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Revista Teias

Print version ISSN 1518-5370On-line version ISSN 1982-0305

Revista Teias vol.21 no.61 Rio de Janeiro Apr./June 2020  Epub June 08, 2020

https://doi.org/10.12957/teias.2020.49408 

Desafios da educação na/da/para a Amazônia

O PROCESSO DE APROPRIAÇÃO DOS RESULTADOS DAS AVALIAÇÕES EXTERNAS E DO IDEB EM ESCOLA BÁSICA AMAZÔNIDA

THE PROCESS OF APPROPRIATING THE RESULTS OF EXTERNAL EVALUATIONS AND IDEB IN A BASIC SCHOOL IN THE AMAZON

EL PROCESO DE APROPIACIÓN DE LOS RESULTADOS DE EVALUACIONES EXTERNAS E IDEB EN UNA ESCUELA BÁSICA EN LA AMAZONÍA

Dinair Leal da Hora1 
http://orcid.org/0000-0002-3278-3914

Luziane Said Cometti Lélis2 
http://orcid.org/0000-0002-7870-9023

1Docente Permanente da Universidade Federal do Pará nos Programas de Pós-Graduação em Currículo e Gestão da Escola Básica e Educação na Amazônia. Coordenadora do Curso de Doutorado em Educação na Amazônia - EDUCANORTE - Associação em Rede.

2Coordenadora Pedagógica da Secretaria Municipal de Educação do Município de Belém (PA) e Docente da Secretaria de Estado de Educação do Pará.


Resumo

O presente artigo identifica as implicações das políticas de regulação e avaliação no contexto escolar, analisando o modo como a equipe gestora e os professores de uma escola pública da Região Amazônica de Belém / Pará se apropriam dos resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). A pesquisa, de cunho qualitativo, adotou revisão bibliográfica e entrevistas semiestruturadas articulando unidades fundamentais imbricadas entre si: gestão pedagógica, avaliação externa, melhoria da qualidade do ensino e apropriação do IDEB. A investigação indica que a lógica da política de avaliação nacional reforça a gestão gerencial na escola; define, na ausência de discussão sobre as implicações das políticas de regulação e avaliação na escola, na aceitação natural da cultura de resultados; traduz no IDEB um conceito de qualidade como valor instrumental, quantificável, passível de manipulação, que não representa a realidade concreta do trabalho pedagógico.

Palavras chave: avaliação externa; IDEB; gestão pedagógica

Abstract

This article identifies the implications of regulation and evaluation policies in the school context, analyzing the way in which the management team and teachers of a public school in the Amazon Region of Belém / Pará appropriate the results of Basic Education Development Index (IDEB). The research, of a qualitative nature, adopted a bibliographic review and semi-structured interviews articulating fundamental units intertwined with each other: pedagogical management, external evaluation, improvement of teaching quality and appropriation of IDEB. The investigation indicates that the logic of the national assessment policy reinforces the management management in the school; the lack of discussion about the implications of regulation and evaluation policies at school results in the natural acceptance of the culture of results; IDEB translates a concept of quality as an instrumental, quantifiable value, capable of manipulation, which does not represent the concrete reality of pedagogical work.

Keywords: external evaluation; IDEB; pedagogical management

Resumen

Este artículo identifica las implicaciones de las políticas de regulación y evaluación en el contexto escolar, analizando la forma en que el equipo directivo y los maestros de una escuela pública en la región amazónica de Belém / Pará se apropian de los resultados del Índice de Desarrollo de la Educación Básica (IDEB). La investigación, de carácter cualitativo, adoptó una revisión bibliográfica y entrevistas semiestructuradas que articulan unidades fundamentales entrelazadas entre sí: gestión pedagógica, evaluación externa, mejora de la calidad de la enseñanza y apropiación del IDEB. La investigación indica que la lógica de la política de evaluación nacional refuerza la gestión administrativa en la escuela; la falta de discusión sobre las implicaciones de las políticas de regulación y evaluación en los resultados escolares en la aceptación natural de la cultura de resultados; IDEB traduce un concepto de calidad como un valor instrumental, cuantificable, capaz de manipulación, que no representa la realidad concreta del trabajo pedagógico.

Palabras clave: evaluación externa; IDEB; gestión pedagógica

INTRODUÇÃO

As avaliações externas e em larga escala, passaram a ter importante centralidade no cenário educacional brasileiro, seguindo a tendência mundial de fortalecimento das políticas públicas de cunho mercadológico, sustentadas pelos princípios e métodos utilizados na gestão gerencial das escolas.

O modelo gerencial de gestão é adotado no serviço público com a intenção de subordinar a escola aos interesses meramente econômicos, ampliando a racionalidade técnica e a lógica da competitividade, favorecendo a cultura de gestão por resultados, mecanismos de responsabilização e prestação de contas (AFONSO, 2009). A cultura de gestão por resultados associados a mecanismos de responsabilização e prestação de contas são utilizados como meio de gestão, controle e planejamento dos sistemas (WERLE, AUDINO, 2015).

Embora as políticas gerencialistas prometam soluções técnicas e científicas para a educação pública, submetendo as escolas à concepção neoliberal, reguladas pelas avaliações externas (HYPÓLITO, LEITE, 2012), os sistemas de avaliação constituem elementos estruturantes na identificação de boas práticas de gestão e na procura de soluções práticas para os desafios da qualidade educacional (CORSETTI, 2012).

O Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) cumpre um papel estratégico na formulação da política avaliativa nacional, com a aplicação de testes (até 2018, chamados de Avaliação Nacional do Rendimento Escolar [ANRESC]; Avaliação Nacional da Educação Básica [ANEB] e Avaliação de Alfabetização [ANA]) e a divulgação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB1), como forma de verificar o desempenho das redes públicas de ensino.

A pressão e cobrança para atingir as metas projetadas e, assim, atingir a eficiência, a eficácia e a dar respostas imediatas ao mercado, levam os sistemas e as escolas a se encontrarem numa encruzilhada: ou melhoram os índices ou serão responsabilizados pelo fracasso (ARAÚJO, 2013, p. 114).

