SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.21 número especialNARRATIVAS SOBRE PROCESOS EDUCATIVOS EN SANTO DAIMEEL ACTO DE LEER EN LA PEDAGOGÍA HISTÓRICO-CRÍTICA Y SUS POSIBILIDADES EN LA EDUCACIÓN BÁSICA índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Compartir


Revista Teias

versión impresa ISSN 1518-5370versión On-line ISSN 1982-0305

Revista Teias vol.21 no.spe Rio de Janeiro ago. 2020  Epub 20-Ene-2021

https://doi.org/10.12957/teias.2020.42487 

Artigos de Demanda Contínua

A CATEGORIA PRÁXIS: elemento para se pensar o trabalho pedagógico na Educação Infantil

THE CATEGORY PRAXIS: an element to think about the pedagogical work in childhood education

LA CATEGORÍA PRÁXIS: elemento para pensar el trabajo pedagógico en la educación infantil

Francielle Nascimento Merett1 
http://orcid.org/0000-0001-9202-9713; lattes: 4409389356983508

Marta Silene Ferreira Barros2 
http://orcid.org/0000-0002-1924-8490; lattes: 3400612251090722

1Universidade Estadual de Londrina

2Universidade Estadual de Londrina


Resumo

Este artigo tem como objetivo analisar e discutir de que maneira apráxis é compreendida e materializada no contexto da Educação Infantil. Para tanto, foi realizado um estudo de caso de abordagem crítico dialética. A coleta de dados se deu pela aplicação de uma entrevista semiestruturada com professores de duas escolas do norte do Paraná. A partir da análise, verificou-se a necessidade de problematizar a formação continuada dos professores da Educação Infantil, uma vez que a formação inicial pode não subsidiar a compreensão da práxis enquanto possibilidade de efetivação de um trabalho que vise a aprendizagem e o desenvolvimento das crianças de 0 a 5 anos.

Palavras-chave: educação infantil; formação de professores; práxis

Abstract

This article aims to analyze and discuss how praxis is understood and materialized in the context of Early Childhood Education. To this end, a case study of a critical dialectical approach was carried out. Data were collected through the application of a semistructured interview with teachers from two schools in the north of Paraná. From the analysis, it was verified the need to problematize the continuing education of the teachers of Early Childhood Education, since the initial formation may not subsidize the understanding of the praxis as a possibility to carry out a work that aims at the learning and development of the children of 0 to 5 years.

Keywords: childhood education; teacher training; praxis

Resumen

Este artículo tiene como objetivo analizar y discutir de qué manera la praxis es comprendida y materializada en el contexto de la Educación Infantil. Con este fin, se realizó un estudio de caso de un enfoque dialéctico crítico. La recolección de datos se dio por la aplicación de una entrevista semiestructurada con profesores de dos escuelas del norte de Paraná. A partir del análisis, se verificó la necesidad de problematizar la formación continuada de los profesores de Educación Infantil, pues la formación inicial puede no subsidiar la comprensión de la práxis como posibilidad de efectivización de un trabajo que apunta el aprendizaje y el desarrollo de los niños de 0 a 5 años

Palabras clave: educación infantil; formación de profesores; práxis

INTRODUÇÃO

Esse estudo é resultado de pesquisas realizadas no projeto OBEDUC - Observatório de Educação - financiado pela Capes e intitulado “A Práxis Pedagógica: Concretizando Possibilidades para a Avaliação da Aprendizagem” e no Grupo de Estudos FOCO - Formação Continuada: implicações do materialismo histórico e dialético e da Teoria Histórico Cultural na prática docente e no desenvolvimento humano. O projeto e o grupo - vinculados ao CNPq - são desenvolvidos no Departamento de Educação da Universidade Estadual de Londrina.

Durante os estudos coletivos surgiram inquietações por parte dos participantes sobre o trabalho pedagógico realizado no âmbito da Educação infantil. Alguns atuam nessa etapa da educação e relataram nos encontros suas próprias vivências, seus questionamentos e estranhamentos, assim como experiências de outros profissionais, observadas na rotina do espaço educativo.

Diante desse cenário, surgiu a proposição deste trabalho, o qual teve como objetivo analisar de que maneira a práxis é compreendida e materializada na realidade escolar da Educação Infantil, a partir do conceito elaborado por Karl Marx e analisado nas obras de Vázquez e Lefebvre. Por meio do método crítico-dialético (GAMBOA, 2007) foi analisada uma realidade particular de duas instituições de Educação Infantil, sendo uma pública e outra privada de uma cidade no norte do estado do Paraná.

Para tanto, foi elaborado um instrumento de coleta de dados, que consistiu em um questionário semiestruturado com nove questões que buscou verificar a compreensão dos entrevistados acerca da práxis docente, bem como sobre a intencionalidade da sua atividade de ensino e o referencial norteador do seu trabalho. Participaram da pesquisa oito professores, sendo quatro de cada instituição.

O artigo foi estruturado em três eixos. O primeiro expõe as aproximações do conceito de práxis nas obras de Vázquez e Lefebvre, as quais culminam na concepção da categoria enquanto a união de teoria e prática, cuja finalidade é a transformação do contexto social. O segundo apresenta a relação entre práxis e Educação Infantil, enfatizando a necessidade da efetiva atividade de ensino que consista napráxis Transformadora, de modo que possibilite a aprendizagem da criança, ou seja, um avanço qualitativo no seu desenvolvimento psíquico. No último eixo é analisado as respostas obtidas pelas professoras participantes sobre a compreensão e desenvolvimento da categoria mediante ao respaldo teórico dos autores mencionados no primeiro eixo. Assim como, reflexões e possibilidades de caminhos formativos que fundamentem a ação docente transformadora.

A CATEGORIA PRÁXIS EM VÁZQUEZ E LEFEBVRE: APROXIMAÇÕES

O Materialismo Histórico e Dialético compreende que a sociedade está em constante movimento, provocado pelas relações dialéticas estabelecidas em todas as esferas da vida social por meio da atividade humana, o trabalho. Em meio a organização e aos desdobramentos do sistema capitalista, as relações da sociedade são permeadas por contradições, que são determinantes na existência da luta de classes. Nesse sentido, a compreensão da categoria da práxis, abordada por Vázquez (1968) e por Lefebvre (1968) enquanto ação humana intencional, capaz de transformar a realidade é indispensável para a superação do atual cenário e o entendimento da atividade principal do professor desse nível da Educação Básica.

Adolfo Sánchez Vázquez e HenriLefebvre têm Marx como base comum em seus estudos acerca da categoria da práxis. Lefebvre (1968), em sua obra Sociologia de Marx salienta o aspecto sociológico das obras de Marx, enquanto Vázquez (1968, p.5) em A filosofia dapráxis detém-se de uma visão filosófica acerca do pensamento marxista, enfatizando que a práxis é a categoria central dessa filosofia “[...] que se concebe ela mesma, não só como interpretação do mundo, mas também como guia de sua transformação”.

