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Revista Teias

versão impressa ISSN 1518-5370versão On-line ISSN 1982-0305

Revista Teias vol.21 no.61 Rio de Janeiro abr./jun 2020  Epub 08-Jun-2020

https://doi.org/10.12957/teias.2020.28442 

Artigos de Demanda Contínua

ABORDAGENS PARA SENSIBILIZAÇÃO À DIVERSIDADE CULTURAL NO CURRÍCULO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE CIÊNCIAS: um estudo de caso

APPROACHES TO AWARENESS TO CULTURAL DIVERSITY IN THE SCIENCE TEACHER TRAINING CURRICULUM: a case study

ENFOQUES DE CONCIENCIACIÓN PARA LA DIVERSIDAD CULTURAL EN EL CURRÍCULO DE FORMACIÓN DE PROFESORES DE CIENCIAS: un estudio de caso

Camilla Ferreira Amorim1 
http://orcid.org/0000-0001-8701-8198

Geilsa Costa Santos Baptista2 
http://orcid.org/0000-0002-5871-0115

Graça Simões de Carvalho3 
http://orcid.org/0000-0002-0034-1329

1Universidade Estadual de Feira de Santana

2Universidade Estadual de Feira de Santana

3Universidade do Minho


Resumo

Apresentamos resultados de um estudo que objetivou caracterizar a formação inicial na Licenciatura em Biologia e em Pedagogia da Universidade Estadual de Feira de Santana para lidar com a diversidade cultural. Para isto, foram identificadas abordagens da História, Filosofia e Sociologia da Ciência e da Etnobiologia nas disciplinas destes cursos, categorizações e análise de conteúdo. Os resultados indicam que algumas, entre o total das disciplinas de ambos os cursos, possuem as referidas abordagens, sendo 2,98% para Biologia e 2,7% para Pedagogia. Entende-se que estas abordagens não são suficientes e sugerimos uma revisão dos currículos de modo a pontuar aproximações entre os aspectos teóricos trabalhados nos cursos e as vivências das escolas da região com relação à diversidade cultural.

Palavras-chave: formação de professores; ensino de ciências; diversidade cultural

Abstract

We present results of a study that aimed to characterize the initial training in the biology and pedagogy degrees of State University of Feira de Santana for dealing with cultural diversity. For this, they were identified approaches in history, philosophy and sociology of science and Ethnobiology in the subjects of these courses, categorizations, and content analysis. The results indicate that some of the total of the disciplines of both courses have these approaches, being 2.98% for Biology and 2.7% for pedagogy. It is understood that these approaches are not enough and suggested a review of curricula in order to score points among the theoretical approaches worked in the courses and the experiences of schools in the region with respect to cultural diversity.

Keywords: teacher training; science teaching; cultural diversity

Resumen

Presentamos los resultados de un estudio cuyo objetivo fue caracterizar la formación de grado en biología y pedagogía de la Universidad Estadual de Feira de Santana para tratar con la diversidad cultural. Se identificaron enfoques en historia, filosofía y Sociología de la ciencia y de la etnobiología en los contenidos de los cursos, con categorizaciones y análisis de contenido. Los resultados indican que, del total de las disciplinas de ambos cursos, algunas poseen los referidos abordajes con estos enfoques, siendo 2,98% para biología y 2,7% para pedagogía. Se entiende que estos enfoques no son suficientes y sugieren una revisión de los planes de estudio con el fin de ganar puntos entre los planteamientos teóricos trabajados en los cursos y las experiencias de las escuelas de la región en cuanto a diversidad cultural.

Palabras clave: formación de profesores; enseñanza de ciencias; diversidad cultural

INTRODUÇÃO

De acordo com Feldeman (2009), as práticas pedagógicas nas escolas são influenciadas pelas concepções dos professores que, por sua vez, são resultantes das suas formações - sejam inicial e/ou continuada. No caso dos professores de ciências, a concepção comumente interiorizada é, segundo Rodrigues et al. (2010), a do professor como transmissor de conhecimentos científicos inquestionáveis, e do estudante como receptor desses conhecimentos. Essa concepção é ruim para a prática pedagógica e educação científica porque, entre outros aspectos, contribui para o cientificismo, uma ideologia que promove superioridade epistêmica da ciência ocidental sobre todas as demais formas culturais de conhecer e explicar o mundo natural. Neste sentido, apenas os conhecimentos científicos podem ser apresentados nas salas de aula, inferiorizando as manifestações dos saberes que fazem parte dos meios socioculturais dos estudantes.

Na formação inicial, o cientificismo se faz presente nos componentes curriculares, pois, concordando com Delizoicov (2011), as licenciaturas vêm priorizando uma formação com ênfase na memorização de conhecimentos científicos que são desprovidos de contextualizações, não oferecendo aos futuros professores oportunidades de discussão sobre a epistemologia da ciência e, por conseguinte, uma compreensão adequada da natureza da ciência. Por natureza da ciência entende-se o conjunto de elementos que tratam da construção, estabelecimento, organização e validação do conhecimento científico (MOURA, 2014), podendo abranger desde questões internas, tais como método científico e relação entre experimento e teoria, até questões externas, como a influência de elementos sociais, culturais, religiosos e políticos na aceitação ou rejeição de ideias científicas. Lederman et al. (2013) argumentam que uma compreensão adequada da natureza da ciência pelos professores e estudantes pode ser facilitada através de uma abordagem explícita do trabalho científico e de como ocorre a construção dos conhecimentos científicos pelos cientistas. Nesse sentido, têm-se destacado a História e a Filosofia da Ciência como meios de promover uma compreensão da natureza da ciência e abrir espaços para o estabelecimento de relações dialógicas com outros modos de conhecer (MOURA, 2014).