Assim, a avaliação, aliada a indicadores quantitativos de qualidade e utilizada como parâmetro para orientar políticas educacionais, inserem-se no ambiente escolar, todavia, sem considerar a diversidade de elementos que compõem o processo de ensino aprendizagem, além de estimular a competição entre os sistemas de ensino, restringir a formação docente, causar o estreitamento curricular (FREITAS, 2012) e vincular o resultado da avaliação à política de responsabilização (BONAMINO, SOUSA, 2012).

O artigo identifica as implicações das políticas de regulação e avaliação no contexto escolar, caracterizando o modo pelo qual a gestão pedagógica (equipe gestora e professores) de uma escola pública no município de Belém /Pará (PA) se apropria dos resultados das avaliações externas e do IDEB em suas ações. As análises são provenientes de uma revisão bibliográfica e de entrevistas semiestruturadas, recorte de uma investigação concluída em 2017 e embasada por uma abordagem qualitativa, na perspectiva de compreender a relação dinâmica dos processos de interioridade e exterioridade como constitutivos do fenômeno estudado (MINAYO, 2001).

Para tanto, a análise traduz a articulação das múltiplas dimensões do objeto de estudo que, por sua vez, estão imbricadas entre si nas unidades fundamentais: gestão pedagógica, que trata das concepções e ações realizadas pelas equipes pedagógicas no processo de organização e orientação da aprendizagem no interior da escola; avaliação externa, como estratégia de acompanhamento e controle do desempenho dos alunos e da gestão escolar; melhoria da qualidade do ensino representada pelos aspectos referentes à formação humana integral e apropriação do IDEB como índice nacional da qualidade do ensino.

Com o intuito de preservar a identidade da escola, esta recebeu a denominação de “Modelo”, e os sujeitos identificados por símbolos (letra e número): professores = P.1; P.2; P.3 e P.4; coordenadores pedagógicos = C.1 e C.2, diretores= D.1 (atual) e D.2 (ex-diretor).

A investigação acerca dos processos de apropriação de avaliações padronizadas na educação básica representa uma possibilidade de generalização a outros contextos escolares, ressalvadas as singularidades.

A VINCULAÇÃO ENTRE AVALIAÇÃO EXTERNA E INDICADOR DE QUALIDADE

Seguindo a tendência global de fortalecimento do Estado regulador e avaliador, o processo de desenvolvimento do sistema de avaliação de abrangência nacional foi fruto das diferentes conjunturas sociais e políticas, marcado por um período de arranjo instrumental e de definição de posições hierárquicas entre as relações concorrenciais, mais especificamente entre o Ministério da Educação (MEC) e o Banco Mundial, que deu origem a uma experiência piloto - a criação do Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Público de 1º Grau (SAEP), primeira designação do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), realizado em 1988, nos estados do Paraná e Rio Grande do Norte, com o intuito de testar a validade dos instrumentos de aplicação, estendidos posteriormente aos outros estados, e passando por vários formatos até chegar ao momento atual.

A vinculação entre avaliação e qualidade, no Brasil, ganha centralidade com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de n. 9.394/96 nas diferentes etapas da educação básica, seja por meio da avaliação externa realizada pela União e pelos respectivos sistemas de ensino (estadual e municipal) ou pela avaliação da aprendizagem realizada pela escola. Assim, a avaliação do rendimento escolar tornou-se a mais evidente pauta de preocupação da União no processo de coordenação da política nacional, “[...] estabelecendo-se ‘padrões de qualidade’ a serem aferidos por diversos instrumentos que vão de exames padronizados à construção de indicadores sobre infraestrutura, corpo docente, etc.” (CAMINI, 2013, p. 44).

Diante desse contexto, em 2007, o MEC lançou o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) em conjunto com o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação (n. 6.094/2007), estabelecendo no Art. 3º o seguinte sentido de qualidade:

[...] a qualidade da educação básica será aferida, objetivamente, com base no IDEB, calculado e divulgado periodicamente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), a partir dos dados sobre rendimento escolar, combinados com o desempenho dos alunos, constantes do censo escolar e do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), composto pela Avaliação Nacional da Educação Básica (ANEB) e a Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (Prova Brasil) (BRASIL, 2007, Art. 3º).

A criação do IDEB possibilitou ao governo federal a fixação das metas de desempenho nacional, expressas numa escala de 0 a 10, procurando superar algumas dificuldades do Plano Nacional de Educação (PNE) em relação ao tratamento da qualidade. Assim, de dois em dois anos o MEC/INEP divulga os resultados do IDEB dos Estados, Municípios e escolas, com a expectativa de atingir a meta nacional estimada em 6 (seis) para 2021, comparada à média dos países desenvolvidos, como consta no Plano:

[...] o desafio consiste em alcançarmos o nível médio de desenvolvimento da educação básica dos países integrantes da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), no ano em que o Brasil completará 200 anos de sua independência, meta que pode ser considerada ousada (BRASIL, 2007a, p. 22).

Segundo Ronca (2013, p. 78) “[...] além de articular os conceitos de fluxo e desempenho, o IDEB fornece informações importantes para as escolas e sistemas, por revelar boas práticas e, também, apontar aquelas escolas ou redes que estão com dificuldades e precisam receber apoio técnico”.

A esse respeito, o indicador nacional poderia possibilitar um olhar promissor dos sistemas de ensino para as escolas, se a aprendizagem, numa perspectiva emancipadora, fosse um elemento priorizado nas políticas educativas; no entanto, revela uma visão reducionista do processo educacional, uma vez que desvia o foco da responsabilização que deveria ser do Estado e a repassa para os professores e gestores escolares.

Machado e Alavarse (2014) reconhecem o sentido reducionista no conceito de qualidade relacionado ao IDEB, mas identificam o seu surgimento, como um aspecto relevante do PDE, na tentativa de resolver o problema da qualidade nas escolas de educação básica.