Apesar da distinção da área de estudo da qual partem os autores para tratar da categoria práxis, eles apresentam contundentes aproximações e convergências. E vale ressaltar que Lefebvre considera a relevância da filosofia para o estudo da práxis tendo em vista os conceitos elaborados por essa perspectiva filosófica e científica.

Vázquez (1968), ao expor seus estudos marxianos sobre a categoria afirma que a concepção que se tem em Marx é de superação do materialismo tradicional e do idealismo hegeliano, que só foi superado com uma teoria filosófica materialista de aporte científico. Também se encontra essa observação na obra de Lefebvre, quando o autor assinala que o materialismo histórico de Marx é a superação do idealismo, do materialismo tradicional e da filosofia especulativa, cuja ênfase estava na contemplação e interpretação do mundo (LEFEBVRE, 1968).

É mister ressaltar que o idealismo hegeliano surge na metade do século XVIII e nas primeiras décadas do século XIX, quando na Alemanha o aspecto teórico da filosofia estava no auge (LEFEBVRE, 1968). Vázquez e Lefebvre evidenciam a existência do termo práxis já em Hegel, contudo, expõem suas limitações, superadas posteriormente pelo Materialismo Histórico e Dialético de Marx. A categoria trabalho era considerada por Hegel uma atividade humana cotidiana e utilitária, “[...] ele apreende o trabalho como a essência, como a essência do homem que se confirma [...] O trabalho é o vir-a-ser para si do homem no interior da exteriorização ou como homem exteriorizado” (MARX, 2004, p. 124).

Segundo Vázquez (1968, p.120), a visão de Hegel era idealista e não ultrapassava a contemplação e interpretação do real, sendo “[...] incompatível com uma autêntica filosofia da práxis, da ação, da transformação revolucionária do real”. Nesse sentido, Marx supera o idealismo hegeliano ao passo que elabora a concepção de que as ideias humanas se objetivam na materialidade do contexto por meio do trabalho, atividade tipicamente humana que distingue os homens dos animais e que o permite produzir seus meios de subsistência e indiretamente produzir-se (MARX; ENGELS, 1977). Segundo Lefebvre (1968), o materialismo histórico se justifica pelo anseio de restituir ao pensamento humano sua força ativa que tinha antes da divisão do trabalho, quando estava diretamente ligado à prática, mas igualmente, pela decisão filosófica de criar uma doutrina universal.

Vázquez (1968) argumenta que os pensamentos de Marx enquanto superação de Hegel culminou na criação de uma filosofia da práxis, a qual não era entendida apenas como a teoria, mas a atividade real, capaz de transformar o mundo, pois, “[...] já não se trata da teoria que se vê a si mesma como práxis, enquanto crítica do real que por si só transforma o real, nem tampouco como filosofia da ação, entendida como uma teoria que traça os objetivos que a prática deve aplicar e atingir” (VÁZQUEZ, 1968, p. 121-122).

Entretanto, Vázquez (1968) faz relevantes apontamentos em relação ao conceito de prática, a fim de que ele não seja utilizado para substituir o termo práxis. Para o autor, o conceito “prática” é usado cotidianamente apenas com fim utilitário, na medida em que tem como objetivo a satisfação das necessidades imediatas, resultando num objetivismo no qual separa o homem do objeto. Nas palavras do autor “[...] prático é o ato ou objeto que produz uma utilidade material, uma vantagem, um benefício” (VÁZQUEZ, 1968, p. 12).

Nesse sentido, o termo grego poiésis também não poderia substituir o termo práxis, pois, segundo Vázquez ele significa literalmente a “[...] produção ou fabricação, ou seja, o ato de produzir ou fabricar algo” (VÁZQUEZ, 1968, p. 4-5). Essa produção, conforme aponta o autor, seria de um objeto alheio, externo ao seu agente e seus atos.

Destarte, o uso do termo grego práxis pelos autores se justifica por compreendê-lo como um processo que vai além da prática estritamente utilitária, pois, é a práxis etimologicamente significa “[...] uma ação que tem seu fim em si mesma e que não cria ou produz um objeto alheio ao agente ou a sua atividade” (VÁZQUEZ, 1968, p. 4). Concomitantemente, Lefebvre expõe que o conceito possui implicações que evidenciam múltiplos elementos sociológicos, os quais evidenciam uma “[...] sociologia das necessidades, dos objetos, do conhecimento, da vida cotidiana e política” (LEFEBVRE, 1968, p. 25).

Vázquez (1968) e Lefebvre (1968) apontam que a práxis proposta por Marx é um processo teórico e prático que superou o idealismo. Os autores visualizam na teoria a crítica do real e sua transformação e na filosofia da ação, a aplicação de uma teoria com objetivos a serem atingidos. Assim, a práxis foi proposta por Marx enquanto a relação dialética entre o homem e a natureza, a consciência e as coisas que permite a transformação do real, “[...] entendida esta não como a práxis teórica, mas sim atividade real, transformadora do mundo” (VAZQUEZ, 1968, p.121). Neste sentido, Vázquez considera que a filosofia não é concebida como teoria, e sim como uma atividade real, que tem suas premissas materializadas na prática com a finalidade de transformação, condicionada por uma situação histórica determinada, cujas conjunturas necessitam de superação.

Portanto, apesar dos autores partirem de áreas do conhecimento distintas, filosofia e sociologia, eles compartilham da premissa de que a categoria da práxis em Marx é compreendida como a ação tipicamente humana, a qual une teoria e prática, tornando-a indissociável e indispensável para que o homem atue na materialidade do seu contexto de forma intencional, consciente e prática. Discutir, portanto, essa categoria para entender o processo de formação na Educação Infantil é essencial, uma vez que a práxis é segundo Martins (2007) é a atividade vital humana por excelência, pela qual os sujeitos se afirmam no mundo, modificando a realidade objetiva e transformando a si mesmos. Pelo processo do trabalho (atividade vital humana), o homem constrói sua genericidade de tal forma que a vida individual e a vida genérica se encontram e imbricam-se uma na outra.

PRÁXIS E A EDUCAÇÃO INFANTIL

Esse estudo tem por finalidade evidenciar a práxis como condição pedagógica necessária ao processo de educação na perspectiva de autores que se fundamentam na dialética materialista e Vygotsky é considerado um marco dentro do campo da práxis, pois em suas obras buscou apontar o pensamento marxiano como a base das suas ideias, especialmente quando aproxima o conceito de práxis e ação no desenvolvimento das funções psicológicas superiores, por intermédio da análise de conceitos e da zona de desenvolvimento próximo, assinala também a relevância da escola e do papel do professor na elaboração de uma práxis pedagógica intencional e transformadora do desenvolvimento.