Ensinar numa perspectiva dialógica, de acordo com Freire (1987), não pode ser considerado um simples ato de transmissão de conhecimentos pelo professor, sem as participações efetivas dos estudantes, porque o diálogo envolve a problematização para a tomada de decisões democráticas. De acordo com Baptista (2010), no diálogo entre o professor e os estudantes, e entre os estudantes, todos têm oportunidades igualitárias de comunicar seus conhecimentos, sejam eles científicos e não científicos, havendo sobre esses conhecimentos a negociação de significados, que são culturais.

Para Mortimer (2002), a comunicação entre o professor e os estudantes pode ter dois tipos de abordagem: 1- Autoridade, quando o professor considera o que o estudante tem a dizer somente se for do ponto de vista científico; e 2- Dialógica, quando ocorre a consideração do que o estudante tem a dizer do ponto de vista da sua própria cultura. Esta última é decorrente de uma formação docente sensível à diversidade cultural, isto é, que tem como premissa a atenção e respeito pelos diferentes conhecimentos culturais, obtidos pela investigação e compreensão do que se dá no diálogo intercultural entre conhecimentos científicos trabalhados nas escolas e conhecimentos que são oriundos dos meios socioculturais dos estudantes (BAPTISTA, 2015).

A promoção do diálogo nas aulas de ciências pode ter importantes contribuições da etnobiologia, um campo acadêmico que se ocupa da investigação dos diferentes conhecimentos e

conceituações desenvolvidas por qualquer sociedade e suas culturas a respeito da biologia (POSEY, 1986). Segundo Baptista e El-Hani (2009), a etnobiologia contribui para o ensino, aprendizagem e formação dos professores de ciências (ciências naturais e biologia) e isto porque, por meio de publicações e/ou de procedimentos metodológicos de pesquisa, os professores podem investigar e compreender conhecimentos culturais dos estudantes, para considerá-los em diálogo que seja intercultural (BAPTISTA, EL-HANI, 2009). No que se refere às publicações, os professores poderão fazer uso de dados resultantes de pesquisas com comunidades das quais os estudantes são membros, por exemplo, de agricultores, quilombolas, pescadores, entre outros; com relação a procedimentos de pesquisa, os professores poderão fazer uso de estratégias e técnicas para investigações, tanto em campo, junto à comunidade do estudante, como em sala de aula, sempre em comum acordo com os sujeitos participantes e respeitando as questões éticas (BAPTISTA, EL-HANI, 2009).

No presente trabalho, são apresentados os resultados de uma pesquisa qualitativa que teve por objetivo analisar a formação inicial de professores de ciências naturais e de biologia para a promoção do diálogo intercultural nas salas de aulas - no caso específico, o curso de Licenciatura em Biologia e em Pedagogia da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Partiu-se do seguinte questionamento: as licenciaturas em Biologia e Pedagogia da UEFS possuem entre os seus componentes curriculares abordagens que permitem a sensibilização dos futuros professores para a promoção do diálogo intercultural nas salas de aula?

Importa destacar que a literatura internacional em educação usa o termo “professor culturalmente sensível” (culturally sensitive teacher) para referir-se ao professor que pratica o ensino “culturalmente responsável” (culturally responsible), isto é, ao professor que está ciente e contempla as necessidades dos estudantes de diferentes culturas e etnicidades. Para o contexto do ensino de ciências, usamos o termo “professor sensível à diversidade cultural”, por incluir entre essa diversidade a ciência Ocidental como uma entre as inúmeras maneiras de produzir conhecimentos e explicações acerca do mundo natural.

METODOLOGIA

Abordagem da pesquisa

A pesquisa teve abordagem quali-quantitativa e foi desenvolvida entre os meses de setembro de 2016 a fevereiro de 2017, seguindo três etapas consecutivas e interligadas. Segundo Souza e Kerbauy (2017), a pesquisa quali-quantitativa é aquela que combina elementos das abordagens qualitativa e quantitativa com o propósito de complementaridade, portanto, buscando interligar objetividade e subjetividade, a depender das particularidades do objeto de pesquisa. Justificamos a escolha desta abordagem por entendermos que nossos dados qualitativos poderiam ser apoiados em dados quantitativos, e vice-versa, nos permitindo uma melhor discussão do nosso objeto de pesquisa (CRESWELL, CLARK, 2007).

Breve caracterização do campo de pesquisa

A caracterização do campo de pesquisa, que incluiu as Licenciaturas em Biologia e em Pedagogia da UEFS, se fez a partir de informações obtidas junto aos colegiados de curso; ao site da UEFS, que trata do histórico da instituição ( http://www.uefs.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=12, acesso em dez. 2016); e nos sites de cada curso: Biologia ( http://www1.uefs.br/portal/colegiados/ciências-biológicas,

acesso em dez. 2016) e Pedagogia ( http://www.uefs.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=54, acesso em dez. 2016).

A opção pelas referidas licenciaturas se deu porque na UEFS são elas as responsáveis pela formação de professores que atuarão no ensino de Ciências Naturais (Nível Fundamental, dos 6 aos 11 anos de idade) e Biologia (Níveis Fundamental e Médio, dos 12 aos 17 anos de idade).

Licenciatura em Ciências Biológicas

A UEFS foi fundada no ano de 1976 e está localizada em Feira de Santana, região semiárida do estado da Bahia, Brasil, cerca de 116 km de Salvador, capital do estado. Junto com sua fundação foi implantada a Licenciatura Plena em Ciências, habilitação em Matemática e Biologia e em Ciências (antigo 10 Grau).