Embora a concepção de qualidade associada ao IDEB seja um tanto reducionista, por não contemplar aspectos relevantes do processo pedagógico, é possível considerar algumas potencialidades no IDEB por conta de duas características: por facilitar uma apreensão, mesmo que parcial, da realidade educacional brasileira, aí destacadas suas escolas e, sobretudo, por articular dois elementos que há muito tempo parecem ser antagônicos: o aumento da aprovação e o aumento do desempenho (MACHADO, ALAVARSE, 2014, p. 70).

A articulação de apenas dois elementos - fluxo e desempenho escolar - traduzidos em forma de indicador de qualidade da educação nacional, como representa o IDEB, além de mensurar o desempenho, não resolve o problema da educação, com limitada previsão financeira para atender as necessidades das escolas. A discussão em torno da qualidade se apresenta como pauta atual da agenda das políticas educacionais e precisa ser ampliada se analisarmos os dados estatísticos relacionados ao desempenho dos alunos nos testes, uma vez que a avaliação, em si, não garante a melhoria da aprendizagem. Prova disso são os resultados mostrados nos testes do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), em que o desempenho dos estudantes brasileiros, no ano de 2018, piorou em educação matemática e ciências, ficando estagnado em leitura, em relação a 2015.

Ronca (2013), em sua análise, apontou avanços e limites do sistema de avaliação adotado. Entre os limites, estão presentes o fato de as avaliações não compreenderem a amplitude e a complexidade da escola, a assentarem-se em dois fatores: fluxo e desempenho. Tais fatores trazem, como consequência, a implementação de políticas equivocadas de responsabilização dos professores, no contexto da meritocracia; o afunilamento curricular, em virtude da supervalorização em leitura e matemática; impedimento dos alunos considerados mais fracos para fazer a prova; a competição; a realização de cursos intensivos como estratégia pedagógica para a preparação dos alunos para os testes. As possibilidades para atingir qualidade na educação, além do cumprimento de metas, precisam abarcar outros indicadores que contemplam uma visão de totalidade do contexto educacional, como constam no PNE.

Para esse autor, o IDEB significou um importante avanço para o acompanhamento da qualidade da educação básica que, entretanto, precisa ser aperfeiçoado e contextualizado a partir de múltiplos fatores, como “[...] a infraestrutura e recursos pedagógicos, características étnico-raciais, nível socioeconômico, nível de instrução dos pais, condições dos profissionais da educação e outras especificidades que interferem na atuação da escola” (RONCA, 2013, p. 84).

Camini (2013) questionou o uso do IDEB como indicador de qualidade da educação, já que, além de basear-se apenas em aspectos cognitivos (leitura e matemática), não considera o processo de aprendizagem e nem a avaliação dos que se beneficiam dos seus serviços, mostrando-se contraditórios com os princípios democráticos.

Concordamos com esse posicionamento, pois acreditamos que existem vários indicadores que compõem a qualidade da educação comprometida com um projeto de sociedade inclusivo e emancipador, e acrescentamos que não basta somente avaliar, é preciso traduzir os dados obtidos nas provas, em geral insatisfatórios quanto à aprendizagem, em políticas e práticas focadas na melhoria da aprendizagem e todas as suas dimensões, oferecendo condições objetivas, acompanhadas de recursos financeiros para que as unidades educacionais possam desenvolver seus projetos político-pedagógicos numa perspectiva de formação integral.

Uma melhor compreensão das implicações causadas pela utilização dos instrumentos avaliativos externos no ambiente escolar poderá evitar que os gestores escolares mobilizem todo o planejamento e as estratégias pedagógicas em função da referida avaliação que, segundo Paro (2011), tem sido muito disseminada como a salvadora do processo educacional.

APROPRIAÇÃO DOS RESULTADOS DAS AVALIAÇÕES EXTERNAS E DO IDEB NA ESCOLA BÁSICA

Cerdeira e Costa (2016, p. 2) relatam que há muitas discussões sobre os efeitos da política de avaliação no cotidiano escolar. Nesse contexto, por um lado,

[...] observa-se um movimento crescente em prol do uso dos dados gerados por avaliações para o planejamento e gestão educacional, impulsionado, inclusive, pelas cobranças provocadas por políticas de responsabilização e pela necessidade de desenvolvimento de estratégias educativas em busca de melhoria. Por outro lado, a qualidade dos usos e das ações depende do acesso à informação e conhecimento sobre políticas de avaliação e responsabilização, que por sua vez, irá influenciar as interpretações dos profissionais. Há muitas possibilidades de reação às políticas mencionadas, inclusive com resistência. Essas diferentes maneiras de perceber, conhecer, reagir e agir são entendidas aqui como apropriação dessas políticas.

Ainda segundo Cerdeira e Costa (2016), o processo de apropriação das políticas de avaliação não se dá apenas em conhecer e aceitar mas, sobretudo, nas diferentes maneiras de perceber, conhecer, agir e reagir, inclusive de resistir ao modelo de avaliação classificatória. Por isso, a necessidade de caracterizar o modo como a equipe gestora (diretores e coordenadores pedagógicos) e professores de uma escola pública no município de Belém / PA se apropriam dos resultados das avaliações externas e do IDEB em suas ações.

Para tanto, inicialmente, no momento da entrevista, foi apresentada aos entrevistados uma tabela contendo informações sobre as metas projetadas para a escola pesquisada e os índices observados no período de 2007 a 2017, conforme indicado a seguir:

Pela expressão manifestada entre a maioria dos entrevistados, detectamos um certo desconhecimento da trajetória desempenhada pela escola na série histórica citada, o que indica a ausência de análise e discussão em relação aos dados. Alguns mostraram-se surpresos e disseram que jamais haviam visualizado os índices demonstrados na Tabela 1.

Tabela 1 Resultados e metas do IDEB da Escola "Modelo" 

  2007 2009 2011 2013 2015 2017
Meta projetada 3.5 3.7 3.9 4.3 4.7 5,0
IDEB observado 3.9 3.8 3.7 3.6 4.2 4,6

Fonte: Elaborada com base nos dados do INEP.