Vale salientar que somente uma psicologia de perspectiva marxista permite compreender que a formação de conceitos, como desenvolvimento das funções psicológicas superiores, e sua relação com a educação, como apropriação da cultura historicamente sistematizada, situa-se na questão mais ampla da relação entre aprendizagem e desenvolvimento, ou seja, no processo de inserção definitiva da criança no gênero humano, enquanto ser social.

Se faz necessário destacar que quando se discute a educação da criança pequena à luz da perspectiva dialética, é relevante discutir a categoria práxis a partir de Vázquez e Lefebvre e sua relação com a educação na sociedade contemporânea, ao passo que, esse referencial indica a atuação docente como capaz de transformar realidades por meio da formação do homem social e histórico desde a mais tenra idade.

Alicerçadas na Teoria Histórico-Cultural, as discussões que permeiam este eixo buscarão aproximar a categoria práxis à Educação Infantil. A escolha pelo referencial teórico se justifica mediante ao fato de que a THC defende que o professor é o adulto mais experiente capaz de socializar os objetos da cultura humana com às crianças, de modo a contribuir com o seu processo de humanização (SILVA, 2012). Logo, é um referencial que considera indispensável a ação do professor para a promoção da aprendizagem e do desenvolvimento infantil.

O processo de educação formal de crianças pequenas no Brasil é considerado por muitos como “desnecessário” ou reduzido ao cuidado, como se elas “só brincassem” e “professores de criança só cuidassem”. De acordo com Raupp e Arce (2012) isso ocorre devido à desvinculação do processo educação do ensino e aprendizagem a essa etapa da educação, o que culmina em uma visão meramente assistencialista.

Carvalho e Martins (2017) afirmam que a dicotomia entre teoria e prática nos cursos de formação de professores é um problema ainda não superado, que reflete nas práticas educativas nas escolas. Para Mello (2007), a incompreensão da teoria e prática como unidade resulta em práticas espontâneas de professores da infância. Segundo a autora a teoria - considerada como o que está do lado de dentro da universidade - é vista como incoerente com as situações práticas decorrentes do cotidiano escolar, que é dinâmica, rotativa e repleta de situações novas e diversas.

Para refletir sobre esse contexto e apontar possíveis esclarecimentos, há a necessidade de compreender a educação enquanto um trabalho humano não material que possui uma natureza e especificidade. De acordo com Saviani (2015, p. 287) a educação é o “[...] ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens.” E para que o processo de humanização ocorra, e necessário que os homens se apropriem da produção (objeto) humana, dos bens culturais que foram produzidos por gerações passadas. (DUARTE, 2017). O ato de criar condições para que todos se apropriem da cultura é a especificidade da educação.

Entretanto, no cenário atual da educação formal, permeado e inserido em um sistema capitalista, os discursos, as leis e práticas pedagógicas primam por uma educação voltada para a formação de indivíduos competentes tecnicamente e habilidosos, de modo a operarem passivamente na manutenção do sistema econômico vigente. À luz da dialética enquanto a essência da educação na contemporaneidade está na adaptação do homem à atual situação econômica da sociedade mediante do trabalho alienado, o conhecimento científico tem seu valor diminuído, sendo produzido e divulgado de maneira fragmentada, ou muitas vezes, sendo cerceado para a maior parte da população.

A partir do conceito da práxis compreendido por meio dos pressupostos do Materialismo Histórico e Dialético a realidade é o ponto de partida e chegada para a transformação, sendo assim, observa-se a preponderância da prática em relação à teoria em que se evidencia a indissociabilidade entre os dois aspectos das atividades desenvolvidas no contexto da educação na escola. A posteriori, o fenômeno real é subordinado a uma análise científica em suas contradições, a qual busca a sua superação e transformação, essa relação expressa o movimento dialético.

Nesse sentido, faz-se coerente a afirmação de Vázquez (1968) de que a teoria em si não transforma o mundo, entretanto, a prática utilitária é senso comum, resultante da influência do pragmatismo. Dessa maneira, “[...] uma teoria é prática na medida em que materializa, por meio de uma série de mediações, o que antes só existia idealmente, como conhecimento da realidade ou antecipação ideal de sua transformação” (VÁZQUEZ, 1968, p. 207).

Portanto, quando profissionais da educação desenvolvem sua prática de maneira espontânea, sem fundamento teórico, não sendo uma atividade consciente e com intencionalidade de transformar a realidade concreta, sem abarcar a aprendizagem e o desenvolvimento qualitativo da criança e de si próprio, pode-se assinalar que ele age com uma consciência comum. Segundo Vázquez (1968), essa consciência consiste na desvinculação da teoria e da prática e tem esta última como de utilidade imediata e produtiva. As conexões com esse mundo aparecem num plano ateórico, “[...] nisso vê uma afirmação de suas conexões com o mundo da prática à margem de toda teoria, à margem de um raciocínio que só viria arrancar-lhe da necessidade de responder exigências práticas, imediatas da vida cotidiana”. (VÁZQUEZ, 1968, p. 8-9).

A consciência comum acerca da práxis vê a atividade prática como um mero dado que não necessita de explicação, acreditando estar numa relação imediata e direta com o mundo, de maneira a-teórica, com o intuito de responder a exigências práticas da vida cotidiana. Nesse sentido, a ênfase está em atos práticos, os quais não fazem dapráxis seu objeto.

Para Vygostsky assim como para os seus colaboradores como Luria e Leontiev, a realidade concreta a qual devemos tomar consciência, delimita a ação humana como prática concreta. Nesse sentido, no âmbito educacional é possível tecermos questionamentos em relação às contradições postas que inibem o verdadeiro sentido da realidade concreta que conduza a uma nova forma de prática social (práxis). Atualmente a escola vem indicando novas necessidades e novos motivos para novas ações, não obstante é preciso que a escola e os profissionais da educação reflitam sobre suas práticas e se essas estão implicando em uma educação intencional, desenvolvente e consciente. Pois conforme um dos pressupostos vigotskianos “[...] o único bom ensino é o que se adianta ao desenvolvimento”. (VYGOTSKY, 2010, p.115).

O ensino do qual Vygotsky analisa nos estudos acerca da aprendizagem e desenvolvimento na Idade Escolar, diz respeito a uma atividade vinculada a práxis no sentido defendido nesse estudo. No entanto, embora o termo possua muitos significados e vertentes diferentes o que marca esse estudo é a relação intrínseca que possui essa categoria com o processo de ensino, aprendizagem e desenvolvimento. Assim, conforme Ferreira (2011), a práxis conceituada por autores supracitados possui implicações no campo educativo uma vez que, a prática pedagógica tornar-se uma práxis quando articula teoria e prática de forma intencional buscando superar a barreira do teoricismo, trazendo transformações sócias históricas para a realidade. Nesse contexto, a instituição de Educação Infantil é também considerada o local propício para a efetivação desse processo, pois, as relações sociais são estabelecidas e mediadas por um professor, cujo papel é exercer uma práxis que o permita mediar condições de apropriação da cultura elaborada para a criança de modo que ela aprenda e se desenvolva. Mas, isso acontece? A formação inicial do professor viabiliza uma prática consciente e transformadora?