Em 1987, foi implantada a Licenciatura em Ciências Biológicas, que durou nessa modalidade formativa até o ano de 1998. Nesse mesmo ano, dada a necessidade de acompanhamento da política educacional do país, das dinâmicas sociais e atuação profissional do biólogo, houve reorganização do currículo do curso, sendo implantado e ofertado ao público a modalidade Bacharelado. Assim, em 1998 passaram a ser oferecidas vagas nas modalidades de Licenciatura e de Bacharelado.

Para atender as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores para a Educação Básica em Nível Superior (Resolução CNE/CP n.º 1, de 18 de fevereiro de 2002), o Colegiado do Curso de Ciências Biológicas deu início à reformulação da Licenciatura no ano de 2004, que culminou entre os anos de 2010 e 2011, atendendo a Resolução CNE/CP n.º 2. Assim, a Licenciatura em Ciências Biológicas da UEFS foi reformulada, resultando na separação do curso em Licenciatura e Bacharelado, com ingresso por meio de seleção independente.

A partir do processo seletivo do ano 2013, o candidato que concorria ao curso de Ciências Biológicas da UEFS deveria fazer opção pela Licenciatura ou pelo Bacharelado. No caso da Licenciatura, os sujeitos, ao ingressarem, teriam formação para atuar tanto no ensino como na pesquisa, nas escolas ou noutros espaços, como ONGs, instituições de saúde, universidades etc. Neste sentido, têm sido oferecidos aos futuros professores programas institucionais para a formação complementar, a exemplo dos Programas de Monitoria, de Iniciação à Docência, de Pesquisa e de Extensão.

Licenciatura em Pedagogia

O curso de Pedagogia da UEFS foi implantado em 1987, atendendo a demanda da época, de formação de professores em nível superior, para atuar no sistema de ensino da região geoeducacional de Feira de Santana, particularmente nas escolas do antigo 1º Grau.

Hoje, o Licenciado em Pedagogia pela UEFS, tendo a docência como base da identidade profissional, deverá estar apto para exercer suas atividades na Educação Infantil e no Ensino Fundamental (ênfase nos anos iniciais do nível fundamental), na gestão educacional, bem como na produção e difusão de conhecimentos em educação, concebendo o fenômeno educativo no processo histórico, dinâmico e diversificado, respondendo criticamente aos desafios que a sociedade lhe coloca. Portanto, o curso de Pedagogia da UEFS pretende que o profissional nele formado atue de forma ética, crítica e cooperativa, exercendo a capacidade de liderança e de busca permanente do conhecimento.

Coleta e análise dos dados

A coleta e análise dos dados aconteceu em três etapas interligadas. A primeira consistiu no levantamento de dados bibliográficos na literatura em educação e em ensino de ciências, nas bibliotecas das universidades Federal da Bahia e Estadual de Feira de Santana, além de buscas na internet (Web of Science, Springer link, Science Direct, Scopus). Isto permitiu o aprofundamento teórico acerca da temática e amparo às discussões realizadas no presente trabalho.

Na segunda etapa, identificamos os programas dos componentes curriculares (obrigatórios e optativos) das licenciaturas sob estudo, junto aos seus colegiados e sites. Nesses componentes, especificamente nas ementas e objetivos, buscamos identificar e selecionar os dados para análise, as abordagens que pudessem ser consideradas como promotoras da sensibilização dos professores para o diálogo intercultural, a saber: da Etnobiologia, da História, da Filosofia e Sociologia da Ciência. Para isto, utilizamos 12 palavras-chave: diálogos, interculturalidade, diversidade cultural, multicultural, sociointeração, culturalmente sensível, etnobiologia, epistemologia, natureza da ciência, história da ciência, sociologia e antropologia. A escolha destas palavras se deu pelo fato de que elas são as mais utilizadas na literatura da área de ensino de ciências, voltada para a nossa temática de pesquisa e, sendo assim, poderiam auxiliar no alcance do objetivo proposto.

No caso da busca por palavras relacionadas com a História e a Filosofia da ciência, estas, quando encontradas, deveriam estar associadas com as demais palavras pontuadas. Isto porque consideramos que não somente a abordagem da História e da Filosofia da ciência garantirá a sensibilização do professor para a diversidade cultural. A História e a Filosofia da ciência contribuem para a compreensão da natureza do conhecimento científico e de seu processo de construção numa determinada época, o que poderá auxiliar também na compreensão de como a ciência pode ser delimitada do ponto de vista epistemológico, e como poderá dialogar com outros sistemas de saberes. Porém, para que isto ocorra, entendemos ser preciso abordagens mais amplas, que envolvam aspectos sociais e antropológicos.

Na terceira e última etapa, procedemos à análise de conteúdo (BARDIN, 2002), quando os dados obtidos foram organizados em categorias temáticas, utilizando o critério semântico. Assim, foram criadas unidades de registro com base no significado e na interpretação das palavras-chave presentes nas ementas e objetivos dos programas. As categorizações abrangeram duas etapas: 1. Listagem, com isolamento das informações em unidades de registro; e 2. Classificação, com a organização das informações dentro de determinados temas. Sobre essas categorias procedemos nossa discussão à luz dos referenciais teóricos da etnobiologia e da área de ensino de ciências.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A seguir, são apresentados os dados obtidos nas ementas e programas de cada licenciatura, organizados em categorias temáticas, com base no agrupamento dos seus significados, no que tange à formação docente sensível ao diálogo intercultural.