Os dados da referida Tabela indicam que a escola obteve um IDEB acima da meta projetada nos anos de 2007 e 2009, inclusive antecipando, em 2007, o resultado planejado para ser atingido em quatro anos (2011); obteve 0,1 acima da média prevista para 2009, com uma pequena queda do índice em relação ao anterior. Nos anos seguintes (2011, 2013 e 2015), não conseguiu obter os resultados esperados, além de apresentar decréscimo nos índices observados nos anos 2009, 2011 e 2013.

Em 2015, apesar de apresentar um crescimento de 0,6 pontos em relação ao índice anterior, sinalizando um processo de recuperação progressivo do índice, não conseguiu atingir a meta de 4,7 projetada.

Os resultados de 2017 indicaram um crescimento de 0,4 em relação a 2015, o que demonstra que o índice veio se elevando, porém, apresentou instabilidade ao longo da série histórica estudada e, ainda que tenha melhorado o seu desempenho no último ano, ficou abaixo da meta projetada.

Quando questionados sobre as causas do desempenho dos alunos, mostrado pelos resultados apresentados, os profissionais, na sua totalidade, as atribuíram ao trabalho comprometido desenvolvido pelos professores, como podemos identificar na maioria dos depoimentos:

[...] eu acho que é a atenção e o empenho dos professores, eu acho que há um compromisso que faz com que a gente consiga os resultados, o resultado do mérito, esse resultado faz com que as pessoas querem colocar os filhos aqui. (P.1, grifo nosso);

[...] eu ia no nosso outro prédio dar aula para os alunos dia de sábado, talvez esse trabalho fizesse com que a escola tivesse um bom desempenho na questão do IDEB. Em 2015 houve essa melhora porque eu tenho notado, muito do próprio professor que, pelos menos na Matemática, essa preocupação de melhorar o índice, porque todo o tempo está abaixo do desempenho em Língua Portuguesa. (P.2, grifo nosso);

[...] esse avanço tem a ver com duas situações: primeiro pela questão da gestão: quando a gestão funciona de forma coletiva a qualidade do ensino melhora e a questão estrutural do prédio da escola que era melhor, as salas eram mais amplas, com espaços como sala de leitura/biblioteca, espaços aonde se poderia trabalhar ações pedagógicas normais e corriqueiras dentro da escola (P.4);

[...] houve um empenho, uma aula de reforço de Matemática nos finais de semana [...] e também o professor na sua gestão fez uma forma de aproximar mais dos professores, fazer passeios junto com sua família (C.1, grifo nosso);

[...] existem vários fatores que contribuíram para esse desempenho, primeiro os professores que são comprometidos, [...] depois nós tivemos nos primeiros resultados a ação de professores do cursinho popular que atendiam as turmas no final de semana, e no último resultado em 2015, tivemos o professor que dava aula de reforço aos sábados (C.2, grifo nosso);

[...] eu acho que os professores têm o trabalho fundamental, embora tenha a equipe pedagógica, nessa escola tem muitos professores de Língua Portuguesa e Matemática comprometidos e preocupados com a aprendizagem, então esse resultado se deve ao professor (D.1).

É possível apreendermos, por meio das falas, vários elementos que contribuíram para o desempenho do IDEB observado: o compromisso dos professores, a realização de aulas de reforço que aconteciam aos sábados, o funcionamento do cursinho popular, a equipe pedagógica, os bons gestores, a gestão participativa, a presença da família no acompanhamento da aprendizagem dos filhos, a infraestrutura do prédio, a existência de uma identidade com o espaço físico e geográfico da escola, entre outra questão explícita no depoimento do antigo diretor, e que é suscetível de análise mais aprofundada: o consenso forjado para a aprovação automática.

A esse respeito, o antigo diretor mencionou a proposta de implementação do ciclo como positiva no combate à reprovação que ocorria na organização de ensino seriado; contudo, a dinâmica no ciclo de ensino transformou-se em aprovação automática em vários estados brasileiros, sendo na escola uma prática confrontada. Com muita propriedade, ao analisar as causas do resultado do IDEB, atribuída ao trabalho desenvolvido ao longo dos anos, este diretor mostrou uma inquietação diante do processo de recuperação do índice em 2015, no trecho a seguir:

[...] interessante aqui em 2015, a escola obteve 4.2, foi legal, é um processo de recuperação, porém tenho uma preocupação: aqui a gente sabe que tem dados documentais que comprovam essa evolução de uma forma eficiente; me preocupa aqui, até pela própria questão da avaliação que nós embarcamos na dinâmica de aprovar todo mundo, e isso tenho certeza absoluta que deve ter influenciado nesse processo, porque a rigor se teve um esforço sim, mas as condições objetivas que a gente vivenciou no período de 2013 a 2014 não se coadunam com esse resultado. A escola estava em estado de guerra, de ingerência total, quer dizer de conflito, estava com um clima muito ruim que foi se agravando... (D.2).

Desse modo, é possível identificar uma fragilidade nos dados do IDEB quanto à representação da realidade avaliada, por ser passível de manipulação. Essa possibilidade mostra-se evidente no depoimento do antigo gestor, quando revela que a escola confrontava a posição de avançar o aluno que não apresentasse domínio de conteúdo mínimo para o ciclo de formação e depois “[...] embarca na dinâmica de aprovar todo mundo”. A mudança de postura dos profissionais em relação à dinâmica de avaliação pode ser imputada ao processo de regulação e controle ocorrido no sistema de ensino, uma vez que os dados sobre o rendimento escolar (taxa de aprovação) são combinados com o desempenho dos alunos nas provas externas (conhecida anteriormente como Prova Brasil) e utilizados na base de cálculo do IDEB.

A situação ocorrida na escola pesquisada, supostamente de forma velada, caracteriza uma estratégia utilizada pelos professores para obter o aumento do IDEB, e que representa um risco, semelhante à fraude (alteração de notas), reportado por Freitas (2012), em função das avaliações externas, que tende a acontecer: a fraude sobre as notas dos alunos, como consequência das políticas de controle e pressão exercida sobre as escolas, em particular aos professores, responsáveis pela realização da avaliação do aluno.

Assim, a partir do cotejamento dos dados da Tabela 1 com os elementos elencados pelos entrevistados, que contribuíram para a obtenção do IDEB observado na escola, e somados às informações relacionadas ao contexto escolar, evidencia-se que: nos anos de realização das aulas de reforço nos finais de semana, sendo supostamente em 2007 (prédio de origem) e a partir de 2015 (prédio cedido), a escola atingiu os maiores índices (3,9; 4,2; e 4,6); surpreendentemente, no ano de 2007, a gestão da escola esteve alinhada a uma concepção democrática e, no ano de 2015, a gestão foi marcada por aspectos gerenciais. Em suma, a presença de aulas de reforço para os alunos constitui um dos elementos mais evidentes para o aumento de crescimento do IDEB.

A pesquisa revela que as concepções de gestão assumidas na escola, tanto a democrática quanto a gerencial são capazes de gerar resultados positivos no IDEB; a diferença está na forma como são produzidos esses resultados. Numa prática voltada para a construção de uma gestão democrática, o engajamento do coletivo na realização do trabalho pedagógico se dá pelo convencimento do seu compromisso ético e político com a aprendizagem dos alunos; enquanto numa prática tipicamente gerencialista, a participação dos profissionais se dá pela imposição, em que os processos educacionais são tratados como funções estritamente técnicas.

Uma gestão baseada em princípios democráticos favorece a participação coletiva de toda a comunidade nas tomadas de decisão e na realização de ações para atender os interesses da classe trabalhadora que, em maioria, deposita na escola pública a esperança de construir uma sociedade melhor. Esse modo de gestão, propicia um clima organizacional saudável para as relações interpessoais estabelecidas no ambiente escolar e motivador para o processo de ensino aprendizagem, como foi bastante mencionado nas entrevistas realizadas.

Os entrevistados demonstraram um certo saudosismo à época em que a direção foi conduzida por um professor da própria comunidade, escolhido por meio de eleição direta, e que proporcionava momentos coletivos de discussão das questões pedagógicas, assim como de relações interpessoais marcadas pela existência de maior vínculo afetivo entre todos, inclusive realizando passeios junto com a família, como cita uma coordenadora. Uma professora afirma que “[...] quando a gestão funciona de forma coletiva, a qualidade do ensino melhora” (P.2) tanto na maneira como são conduzidas as ações pedagógicas dentro do ambiente escolar, quanto no IDEB.

O estudo intitulado Gestão democrática e a análise de avaliações em larga escala: o desempenho de escolas públicas no Brasil2, realizado por Riscal e Luiz (2016), comprova que fatores relacionados à gestão democrática influenciam positivamente no IDEB, mas não são fatores dominantes para explicar a variabilidade do índice que, entre os itens investigados, aparecem na seguinte ordem de importância: 1 - localização geográfica das escolas e realidades socioeconômicas decorrentes; 2 - formação, experiência e atuação do diretor; gestão democrática (P.P.P e Conselho Escolar); 3 - itens de apoio ao ensino e aprendizagem; 4 - apoio financeiro.

Para os autores Riscal e Luiz (2016, p. 151) o maior peso estatístico entre as dimensões analisadas refere-se à localização geográfica e ao perfil socioeconômico das escolas, expressos pela variabilidade de indicadores sociais como o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal do Brasil (IDHM) e o Produto Interno Bruto (PIB), assim como pela existência de características distintas entre os sistemas de ensino, seguido da formação e ocupação do diretor, pois “[...] ao se evitar a rotatividade frequente de diretores e assegurando-lhes uma remuneração que permita a dedicação de forma exclusiva à sua atividade, criam-se condições propícias para o convívio mais extenso com a comunidade”. Ao lado desta condição, está a realização de formação continuada aos professores e o provimento do cargo de direção por meio de concurso público ou eleição, contribuindo de forma relevante para a melhoria do IDEB.

As dimensões de peso estatístico modesto estão relacionadas ao item de apoio ao ensino e à aprendizagem, como a existência de laboratórios de informática para as séries iniciais e de salas de leitura e de bibliotecas de boa qualidade para as séries finais do ensino fundamental. E as dimensões de menor peso, para a melhoria do IDEB, estão vinculadas ao apoio financeiro, embora estatisticamente significante. Assim, os autores Riscal e Luiz (2016) concluem que a gestão escolar democrática se alinha à formação de cidadãos autônomos e conscientes e, consequentemente, contribui para a elevação dos indicadores oficiais de qualidade.

Considerando que a educação é um processo essencialmente político, permeado de subjetividade e ações pedagogicamente intencionais, compartilhamos do posicionamento dos autores e ratificamos a necessidade de uma gestão pautada em princípios democráticos e a garantia de um espaço físico e organizacional que propicie melhores condições de trabalho aos profissionais inseridos na escola. Gatti, Barreto e André (2011) ressaltam a intensificação do trabalho docente em função da complexidade e multiplicidade de tarefas que o professor precisa realizar em um ambiente que não facilita o seu sucesso.

Essa realidade é confirmada na escola pesquisada pelos profissionais que, constantemente, se reportam à situação da precária infraestrutura, da ausência de uma identidade com o espaço físico da escola, da falta de acompanhamento da família em relação à aprendizagem e do precário nível de conhecimento dos alunos matriculados, como no relato do professor:

[...] há uma diferença muito grande em 2007 quando a escola recebeu o título (recurso financeiro por ter atingido a meta projetada para 2011), nós estávamos com alunos mais preparados, então houve possibilidade de trabalharmos questões contextualizadas e hoje essas mesmas questões que os alunos resolveram, os alunos não resolvem mais porque eles não estão tendo base (P. 4).

Diante dessa questão, aumenta o desafio e o limite de intervenção do professor no desenvolvimento da gestão do pedagógico em sala de aula, uma vez que um dos fatores determinantes da avaliação no índice de qualidade nacional baseia-se no nível de conhecimento cognitivo adquirido pelo aluno e demonstrado na Prova Brasil. Outras questões, não menos importantes, são bastante indicadas pelos professores como possível causa do decréscimo do IDEB, como os desdobramentos da intervenção ocorrida na escola e a falta de espaço físico adequado ao trabalho pedagógico:

[...] a intervenção, o constrangimento que os professores passaram na época, isso reflete no trabalho, [...] e eles (os professores) falam muito bem dessa época, que eles tinham um bom diálogo com a direção da escola, que não tinha essa cobrança que tem hoje por parte da SEMEC, eu não sei se isso influencia, eu acredito que deve influenciar de uma certa forma a relação do professor com o aluno, porque se o professor está motivado, o aluno se sente motivado (P.3);

[...] eu atribuo essa questão de não termos alcançado atualmente a meta pela questão estrutural (P.4);

[...] nosso IDEB caiu bastante, eu penso que foi pelo espaço não adequado, o estresse muito grande de termos que colocar esses alunos numa sala pequena (C.1).

Quanto ao modo de discussão dos resultados divulgados do IDEB, percebeu-se que esta não acontece de forma coletiva entre toda a comunidade escolar, ficando restrita apenas aos gestores pedagógicos, que repassam as informações aos professores em reuniões. Segundo uma coordenadora pedagógica,

[...] a gestão (coordenação e diretor) ainda discute o quadro dos resultados, mas não com propostas precisas para a busca de resultados [...] e nós enquanto coordenadoras, apresentamos para os professores (C.2).

Os professores confirmam a ausência de discussão, de análise sobre os dados e a falta de estratégias para melhorar o desempenho da escola:

[...] os resultados não são discutidos. Eu sei que a escola recebeu o prêmio (recurso financeiro) no ano de 2007 naquela tabela que você mostrou, mas eu não me lembro em nenhum momento desses índices serem discutidos na escola, até hoje não há discussão. Apenas a Coordenação, que tem mais acesso a esses dados nos lembra que vai ter a prova, que vai ser a questão do IDEB, mas não há uma discussão em si (P.4);

[...] eu não lembro de um momento aqui na escola em que foi discutido. Agora “nós temos que aumentar o IDEB da escola”, foi só esse comentário, não houve uma discussão, não houve uma reflexão, não houve um planejamento (P.3);

[...] eu não percebo essa discussão dos índices na escola, uma estratégia para a melhora, apenas é mostrado o desempenho, o índice como foi, mas uma ação efetiva eu não percebo na escola, é mais um trabalho individual de cada professor (P.2);

[...] a discussão não está ligada a quem está certo ou errado, ou quem tem a culpa e quem não tem a culpa, não é isso. É mostrado, algumas vezes eu não estou nessas reuniões porque não estou todos os dias aqui, talvez tenha tido reunião sobre o IDEB, é chamado assim, nós temos que melhorar nosso desempenho e nós recebemos, eu ouço, mas o que podemos fazer? (P.1).

Os procedimentos adotados pela gestão pedagógica na condução do compartilhamento das tomadas de decisão e na organização e mobilização da comunidade escolar em relação à apropriação dos dados do IDEB mostram-se frágeis e distanciados da proposta de uma concepção de educação na perspectiva democrática. Segundo Lélis e Hora (2019, p. 82):

A não adesão ou mesmo o desprezo manifestado pelos profissionais em relação às políticas de avaliação nacional ocasionadas pelas reformas, contribui para que os mesmos não aprofundem a complexidade da questão e fiquem isolados dentro das escolas, sem tomar alguma medida revertida na melhoria do ensino.

Para Koetz (2010, p. 169), o exercício coletivo impõe-se para o bom andamento das instituições de ensino, uma vez que os problemas não podem ser resolvidos individual e isoladamente. Pois:

[...] planejar junto, discutir ações, utilizar recursos (como por exemplo, os resultados das avaliações externas), dividir problemas, compartilhar decisões, deliberar alternativas para a melhoria do desempenho dos alunos e oportunizar a participação da comunidade na gestão da escola são algumas práticas da equipe diretiva.

Koetz (2010, p. 169) defende a participação e o compromisso de todos os envolvidos na elaboração de projetos articulados que possam melhorar o desempenho dos alunos, atribuindo aos gestores a responsabilidade de não “[...] perder de vista uma prática de agir, refletir sobre a ação exercida e agir novamente, o que caracteriza a autonomia do fazer educativo e a prática reflexiva aplicada à gestão”.

Concordamos com a visão da autora, na compreensão de que são os gestores, nas suas funções de mediação, articulação e transformação que devem coordenar e realizar as discussões sobre dados e diagnósticos para a elaboração de atividades e projetos na escola, juntamente aos professores e a toda a comunidade escolar. A análise das entrevistas permitiu-nos perceber a carência sentida pelos professores em ter uma atuação reflexiva da gestão pedagógica relacionada com a apropriação dos dados do IDEB.

Nesse sentido, a maioria dos entrevistados admitiu que não existem ações da gestão pedagógica para o alcance das metas projetadas do IDEB, com exceção do simulado proposto na jornada pedagógica. O que há são ações isoladas de alguns professores que, seduzidos pelo discurso da qualidade, acabam aceitando as formas de controle veladas sobre o seu trabalho, levando-os muitas vezes a se contradizerem: que ora recebem, ora não recebem “pressão”, como explícito na declaração de um professor:

[...] eu não noto essas ações, eu vejo mais um trabalho individual de cada professor, [...] a pressão não vem nem da gestão e nem da Secretaria, é uma pressão pessoal mesmo de você querer que o seu aluno atinja um índice maior, mas não há uma pressão da coordenação, da direção, da secretaria (P.2).

Uma outra situação comentada por um professor sobre as ações da gestão pedagógica na busca da melhoria do índice nacional de qualidade refere-se a uma preocupação maior com a retenção e a manutenção do aluno na escola, não sendo algo espontâneo, na sua percepção, mas porque agora são obrigados pela Secretaria Municipal de Educação (SEMEC), uma vez que são dimensões influenciadoras no IDEB. Na realidade, segundo os informantes, essa preocupação sempre esteve presente nas ações pedagógicas desenvolvidas pela escola que, no entanto, está sendo intensificada em razão do controle exercido pelo poder central sobre o poder local, quando se materializam as políticas educacionais.

Com relação às proposições para a melhoria do trabalho desenvolvido na escola, que possam se refletir no índice nacional no campo da gestão pedagógica, os entrevistados indicam a necessidade de haver discussão coletiva sobre a questão; elaboração de projeto com metas previstas; apropriação das diretrizes da Prova Brasil; e intensificação do acompanhamento da evasão escolar. Ressaltaram que a discussão precisa ser realizada entre todos os envolvidos no ambiente escolar para evitar uma possível cobrança direcionada aos professores de Língua Portuguesa e Matemática, como revelam em seus depoimentos:

[...] é preciso ter um momento para pensar e planejar um projeto maior para a escola aumentar esse IDEB, em como manter esse aluno que é faltoso na escola. Temos que evitar ao máximo a retenção, ou fazer com que realmente esse aluno aprenda para que ele não seja retido. [...] que não seja só a cobrança em cima dos professores de Língua Portuguesa e Matemática (P.3);

[...] discutir os índices, levantando o porquê destas questões. Alguns pontos são claros para todos, é a questão de gestão, é a questão estrutural, mas tem outras questões mais vinculadas ao ensino, vinculadas à questão do ensino-aprendizagem dos alunos; vamos discutir essa questão aqui, não apenas visando à melhoria do índice, mas vinculando o IDEB no sentido da qualidade de fato do ensino. Sem fazer uma análise desse índice não tem como melhorar, não tem como a gente trabalhar (P.4);

[...] vamos ter que parar para elaborar um projeto de como encaminhar junto aos professores metas para poder buscar melhorias no quadro do IDEB (C.2);

[...] trabalhar mais pedagogicamente as avaliações externas para se apropriar das diretrizes da Prova Brasil e no acompanhamento melhor da evasão, que é um dos fatores que diminui o IDEB (D.1).

Percebe-se visivelmente a preocupação dos profissionais, principalmente dos professores, em discutir os processos avaliativos no sentido de apontar possibilidades para que a aprendizagem ocorra de fato, pois consideram que a noção de qualidade não está diretamente vinculada ao IDEB, mas a um processo político e inclusivo.

Os números traduzidos no IDEB, segundo um professor, apenas dizem algo sobre o trabalho desenvolvido na sala de aula com os alunos, mas não são capazes de revelar outros elementos simbolicamente importantes no desempenho de sua função, como por exemplo, encontrar um ex-aluno inserido no mercado de trabalho ou cursando o ensino superior, “[...] esses números são apenas números, não podemos dar muita atenção só aos números, ele é importante, mas é uma coisa seca, mas é importante saber que o que a gente está fazendo, alimenta...” (P.1).

A postura dos professores encontra respaldo teórico em Camini (2013) quando reconhece que o indicador de qualidade nacional não considera a avaliação daqueles que se beneficiam dela (aluno e professor) e em Welter e Werle (2010, p. 108) ao destacarem que “[...] devemos assumir uma postura crítica frente aos resultados das avaliações do MEC, e não simplesmente aceitá-los ou utilizá-los como ferramenta única de avaliação”. Desta forma, a preocupação em melhorar o índice nacional deve permear as discussões e as práticas pedagógicas, sem secundarizar ou obscurecer a importância do processo de aprendizagem dos alunos, como identificamos na compreensão de muitos atores da escola pesquisada.

Na sala de aula, como proposição de melhoria a ser desenvolvida, foi destacada a necessidade da atuação não só dos professores de Matemática e Língua Portuguesa, mas “[...] os demais professores podem selecionar dois, três descritores para trabalhar nas aulas deles; então precisa de um planejamento maior” (P.3), para que todos possam, a partir dos saberes estruturantes de cada disciplina, contribuir coletivamente para a habilidade leitora e textual do aluno.

A compreensão demonstrada pela professora é corroborada por Koetz (2010, p. 171), quando defende a divulgação e a apropriação dos dados das avaliações externas pela comunidade escolar em processos de discussão coletiva: “[...] mesmo sendo avaliadas Língua Portuguesa e Matemática, o compromisso com os resultados é de responsabilidades de todos, evitando, assim, a responsabilização exclusiva destes professores”.

Nesse sentido, Koetz (2010, p. 173) ressalta os complexos desafios colocados à gestão pedagógica diante dos sistemas de avaliação externa numa perspectiva democrática, elegendo “[...] o de se preparar para inovar e criar estratégias de ação que propiciem integração com o seu grupo e com a comunidade escolar” como o principal, para subsidiar a reflexão e decisão coletiva para a melhoria da qualidade educacional.

Outra questão, não menos importante e que contribui para a melhoria do índice nacional, situa-se no campo do sistema de ensino, que não oferece infraestrutura adequada para o funcionamento da Escola “Modelo”, que há alguns anos vem desenvolvendo suas atividades em prédios provisórios, na longa espera pela entrega do seu prédio de origem.

A inexistência de uma identidade com o espaço físico e geográfico3, somada à falta de condições de trabalho, têm afetado o trabalho pedagógico dessa escola, na percepção da maioria dos profissionais entrevistados, e bem expressiva na fala da coordenadora: “[...] precisamos sair desse prédio. Eu penso que o prédio é o pontapé inicial, pois já temos o compromisso dos profissionais” (C.1).

É possível elevar o índice do IDEB com o desenvolvimento de um trabalho profissionalmente competente e compromissado, como afirma o antigo gestor:

[...] é preciso que o governo faça a parte dele e nos dê condições para que a gente consiga fazer com que o nosso aluno retome o prazer de estar na escola. O IDEB é consequência, ele vai subir naturalmente, acho que a gente não tem que ficar com a preocupação com o índice do IDEB, não é esse o objeto, nós queremos que os nossos alunos aprendam, se os nossos alunos aprenderem eles vão ter sucesso nas provas e, naturalmente, o índice do IDEB vai ser elevado, basta que a escola funcione com eficiência, com seriedade, não dessa forma que a gente está aqui... Eu penso que a gente tem que ter um ponto de vista de uma formação cultural mais ampla para viajar para outras áreas do conhecimento, mas hoje basicamente se amarra nisso (D.2).

A necessidade de resgatar no aluno o prazer de estar na escola e estimulá-lo para a aprendizagem pode fazer a diferença para uma formação cultural mais ampla, realizada por profissionais compromissados com a educação, pois se os alunos aprenderem, na visão do referido gestor “[...] eles vão ter sucesso nas provas” e o “[...] índice do IDEB vai ser elevado”, isso é uma consequência. Paro (2011, p. 157) fundamenta essa posição, quando afirma que a escola deve ser uma “[...] agência construtora de personalidades humano-históricas pela transmissão da cultura em sentido pleno” mas “[...] hoje ela fracassa tão rotundamente”, porque não consegue ensinar bem nem os conhecimentos privilegiados pelas avaliações externas.

Para tanto, é preciso que o governo, em todas as suas esferas, faça a sua parte, garantindo condições para o trabalho pedagógico se realizar, pois esta responsabilidade não é somente dos sujeitos que estão na escola. Segundo o antigo gestor,

[...] apesar das provas todas e das ações desenvolvidas pelos governos federais, estaduais, municipais, estamos percebendo que a cada dia nossos alunos sabem menos, seja na rede pública ou privada (D.2).

Dessa forma, uma avaliação comprometida com a qualidade social deve estar fundamentada nas bases teóricas da gestão democrática, num processo constante de construção de elementos (extra e intraescolar)4, envolvendo os diferentes sujeitos e a dinâmica pedagógica; que busque contrapor-se à nova lógica de organização educacional, voltada para resultados traduzidos por indicadores que reforçam a cultura da comparação, a exemplo do IDEB em nível nacional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao analisarmos a configuração da política de avaliação externa no contexto de reforma do Estado brasileiro, identificamos a presença de pressupostos mercadológicos na educação, orientados por organismos internacionais, sob a égide do Estado Avaliador e Regulador, que delineia uma nova lógica de organização pautada na cultura de resultados. Dessa forma, a centralidade em torno da avaliação e a sua vinculação com a qualidade, presente nas políticas, planos e programas educacionais (PDE/Plano de Metas), materializados pelo SAEB e IDEB, introduzem os princípios gerenciais (racionalidade econômica, controle, eficiência, competitividade, qualidade) para a gestão educacional.

A lógica da política de avaliação externa e do IDEB vêm mitigando a autonomia e interferindo no cotidiano dos sujeitos entrevistados, mais fortemente em relação aos fazeres docentes na busca de resultados mensuráveis. Outrossim, a ausência de discussão sobre as implicações das políticas de regulação e avaliação na escola tem propiciado uma aceitação natural da cultura de resultados.

Dentre os elementos que contribuíram para o desempenho do IDEB na escola, a pesquisa destaca que o mais evidente, relacionado ao aumento do IDEB, deu-se pela realização de aulas de reforço para os alunos. Isso confirma a inegável importância que o acesso ao conhecimento desempenha na vida do indivíduo, principalmente aqueles oriundos da escola pública, que socialmente são privados de outros bens culturais. Assim, o currículo praticado na escola básica não deve minimizar os conteúdos das disciplinas em função da origem socioeconômica de seus alunos, ao contrário, precisa garantir esse direito.

O IDEB, como indicador nacional de qualidade, traduz um conceito de qualidade instrumental; não representa para os entrevistados a realidade concreta do trabalho desenvolvido na escola; além de ser passível de manipulação, inclusive dentro da própria escola; e não contribui para a melhoria do processo educativo.

O estudo aponta para a necessidade de melhor compreensão dos resultados das avaliações externas e do IDEB, assim como da concepção de avaliação subjacente aos testes padronizados, especialmente em região com características geográficas e culturais como a Amazônia. Para isso, a concepção de avaliação precisa estar permeada de discussão coletiva para que não haja apenas aceitação, mas que promova a reflexão e a proposição pedagógica.

1Mede a qualidade educacional brasileira, relacionando informações sobre o rendimento escolar (aprovação) e o desempenho (proficiências) em exames padronizados, realizados pelo SAEB.

2Resultado da análise sobre a Base de Dados Integrada, composta de informações provenientes do SAEB, PDDE Interativo, microdados da Prova Brasil e Censo Escolar, referentes ao ano de 2013. Ver: Riscal e Luiz (2016).

3A escola estava funcionando provisoriamente em outro espaço em função do prédio oficial ter sido demolido para uma nova construção.

4Nas dimensões extraescolares destacam-se dois níveis: o do espaço social e o dos direitos, das obrigações e das garantias e nas dimensões intraescolares destacaram-se quatro níveis: condições de oferta do ensino; gestão e organização do trabalho escolar; formação, profissionalização e ação pedagógica; e, ainda, acesso, permanência e desempenho escolar (DOURADO, OLIVEIRA, SANTOS, 2007).

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Recebido: Março de 2020; Aceito: Abril de 2020

Informações das autoras

Dinair Leal da Hora

Docente Permanente da Universidade Federal do Pará nos Programas de Pós-Graduação em Currículo e Gestão da Escola Básica e Educação na Amazônia. Coordenadora do Curso de Doutorado em Educação na Amazônia - EDUCANORTE - Associação em Rede.

E-mail:tucupi@uol.com.br e dinairleal@ufpa.br

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3278-3914

Link Lattes: http://lattes.cnpq.br/2705119184820662

Luziane Said Cometti Lélis

Coordenadora Pedagógica da Secretaria Municipal de Educação do Município de Belém (PA) e Docente da Secretaria de Estado de Educação do Pará.

E-mail:luziane.bim@gmail.com

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7870-9023

Link Lattes: http://lattes.cnpq.br/0881299363936652

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