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS E ANÁLISE

Na abordagem crítica dialética, a sociedade é compreendida num processo de constante movimento, em que nada que está inserido nela é estático ou permanente, tudo muda e está sempre em desenvolvimento. Por isso, a compreensão de um fenômeno se dá pela análise de todos seus aspectos e relações, ou seja, sua totalidade, pois, a realidade concreta consiste na síntese de múltiplas determinações, no resultado de diversos elementos abstratos que vão elevando-se até construir o concreto (GAMBOA, 2007).

Gamboa (1998) afirma ainda ser a abordagem crítico-dialética tanto cultural quanto social, devendo ser entendida Como parte de um processo histórico cujas bases dependem de fatores e mudanças histórico-sociais. Para Frigotto (1994), a dialética marxista é materialista e histórica, posto que se funda em princípios do materialismo dialético e do materialismo histórico. Essa premissa leva a crer que formular teorias pressupõe considerar reais e objetivamente dadas e o método dialético do materialismo histórico desenvolvido por Marx consiste em reconhecer essas condições e extrair consequências dela. Conforme Sánchez-Gamboa (1998, p. 116), abordagens crítico-dialética priorizam categorias de temporalidade e historicidade:

[...] na medida em que se acumulam forças e tensões que produzem transformações radicais e estruturais (metamorfose). Para poder compreender essas mudanças, necessitamos de uma massa grande de informações e uma extensão maior delas, pois para compreender as inter-relações sociais e as dinâmicas de tempos longos é preciso recuperar dados que permitam ver o movimento histórico, a gênese e a transformação dos fenômenos.

Nesse sentido, Duarte (2000) ressalta que toda pesquisa deve partir da fase mais desenvolvida de um fenômeno, contemporânea e estabelecida historicamente. Para tanto, torna-se necessário a dialética, um método que articula o lógico e histórico - análise da origem e das relações de um fenômeno - por meio de um estudo crítico, pois, “[...] se não houver essa perspectiva crítica, a análise histórica torna-se um recurso de legitimação da situação atual, deixando de ser uma forma de compreender melhor as possibilidades de transformação dessa situação”. (DUARTE, 2000, p. 103). Dessa maneira, o fenômeno deve ser compreendido como não existente por si só, pois, se encontra imbricado em determinações de uma totalidade.

Neste estudo, a fim de analisar dialeticamente a realidade concreta acerca de como se compreende e materializa a práxis na Educação Infantil a partir de uma realidade particular, foi utilizada um questionário semiestruturado para coleta de dados. Ele foi aplicado com oito professores de duas instituições de Educação Infantil de uma cidade no norte do estado do Paraná, sendo uma privada e outra pública que aceitaram por espontânea vontade participar da pesquisa, mediante ao convite das autoras. A escolha por essas duas esferas se justifica pela finalidade de se observar possíveis divergências ou convergências acerca do conceito de práxis de acordo com o vínculo empregatício do professor participante, bem como com o contexto educativo e suas representações econômicas e sociais.

O estudo se caracterizou como um estudo de caso, cujos dados foram analisados pelo método crítico dialético. Acredita-se que esse tipo de análise é a caminhada em direção às partes constitutivas do fenômeno, a qual permite a recuperação do todo por meio da síntese, de modo a evidenciar às múltiplas determinações que o compõem (GAMBOA, 2007).

No início do questionário foi solicitado alguns dados pessoais e acadêmicos aos participantes que podem ser observados na Tabela 1 a seguir.

Tabela 1 Dados pessoais e acadêmicos dos participantes 

Dados Quantidade
Gênero Feminino 8
Formação inicial - Graduação em Pedagogia 8
Especialização na área da Educação 2 concluíram/ 4 cursando
Atua de 5 a 10 anos 7
Atua a menos de um ano 1

Fonte: as autoras

Para nos referirmos às professoras durante a análise utilizaremos o termo “Professor” acompanhado de uma letra do alfabeto, sendo uma letra para cada participante, mantendo as identidades preservadas.

Das nove questões que compunham o questionário foram selecionadas as seguintes: a) O que você entende por práxis? b) Qual (is) referência (s) (prática ou teórica) serve (m) de base para seu entendimento acerca desse conceito? Em sua opinião, há relação entre práxis e educação? Justifique. c) Com qual intencionalidade você desenvolve sua atividade de ensino? d) Quais são os meios que você utiliza na sua atividade de ensino que possibilitam que a intencionalidade seja alcançada? e) Você busca outras formações fora da instituição em que trabalha? Onde?

Na primeira questão, a qual se refere ao que as professoras entendiam sobre conceito de práxis, a maioria afirmou que a práxis é a prática do professor em sala, como se pode observar nessas duas respostas: “São as ações e as práticas que o professor desenvolve em sala de aula” (PROFESSORA D); “A prática que o professor utiliza em sala, com os alunos, no dia a dia” (PROFESSORA B). Apenas duas professoras mencionaram, ainda que de forma superficial a relação entre teoria e prática: “Acredito que seja o saber teórico que é posto em prática e, posteriormente, leva a uma reflexão entre teoria e prática de forma e melhor compreendê-las” (PROFESSORA F); “Acredito que é uma ação que desenvolvo com a prática/concreto, fazendo a relação entre teoria e prática” (PROFESSORA G).

É possível verificar que a compreensão das professoras sobre a práxis é fragilizada, pois, a maneira como o tema é relatado nas respostas demonstram um entendimento praticista que elas têm sobre o trabalho educativo, o que resulta na dicotomia entre esses dois elementos. Vázquez (1968, p. 207) considera ser um equívoco a menção da oposição entre essas atividades, pois, “[...] uma teoria é prática na medida em que materializa, através de uma série de mediações, o que antes só existia idealmente, como conhecimento da realidade ou antecipação ideal de sua transformação”.

O autor também demonstra que tal compreensão é característica do homem comum, referente àquele que se apropria de ideias e valores de maneira inconsciente, o que torna fragmentada sua concepção de ação humana intencional e consciente. Entretanto, cabe salientar que homem comum não vive em um mundo totalmente á-teórico, pois ele é:

[...] um ser social e histórico; ou seja, encontra-se imbricado numa rede de relações sociais e enraizado num determinado terreno histórico. Sua própria cotidianidade está condicionada historicamente e socialmente, e o mesmo se pode dizer da visão que tem da própria atividade prática. Sua consciência nutre-se igualmente de aquisições de toda espécie: ideias, valores, juízos e preconceitos, etc. Nunca se enfrenta um fato puro; ele está integrado numa determinada perspectiva ideológica, porque ele mesmo - com sua cotidianidade histórica e socialmente condicionada - encontra-se em certa situação histórica e social que engendra essa perspectiva (VAZQUEZ, 1968, p. 9).

