cicerón vulgarmente llamadas familiares. Valencia: Joseph y Thomas de Orga. 1780. Disponível em: http://bivaldi.gva.es/es/consulta/registro.cmd?id=3685 (texto em microfilme e em paralelo latim-espanhol). [ Links ]

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Recebido: Novembro de 2019; Aceito: Janeiro de 2020

E-mail:victor.amar@uca.es

Víctor Amar Doutor e Professor do Departamento de Didática da Universidade de Cádiz, Espanha. E-mail: victor.amar@uca.es ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9036-2651

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