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Revista Teias

versión impresa ISSN 1518-5370versión On-line ISSN 1982-0305

Revista Teias vol.21 no.61 Rio de Janeiro abr./jun 2020  Epub 08-Jun-2020

https://doi.org/10.12957/teias.2020.49562 

Desafios da educação na/da/para a Amazônia

A AMEAÇA “FANTASMA” DA PRIVATIZAÇÃO À EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA NA AMAZÔNIA PARAENSE1

THE PHANTON MENACE FROM PRIVATIZATION TO BASIC EDUCATION AT AMAZONIA PARAENSE

LA AMENAZA "FANTASMA" DE LA PRIVATIZACIÓN A LA EDUCACIÓN BÁSICA PÚBLICA EN LA AMAZONÍA PARAENSE

Fabrício Aarão Freire Carvalho1 
http://orcid.org/0000-0002-4753-2560

Andréa Barbosa Gouveia2 
http://orcid.org/0000-0002-8260-2720

1Programa de Pós-Graduação em Currículo e Gestão da Escola Básica (PPEB/NEB/UFPA)

2Universidade Federal do Paraná (UFPR)


Resumo

A pesquisa bibliográfica e documental teve por objetivo analisar o papel do Estado, a partir da lógica de financiamento proposta pelas novas regulamentações voltadas para a educação básica e seu efeito indutor no processo de mercantilização / privatização da educação pública paraense, no período de 2013 a 2018. Trata-se de pesquisa qualitativa sobre o arcabouço legal, voltado para a regulamentação da educação básica da Amazônia paraense, privilegiando os dados educacionais de oferta da educação básica e da execução orçamentária do Estado. A análise dos dados revelou tendências de encolhimento do setor público e de avanços do setor privado na oferta da educação básica, no acesso ao fundo público. O Estado desempenhou um papel importante viabilizando um conjunto de medidas legais que intensifica a lógica da racionalidade financeira para a educação, permitindo avanço “silencioso” do processo de privatização da educação básica, destinação de recursos financeiros públicos para a iniciativa privada e estabelecimento das parcerias público-privadas no estado.

Palavras chave: política educacional; educação básica; financiamento; mercantilização / privatização

Abstract

The bibliographic and documentary research aimed to analyze the role of the State from the logic of financing proposed by the new regulations aimed at Basic Education and its inducing effect in the process of mercartilization/privatization of public education in Pará from 2013 to 2018. A qualitative research about legal norms sustains the basic education regulation in Amazonia paraense, highlighting educational access data and data from State budget execution. The analysis of the data revealed trends of shrinkage in the public sector and advances in the private sector in the provision of basic education in accessing the public fund. The State played an important role in enabling a set of legal measures that intensified the logic of financial rationality for education, which has allowed the “silent” advance of the privatization process of basic education, the allocation of public financial resources for private initiative and establishment of public-private partnerships in the state.

Keywords: education policies; basic education; financing; mercantilization / privatization

Resumen

La investigación bibliográfica y documental tuvo como objetivo analizar el papel del Estado, basado en la lógica de financiamiento propuesta por las nuevas regulaciones dirigidas a la Educación Básica y su efecto inductor en el proceso de mercantilización/ privatización de la educación pública en Pará de 2013 a 2018. Esta es una investigación cualitativa del marco legal dirigido a la regulación de la educación básica en la región amazónica de Pará, privilegiando los datos educativos sobre la provisión de educación básica y la ejecución presupuestaria del Estado. El análisis de los datos reveló tendencias de contracción en el sector público y avances en el sector privado en la provisión de educación básica para acceder al fondo público. El Estado desempeñó un papel importante al permitir un conjunto de medidas legales que intensifica la lógica de la racionalidad financiera para la educación, permitiendo un avance "silencioso" en el proceso de privatización de la educación básica, la asignación de recursos financieros públicos para la iniciativa privada y el establecimiento de asociaciones públicas-privado en el estado.

Palabras clave: política educativa; educación básica; financiación; mercantilización / privatización

INTRODUÇÃO

Estudos recentes (SANTOS, 2014; SALVADOR, 2017; PERONI e SHEIBE, 2017; GARCIA, 2018; ADRIÃO, 2018) demonstram que a educação básica vem sendo assombrada pelo “fantasma” da mercantilização / privatização. Em que pesem as orientações legais e as tensões entre o Estado e o mercado nessa direção - estimular o processo de mercantilização / privatização - já datarem desde há muito tempo em âmbito internacional (SALVADOR, 2017) e, no Brasil, terem se intensificado a partir da década de 1990, este processo, dependendo do cenário político econômico e do processo de correlação de forças entre o público e o privado em âmbito nacional e nos diferentes estados da federação, manifesta-se de forma diferenciada, tanto em ritmo quanto em intensidade, nos sistemas de ensino da federação brasileira. Ainda que as normativas legais tenham validade para todo o Brasil, há adequação dos processos por parte dos governos subnacionais, distinções na atuação do setor privado, nas políticas e programas e nos impactos nas redes de ensino e nas escolas (ADRIÃO, 2018). Compreender e produzir evidências empíricas de como o processo de mercantilização / privatização da educação vem se dando no país, em cada ente federado, pode se converter em uma importante ferramenta de combate aos seus avanços.

O presente artigo sistematiza informações acerca de como este processo vem se desenvolvendo no estado do Pará, um dos importantes estados da Amazônia brasileira. Encontra-se organizado em seções, além desta introdução. A primeira apresenta um breve contexto acerca da importância do objeto e apresenta aspectos metodológicos da pesquisa realizada; a segunda apresenta informações de revisão bibliográfica acerca do tema investigado; a terceira seção apresenta uma análise da base legal de estímulo ao processo de privatização; a quarta apresenta os resultados do estudo e os avanços do processo de privatização da educação básica no contexto paraense/amazônico. Finalmente, apresenta as considerações finais e avanços do estudo para o tema investigado.

DO OBJETO, QUESTÃO DE INVESTIGAÇÃO, OBJETIVOS E ASPECTOS METODOLÓGICOS

Esta pesquisa tem como objeto de estudo o processo de privatização da educação básica no Pará, estado pertencente à Amazônia legal brasileira. O período analisado foi de 2013 a 2018, quando centraremos a análise deste processo, levando em conta apenas a dimensão da privatização da oferta educacional, a partir da análise das normativas legais aprovadas por este ente subnacional e dos dados de matrícula, número de estabelecimentos por dependência administrativa e informações de financiamento público do setor privado.

Segundo Peroni e Sheibe (2017), o processo de privatização acontece de várias formas - ocorre tanto por meio da oferta direta de serviços educacionais por instituições privadas, como também por meio de políticas em que o privado disputa o fundo público e o conteúdo das políticas públicas educacionais. Faz-se necessário compreender, mais especificamente, qual o papel do Estado e a lógica de financiamento proposta pelas novas regulamentações voltadas à educação básica e seu efeito determinante / indutor do processo de mercantilização e privatização da educação pública paraense - via acesso ao fundo público e ampliação da oferta pela rede privada.

Visando responder à questão apresentada, este estudo lança-se ao desafio de analisar o papel do Estado, a lógica de financiamento proposta pelas novas regulamentações voltadas para a educação básica e o seu efeito determinante / indutor no processo de mercantilização / privatização da educação pública paraense no período de 2013 a 2018. Para tanto, faz-se necessário: mapear os dispositivos legais nacionais e paraense voltados à educação básica em que, nos textos, seja apresentada indicação de parceria público / privado ou estímulos de acesso pelo setor privado ao fundo público; analisar os dados de oferta - matrícula e estabelecimentos de ensino - da educação básica, por dependência de ensino, com o foco voltado para a descrição do comportamento e tendências da rede pública e privada; investigar os gastos com a educação por função e subfunção e identificar as transferências de recursos do orçamento do estado para as entidades privadas.