Dessa forma, o homem não expressa uma ideia neutra a respeito de um aspecto que lhe é solicitado. Enquanto ser social ele é a síntese de múltiplas determinações do seu contexto que o influenciam ideologicamente no decorrer da sua trajetória vital. Segundo Marx e Engels (1961, p. 301) “[...] não é a consciência do homem que determina o seu ser, mas, pelo contrário, o seu ser social é que determina a sua consciência.” Sendo assim, não se pode considerar que as professoras não tenham uma teoria acerca do conceito de práxis, entretanto, há de salientar que não pode ser considerada uma compreensão sistematizada, pois, “[...] sua consciência da práxis está carregada ou penetrada de ideias que estão no ambiente, que nele flutuam e as quais, com seus miasmas, ela aspira” (VÁZQUEZ, 1968, p. 9).

Cabe ressaltar que os homens atuantes no sistema capitalista não produzem apenas objetos de consumo, resultantes do modo de produção, mas uma condição de alienação do seu trabalho. Portanto, a discussão acerca de como é tratada a especificidade da educação na sociedade contemporânea desde a Educação Infantil não se desvincula das contradições e intensões da lógica do sistema econômico capitalista, e nesse sentido, Marx e Engels (1977) em suas teses sobre Feuerbach assinalam que o educador também precisa ser educado.

Em relação aos referenciais teóricos norteadores da sua compreensão sobre o significado da práxis, quatro professoras afirmaram trabalhar com diversas teorias: “Na verdade uso uma mistura de teorias e pensadores, acho que nenhuma teoria pura, sem adaptação, funciona de maneira eficaz” (PROFESSORA A); “[...] me baseio em uma mistura de referência e teorias, tendo em vista que lidamos com vários saberes” (PROFESSORA G). Outras três professoras responderam de maneira sucinta que se fundamentam em Marx e outra em Vygostky, por isso, estas respostas não permitem uma análise sistematizada.

Em relação às professoras que responderam fazer uma “mistura de teorias”, encontram-se em Duarte (2001) pertinentes reflexões. O autor aponta que o ecletismo epistemológico se constitui na sobreposição de conceitos e ideias de diversas teorias psicológicas e educacionais, que resulta em uma grande colcha de retalhos. Sendo assim, o ecletismo significa a não afirmação de uma concepção que norteia o seu trabalho pedagógico. Ele ainda acrescenta que é comum encontrar nas escolas a existência de orientações educacionais fundamentadas no ecletismo, pois, são propostas hegemônicas características do pós-modernismo. E para o autor, “[...] defender o ‘pragmatismo teórico’, que é sinônimo de ecletismo pragmático, é aliar-se às forças que lutam pela perpetuação do capitalismo” (DUARTE, 2001, p. 147). Ou seja, tal decisão teórica e prática não permite uma compreensão da práxis enquanto transformadora e emancipadora.

Quando questionadas acerca da relação entre práxis e educação, as participantes demonstraram não compreenderem a pergunta, ao que parece devido ao não entendimento do conceito implícito na primeira questão. As professoras B, C e D responderam que a relação existe devido ao professor ser responsável por mediar o conhecimento. Outras três professoras mencionaram que a relação consiste na adequação da teoria e da prática na educação para obter melhores resultados e práticas de ensino. Essas profissionais são da instituição privada, o que evidencia a busca por resultados imediatistas ainda na Educação Infantil.

A professora F afirmou “Minhas referências partem do que aprendi na formação, sendo a teoria. Com o tempo e convivendo com a realidade escolar fazemos a práxis ao colocar nossos conhecimentos em prática” e ainda, “[...] na educação podemos ter uma visão clara do que é práxis, uma vez que é bem mais palpável a velha história de que nem tudo que está no papel acontece”. Segundo Mello (2007) essa fala é comum entre os professores não pelo fato de ser verídica, mas devido ao não percurso de todo o caminho das concepções e intenções, das intenções às ações, em outras palavras, quando não são encontrados os elementos mediadores que permitem a concretização da teoria sob forma de ações. Sendo assim, não se trata de teoria, mas de discurso, pois, “[...] sem conhecer ações que concretizem a teoria, esta não sai da condição de anúncio e nossas práticas acabam por acontecer sem concretizar a teoria que anunciamos; concretizam, sim, uma outra ‘teoria’, o senso comum” (MELLO, 2007, p. 13).

Na questão sobre a intencionalidade do trabalho educativo das professoras, os seguintes fatores foram mencionados:

Tabela 2 Intencionalidade do trabalho educativo 

Com qual intencionalidade você desenvolve sua atividade de ensino?
Prof. A: Para obter aprendizagem dos alunos.
Prof. B: O objetivo é que ele aprenda conhecimento que levará para a vida toda.
Prof. D: Que ele compreenda verdadeiramente o conteúdo e não somente memorize.
Prof. E: O intuito é de que o aluno assimile e acomode os conhecimentos.

Fonte: as autoras

Verifica-se que apenas a professora citou o termo aprendizagem, mas de maneira breve, sem expressar sua compreensão de aprendizagem. Diante do exposto, observa-se a coerência das respostas supracitadas com o ecletismo mencionado e defendido pelas professoras na segunda questão. A utilização de expressões de diversas teorias e uma intencionalidade fragilizada reflete a utilização de uma mistura de teorias, a qual impossibilita a formação consistente de uma consciência da práxis, de teoria e prática como indissociáveis na busca pela elevação qualitativa do desenvolvimento da criança.

Marx, ao discorrer acerca da formação da consciência humana afirmou que ela é:

[...] desde o início um produto social, e continuará sendo enquanto existirem homens. A consciência é, naturalmente, antes de mais nada mera consciência do meio sensível mais próximo e consciência da conexão limitada com outras pessoas e coisas situadas fora do indivíduo que se torna consciente. (MARX; ENGELS, 1977, p. 43-44).

Diante de tal assertiva, afirma-se que a consciência do homem não é individual, mas social, constituída enquanto processo contínuo de formação. Portanto, a intencionalidade do trabalho educativo das professoras é considerada frágil pelos equívocos e misturas teóricas, que possivelmente advindas, como mencionaram Vázquez (1968) e Lefebvre (1968) de ideologias cujo intuito não é transformação da vida cotidiana, mas a manutenção do sistema capitalista vigente.