Licenciatura em Ciências Biológicas

Para a Licenciatura em Biologia foram identificados 134 programas dos variados componentes curriculares, sendo 58 obrigatórios e 76 optativos. Desses componentes, 4 apresentaram relações com as palavras-chave buscadas, isto é, 2,98%. Com base nesses programas, foram geradas três categorias: 1. Etnobiologia e Pluralidade Cultural; 2. Introdução à Sociologia e à Antropologia; e 3. História e Filosofia da ciência. Procedeu-se à análise e interpretação de cada uma dessas categorias, conforme se apresenta a seguir.

Categoria 1: Etnobiologia e pluralidade cultural

A abordagem de etnobiologia e pluralidade cultural foi encontrada nos componentes curriculares Etnobiologia A (BIO 547) e Pluralidade Cultural e Inclusão Escolar (EDU 354) da Licenciatura em Biologia da UEFS (Tabela 1).

Tabela 1 Abordagem em etnobiologia e pluralidade cultural nas ementas e objetivos dos componentes curriculares BIO 547 e EDU 354 da Licenciatura em Biologia 

Componente curricular: Etnobiologia - A (código: BIO 547)
Ementa Objetivos gerais e/ou específicos
-A Etnobiologia como ciência, seus fundamentos interdisciplinares, seus métodos, suas aplicações e seus contributos.
-Conhecimento das ferramentas metodológicas etnocientíficas que permitem a elucidação das relações do homem com a natureza, associando em pequena escala reflexão ecológica e abordagem cultural.
-Etnomanejo de ecossistemas por populações tradicionais e etnoconservação da biodiversidade.
-Apresentar pressupostos históricos da etnobiologia;
-capacitar o aluno a pensar e investigar as diversas interações existentes entre os seres humanos e a natureza;
-apresentar as ferramentas teórico- metodológicas da pesquisa em etnobiologia;
-iniciar o aluno na pesquisa etnobiológica;
-realizar atividades de campo em comunidades locais e urbanas para emprego da metodologia;
-compreender a importância dos animais e plantas na vida sociocultural de diferentes comunidades humanas;
-discutir os sistemas de classificação etnobiológicos;
-discutir aspectos éticos relacionados à pesquisa etnobiológica.
 
Componente curricular: Pluralidade Cultural e Inclusão Escolar (código: EDU 354)
Ementa Objetivos gerais e/ou específicos
-A escola como espaço sociocultural e a construção de identidades, subjetividades e alteridades.
-A produção do conhecimento biológico e as relações Étnico-Raciais, História e Cultura Afro-Brasileira; Africana e Indígena.
-As diferenças de gênero, de corpo, de sexualidade.
-O debate entre universalismo e multiculturalismo e a relação entre ciência e outras formas de conhecimento no âmbito da educação científica sensível culturalmente.
-Elaboração de projetos para a pluralidade e inclusão escolar.
-Conhecer e discutir o conceito de cultura numa perspectiva antropológica;
-conhecer e discutir as relações entre natureza e cultura;
-identificar e caracterizar a escola como um espaço sociocultural, de construção e respeito de identidade, subjetividades e alteridades;
-pontuar os principais debates que envolvem educação escolar em ciências e diversidade cultural, posicionando-se com relação aos seus argumentos centrais;
-identificar e discutir a divulgação do conhecimento biológico e as relações étnico- raciais, sexualidade, presentes em textos e narrativas educacionais como, por exemplo: livros didáticos, currículos, planejamento de ensino, avaliações etc.;
-compreender a pluralidade cultural na formação de professores e professoras de ciências, especialmente de Biologia;
-elaborar projetos para a pluralidade e inclusão escolar no ensino de Biologia.

Fonte: Autoria própria, 2017.

O componente curricular Etnobiologia A (BIO 547), apesar de fazer referência direta ao objeto de estudo da etnobiologia, que são as relações do homem com a natureza, associando reflexões ecológicas e abordagens culturais, não apresenta, na sua ementa e objetivos, abordagem explícita sobre a contribuição desta ciência para o ensino, aprendizagem e formação de professores de Biologia (Tabela 1), tal como defendido por Baptista (2010, 2015) e Baptista e El-Hani (2009).

Por entender que a etnobiologia busca compreender e considerar os conhecimentos dos membros de diferentes grupos culturais acerca da natureza, dos seres vivos e fenômenos biológicos (ROSA, OREY, 2014), Baptista (2015) argumenta que esta ciência pode contribuir para a formação dos professores de ciências que seja sensível à diversidade cultural, porque apoia esses profissionais, por meio de referenciais teóricos e metodológicos, em suas práticas pedagógicas, para que investiguem, compreendam e considerem os conhecimentos culturais dos estudantes e, com base nisto, elaborem e utilizem recursos e estratégias didáticas que promovam o diálogo entre diferentes saberes culturais. Sendo assim, seria interessante que BIO 547 apresentasse explicitamente, na sua ementa e objetivos, abordagens acerca das contribuições da etnobiologia para a formação docente e o ensino de biologia.

BIO 547 poderia, ainda, estimular os licenciandos à produção de recursos e sequências didáticas, análises de livros didáticos, observações de espaços culturais das escolas e salas de aula etc., tudo de forma colaborativa com os professores das escolas localizadas na região como, por exemplo, em comunidades tradicionais das quais os estudantes são membros - forma de sensibilização dos futuros professores e de ampliação de seus saberes e práticas da docência que consideram e respeitam a diversidade cultural em salas de aula.