A pesquisa foi realizada em duas etapas, quais sejam: a etapa de base bibliográfica, que permitiu estabelecer um diálogo com a literatura mais recente produzida sobre o tema da mercantilização / privatização da educação básica no Brasil (SANTOS, 2014; SALVADOR, 2017; PERONI e SHEIBE, 2017; GARCIA, 2018; ADRIÃO, 2018; e a etapa de base documental que esteve consubstanciada em documentos legais que definem elementos / estímulos para o processo de parceria público / privado na educação básica: Lei n. 8.897/1995; Lei n. 9.074/1995; Emenda Constitucional (EC) n. 19/1998; Lei n. 9.637/1998; a Lei n. 9.648/1998; a Lei n. 9.790/1999; Lei Complementar n. 101/2000; Lei n. 11.079/2004; Decreto federal n. 5.977/2006; Lei n. 12.101/2009; Lei n. 13.019/2014; Lei n. 13.204/2015; EC n. 95/2016; Lei n. 13.415/2017; Lei n. 13.429/2017; Lei n. 13.467/2017.

Na intenção de atingir os objetivos especificados, adotou-se o paradigma de pesquisa qualitativa, o que permitiu fazer uma investigação do fenômeno na dinâmica histórica em que o mesmo se manifesta. Para tal análise, a opção foi organizar e articular informações quantitativas (GAMBOA, 1995; OLIVEIRA, 2008) dos indicadores de acesso - dados de matrícula e estabelecimentos de ensino da rede pública e privada - e de financiamento da educação do estado durante o período de 2013 a 2018. Conforme sugerido por Fagnani (2007) e, considerando que quantidade e qualidade são elementos intrínsecos a quase todos os objetos e fenômenos educativos, para a análise dos dados financeiros da educação no estado do Pará, bem como das transferências de recursos para as entidades privadas do orçamento do estado, esta pesquisa considerou dois aspectos importantes: o destino dos recursos e a grandeza (montante) dos mesmos. A análise do primeiro permitiu identificar onde e em que, especificamente, foram gastos os recursos da educação. Quanto à grandeza (montante) ou magnitude dos gastos, permitiu esclarecer qual a situação dos gastos em educação e das transferências para o setor privado, em relação aos gastos do estado durante o período de 2013 a 2018. Para a análise dos dados financeiros no período de 2013 a 2018, estes dados foram corrigidos em relação à inflação. Para tanto, aplicou-se o deflator IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mesmo deflator proposto pela EC n. 95/2016, para corrigir os gastos do governo federal com educação por um período de 20 anos. O índice utilizado ano a ano foi calculado por meio de instrumento online denominado “Calculadora do cidadão” disponível no site do Banco Central.

As fontes de dados foram o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas em Educação (INEP - Censo Escolar), e a interface de dados do Laboratório de Dados Educacionais da Universidade Federal do Paraná / Universidade Federal de Goiás (UFPR/UFG) e o Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Educação (SIOPE).

DA REVISÃO DA LITERATURA ACERCA DO PROCESSO DE MERCANTILIZAÇÃO / PRIVATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA

Conforme evidenciado por estudos recentes (SANTOS, 2014; SALVADOR, 2017; PERONI e SHEIBE, 2017; GARCIA, 2018; ADRIÃO, 2018) a educação básica - além do ensino superior - vem sendo fortemente assombrada pelo “fantasma2” da mercantilização e privatização, tanto na estrutura da oferta quanto na organização da gestão - currículo, fornecimento de materiais - no âmbito dos diferentes sistemas de ensino. A diferenciação entre mercantilização - compreendida como “[...] transformação, no âmbito do capitalismo, de bens materiais e simbólicos em mercadoria. Na área da educação, consiste na transformação desse direito em um bem ou serviço que pode ser vendido / comprado segundo a lógica do mercado privado” (SALVADOR, 2017) - e privatização é importante neste contexto. Se mercantilização é este processo mais amplo de conversão de todos os bens sociais em mercadoria, a privatização, nos termos de Rikowski (2017, p. 399-400) pode assumir duas formas básicas: a “privatização clássica” ou “privatização direta”, que envolve a venda de ativos públicos diretamente para uma empresa, grupos de investidores e investidores individuais; e, a segunda forma de privatização, em que há a tomada de controle sobre a educação por parte das empresas / setor privado sem a transferência de propriedades dos ativos do setor público.

A história da educação brasileira sempre esteve permeada pela relação entre o público e o privado (VIZZOTTO, CORCETTI, PIEROZAN, 2017; SALVADOR, 2017). Contudo, foi depois da aprovação da Constituição Federal (CF 1988), e a partir da reforma de meados dos anos 1990, com a implementação do Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE), que o discurso oficial e a necessidade da incorporação dos princípios de gerência privada no espaço público, bem como as parcerias público-privadas na educação foram se intensificando (SANTOS, 2014).

A partir de então, durante os governos presidenciais de Fernando Henrique Cardoso (FHC, do PSDB - 1995 a 2002), foram criadas e aprovadas sete medidas legais que legitimaram a interlocução do poder público com o setor privado e permitiram o acesso ao fundo público pelos grupos econômicos da educação privada: a Lei n. 8.897/1995 que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no Art. 175 da CF; a Lei n. 9.074/1995 que estabeleceu normas para outorga e prorrogações das concessões e permissões de serviços públicos; a Emenda Constitucional (EC) n. 19/1998 que legalizou a relação entre os setores público e privado; a Lei n. 9.637/1998 que dispõe sobre a qualificação de entidades como organizações sociais; a criação do Programa Nacional de Publicização, a extinção dos órgãos e entidades que menciona e a absorção de suas atividades por organizações sociais; a Lei n. 9.648/1998 que alterou a Lei de Licitações e Contratos; a Lei n. 9.790/1999 que dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), bem como institui e disciplina o termo “parceria”; a Lei Complementar n. 101/2000 que regulamentou a EC n. 19/1998 e estabeleceu normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal.

Esse processo de construção das formas de regulação jurídica da parceria entre o setor público e o privado teve continuidade durante os governos Lula (2003 a 2011 - com a aprovação de três medidas legais) e os governos Dilma (2011 a 2016 - com a aprovação de duas medidas legais), sendo fortemente intensificado e estimulado durante o governo Temer (2016 a 2018) com a aprovação de quatro medidas legais que contribuem para o agravamento das tendências de mercantilização e privatização da educação no Brasil, tornando o Estado cada vez “menor” para as políticas sociais e “máximo” para o capital.

Preocupado com o avanço crescente das políticas de mercantilização e privatização da educação básica no Brasil e no mundo, a Internacional da Educação (IE), entidade à qual a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) é filiada, organizou um levantamento mundial acerca do assunto incluindo o Brasil. No país, a pesquisa foi coordenada por Evilásio Salvador e realizada em parceria com uma equipe de pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB).