Outra questão abordada foi a respeito dos meios que as professoras utilizam para alcançar a intencionalidade esperada. As profissionais da instituição privada centralizaram suas respostas na apostila do material disponibilizado pela instituição mediante o pagamento dos pais e acrescentaram materiais como: alfabeto móvel; material dourado; blocos lógicos; letras e números e brincadeiras.

Em relação às professoras da instituição pública, percebe-se que elas mencionaram meios diferentes. Duas afirmaram utilizar atividades variadas, concretas, vídeos, cartazes e atividades lúdicas, e outras mencionaram a utilização de “[...] recursos, questionamentos e fatos do cotidiano como base para então inserir os saberes sistematizados para melhor entendimento dos pequenos, uma vez que trazem consigo teorias informais” (PROFESSORA F). A diversidade dos meios utilizados por essas professoras pode ser justificada pela autonomia que os profissionais da rede municipal da Educação Infantil possuem para planejar quando comparado ao sistema apostilado de ensino seguido pela a instituição privada. Entretanto, essa diversidade pode não garantir uma práxis, o que veremos mais adiante.

Faz-se relevante apontar um aspecto destacado por Duarte (2009) sobre o sistema apostilado de ensino. Em um vídeo disponibilizado em um site para consulta popular de abrangência mundial, o autor afirma que o material apostilado é consequente da influência tecnicista na educação brasileira, a qual aproxima o trabalho do professor com o de um operário, exigindo sua atuação apenas como a de um executor que aplica determinada atividade impressa.

Segundo o autor, o referido sistema extingue a relevancia de uma formação sólida do professor e seu papel de mediador entre o conhecimento científico e a criança.

Arce (2001) faz considerações significativas sobre o papel contraditório do professor na contemporaneidade considerando a influência neoliberal e tecnicista. Segundo a autora a função do professor do século XIX “[...] acaba reduzindo-se a de um técnico, um prático, capaz de escolher o melhor caminho para que o processo de aprendizagem ocorra, além de constituir-se com o mero participante das decisões escolares e da vida escolar” (ARCE, 2001, p. 265).

Nessa perspectiva, o sistema apostilado, enquanto material mais utilizado na instituição privada de Educação Infantil como recurso pedagógico, na maioria das vezes causa uma dependência no professor, que ao recorrer sempre ao que está posto, impresso e pronto, desconsidera o seu papel e o da criança. Conforme aponta Leontiev (1978, p. 272) “[...] as aquisições do desenvolvimento histórico das aptidões humanas não são simplesmente dadas aos homens nos fenômenos objetivos da cultura material e espiritual que os encarnam, mas são aí apenas postas”. O autor acrescenta que para se apropriar destes resultados, para fazer deles “[...] os órgãos da sua individualidade”, a criança deve entrar em relação com os fenômenos do mundo circundante através de outros homens, num processo de comunicação e interação e que isso é possível por meio da educação.

Assim, cumprir exercícios prontos do livro ou brincar pelo não são suficientes para que haja um processo de aprendizagem que impulsione o desenvolvimento, pois, não são condições reais de apropriação da cultura elaborada mediadas pelo professor. Práticas baseadas em fatos cotidianos das crianças também não podem ser consideradas práxis, pois como mencionou Vázquez (1968), toda práxis é atividade, mas nem toda atividade pode ser considerada práxis. Tratam-se de práticas utilitárias, em que não há a instrumentalização dos conteúdos científicos a serem apropriados pela criança de modo a possibilitar sua humanização e desenvolvimento psíquico.

Conforme destaca Martins e Marsiglia (2015), essas práticas são frequentes com crianças pequenas, de 0 a 3 anos e têm influência do arcabouço teórico construtivista, o qual supervaloriza o interesse da criança, suas preferencias e gostos para o desenvolvimento de competências cognitivas. Essas ações empiristas ou tecnicistas desenvolvidas na Educação Infantil acabam esvaziando a relevância da transmissão dos conteúdos produzidos historicamente pela humanidade, necessários de serem ensinados para as crianças desde o seu nascimento.

Lefebvre (1968, p. 53) ao fazer apontamentos sobre a possibilidade de superação da realidade objetivada, afirma que “[...] a consciência social, consciência de uma práxis múltipla e contraditória, só pode mudar pelo caminho da aquisição de palavras e locuções novas, eliminando as estruturas caducas da linguagem”. Nessa perspectiva, observa-se que é preciso a elaboração de novas sínteses a respeito do trabalho educativo na Educação Infantil para que haja transformação.

Especificamente em relação ao ensino de crianças de 0 a 5 anos, Mello (2007) argumenta acerca da necessidade da efetiva apropriação teórica do profissional que atua nessa etapa da educação, pois esse processo possibilita ao professor “[...] a liberdade e as condições de analisar os problemas da prática educativa, compreendê-los em sua complexidade e projetar ações adequadas para enfrentá-los” (MELLO, 2007, p. 13).

Sobre a busca por formação continuada, as respostas foram as seguintes:

Tabela 3 Busca por formação continuada 

Você busca outras formações fora da instituição em que
trabalha? Onde?
Qtdade de prof.
Troca de experiência com outros professores 3
Em livros 2
Na internet 8
Nos cursos da Secretaria Municipal de Educação 4
Em especializações 6

Fonte: as autoras

Todas as participantes mencionaram que buscam formação continuada na área da educação, sendo que quatro estão cursando a formação continuada em nível de especialização.

Diante desses dados, é possível levantar outros questionamentos, como por exemplo, “Qual a consciência da práxis vivenciada pelas participantes na formação inicial?”; “Houve lacunas nessa formação, que hoje resultam na não compreensão, ou no ecletismo teórico exercido em sala?”.

Neste estudo não se tem respostas para essas perguntas, contudo, acredita-se que pela formação continuada, é possível trilhar caminhos para a superação da consciência comum em direção à consciência da práxis, uma vez que, é por meio da consciência humana, quando elevada qualitativamente que se faz possível uma superação do trabalho educativo embasado em pressupostos espontaneístas. Conforme afirma Lefebvre (1968, p. 23), “[...] a essência do ser humano é social e a essência da sociedade é práxis: ato, ação, interação.” Nesse sentido, o autor salienta que a teoria revolucionária, e verdadeira, deve formar sua linguagem, de modo a penetrar na consciência social dos sujeitos para que eles busquem transformar sua realidade.

Mello (2007) ressalta que a criança não é um ser de potencialidades hereditárias, mas ele carrega desde o seu nascimento uma única, que é a de aprender ilimitadas potencialidades. Por isso:

Apenas uma teoria que permita compreender o desenvolvimento humano em sua complexidade possibilita ao professor fazer as escolhas envolvidas na prática docente, que, vale lembrar, e um trabalho livre, como sao poucos na sociedade atual. Como o trabalho do artista, o trabalho docente e trabalho de criação, de eleição de caminhos, de construção de estrategias para a atividade - arrisco dizer - o mais nobre em nossa sociedade: a atividade de formação da inteligência e da personalidade de cada criança. (MELLO, 2007, p. 12).