Segundo Brasil (1997), a temática da pluralidade cultural diz respeito à valorização das características étnicas e culturais dos diferentes grupos sociais que convivem no território nacional, sendo preciso dar atenção às desigualdades socioeconômicas e às relações sociais discriminatórias e excludentes. Esta premissa está contemplada no componente curricular Pluralidade Cultural e Inclusão Escolar (EDU 354), pois na ementa e objetivos existem abordagens que contribuem para a formação do futuro professor que considera e respeita a pluralidade cultural dos diferentes grupos sociais, incluindo aí o entendimento de ciência como uma entre as inúmeras culturas existentes (Tabela 1). Nessa abordagem, trabalha a produção do conhecimento biológico e suas relações com questões étnico-raciais, da história e cultura afro-brasileira, africana e indígena, e de gênero, corpo e sexualidade.

Para além dessas abordagens, EDU 354 promove oportunidades de planejamento de práticas pedagógicas voltadas às realidades culturais dos educandos nas escolas e, sendo assim, o licenciando poderá analisar criticamente sua futura prática pedagógica, a fim de desenvolver-se no sentido indicado por Mortimer (2002), de criar estratégias que facilitem as interações com os estudantes. Ainda, promover a construção do significado, no plano social, das aulas de ciências na escola, auxiliando os estudantes na ampliação de seus perfis de concepções culturais com concepções científicas.

A consideração da diversidade cultural vem ganhando espaço no campo da educação e da formação de professores (CANEN, XAVIER, 2011). Isto se deve ao fato de que as salas de aula estão cada vez mais compostas por distintas culturas, sendo preciso uma formação docente adequada para lidar com essa diversidade. Observamos que um dos objetivos do componente curricular EDU 354 (Tabela 1) é identificar a escola como um espaço sociocultural, de construção e respeito das identidades, subjetividades e alteridades, o que consideramos uma das premissas básicas para a formação docente que sabe lidar com a diversidade cultural. A identificação da escola como espaço social no qual transitam várias culturas pode despertar a atenção dos licenciandos para a necessidade de promover diálogos entre os conhecimentos científicos e os conhecimentos culturais dos estudantes. De igual forma, para que se coloquem no lugar do outro, respeitando suas identidades com posição de solidariedade - algo fundamental para a convivência pacífica dentro das escolas e salas de aula.

Para Brasil (1997), o respeito e a solidariedade nas escolas requerem investigar e conhecer a diversidade cultural, para a superação de qualquer tipo de discriminação dos modos particulares de cada grupo que compõe o país. O componente EDU 354, além de trabalhar a pluralidade cultural, também centra atenção na inclusão escolar, o que poderá contribuir para que o futuro professor compreenda e trabalhe com os variados perfis de estudantes, incluindo aqueles com limitações físicas e/ou mentais. Segundo Maciel (2000), a temática inclusão de pessoas com necessidades especiais ainda é muito incipiente no Brasil. Por esta razão, defendemos que a formação do professor (inicial e continuada) se volte para essa temática, como forma de reflexão acerca da necessidade de inovações e busca de estratégias que mudem o quadro de marginalização das pessoas com deficiência, que também são estudantes nas escolas. EDU 354 indica a elaboração de projetos para inclusão escolar no ensino de Biologia, como oportunidade para que os futuros professores antevejam possibilidades de ensino inclusivo.

Categoria 2: Sociologia e Antropologia

A abordagem de Sociologia e Antropologia encontrou-se apenas no componente curricular Aspectos Sociológicos e Antropológicos (CHF 570) da Licenciatura em Biologia da UEFS (Tabela 2).

Tabela 2 Abordagem em Sociologia e Antropologia na ementa e objetivos do componente curricular CHF 570 da Licenciatura em Biologia 

Componente curricular: Aspectos Sociológicos e Antropológicos (código: CHF 570)
Ementa Objetivos gerais e/ou específicos
- Conceitos básicos de Antropologia. Origem da humanidade.
- Fases do desenvolvimento humano.
-Conceituação de etnocentrismo e relativização cultural.
-O passado cultural do homem.
-Os grupos antropológicos brasileiros.
-As estratificações sociais a partir das questões de gênero e de etnicidade.
- Fomentar debate sobre os conceitos de cultura e de etnocentrismo;
-abordar tendências teórico-metodológicas da Antropologia como o Evolucionismo e o Relativismo Cultural, identificando algumas de suas reflexões e principais representantes;
-analisar a formação do Brasil em suas dimensões multiétnica emulticultural;
-tratar sobre questões sociais no Brasil: desigualdades étnicas, de classe social e de gênero.

Fonte: Autoria própria, 2017.

Segundo Santos (2008), a Antropologia é considerada uma ciência que permite compreender, respeitar e valorizar a diversidade cultural. Como podemos observar na Tabela 2, a ementa de Aspectos Sociológicos e Antropológicos (CHF 570) pode produzir relação dos licenciandos com os demais componentes do curso, como o de EDU 354, ampliando possibilidades formativas de reflexão no tocante ao ensino da Biologia e diversidade cultural. O componente em referência trabalha com questões voltadas para a diversidade cultural, como desigualdades étnicas, de classe social e de gênero; os diversos conceitos sobre cultura; relativização cultural; etnocentrismo; entre outros.

A Antropologia nos cursos de formação docente contribui para que o professor seja sensível à diversidade cultural, no seguinte sentido:

O conhecimento antropológico permite ao docente em formação desnaturalizar a realidade social, ao questionar as formas estáticas de compreensão da dinâmica cultural, ao mesmo tempo em que permite que eles [os estudantes] possam também familiarizar o que lhes parece estranho, por meio do relativismo cultural. Leva ainda tais educandos a questionar a suposta “neutralidade cultural” da escola, demarcando uma postura crítica com relação aos discursos produzidos em torno desta suposta neutralidade, subsidiando o educador em formação para a desconstrução de tal concepção, o que só é possível quando compreendemos a cultura por uma perspectiva plural e polifônica (OLIVEIRA, 2012, p. 9).