A pesquisa teve por objetivo: analisar o número de matrículas e estabelecimentos da educação pública e privada no período de 2009 a 2013; investigar os orçamentos públicos federal e estaduais e dos componentes de privatização dos gastos orçamentários em educação, identificando e mensurando formas de financiamento direto e indireto da educação privada no país. Em síntese, o estudo revelou que “[...] as matrículas na educação básica apresentaram tendência de queda no período considerado. No período de 2009 a 2013, houve queda de 4,8% em matrículas, passando de 52,5 milhões de estudantes para 50 milhões” (SALVADOR, 2017, p. 17). Contudo, quando considerados os dados por dependência administrativa pública e privada, enquanto a matrícula pública teve redução de 8,5% (-3.838.294) a rede privada cresceu 17,8% (1.300.290). O detalhamento desses dados, no período analisado, revelou crescimento apenas da rede federal (33,6%) e da rede privada (17,8%) no atendimento à educação básica; e queda nas redes estadual (queda de 2,8 milhões de matrículas) e municipal (queda de 1,1 milhão) de ensino (SALVADOR, 2017, p. 18). No que se refere ao número de estabelecimentos públicos e privados, enquanto a rede estadual registrou redução de 1.546 estabelecimentos (-4,7%), a rede municipal fechou outros 8.565 estabelecimentos (-6,6%); a federal apresentou crescimento de 212 estabelecimentos e a privada de 3.137 novos estabelecimentos de educação (+8,8%) (SALVADOR, 2017, p. 39).

De acordo com a pesquisa, os dados de matrícula e estabelecimentos coletados e analisados confirmam

[...] tendência de avanços da mercantilização e privatização na educação básica do país. Fenômeno silencioso, encoberto pela forte expansão da matrícula privada no ensino superior, mas também extremamente comprometedor do direito à educação e da educação pública como bem público inalienável (SALVADOR, 2017, p. 72).

A mesma tendência também foi observada no que se refere à transferência de recursos orçamentários diretos para o setor privado, mais especificamente as transferências realizadas para instituições privadas sem fins lucrativos:

[...] as transferências para o setor privado educacional evoluíram de R$1.212.976.675,32 (2010) para R$1.606.075.932,61 (2014), isto é, um crescimento real de 32,41%, acima da inflação e com comportamento superior aos gastos totais com educação dessas UFs, que cresceram 12,08% [...]. Isso é uma clara indicação que vem aumentando, do ponto vista orçamentário, a transferência de recursos públicos para o setor privado em um ritmo maior (2,68 vezes) que o crescimento dos gastos diretos do governo nas despesas correntes, provavelmente de custeio (SALVADOR, 2017, p. 105).

Adrião (2018), em estudo recente acerca da privatização da educação básica no Brasil, realizado a partir de mapeamento das produções nacionais e internacionais, destacou três dimensões sob as quais podemos perceber os efeitos do processo de privatização da educação básica: na oferta educacional; na gestão da educação; e no currículo, quando os argumentos da autora revelam a complexidade do processo. Neste estudo centraremos a análise no processo paraense, levando em conta apenas a dimensão da privatização da oferta educacional, a partir da análise das normativas legais aprovadas por este ente subnacional; dos dados de matrícula e número de estabelecimentos por dependência administrativa; e das informações de financiamento público direto ao setor privado.

DO LEVANTAMENTO DA BASE LEGAL PARAENSE QUE ESTIMULA O PROCESSO DE MERCANTILIZAÇÃO / PRIVATIZAÇÃO

Conforme já sinalizado neste artigo, a partir de meados da década de 1990, durante o governo FHC, foram criadas e aprovadas medidas legais que legitimaram a interlocução do poder público com o setor privado e permitiram o acesso ao fundo público pelos grupos econômicos da educação privada. O processo de reforma do Estado implementado a partir de então permitiu uma série de medidas, como a flexibilização e estímulo à entrada de capital estrangeiro, corte de gastos públicos e abertura comercial. O período de governos progressistas na coalização encabeçada pelo Partido dos Trabalhadores, ainda que não tenha interrompido o processo, diminuiu o ritmo e a intensidade, podendo-se observar “[...] uma tendência de fortalecimento do estado”, mesmo sem “[...] impor limites à privatização por meio de dispositivos legais e acabou consagrando o repasse de recursos públicos às instituições privadas” (SALVADOR, 2017, p. 73).

Após a posse de Michel Temer na Presidência da República em 2016, em decorrência de um golpe de Estado, retoma-se o ritmo intenso e aprova-se um conjunto de iniciativas que caminham no sentido de estimular a relação público-privada e cortar direitos dos trabalhadores brasileiros. Segundo Salvador (2017, p. 82):

[...] Os cenários que se apresentam no horizonte, a partir da posse de Temer, é de um agravamento das tendências de mercantilização e privatização da educação no Brasil [...] A Emenda Constitucional n° 95/2016 inviabiliza a vinculação dos recursos a políticas sociais nos moldes desenhados pela Constituição, ao congelar por 20 anos as chamadas despesas primárias do governo. De fato, a forte redução dos gastos correntes determinados pela Emenda não apenas fragiliza sobremaneira as políticas sociais como compromete a própria capacidade do Estado de implementar programas e ações em prol do desenvolvimento. Por outro lado, não foi fixado limite algum para despesas com o pagamento de juros da dívida pública, o que demonstra de forma inequívoca a opção em privilegiar o capital em detrimento da classe trabalhadora.

Foi uma medida que, em síntese, estimula a subordinação formal e concreta do setor educacional ao setor privado, com fins de lucro. Empreende todo um esforço no sentido de naturalizar3 as regras de mercado para o setor da educação e, neste sentido, o Estado capitalista vem cumprindo um papel importante.

No estado do Pará, ao longo do período de 2004 a 2018, sob os três mandatos de Simão Jatene (PSDB - 2003 a 2006; 2011 a 2014 e 2015 a 2018), foram criadas e aprovadas medidas legais que legitimaram a interlocução do poder público com o setor privado, conforme pode ser observado na Tabela 1, a seguir:

Tabela 1 Base legal que estimula o processo de mercantilização / privatização - Pará - 2004 a 2018 

GOVERNO, PARTIDO LEGISLAÇÃO EFEITO INDUTOR MERCANTILIZAÇÃO/PRIVATIZAÇÃO
Simão Jatene (PSDB) Decreto estadual n. 5.385 de 4 de março de 2005 Institui o Comitê Gestor de Parceria Público-Privada Federal (CGP) e dá outras providências.
Simão Jatene (PSDB) Lei estadual n. 7.649 de 24 de julho de 2012 Dispõe sobre normas de licitação e contratação de Parcerias Público-Privadas (PPP) no âmbito do Estado do Pará e dá outras providências
Simão Jatene (PSDB) Decreto n. 694 de 26 de março de 2013 Institui o Comitê de Governança Estadual e os Comitês de Governança Regionais do Pacto Pela Educação do Pará, e dá outras providências (revogado pelo Decreto n. 792 de 1 de junho de 2013)
Simão Jatene (PSDB) Decreto n. 695 de 26 de março de 2013 Estabelece critérios para o exercício das funções de Diretores e vice- diretores das escolas da rede Estadual de Educação de ensino a serem adotadas pela secretaria de Estado de educação e dá outras providências
Simão Jatene (PSDB) Decreto estadual n. 713, de 1º de abril de 2013 Institui o Programa de Parcerias Público-Privadas (PPP/PA) e regulamenta o Conselho Gestor de Parcerias Público-Privadas do Estado do Pará (CGP/PA), para a gestão dos contratos e procedimentos necessários para a contratação de Parcerias Público- Privadas no âmbito da Administração Pública do Estado do Pará, criado pela Lei Estadual n. 7.649, de 24 de julho de 2012.
Simão Jatene (PSDB) Decreto n. 792 de 1 de junho de 2013 Altera o Decreto n. 694, de 26 de março de 2013 que trata do Comitê de Governança Estadual e os Comitês de Governança Regionais do Pacto Pela Educação do Pará (revogado pelo Decreto n. 1.249, de 20 de março de 2015)
Simão Jatene (PSDB) Resolução n. 01, de 19 de junho 2013 (CGP/PA) Aprova o Regimento Interno do Conselho Gestor de Parcerias Público-Privadas do Estado do Pará (CGP/PA)
Simão Jatene (PSDB) Decreto n. 795, de 15 de julho de 2013 Homologa o Regimento Interno do Conselho Gestor de Parcerias Público-Privadas do Estado do Pará (CGP/PA)
Simão Jatene (PSDB) Decreto n. 1.249, de 20 de março de 2015 Institui e disciplina o Sistema de Governança Estadual do Pacto pela Educação do Pará, e dá outras providências.
Simão Jatene (PSDB) Lei n. 8.231 de 14 de julho de 2015 Altera dispositivo da Lei n. 7.649, de 24 de julho de 2012, que dispõe sobre normas de licitação e contratação de Parcerias Público- Privadas (PPP) no âmbito do Estado do Pará e dá outras providências
Simão Jatene (PSDB) Decreto n. 1.428, de 10 de novembro de 2015 Altera o Decreto n. 713, de 1º de abril de 2013, que institui o Programa de Parcerias Público-Privadas (PPP/PA) e regulamenta o Conselho Gestor de Parcerias Público-Privadas do Estado do Pará (CGP/PA), para a gestão dos contratos e procedimentos necessários para a contratação de Parcerias Público-Privadas no âmbito da Administração Pública do Estado do Pará, criado pela Lei Estadual
n. 7.649, de 24 de julho de 2012

Fonte: Legislações Estaduais e Vale (2017).

O arcabouço legal aprovado durante o período forneceu as regulamentações necessárias para que a Secretaria de Estado de Educação do Pará (SEDUC-PA) iniciasse o estabelecimento de parcerias com várias instituições do setor privado, tais como:

[...] Instituto Natura, Instituto Airton Sena, Instituto Unibanco, Fundação Roberto Marinho, entre outros que se têm feito presentes na educação pública brasileira e paraense, estas têm marcadamente seu interesse em apropriar-se do público e instituir uma lógica privatista, ou seja, de educação como um produto / um serviço e não como um direito de todos (OLIVEIRA, 2017, p. 64).

A concretização dessas parcerias vem ocorrendo com o estabelecimento de convênios, programas4, projetos e com a criação de um “Pacto pela Educação no Pará”, lançado em 26 de março de 2013 e efetivado por meio do Programa de Melhoria da Qualidade e Expansão da Cobertura da Educação Básica no Pará (PMQEEB/PA), sob o contrato N. 2.933/OC-BR (BR- L1327) assinado em 16 de dezembro de 2013, com apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Conforme o site5 do BID, com o pacto busca-se:

[...] a melhoria da qualidade da educação básica do Estado, a partir de ações voltadas para a qualidade do ensino e capacitação de professores, aperfeiçoamento do currículo e infraestrutura escolar. O programa inova ao compartilhar as iniciativas com diferentes níveis de governo, setor privado e a sociedade civil, por meio de parcerias articuladas pelo BID, que, junto à Secretaria de Estado da Educação (SEDUC), apoiou a preparação das políticas e estratégias para definir o pacto. (BID, 2013, s. p.)

Ainda segundo o mesmo site, além do apoio de articulação, o Banco prepara uma operação com o estado no “[...] valor de US$ 200 milhões para expandir a cobertura do ensino e alavancar as atividades. A operação terá o aporte de US$ 150 milhões de contrapartida do Estado, totalizando investimentos de US$ 350 milhões” (BID, 2013, s. p.).

DO PROCESSO DE MERCANTILIZAÇÃO/PRIVATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PARAENSE

Da análise dos dados de oferta da educação básica

Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB n. 9.394/1996), a educação básica brasileira pode ser ofertada por instituições escolares públicas ou privadas (BRASIL, 1996, Art. 19). As mantidas pelo Poder Público podem ser: Federal, quando vinculadas à esfera da União; Estadual, quando sob responsabilidade direta do Estado; ou Municipal, quando sob responsabilidade direta do Município. Todas as instituições escolares vinculadas a estas diferentes dependências administrativas são financiadas pelo Estado, e não cobram matrícula ou mensalidade. Já as instituições escolares privadas são administradas por pessoas físicas ou jurídicas de direito privado, com ou sem finalidade de lucro (BRASIL, 1996, Art. 19, inciso II). As instituições privadas de ensino se enquadrarão nas seguintes categorias:

[...] I - particulares em sentido estrito, assim entendidas as que são instituídas e mantidas por uma ou mais pessoas físicas ou jurídicas de direito privado que não apresentem as características dos incisos abaixo; II - comunitárias, assim entendidas as que são instituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas, inclusive cooperativas educacionais, sem fins lucrativos, que incluam na sua entidade mantenedora representantes da comunidade; III - confessionais, assim entendidas as que são instituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas que atendem a orientação confessional e ideologia específicas e ao disposto no inciso anterior; IV - filantrópicas, na forma da lei. (BRASIL, 1996, Art. 20)

As instituições privadas com fins lucrativos são aquelas mantidas por ente privado; são as instituições particulares em sentido estrito. As instituições privadas sem fins lucrativos são mantidas por ente privado e podem ser confessionais, comunitárias ou filantrópicas.

No Censo Escolar, os dados referentes às escolas privadas são classificados em: privada conveniada; privada não conveniada sem fins lucrativos; e privada não conveniada com fins lucrativos. De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), as escolas privadas conveniadas são aquelas que possuem:

[...] Acordo celebrado entre poder público e entidades privadas para a realização de objetivos de interesse comum, mediante mútua colaboração. O convênio pode compreender acordo de cooperação técnica, repasse de recursos, prestação de serviços, entre outros. O convênio tratado neste documento é o realizado entre entidade pública - secretaria de educação estadual ou municipal - e entidade privada sem fins lucrativos, com vistas a descentralizar a execução de programa ou projeto na área educacional, com duração definida. Suas regras são disciplinadas no art. 116 da Lei n° 8.666/1993, que institui normas para licitações e contratos da administração pública (INEP, 2019, p. 63).

Os dados aqui apresentados têm como objetivo entender o processo de avanço da rede privada de ensino na oferta da educação básica no estado do Pará quando comparada com a ofertada pela rede pública. A Tabela 2, a seguir, apresenta dados de matrícula da educação básica por dependência administrativa no estado do Pará.

Tabela 2 Número de matrículas da educação básica por dependência administrativa (federal, estadual, municipal, privada) - Pará, 2013 a 2018 

Anos
2013/2018
Dependência Administrativa
Total Federal Estadual Municipal Privada % Mat.
Privada
2013 2.429.880 9.395 644.222 1.551.404 224.759 9,25
2014 2.414.952 8.955 632.309 1.536.890 236.798 9,81
2015 2.375.563 11.005 621.106 1.509.903 233.549 9,83
2016 2.353.582 11.302 611.508 1.498.132 232.640 9,88
2017 2.339.648 12.049 589.280 1.507.319 231.000 9,87
2018 2.328.439 14.040 584.949 1.495.468 233.982 10,05
% -4,17 49,44 -9,20 -3,61 4,10  

Fonte: Elaborado pelo Laboratório de Dados Educacionais/UFPR a partir dos microdados do Censo Escolar / INEP

O movimento da matrícula no período de 2013 a 2018 revela redução de -4,17% do total de matrículas; redução das matrículas na rede municipal (-3,61%); queda acentuada das matrículas da rede estadual (-9,20%); e crescimento da rede privada na casa dos 4%.

Ao analisarmos os dados de matrícula da rede privada de ensino da educação básica por etapa e modalidade de ensino no estado do Pará, percebemos que há variações entre as etapas e modalidades no incremento do setor privado:

Tabela 3 Número de matrículas da educação básica por etapas e modalidades de ensino na rede privada (privada conveniada, privada não conveniada sem fins lucrativos, privada não conveniada com fins lucrativos) - Pará, 2013 a 2018 

Anos
2013/2018
Etapas e Modalidades de Ensino
Creche Pré-Escola EF EM EJA Ed
Profissional
2013 8.118 30.158 125.253 34.005 11.187 16.038
2014 8.353 31.139 127.929 34.885 14.559 19.446
2015 8.801 28.598 128.158 35.780 13.384 18.828
2016 8.869 27.356 130.895 35.083 14.698 15.739
2017 10.307 27.917 126.888 33.059 14.809 18.020
2018 10.219 28.640 128.005 29.773 17.274 20.071
% 25,88 -5,03 2,20 -12,45 54,41 25,15

Fonte: Elaborado pelo Laboratório de Dados Educacionais/UFPR a partir dos microdados do Censo Escolar / INEP

No estado do Pará, a rede privada de ensino apresenta tendência de crescimento, ou seja, amplia sua atuação no atendimento à creche em 25,88%; ao ensino fundamental em 2,20%; apresenta aumento expressivo no atendimento à EJA de 54,41%; e no atendimento à educação profissional 25,15%. Apenas registrou queda no atendimento da pré-escola (-5,03%) e no ensino médio (-12,45%).

Ao centrarmos nosso olhar para o atendimento às matrículas da educação básica realizado pela rede privada de ensino, nos diferentes tipos de instituição no Pará (privada conveniada, privada não conveniada sem fins lucrativos e privada não conveniada com fins lucrativos), vamos perceber que as matrículas privadas conveniadas registram quedas elevadas no atendimento do ensino fundamental (-86,74%); do ensino médio (-89,52%); do atendimento à EJA (-82,16%); e no atendimento à educação profissional (-98,51). Apenas houve crescimento no atendimento à creche (37,68%) e à pré-escola (7,69%). Cabe lembrar que neste período o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) aceitou a inclusão das matrículas conveniadas entre os fatores de ponderação no cálculo para distribuição da receita.

Tabela 4 Número de matrículas da educação básica por etapas e modalidades de ensino rede privada (privada conveniada) - Pará, 2013 a 2018 

Anos
2013/2018
Etapas e Modalidades de Ensino
Creche Pré-Escola EF EM EJA Ed
Profissional
2013 1.059 2.355 10.174 3.626 1.312 1.678
2014 962 2.767 12.046 3.952 2.287 3.326
2015 789 2.258 10.075 3.558 3.342 1.400
2016 628 1.696 7.405 1.658 1.850 411
2017 491 1.424 5.840 1.316 1.458 299
2018 1.458 2.536 1.349 380 234 25
% 37,68 7,69 -86,74 -89,52 -82,16 -98,51

Fonte: Elaborado pelo Laboratório de Dados Educacionais/UFPR a partir dos microdados do Censo Escolar / INEP

Quando voltamos o nosso olhar para as matrículas da educação básica por etapas e modalidades de ensino da rede privada não conveniada sem fins lucrativos, percebemos que as matrículas nas instituições privadas sem fins lucrativos tiveram tendência completamente oposta à apresentada pelas matrículas privadas conveniadas. Registraram crescimentos expressivos e, o que chama a atenção, o crescimento se deu em quase todas as etapas e modalidades de ensino durante o período analisado.

Tabela 5 Número de matrículas da educação básica por etapas e modalidades de ensino rede privada (privada não conveniada sem fins lucrativos) - Pará, 2013 a 2018 

Anos
2013/2018
Etapas e Modalidades de Ensino
Creche Pré-Escola EF EM EJA Ed
Profissional
2013 405 869 8.613 3.072 289 14
2014 451 1.033 8.330 2.934 295 13
2015 530 1.221 9.255 3.442 459 24
2016 498 1.194 10.255 4.126 751 297
2017 496 1.207 10.125 3.823 453 176
2018 756 2.037 12.971 3.482 608 216
% 86,67 134,40 50,60 13,35 110,38 1.442,86

Fonte: Elaborado pelo Laboratório de Dados Educacionais/UFPR a partir dos microdados do Censo Escolar / INEP

Quanto às matrículas da educação básica por etapas e modalidades de ensino na rede privada não conveniada com fins lucrativos, no estado do Pará, a Tabela 6, a seguir, revelou que na rede privada não conveniada com fins lucrativos também houve crescimento registrado na creche (20,30%); no ensino fundamental (6,78%); na EJA (71,42%); e nas matrículas da educação profissional, que cresceu 38,23%. Houve registro de queda somente nas matrículas da pré-escola (-25,50%) e do ensino médio (-5,11%).

Tabela 6 Número de matrículas da educação básica por etapas e modalidades de ensino rede privada (privada não conveniada com fins lucrativos) - Pará, 2013 a 2018 

Anos
2013/2018
Etapas e Modalidades de Ensino
Creche Pré-Escola EF EM EJA Ed
Profissional
2013 6.654 26.934 106.466 27.307 9.586 14.346
2014 6.940 27.339 107.553 27.999 12.464 16.107
2015 7.482 25.119 108.828 28.780 9.583 17.404
2016 7.743 24.466 113.235 29.299 12.097 15.031
2017 9.320 25.286 110.923 27.920 12.898 17.545
2018 8.005 24.067 113.685 25.911 16.432 19.830
% 20,30 -25,50 6,78 -5,11 71,42 38,23

Fonte: Elaborado pelo Laboratório de Dados Educacionais/UFPR a partir dos microdados do Censo Escolar / INEP

Quando voltamos nossa atenção para as matrículas da rede pública de ensino, especificamente as matrículas pertencentes à rede estadual de ensino do Pará, nas diferentes etapas e modalidades de ensino, percebemos tendência inversa à apresentada pela rede privada de ensino no período analisado, conforme podemos constatar na Tabela 7 a seguir:

Tabela 7 Número de matrículas da educação básica por etapas e modalidades de ensino na rede estadual - Pará, 2013 a 2018 

Anos
2013/2018
Etapas e Modalidades de Ensino
Creche Pré-Escola EF EM EJA Ed
Profissional
2013 117 447 228.363 318.647 94.403 2.345
2014 133 440 216.975 320.793 91.367 2.601
2015 137 356 211.587 320.071 85.415 3.540
2016 14 18 204.131 325.089 78.022 4.234
2017 14 30 191.889 320.765 72.218 4.364
2018 29 45 188.173 323.205 68.016 5.481
% -75,21 -89,93 -17,5 1,43 -27,95 133,73

Fonte: Elaborado pelo Laboratório de Dados Educacionais/UFPR a partir dos microdados do Censo Escolar / INEP

A rede estadual de ensino apresentou queda no atendimento de matrículas da creche (-75,21%); da pré-escola (-89,93); do ensino fundamental (-17,50%); e da educação e jovens e adultos (-27,95%). Crescimento pouco expressivo no ensino médio (de apenas 1,43%), etapa de atendimento obrigatório dos estados e crescimento elevado no atendimento à educação profissional (133,73%).

No caso da rede pública de ensino municipal, percebemos tendência de queda ainda mais preocupante que a apresentada pela rede pública estadual, conforme podemos observar na Tabela 8, a seguir:

Tabela 8 Número de matrículas da educação básica por etapas e modalidades de ensino na rede municipal - Pará, 2013 a 2018 

Anos
2013/2018
Etapas e Modalidades de Ensino
Creche Pré-Escola EF EM EJA Ed
Profissional
2013 38.088 208.452 1.156.405 181 148.278 -
2014 43.068 210.678 1.150.272 201 132.671 -
2015 49.228 204.685 1.133.861 138 121.991 -
2016 54.540 206.231 1.128.966 131 108.264 -
2017 60.796 207.424 1.133.830 204 105.065 -
2018 66.856 208.318 1.121.838 124 98.332 -
% 75,53 -0,06 -2,99 -31,49 -33,68 -

Fonte: Elaborado pelo Laboratório de Dados Educacionais/UFPR a partir dos microdados do Censo Escolar / INEP

A rede municipal de ensino reduziu suas matrículas na pré-escola (-0,06%) e no ensino fundamental (-2,99%) - etapas de ensino de atuação prioritária do município. Apresentou queda de matrículas também no ensino médio (-31,49%); na educação de jovens e adultos (-33,68%); e não registrou atendimento à educação profissional. Durante o período analisado, a rede municipal de ensino apresentou crescimento das matrículas apenas na creche (75,53%).

No que se refere aos números de escolas / estabelecimentos, percebemos queda no número total de estabelecimentos; queda nas redes estadual e municipal; e crescimento do número de escolas apenas da rede federal e privada de ensino, conforme revela a Tabela 9, seguinte:

Tabela 9 Número de escolas/estabelecimentos da educação básica por dependência administrativa (federal, estadual, municipal, privada) - Pará, 2013 a 2018 

Anos
2013/2018
Dependência Administrativa
Total Federal Estadual Municipal Privada % Escola
Privada
2013 11.614 16 913 9.790 895 7,71
2014 11,437 18 891 9.614 914 7,99
2015 11.227 22 875 9.457 873 7,78
2016 11.115 24 856 9.339 896 8,06
2017 10.972 23 886 9.172 891 8,12
2018 10.800 24 893 8.963 920 8,52
% -7,01 50,00 -2,19 -8,45 2,79  

Fonte: Elaborado pelo Laboratório de Dados Educacionais/UFPR a partir dos microdados do Censo Escolar / INEP

Conforme revelado pelos dados da Tabela, as redes estadual e municipal que apresentaram queda no número de matrículas, também apresentaram queda no número de escolas de -2,19 e -8,45, respectivamente. A rede privada, por outro lado, passa de um total de 7% das escolas para responder por um total de 8,52%. Ainda que estes sejam dados apenas de acesso, há evidências de uma movimentação efetiva em relação ao provimento da oferta na direção de maior participação do setor privado no estado do Pará.

Cabe agora observar os elementos relativos ao financiamento da educação implicados neste período.

Da análise dos dados do Orçamento Estadual (PA) e dos componentes de privatização dos gastos orçamentários

O financiamento público da educação no Brasil foi consolidado no texto da CF 1988 (Art. 212) e no texto da LDB (n. 9.424/1996) nos Artigos 68 a 77 que estabelecem, entre outras coisas, que os recursos públicos, além de financiar a educação pública, também podem ser aplicados no setor privado da educação, em escolas “comunitárias, confessionais ou filantrópicas” (BRASIL, 1996, Art. 77). Os dados de receita e despesas públicas do Estado, de um modo geral, inclusive da educação, compõem o orçamento público, peça técnica e formal de cunho político que nos ajuda a perceber a direção e a forma de ação do Estado nas suas prioridades de políticas públicas (SALVADOR, 2017).

Assim, esta seção tem por objetivo investigar os gastos com a educação por função e subfunção no estado do Pará e identificar o montante dos recursos transferidos para as entidades privadas sem fins lucrativos e os recursos gastos com convênios registrados no orçamento / balanço do estado. A análise dos gastos públicos do estado do Pará, por função, no período de 2013 a 2018, conforme apresentados na Tabela 10, a seguir, permite algumas observações sobre as prioridades nas despesas públicas.

Tabela 10 Gastos públicos orçamentários por função - Pará - 2013 a 2018 

Função/ano 2013 2014 2015 2016 2017 2018
Legislativa 788.735.698,22 809.924.636,18 850.223.941,41 864.175.376,83 809.251.744,94 805.090.137,64
Judiciária 1.011.239.836,55 1.138.924.036,51 1.174.626.867,01 1.134.779.246,49 1.138.625.724,09 1.156.408.357,15
Justiça 847.970.950,61 962.998.603,32 1.056.301.649,35 1.028.046.598,28 1.085.306.843,17 1.140.519.356,40
Administração 762.910.915,30 928.319.400,50 958.877.219,50 1.285.996.061,90 1.215.938.493,94 1.453.355.016,35
Seg. Pública 2.257.094.477,57 2.529.401.456,50 2.684.594.845,03 2.539.527.649,74 2.500.597.356,82 2.831.292.009,49
Assis. social 1.031.417.605,77 1.132.378.876,06 1.256.432.945,65 1.197.934.086,25 1.373.520.717,78 1.035.105.709,72
Prev. Social 3.288.939.366,12 3.528.885.239,86 3.829.432.936,25 3.600.522.995,59 3.458.576.416,41 3.631.719.141,82
Saúde 2.680.995.259,69 2.772.699.898,56 2.822.456.167,85 2.738.327.066,28 2.816.630.786,85 3.271.693.236,20
Trabalho 14.443.196,09 9.435.271,35 5.753.060,01 10.073.075,74 11.315.167,43 5.920.120,14
Educação 3.717.157.217,68 3.950.815.651,89 4.066.948.674,94 3.823.280.533,96 3.818.394.779,64 4.072.270.713,99
Cultura 162.262.610,05 162.082.056,73 162.246.636,16 155.708.142,93 130.041.046,45 116.083.598,33
Cidadania 43.759.699,24 38.995.153,98 41.789.970,30 47.036.308,04 51.332.457,43 63.873.939,36
Urbanismo 111.342.760,91 109.401.139,75 206.573.208,10 86.233.693,96 28.633.447,45 334.095.937,50
Habitação 117.490.317,15 107.836.627,75 97.079.504,42 78.830.624,92 85.774.990,74 75.360.136,30
Saneamento 286.682.769,34 275.578.646,29 48.124.955,51 48.553.711,80 31.845.757,27 58.459.120,97
Gestão
Ambiental
88.610.637,69 102.517.028,36 96.234.116,19 97.970.735,94 111.117.353,66 126.488.899,34
Ciência
Tecnologia
66.385.984,24 87.708.739,75 55.993.672,91 46.902.537,87 50.698.116,68 39.263.893,31
Agricultura 317.457.010,73 330.886.566,44 300.576.184,11 271.995.277,61 248.651.475,71 287.679.839,24
Org. Agrária 23.844.620,83 25.183.034,32 21.357.299,72 25.422.201,92 27.146.509,74 21.348.540,44
Indústria 35.726.860,03 45.497.419,02 51.571.258,04 40.844.572,33 44.279.827,33 52.381.797,12
Comer. Serviços 159.907.827,07 164.861.572,32 52.263.847,96 152.203.657,94 169.775.736,96 167.358.458,09
Comunicações 94.270.186,87 83.339.109,48 77.066.137,17 76.180.570,94 80.225.238,01 67.351.232,32
Energia 213.200,69 355.250,42 700.981,69 16.770,52 9.142,07 6.377,16
Transportes 811.410.638,10 751.617.574,78 869.525.563,40 451.292.520,28 521.421.937,07 864.522.049,74
Desporto e Lazer            
Encargos
Especiais
4.744.058.014,04 4.835.450.245,39 5.264.553.928,49 4.533.954.720,76 4.202.288.566,32 4.666.717.091,65
Part. % Encargos
Especiais
20,17 19,34 20,15 18,59 17,46 17,68
Part. %da
Educação
15,81 15,80 15,57 15,68 15,87 15,42
Total 23.515.716.263,10 24.997.879.073,50 26.120.728.354,95 24.389.801.308,80 24.066.471.586,30 26.401.578.308,75

Fonte: - Balanço Geral do Estado - Despesas Liquidadas - exercícios 2013 a 2018. Dados Deflacionados.

A prioridade política do estado do Pará, no período em estudo, tem sido com os gastos com encargos especiais - despesas a que não se pode associar um bem ou serviço a ser gerado no processo produtivo corrente, o que inclui as participações acionárias e, especialmente, os encargos e amortização da dívida, indenizações, royalties e aportes em organismos internacionais, entre outras6 (PARÁ, 2014, p. 131). Os gastos com encargos especiais, no período analisado, representaram em média 18,90% dos gastos totais do estado, o que demonstra, de forma inequívoca, a opção em privilegiar o capital, o econômico, em detrimento do social.

Em que pesem os gastos em educação terem registrado aumento de 9,55%, o que em números absolutos representaria um acréscimo de R$355.113.496,31, no que se refere à participação da educação, em termos percentuais, no orçamento público do estado, os dados apresentados revelam que esta vem perdendo importância ao longo do período analisado. Em 2013, representava 15,81% dos gastos totais e, em 2018, passou a representar 15,42% dos gastos totais.

A Tabela 11, a seguir, apresenta os gastos públicos orçamentários por subfunção da função educação. Essa análise mais detalhada nos ajudará a entender melhor os gastos nas diferentes etapas e modalidades de ensino no Pará.

Tabela 11 Gastos públicos orçamentários com a função educação e por subfunção - Pará, 2013 a 2018 

Função e Subfunção Anos 2013
2018
Educação Educação Infantil (1) Ensino Fundamental
(2)
Ensino Médio (3) Ensino Profissional EJA Ed. Especial Ensino Superior Demais Subfunções Total Educação Básica (1)+(2)+(3) Part
%
da Ed. Básica
2013 3.717.157.21
7,68
7.804.370,
66
1.190.340.49
6,76
1.361.187.24
9,45
37.772.97
6,53
196.373.88
6,36
2.822.076
,55
236.101.59
0,76
684.754.570,
61
2.559.332.11
6,87
68,85
2014 3.950.748.26
4,50
21.746.84
7,41
1.190.412.49
5,97
1.526.309.03
2,28
34.071.31
6,21
210.934.58
4,63
1.993.826
,40
259.244.06
4,62
706.036.096,
99
2.738.468.37
5,66
69,32
2015 4.070.616.99
8,07
27.783.26
1,83
1.201.411.86
8,90
1.493.009.66
7,61
21.487.60
2,31
215.197.52
8,22
359.971,2
8
266.437.69
9,19
844.929.398,
72
2.722.204.79
8,34
66,87
2016 3.816.519.04
3,49
21.182.41
9,60
1.103.888.30
4,74
1.281.019.56
0,06
23.264.48
7,99
169.848.78
7,01
0,00 35.053.272,
13
1.182.262.22
2,18
2.406.090.28
4,40
63,04
2017 3.817.920.91
0,04
1.441,84 1.021.528.58
8,84
1.260.827.11
5,56
78.789,64 150.782.01
7,82
0,00 34.991.367,
42
1.343.636.38
8,57
2.282.357.14
6,24
59,78
2018 4.105.343.34
4,11
1.222.974,
96
982.958.117,
81
1.286.713.35
7,85
18.060.71
9,46
193.851.05
3,33
806.218,8
1
32.325.686,
83
1.630.907.29
7,64
2.270.894.45
0,62
55,32
%   -98,43 -17,42 -7,45 -52,19 -1,28 -71,43 -86,31 237,17 -11,27  

Fonte: SIOPE - Despesas Liquidadas - dados deflacionados.

Em que pesem os gastos com a função educação terem registrado aumento ao longo do período estudado, esse aumento não se fez refletir em nenhuma das etapas de ensino da educação básica (que caiu -11,27%), e tampouco nas demais modalidades de ensino. A participação da educação básica nos gastos totais da função educação caiu de 68,85% para 55,32%. Os gastos com a educação infantil caíram quase em sua totalidade (-98,43%); com o ensino fundamental (-17,42%); com o ensino médio (-7,45%); com o ensino profissional (-52,19%); com a educação de jovens e adultos (-1,28%); e com a educação especial (-71,43%).

Por outro lado, os gastos com as demais subfunções cresceram 237,17% e incluem despesas com: Desenvolvimento científico: Vinculação à contribuição do salário educação; Inativos; Desenvolvimento tecnológico e engenharia; Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (PNATE), Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE); outras transferências de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE); e os gastos referentes às transferências de convênios-educação.

No que se refere mais especificamente aos gastos com a subfunção transferências de convênios-educação, que aparecem nos gastos do estado a partir de 2016, os dados apresentados na Tabela 12, a seguir, revelam:

Tabela 12 Despesas liquidadas com subfunção transferências de convênios - educação - Pará - 2016 a 2018 

Função e Subfunção
ANOS 2016/2018
Educação Transferências de Convênios Participação
%
2016 3.816.519.043,49 49.946.738,87 1,3
2017 3.817.920.910,04 32.494.503,78 0,85
2018 4.105.343.344,11 313.584.128,22 7,6
%   527,84  

Fonte: SIOPE - Despesas Liquidadas - dados deflacionados.

Durante um período de apenas três anos houve um aumento considerável de 527,84% dos gastos com a subfunção “transferências de Convênio-Educação” no estado do Pará e um aumento na participação percentual desse tipo de alocação do recurso também significativo. No que se refere às despesas com “transferências de recursos orçamentários a instituições privadas sem fins lucrativos por categoria econômica”, os dados da Tabela 13 merecem atenção:

Tabela 13 Despesas liquidadas com transferências de recursos orçamentários a instituições privadas sem fins lucrativos por categoria econômica - Pará - 2013 a 2018 

ANO
2013/2018
OUTRAS DESPESAS
CORRENTES
DESPESAS DE
CAPITAL
Total
2013 710.746,22 0,00 710.746,22
2014 2.175.201,78 408.404,17 2.583.605,95
2015 2.302.537,43 0,00 2.302.537,43
2016 33.601,64 218.297,17 251.898,82
2017 268.330,06 0,00 268.330,06
2018 329.080,66 4.149,82 333.230,48

Fonte: SIOPE-FNDE - Relatório de dados informados pelas UFs - Consolidado de despesa PA. Dados deflacionados.

Os gastos com Transferências de recursos para instituições privadas sem fins lucrativos compreendem as “[...] despesas orçamentárias realizadas mediante transferência de recursos financeiros a entidades sem fins lucrativos que não tenham vínculo com a administração pública” (BRASIL, MPOG, 2017, p. 61). Foram obtidos a partir da análise dos “relatórios de dados informados pelas UFs” ao SIOPE, levando em conta as despesas orçamentárias realizadas no âmbito da modalidade de aplicação “50 - transferências a instituições privadas sem fins lucrativos” e, segundo Salvador (2017), as duas principais estruturas jurídicas presentes na legislação brasileira que podem receber recursos públicos como instituições privadas sem fins lucrativos são as Organizações Sociais (OS) e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP).

Conforme já observado por Salvador (2017), em pesquisa publicada no ano de 2017, e a partir dos dados apresentados na Tabela 18, observa-se que o setor privado vem tendo acesso ao fundo público no estado do Pará por meio das transferências de recursos para instituições privadas sem fins lucrativos. Este acesso ao fundo público vinha apresentando tendência de crescimento contínuo até 2015; tem queda brusca em 2016; e volta a apresentar tendência de crescimento, mas em patamares bem menores, nos anos de 2017 e 2018. Assim como no caso das matrículas, novamente os indícios do crescimento constante do setor privado no uso do fundo público se revelam.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa, conforme já anunciado ao longo deste artigo, teve por objetivo analisar o papel do Estado, a lógica de financiamento proposta pelas novas regulamentações voltadas para a educação básica e seu efeito determinante / indutor no processo de mercantilização / privatização da educação pública paraense, no período de 2013 a 2018. Para tanto, realizou revisão bibliográfica acerca da temática, mapeou os dispositivos legais nacionais e paraense voltados para a educação básica e que, nos textos, apresentavam indicação de parceria público-privado ou estímulos de acesso pelo setor privado ao fundo público; analisou os dados de oferta - matrícula e estabelecimentos de ensino - à educação básica por dependência de ensino, com foco voltado para a descrição do comportamento e tendências da rede pública e privada; e investigou os gastos com a educação por função e subfunção, identificando as transferências de recursos do orçamento do estado para as entidades privadas. Por meio da análise de cada um desses tipos de dados, foi possível perceber tendências de encolhimento do setor público e avanços do setor privado, não apenas na oferta da educação básica, mas também no acesso ao fundo público.

Nesse sentido, o Estado brasileiro/paraense desempenhou um papel importante, viabilizando medidas legais (em âmbito nacional e estadual) que permitiram um avanço “silencioso” do processo de mercantilização / privatização da educação básica; a destinação de recursos financeiros públicos para a iniciativa privada; e o estabelecimento das parcerias público-privadas no estado do Pará, tal como já apontado por outros estudos recentes (SALVADOR, 2017; ADRIÃO, 2018).

Ao longo do período analisado, em relação aos dados de oferta - matrícula e estabelecimentos - no estado do Pará, foi possível perceber as seguintes tendências:

  • queda das matrículas totais e do número total de estabelecimentos da educação básica;

  • crescimento das matrículas e de estabelecimentos de educação básica na rede federal e privada de ensino - com destaque para a rede privada de ensino que, no atual cenário político-econômico do Brasil, tende a continuar crescendo, enquanto a rede federal de ensino tende a diminuir;

  • queda de matrículas e estabelecimentos de educação básica das redes estadual e municipal de ensino;

  • crescimento da rede privada de ensino no atendimento a creche, ao ensino fundamental EJA e à educação profissional;

  • crescimento da rede privada (conveniada) no atendimento à creche e à pré-escola;

  • crescimento da rede privada (não conveniada sem fins lucrativos) no atendimento à creche, à pré-escola, ao ensino fundamental, ao ensino médio, à EJA e à educação profissional;

  • crescimento da rede privada (não conveniada com fins lucrativos) no atendimento à creche, ao ensino fundamental, ao ensino médio, à EJA e à educação profissional;

  • por outro lado, as redes estadual e municipal de ensino registraram crescimento apenas no atendimento ao ensino médio (1,43%) e no atendimento às creches (75,53%) respectivamente.

No período em estudo, a análise dos gastos orçamentários, mais especificamente dos gastos por função, revelou que a prioridade política do estado do Pará, tem sido com os gastos com encargos especiais, ou seja, com pagamentos do refinanciamento da dívida interna e externa. Em que pesem os gastos com a função educação terem aumentado ao longo do período estudado, esse aumento não se fez refletir em nenhuma das etapas de ensino da educação básica, que caiu -11,27% e teve sua participação, em relação aos gastos totais da função, reduzida de 68,85% em 2013 para 55,32% em 2018.

O acesso ao fundo público pelo setor privado no estado do Pará é expresso por meio dos dados de transferências de Convênio-Educação e por meio das transferências de recursos para instituições privadas sem fins lucrativos. O primeiro, durante um período de apenas três anos (2016 a 2018), registrou aumento considerável de 527,84% nos gastos. No que se refere às transferências de recursos para instituições privadas sem fins lucrativos, estas vinham apresentando tendência de crescimento contínuo até 2015; caem bruscamente em 2016; e voltam a apresentar tendência de crescimento, em patamares bem menores, nos anos de 2017 e 2018. O mapeamento da situação paraense permite afirmar a pertinência da preocupação com o “fantasma” da privatização que ultrapassa o nível da ameaça e vai se instalando no orçamento e na estrutura da oferta educacional.

1A pesquisa é resultado de Atividade de Estágio Pós-Doutoral realizado na UFPR em 2019, financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) - Edital n. 21/2018 - PROCAD Amazônia.

2Metáfora utilizada com o sentido de evidenciar que o processo de privatização da educação básica ainda caminha nas sombras e de forma lenta, gradual e quase imperceptível - para grande parte da sociedade; como um “fantasma” vem se expandindo e tendo cada vez mais acesso ao fundo público.

3O mercado não é natural, logo a transformação do direito à educação em mercadoria também não o é (POLANYI, 2000). As relações de mercado precisaram do Estado para se estabelecer e hoje a transformação do direito à educação em mercadoria vem contando com o apoio decisivo do Estado.

4Ao longo dos anos foram criados vários programas via parceria público-privada no estado: Aceleração da Aprendizagem (Mundiar); Recuperação de Conteúdo (Aprender Mais); Gestão Escolar (Programa Jovem do Futuro); Alfabetização (Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, PNAIC); Escola de Tempo Integral; Sistema Paraense de Avaliação Educacional (SisPAE).

6A utilização dessa função requer o uso das subfunções típicas, conforme lista a seguir: 841 - Refinanciamento da Dívida Interna; 842 - Refinanciamento da Dívida Externa; 843 - Serviço da Dívida Interna; 844 - Serviço da Dívida Externa; 845 - Outras Transferências; 846 - Outros Encargos Especiais, entre outros. Fonte: http://www.portaltransparencia.gov.br/pagina-interna/603240-encargos-especiais.

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Recebido: Abril de 2020; Aceito: Abril de 2020

Informações do(a) autor(a)

Fabrício Aarão Freire Carvalho Programa de Pós-Graduação em Currículo e Gestão da Escola Básica (PPEB/NEB/UFPA) E-mail: fafc33@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4753-2560Link Lattes: http://lattes.cnpq.br/6240386868511581

Andréa Barbosa Gouveia Universidade Federal do Paraná (UFPR) E-mail: andreabg@ufpr.br ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8260-2720Link Lattes: http://lattes.cnpq.br/5282311026967237

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