Destarte, a apropriação teórica por parte do professor é uma etapa do seu processo de formação indispensável, uma vez que, é a partir dela que a práxis se concretiza, de maneira que o trabalho pedagógico contribua efetivamente para o avanço qualitativo da criança de 0 a 5 anos. Atualmente, com a promulgação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a Resolução CNE/CP n. 1/2017 trouxe significativas alterações nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para a formação inicial em nível superior, de modo a atender a nova proposta da educação básica em nível nacional, sendo que foi estabelecido o prazo de 2 (dois) anos, contados da data de homologação da BNCC-Educação Básica, para que seja implementada a referida adequação curricular da formação docente.

Em relação à apropriação de conceitos teóricos e práticos, a lei prevê que, durante a formação inicial, haja a associação entre as teorias e as práticas pedagógicas fundadas nos conhecimentos científicos e didáticos, o conhecimento das grandes vertentes teóricas que explicam os processos de desenvolvimento e de aprendizagem sobre as dimensões cognitivas, afetivas, sociais e físicas, bem como, suas implicações na vida das crianças e adolescentes e de suas interações com seu meio sociocultural.

Outras mudanças foram de cunho estrutural do curso, que também implica nas práticas formativas teórico práticas, entre elas: a ampliação da carga horária de 2800 horas da legislação anterior, para 3200 horas de efetivo trabalho acadêmico, com a seguinte distribuição: I - Grupo I: 800 (oitocentas) horas, para a base comum que compreende os conhecimentos científicos, educacionais e pedagógicos e fundamentam a educação e suas articulações com os sistemas, as escolas e as práticas educacionais. II - Grupo II: 1.600 (mil e seiscentas) horas, para a aprendizagem dos conteúdos específicos das áreas, componentes, unidades temáticas e objetos de conhecimento da BNCC, e para o domínio pedagógico desses conteúdos. III - Grupo III: 800 (oitocentas) horas, prática pedagógica, assim distribuídas: a) 400 (quatrocentas) horas para o estágio supervisionado, em situação real de trabalho em escola, segundo o Projeto Pedagógico do Curso (PPC) da instituição formadora; e b) 400 (quatrocentas) horas para a prática dos componentes curriculares dos Grupos I e II, distribuídas ao longo do curso, desde o seu início, segundo o PPC da instituição formadora.

Os cursos de formação de professores para a educação básica de todos o país tiveram dois anos para se adequarem, ou seja, até 2017, concomitante com a promulgação da Base Nacional Comum Curricular. Portanto, ainda não há pesquisas dos resultados na nova reformulação na formação inicial do professor que atua na Educação Infantil.

Sobre a formação continuada, a DCN para a formação inicial em nível superior prevê em seu capítulo III como fundamentos e política da formação docente a articulação entre a formação inicial e continuada, e a formação continuada entendida como componente essencial para a profissionalização docente, devendo integrar-se ao cotidiano da instituição educativa e considerar os diferentes saberes e a experiência docente, bem como o projeto pedagógico da instituição de Educação Básica na qual atua o docente.

As participantes da pesquisa não tiveram sua formação inicial baseada na nova lei, portanto, não é possível relacionar esse aspecto. Contudo, é importante mencionar essas mudanças, ao passo que, novas investigações sobre a atuação dos futuros professores poderão proporcionar avaliação e análise da nova proposta de formação de professor para a Educação Infantil.

É no contexto das participantes que este trabalho direciona as reflexões para diferentes modalidades de formação continuada como possibilidades de apropriação teórica que permita uma consciência da práxis. Pitelli, Magalhães e Dimitrovicht (2017), por exemplo, mencionam resultados positivos das experiências de projeto de extensão desenvolvido em três municípios do norte do Paraná direcionado à formação continuada de professores por meio de apropriações teóricas da teoria Histórico-Cultural. Segundo as autoras, a teoria é a condição de liberdade do trabalho do professor da infância, pois, a formação continuada de professores municipais contribuiu amplamente para a melhoria qualitativa das práticas pedagógicas. Sendo assim, proporcionar formação continuada crítica e emancipatória aos professores, é oportunizar a compreensão e o reconhecimento sobre a sua atividade de ensino enquanto práxis, atividade que viabiliza condições de aprendizagem e desenvolvimento da criança desde a mais tenra idade se concretizando como uma ação docente transformadora.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desde o nascimento o homem se encontra em processo de humanização. As condições naturais e biológicas não são suficientes para o seu desenvolvimento integral, por isso, para tornase humano ele precisa se apropriar da cultura produzida e acumulada por outras gerações. Para isso, a escola tem como especificidade socializar os saberes produzidos por meio de um trabalho educativo intencional, que vise a transformação da realidade e uma consciência para além da cotidianidade, ou seja, por meio da práxis.

Ao analisar de que maneira a práxis é compreendida e materializada na realidade escolar da Educação Infantil, percebeu-se do ponto de vista materialista dialético, que o trabalho educativo que vem sendo desenvolvido com crianças de 0 a 5 anos pelas participantes do referido estudo de caso é calcado no ecletismo ou em práticas com fundamentos teóricos fragilizados. Isso porquê há uma junção, uma mistura de conceitos de diferentes teorias psicológicas e educacionais que se contradizem, impossibilitando um trabalho pedagógico norteado por uma concepção teórica coerente. Ele ainda acrescenta que é comum encontrar nas escolas a existência de orientações educacionais fundamentadas no ecletismo. Esse fato explicitou uma consciência comum acerca da intencionalidade do próprio trabalho pedagógico, o que inviabiliza o desenvolvimento de uma atividade de ensino intencional, que promova o avanço qualitativo da aprendizagem e desenvolvimento das crianças.

Entretanto, vale salientar que todas as professoras mencionaram a busca pela formação continuada, seja mediante aos estudos individuais ou de maneira coletiva em cursos de especialização e conversas com seus pares. Segundo o referencial teórico norteador da pesquisa, a aquisição e elaboração de novas locuções e a apropriação efetiva de um referencial coerente com a proposta de ensino na Educação Infantil, se mostram como um caminho para a superação da realidade, que neste caso, é uma nova elaboração sobre a práxis, de modo a exercerem uma atividade de ensino transformadora.

Na condição de grupo de pesquisa e projeto, considera-se a necessidade e possibilidade de intervenções / formações junto aos professores da Educação Infantil, seja por meio de pesquisas de mestrado, propostas de extensão, ou grupos de estudos na universidade em conjunto. Problematizar a formação continuada para a primeira etapa da educação básica se faz necessário, ao passo que foi observado nesse estudo de caso que as participantes passaram por processos formativos continuados, a maioria em nível de especialização e formações via internet, contudo, mesmo assim não possuem uma compreensão sólida da prática pedagógica como práxis na Educação Infantil. Por isso, considera-se que o incentivo e a promoção de intervenções que propicie a apropriação do conhecimento científico é uma via necessária, capaz de contribuir para o desenvolvimento de uma consciência da práxis cuja finalidade seja a aprendizagem e desenvolvimento das crianças de 0 a 5 anos.