Além de poder estabelecer relação com os demais componentes do curso, CHF 570, por envolver temáticas acerca do ser humano e da humanidade no geral, pode gerar discussões correlacionadas com as realidades socioculturais dos sujeitos que frequentam as escolas e com as bases teóricas acerca da influência das culturas nas interações sociais e no desenvolvimento psicológico dos sujeitos, por exemplo o sociointeracionismo de Vygotsky (2005).

O componente curricular CHF 570 traz engajado em sua ementa o etnocentrismo, um elemento importante para a formação docente, pois trata-se de visão de mundo que pode exercer influências negativas nas práticas pedagógicas e, por conseguinte, nas aprendizagens dos estudantes, se promover superioridade de um determinado grupo étnico, nação ou nacionalidade como mais importante do que os demais e, portanto, mais valorizado. De acordo com Rocha (1984), o etnocentrismo é antigo e no Brasil tem seu princípio com a colonização dos portugueses, que afirmaram a condição de superioridade cultural para dominar povos indígenas aqui encontrados e demais populações locais que foram se formando no país. De forma atrelada ao etnocentrismo, este componente abre espaço para que futuros professores possam refletir acerca da formação do povo brasileiro e como os europeus terminaram por disseminar o cientificismo que ainda é marcante nas escolas da atualidade, muitas vezes não sendo intencional pelos professores, mas enraizado em suas formações.

Outra abordagem importante para a formação inicial do professor de Biologia apresentada no programa de CHF 570 é o Evolucionismo, que constitui temática orientadora da Biologia, pois dela partem diversos conceitos relacionados ao conhecimento biológico. Esta abordagem auxiliará o licenciando na compreensão dos conceitos básicos da Biologia e como esta ciência não pode ser colocada em posição de superioridade e nem de relativismo com relação às demais explicações acerca da origem e evolução dos seres vivos, como frequentemente acontece em salas de aula, quando são apresentados argumentos religiosos do criacionismo. A fim de contemplar a relação pacífica entre ciência e religião, Barbour (2000) propõe a realização de diálogo entre saberes que integram esses dois modos de conhecer.

Categoria 3: História e Filosofia da ciência

Encontramos abordagens da História e Filosofia da ciência apenas no componente curricular Evolução do Pensamento Filosófico-Científico - CHF 570 (Tabela 3).

Tabela 3 Abordagem em História e Filosofia da ciência na ementa e objetivos do componente curricular CHF 568 da Licenciatura em Biologia 

Componente curricular: Evolução do Pensamento Filosófico-Científico (código: CHF 568)
Ementa Objetivos gerais e/ou específicos
-Os albores da Ciência e a construção do pensamento ocidental na Grécia Clássica.
-As fundações da Modernidade: a Revolução Copernicana e o confronto racionalismo empirismo.
-Os aportes da Filosofia da Ciência: o falsificacionismo de Popper; os paradigmas e as revoluções científicas de Kuhn; os programas de pesquisa de Lakatos; o anarquismo epistemológico de Feyerabend.
-Tópicos de Filosofia da Biologia.
-Apresentar os principais tópicos da Filosofia do Conhecimento, preferencialmente através dos textos filosóficos e científicos originais,de modo a possibilitar a compreensão da Ciência como um novo momento na História do Pensamento Ocidental e sua inserção nos debates sobre as questões filosófico-científicas mais duradouras e fundamentais;
-introduzir, também, as questões específicas das Ciências Biológicas, com atenção para variantes teóricas do pensamento evolucionista, tanto as vigentes em momentos anteriores à História da Evolução, como as que hoje se apresentam nos embates científicos.

Fonte: Autoria própria, 2017.

Para Almeida (2012), a inserção de temas da História e Filosofia da Ciência nos currículos da licenciatura permite aos graduandos atribuírem significados aos conteúdos científicos abordados, podendo interferir nas futuras práticas, para que tenham entre seus objetivos de ensino a compreensão da história da construção do conhecimento científico e sua epistemologia, despertando nos estudantes a possibilidade de reflexões sobre o assunto.

A ementa e objetivos do componente curricular Evolução do Pensamento Filosófico-Científico (CHF 568) trazem abordagens que contribuem para reflexões epistemológicas por parte do futuro professor de Biologia, para que compreendam características particulares do trabalho científico e como a ciência ocidental e suas subdivisões se desenvolvem e enfrentam

transformações ao longo dos anos para possibilitar, por conseguinte, que ensinem Biologia de forma adequada (MATTHEWS, 1995).

Alguns exemplos dessas abordagens presentes em CHF 568 que contribuem para a formação inicial do professor de Biologia, é o falsificacionismo de Popper e as revoluções científicas de Kuhn, que permitem compreensão acerca de como a ciência evolui ao longo dos tempos. Conforme Santos e Oliosi (2013), essa compreensão promove a superação de ideias distorcidas sobre a ciência, à medida que é possível conhecer em que circunstância ocorre a construção do saber científico e entender questões epistemológicas que envolvem a ciência e a tecnologia, sem perder de vista a relação com as dimensões humana e social.

Por último, ainda como exemplo de abordagens presentes em CHF 568, promotoras da formação docente sensível à diversidade cultural, destacamos o anarquismo epistemológico de Feyerabend, a partir do qual, concordando com Tréz (2011), é possível problematizar o cientificismo, que legitima a autoridade da ciência ocidental em sociedades ao redor do mundo.

Licenciatura em Pedagogia

Na licenciatura em Pedagogia da UEFS foram identificados 65 programas nos diversos componentes curriculares, sendo 39 obrigatórios e 26 optativos. Destes 65, por questões relacionadas à organização interna do Curso, apenas 37 estavam disponíveis para consulta (56,9%), faltando, assim, 28 programas (43,1%). Dos 37 programas de componentes curriculares disponíveis e consultados, apenas 1 apresentou relações com as palavras-chave utilizadas, o que corresponde a 2,7%.

Sobre a não disponibilidade dos programas, importa salientar que isto pode trazer uma série de implicações, tanto para os licenciandos como para pesquisadores que se interessarem por esses documentos. No caso dos licenciandos, pode resultar no desconhecimento acerca das ementas, dos objetivos, dos conteúdos, das metodologias e avaliações previstos nesses componentes, além da bibliografia básica e complementar que dará suporte para leituras e ampliação das bases teóricas.

De acordo com Veiga (2006), a docência, no sentido acadêmico, é o trabalho dos professores como um todo, que desempenham um conjunto de funções que ultrapassam as tarefas de ministrar aulas. Assim, acessar programas de componentes curriculares que integram um determinado curso é parte do trabalho docente; docente este que poderá fazer do seu uso um instrumento para sua formação e desenvolvimento profissional, ao realizar leituras, análises e proposições sobre esse material.

Categoria 1: Diversidade Cultural

Com base no único programa identificado (EDU 310), foi gerada uma categoria temática, a saber: Diversidade Cultural. Sobre essa categoria, procedemos à discussão, tendo por base a ementa e objetivos do componente, conforme a Tabela 4 a seguir.

Tabela 4 Abordagem em diversidade cultural na ementa e objetivos do componente curricular EDU 310 da Licenciatura em Pedagogia 

Componente curricular: Educação e diversidade cultural (código: EDU 310)
Ementa Objetivos gerais e/ou específicos
- A escola como espaço sociocultural: clivagens de classe, inter-étnicas, sexuais e de gênero.
-Identidades e alteridades no Brasil contemporâneo.
-Diversidade cultural e suas implicações no processo de conhecimento e significação do mundo.
- Discutir as principais contribuições dos Estudos Culturais para os debates que envolvem educação escolar e diversidade cultural;
-questionar formas dominantes de capital cultural, com vista a desvelar as políticas de diferença e os interesses ideológicos presentes em textos e narrativas educacionais - livros didáticos, currículos, programas de ensino etc.;
-ampliar a noção de cultura como esfera de conhecimento, para além dos cânones tradicionais da "alta cultura", com vista a considerar outros locais onde também ocorre aprendizagem - cultura popular, cultura de mídia, cinema, televisão, organizações religiosas, atividades de lazer etc.;
-discutir possibilidades de vincular as práticas pedagógicas às experiências que alunos e alunas carregam consigo durante seus encontros com o conhecimento institucionalizado;
-discutir o conceito de pedagogia como modo de produção cultural, cujos sistemas de significação encontram-se implicados na produção de identidades e subjetividades.

Fonte: Autoria própria, 2017.

O componente curricular EDU 310 apresenta uma abordagem importante para a formação inicial do pedagogo para atuar com sensibilidade e atenção diante da diversidade cultural das salas de aula da educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental, estando em concordância com o argumento apresentado por Kadlubitski e Junqueira (2010), de que o currículo do Curso de Pedagogia deve proporcionar experiências aos futuros pedagogos para que construam conhecimentos relacionados à docência de modo a conseguir atuar com competência adequada num determinado contexto escolar, em que transitam saberes e realidades, sendo, portanto, um espaço dinâmico e polissêmico.

Uma apreciação dos objetivos que estão na Tabela 4, indicam que este componente gera oportunidades de discussão que pode incidir em reflexões acerca das contribuições dos estudos culturais para a educação escolar e sua relação com a diversidade cultural do país, incluindo aí questões sobre políticas públicas da educação, interesses ideológicos que se fazem presentes nos textos e em narrativas educacionais, entre outras. Nesse contexto, importa destacar que EDU 310 não traz citação explícita ao diálogo intercultural, mas aponta a necessidade de vincular o conhecimento institucionalizado com os saberes prévios dos estudantes, oriundos de experiências socioculturais, o que acreditamos ser um indicativo de que o componente está aberto ao uso de estratégias que facilitem a formação do professor, neste sentido. Para que a escola seja um espaço inclusivo a todos os cidadãos, torna-se imprescindível que a formação do professor esteja voltada à perspectiva intercultural, o que significa, entre outros aspectos, promover momentos de diálogos, com compartilhamento de saberes e ideias entre diferentes grupos culturais (CANDAU, KOFF, 2006).

Apesar dessa abordagem, que consideramos positiva, identificamos uma problemática no programa do componente EDU 310. Como é possível observar na Tabela 4, EDU 310 pontua

entre seus objetivos “Ampliar a noção de cultura como esfera de conhecimento, para além dos cânones tradicionais da ‘alta cultura’, com vista a considerar outros locais onde também ocorre aprendizagem - cultura popular, cultura de mídia, cinema, televisão, organizações religiosas, atividades de lazer etc.”. Disto decorre inferir que, para além da aprendizagem, seria importante que o referido componente explicitasse o ensino. Isto porque, é fato, existem diversas culturas e, entre elas, a da ciência ocidental. Estas culturas produzem diversos conhecimentos, em diferentes contextos, construídos e reconstruídos por seus membros por meio de diferentes maneiras e, portanto, sendo ensinados e aprendidos de diferentes modos.

Uma abordagem explícita sobre os diferentes contextos em que ocorrem ensino e aprendizagem, incluindo o dos conhecimentos científicos, pode auxiliar os futuros pedagogos em suas reflexões sobre como vem ocorrendo o ensino de ciências, de modo a ressignificá-lo. Concordando com Ducatti-Silva (2005), o ensino de ciências vem acontecendo sem contextualização dos conhecimentos científicos; de como são construídos e transmitidos dentro e fora da comunidade científica - o que termina por gerar a ideia de que a ciência é algo distante dos ambientes e das relações humanas. Essas reflexões, entretanto, precisam considerar as particularidades das crianças, de suas realidades sociais e relações com seus desenvolvimentos cognitivos, seja na educação infantil e/ou nos anos iniciais do ensino fundamental (OVIGLI, BERTUCCI, 2009).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nossa investigação analisou ementas e objetivos dos programas de componentes curriculares das licenciaturas em Biologia e em Pedagogia da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), em busca de abordagens que permitam a formação inicial do professor sensível à promoção do diálogo intercultural nas salas de aula.

Consideramos que os referidos Cursos apresentam, nos componentes curriculares investigados, abordagens que permitem a preparação dos licenciandos para a realização de diálogo intercultural nas salas de aula, tanto de Ciências Naturais (ensino fundamental) quanto de Biologia (nos níveis fundamental e médio), por explicitarem temáticas que contribuem para problematizações e reflexões sobre questões de grande relevância para o ensino e a aprendizagem, como, por exemplo, desigualdades étnicas, natureza da ciência, relativização cultural, cientificismo e suas consequências para o ensino e a aprendizagem etc.

Todavia, entendemos que, para além dessas abordagens, são necessários indicativos explícitos nesses componentes (ementas e objetivos) de geração de oportunidades para que futuros professores conheçam e vivenciem experiências nos próprios espaços escolares, que se relacionem com a diversidade cultural neles presentes. Neste sentido, seria importante a utilização de referenciais teóricos das áreas sob estudo que tratam da formação inicial de professores; da relação entre teoria e prática com base na parceria colaborativa entre universidade e escola; e entre pesquisa e ensino. A formação de professores envolve uma multiplicidade do saber pensar e agir dos sujeitos envolvidos, e isto requer articulações com diversos espaços, para além dos muros das universidades. Entre os componentes curriculares que analisamos, apenas EDU 354, da Licenciatura em Ciências Biológicas traz indicativo de elaboração de projeto para o ensino e no tocante à pluralidade cultural e inclusão escolar.

Diante dos resultados encontrados e discutidos, propomos que as licenciaturas em Ciências Biológicas e em Pedagogia da UEFS busquem ampliar suas ementas e/ou objetivos, particularmente de componentes que tratam da História e Filosofia da ciência, da Sociologia, da Antropologia, da Etnobiologia e da Educação e diversidade cultural, no sentido de pontuar

explicitamente aproximações entre aspectos teóricos trabalhados na Universidade com as práticas pedagógicas e realidades culturais dos sujeitos que frequentam as escolas da região.

Neste sentido, sugerimos atenção dos formadores de professores, aos momentos e tempos didáticos destinados a esses componentes, para que os futuros professores, em colaboração com os professores de Ciências Naturais e Biologia que já atuam nas escolas, possam elaborar e aplicar recursos e sequências didáticas para o diálogo intercultural, como propõe EDU 354 no seu programa. Sugerimos que isto envolva conteúdos do ensino de ciências que as escolas estão trabalhando e que tenham relação com experiências cotidianas dos estudantes como, por exemplo: Vida e ambientes; Corpo humano, Higiene e saúde; Alimentos e nutrientes; Ação antrópica e desenvolvimento sustentável; Genética e evolução do homem. De igual forma, será importante que os conteúdos atraiam a curiosidade, explorem a capacidade de imaginação e compreensão de aspectos históricos das atividades científicas como o surgimento do Universo e o Big-Bang, a Abiogênese e a Origem da vida.

Por último, pontuamos algumas limitações de nossa pesquisa, que consideramos importantes para melhor compreensão deste artigo, especificamente com relação à coleta de dados, que poderia ter sido feita sobre todo o programa de cada componente curricular, indo além de ementas e objetivos. De igual forma, poderíamos ter realizado entrevistas com docentes responsáveis pelos componentes curriculares utilizados e com discentes das licenciaturas, como forma de melhor compreender as realidades de ensino e formação de futuros professores de ciências, acerca da promoção do diálogo sobre diversidade cultural. Neste sentido, informamos que pretendemos dar continuidade a nosso estudo e, para isto, foi elaborado um outro artigo intitulado A consideração da diversidade cultural no ensino de ciências: visões de futuros professores de Biologia, o qual foi submetido e aceito para publicação em 2020, na Revista Góndola, Enseñanza y Aprendizaje de las Ciencias. O próximo passo será a elaboração de artigo oriundo do Trabalho de Conclusão da Licenciatura em Ciências Biológicas da primeira autora junto à UEFS, que teve por título A formação inicial de professores para o diálogo intercultural: análise dos componentes curriculares do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da UEFS.

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Recebido: Junho de 2017; Aceito: Fevereiro de 2020

E-mail: camillafa21@outlook.com

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Informações das autoras

Camilla Ferreira Amorim

Universidade Estadual de Feira de Santana

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ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8701-8198

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Geilsa Costa Santos Baptista

Universidade Estadual de Feira de Santana

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ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5871-0115

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Graça Simões de Carvalho

Universidade do Minho

E-mail: graca@ie.uminho.pt

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0034-1329

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