REFERÊNCIAS

ARCE, Alessandra. Compre o kit neoliberal para a educação infantil e ganhe grátis os dez passos para se tornar um professor reflexivo. Educação e Sociedade, Campinas, v. 22, n. 74, p. 251-283, 2001. Disponível em http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/2010/artigos teses/Pedagogia2/aneoli bedinf.pdf. Acesso em 25 mar. 2019. [ Links ]

BRASIL, Conselho Nacional de Educação. Altera o Art. 22 da Resolução CNE/CP n. 2, de 1° de 2015, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda licenciatura) e para a formação continuada. Resolução CNE/CP 1/2017. Diário Oficial da União, Brasília, 10 de agosto de 2017. Brasília, Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, seção 1, p. 26 de 10 de agosto de 2017. [ Links ]

CARVALHO, Bruna; MARTINS, Lígia Márcia. Formação de professores: superando o dilema teoria versus prática. Germinal: Marxismo e Educação em Debate, v. 9, n. 1, p. 172-181, 2017. [ Links ]

DUARTE, Newton. A anatomia do homem é a chave da anatomia do macaco: a dialética em Vigotski e em Marx e a questão do saber objetivo da educação escolar. Educação e Sociedade , Campinas, ano 21, n. 71, p. 79-105, 2000. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/%0D/es/v21n71/a04v2171.pdf. Acesso em 1 fev. 2019. [ Links ]

DUARTE, Newton. A individualidade para si: contribuição a uma teoria histórico-crítica da formação do indivíduo. Autores Associados, 2017. [ Links ]

DUARTE, Newton. Critica o Sistema Apostilado de Ensino. 2009. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=OlqjzXNlP0Y. Acesso em 18 dez. 2018. [ Links ]

DUARTE, Newton. Vigotski e o “aprender a aprender”: crítica às apropriações neoliberais e pós-modernas da teoria vigotskiana. 2. ed. Campinas: Autores Associados, 2001. [ Links ]

FERREIRA, Magda Maria de Marchi. Educação Escolar: Atividade Essencial no Processo de Formação e Emancipação Humana. 2011. 141 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Estadual de Maringá. Maringá, 2011. [ Links ]

FRIGOTTO, Gaudêncio. O enfoque da dialética materialista histórica na pesquisa educacional. In: FAZENDA, Ivani (org.). Metodologia da pesquisa educacional. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2000, p. 69-90. [ Links ]

GAMBOA, Sílvio Sanchez. Pesquisa em educação: métodos e epistemologías. Chapecó: Argos, 2007. [ Links ]

GAMBOA, Sílvio Sanchez. Epistemología da Pesquisa em Educação. Campinas, São Paulo: Práxis, 1998. [ Links ]

LEFEBVRE, Henri. Sociologia de Marx. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1968. [ Links ]

LEONTIEV, Alexei Nikolaevich. O desenvolvimento dopsiquismo. Livros Horizonte, 1978. [ Links ]

MARTINS, Lígia Márcia. Da concepção homem à concepção de psiquismo. In: MARTINS, Lígia Márcia. A formação social da personalidade do professor: um enfoque vigotskiano. São Paulo: Autores Associados, p. 37-84, 2007. [ Links ]

MARTINS, Lígia Márcia; MARSIGLIA, Ana Carolina Galvão. As perspectivas construtivista e histórico-crítica sobre o desenvolvimento da escrita. Campinas: Autores Associados, 2015. [ Links ]

MARX, Karl. Manuscritos económico-filosóficos. Tradução Jesus Raniere. São Paulo: Boitempo, 2004. [ Links ]

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologi.a alemã (Feuerbach). São Paulo: Grijalbo, 1977. [ Links ]

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Obras escolhidas. v. 1. Rio de Janeiro: Vitória, 1961. [ Links ]

MELLO, Suely Amaral. As práticas educativas e as conquistas de desenvolvimento das crianças pequenas. In: RODRIGUES, E.; ROSIN, S. M. Infância epráticas educativas. Maringá: Eduem, 2007. p. 11-22. [ Links ]

PITELLI, Andrea; MAGALHÃES, Cassiana; DIMITROVICHT, Ludmila. Apropriações Teóricas e suas implicações na Educação Infantil: as jornadas de formação continuada do FEIPAR Pé Vermelho. SEURS - SEMINÁRIO DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA DA REGIÃO SUL. (35), 2017, Foz do Iguaçu. Anais eletrônicos do 35o SEURS. Foz do Iguaçu, 2017. Disponível em https://dspace.unila.edu.br/handle/123456789/3766. Acesso em 1 maio 2019. [ Links ]

RAUPP, Marilena Dandolini; ARCE, Alessandra. A formação de professores da Educação Infantil: algumas questões para se pensar a profissional que atuará com crianças de 0 a 3 anos. In: ARCE, Alessandra; MARTINS, Lígia Márcia. Ensinando aos pequenos de 0 a 3 anos. 2. ed. Campinas: Alínea, 2012. [ Links ]

SAVIANI, Dermeval. Sobre a natureza e especificidade da educação. Germinal: Marxismo e Educação em Debate , Salvador, v. 7, n. 1, p. 286-293, 2015. [ Links ]

SILVA, Janaína Cassiano. O que o cotidiano das instituições de educação infantil nos revela? O espontaneísmo X o ensino. In: ARCE, Alessandra; MARTINS, Lígia Márcia (orgs.). Ensinando aos pequenos de zero a três anos. 2. ed. Campinas: Alínea , 2012. [ Links ]

VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. A filosofia da práxis. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968. [ Links ]

VYGOSTKY, Lev Semenovich. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 1991. [ Links ]

VYGOSTKY, Lev Semenovich. Aprendizagem e desenvolvimento na Idade Escolar. In: Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. Vigostky, L. Luria, A. Leontiev, A. N. 11. ed. São Paulo: Ícone, 2010. [ Links ]

Recebido: Maio de 2019; Aceito: Julho de 2020

E-mail: francielle1024@hotmail.com

E-mail: m_barros22@hotmail.com

Informações das autoras

Francielle Nascimento Merett

Universidade Estadual de Londrina

E-mailfrancielle1024@hotmail.com

ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9202-9713

Link Lattes: http://lattes.cnpq.br/4409389356983508

Marta Silene Ferreira Barros

Universidade Estadual de Londrina

E-mail:mbarros22@hotmail.com

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1924-8490

Link Lattes: http://lattes.cnpq.br/3400612251090722

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado.