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Revista Teias

versión impresa ISSN 1518-5370versión On-line ISSN 1982-0305

Revista Teias vol.21 no.spe Rio de Janeiro ago. 2020  Epub 20-Ene-2021

https://doi.org/10.12957/teias.2020.50066 

Artigos de Demanda Contínua

PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE: uma análise da atividade dos professores de educação especial da região do Piemonte da Diamantina-Bahia

PRECARIOUSNESS OF TEACHER WORK: an analysis of the activity of special education teachers in the Diamantine Region

PRECARIEDAD DEL TRABAJO DE MAESTROS: un análisis de la actividad de maestros de educación especial en la región Diamantina

Osni Oliveira Noberto da Silva1 
http://orcid.org/0000-0001-5028-0889; lattes: 8117427158420224

Theresinha Guimarães Miranda2 
http://orcid.org/0000-0002-7762-7739; lattes: 8564192925828018

Miguel Angel Garcia Bordas3 
http://orcid.org/0000-0001-5970-9581; lattes: 2470034784958232

1Universidade do Estado da Bahia

2Universidade Federal da Bahia

3Universidade Federal da Bahia


Resumo

O objetivo do presente artigo foi descrever as condições dos processos pedagógicos e características da atividade do trabalho dos professores de AEE das escolas municipais da região do Piemonte da Diamantina, estado da Bahia. A coleta de dados foi composta de um questionário de perguntas fechadas aplicada a 36 professores. Foi possível constatar que os docentes atuam com uma grande quantidade de alunos, inclusive com muitos tipos de necessidades especiais diferentes, sendo que algumas extrapolam o público alvo do AEE. Apesar disso a grande maioria afirma que produz adaptações curriculares para atender as necessidades pedagógicas individuais dos seus alunos, o que demanda um tempo grande e ultrapassa a carga horária de trabalho, já que os docentes acabam levando trabalho do AEE para ser feito em casa. Assim, é possível afirmar que as condições de trabalho dos sujeitos participantes do estudo está muito aquém do considerado satisfatório, necessitando um olhar mais apurado dos gestores para enfrentar essa situação.

Palavras-chave: atendimento educacional especializado; educação especial; condições de trabalho docente

Abstract

The aim of the present paper was to describe the conditions of the pedagogical processes and characteristics of the work activity of the teachers of ESA of the municipal schools of the Piedmont of Diamantina region, state of Bahia. Data collection consisted of a closed question questionnaire applied to 36 teachers. It was found that teachers work with a large number of students, including many different types of special needs, and some extrapolate the target audience of the ESA. Nevertheless, the vast majority say that they produce curriculum adaptations to meet their students' individual pedagogical needs, which requires a large amount of time, which exceeds the workload, as teachers end up taking ESA work to be done at home. Thus, it is possible to state that the working conditions of the subjects participating in the study are well below the considered satisfactory, requiring a closer look of the managers to face this situation.

Keywords: specialized educational service; special education; teaching work conditions

Resumen

El objetivo del presente artículo fue describir las condiciones de los procesos pedagógicos y las características de la actividad laboral de los docentes de la ESA de las escuelas municipales de la región de Piamonte de Diamantina, estado de Bahía. La recogida de datos consistió en un cuestionario de preguntas cerradas aplicado a 36 docentes. Se encontró que los maestros trabajan con una gran cantidad de estudiantes, incluidos muchos tipos diferentes de necesidades especiales, algunas de las cuales van más allá del público objetivo de la ESA. A pesar de ello, la gran mayoría afirma que produce adaptaciones curriculares para satisfacer las necesidades pedagógicas individuales de sus alumnos, lo que demanda un tiempo prolongado y supera la carga de trabajo, ya que los docentes acaban sacando trabajo de la ESA para hacerlo en casa. Así, es posible afirmar que las condiciones laborales de los sujetos participantes del estudio están muy por debajo de lo que se considera satisfactorio, requiriendo una mirada más certera por parte de los directivos para afrontar esta situación.

Palabras clave: asistencia educativa especializada; educación especial; condiciones de trabajo docente

INTRODUÇÃO

O problema da precarização do trabalho docente já é objeto de discussão em diversas partes do mundo. Seja em países pobres ou em nações consideradas exemplos, no que diz respeito as diversas avaliações internacionais em educação, a profissão de professor vem sofrendo uma série de ataques (UNESCO, 2005; HIRSCH et al., 2007; GALGÓCZI, GLASSNER, 2008; BOUKOU, 2017, TOH, 2017).

Isto porque, as políticas de cunho neoliberal vêm atualmente ganhando cada vez mais espaço nos governos dos países, independentemente do espectro ideológico, empurrados pelas grandes corporações e investidores de capital que exigem a diminuição dos gastos do estado e a transferência do controle dos órgãos estatais para a iniciativa privada.

Nesse caso, elementos compreendidos como direitos sociais começam a ser gerenciados dentro da lógica empresarial, com metas, diminuição dos custos e aumento da produtividade. No que diz respeito à educação, isso significa um ataque frontal aos direitos trabalhistas dos professores, principalmente, no que se refere ao achatamento de salários, ao aumento das funções docentes, ao aumento da carga horária de trabalho, ao aumento no número de alunos, à precarização dos contratos de trabalho, à diminuição do tempo de descanso e do investimento em formação inicial e continuada. Estas considerações também são compartilhadas por alguns autores, como Silva e Guillo (2015, p. 4):

O processo de precarização do trabalho docente pode ser observado no interior das políticas educacionais implantadas nas últimas décadas, orientada por mudanças curriculares, de formação e atuação do professor. Uma das características dessas políticas é a mudança de perfil do trabalho do professor da Educação Básica ao ter que assumir inúmeras funções no campo educacional.

Assim, a busca pela eficiência pode levar à diminuição da importância da carreira do professor, compreendido como uma peça custosa para a manutenção de um sistema que precisa produzir resultado com cada vez menos investimento.

Os docentes de países com sistemas educacionais mais consolidados, e com uma sociedade civil mais educada e organizada, conseguem enfrentar essa onda neoliberal com mais força. Porém, em países periféricos ou em desenvolvimento, caso do Brasil, esse ataque aos professores vem sendo feito de forma continuada e tem se agravado nos últimos anos, como explicado por Oliveira (2006, p. 212):

Os professores são, em geral, considerados os principais responsáveis pelo desempenho dos alunos, da escola e do sistema, no contexto atual de reformas educacionais e de uma nova regulação educativa. Diante das variadas funções que a escola pública assume, os professores encontram-se frequentemente diante da necessidade de responder às exigências que estão para além de sua formação.

No caso daqueles que atuam com Educação Especial, a situação se agrava, pois o trabalho ainda é menos reconhecido que os dos outros docentes atuantes na Educação básica. Por conta disso, este artigo teve como objetivo descrever as condições dos processos pedagógicos e as características da atividade do trabalho dos docentes de Educação Especial, que atuam com Atendimento Educacional Especializado (AEE) nas escolas dos municípios pertencentes à região do Piemonte da Diamantina, Bahia.

Metodologia

Para que esta pesquisa pudesse ser desenvolvida, um questionário de perguntas fechadas foi aplicado aos sujeitos participantes, no intuito de conhecer suas opiniões acerca das características da atividade docente.

De acordo com Gil (2010), este instrumento de pesquisa tem como vantagem o fato de poder ser aplicado a uma grande quantidade de sujeitos, além do mais, preserva o anonimato da identidade dos entrevistados e diminui significativamente a influência do entrevistador.

O corpus da pesquisa engloba nove municípios integrantes do território de identidade conhecido como Piemonte da Diamantina, no estado da Bahia, que juntos congregam cerca de 270 mil habitantes (IBGE, 2017). Os referidos municípios são: Caém, Jacobina, Miguel Calmon, Mirangaba, Ourolândia, Saúde, Serrolândia, Umburanas e Várzea Nova.

De acordo com os dados obtidos nas secretarias de educação dos respectivos municípios, a região do Piemonte da Diamantina possui um total de 45 docentes que atuaram em 2017 com Atendimento Educacional Especializado (AEE), com alunos com deficiência, nas escolas municipais urbanas e rurais, sendo este o critério escolhido para o estudo.

Assim, deste universo de sujeitos, 36professores aceitaram participar, o que representa cerca de 80% do total de sujeitos que se encaixavam no critério estabelecido.

Para fins de conceituação, o Atendimento Educacional Especializado é registrado no artigo 2°, parágrafo 1° do Decreto n° 7.611/2011, como sendo:(...) o conjunto de atividades, recursos de acessibilidade e pedagógicos organizados institucional e continuamente, prestado das seguintes formas:

I - complementar à formação dos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento, como apoio permanente e limitado no tempo e na frequência dos estudantes às salas de recursos multifuncionais; ou

II - suplementar à formação de estudantes com altas habilidades ou superdotação (BRASIL, 2011).

Desta maneira, para fixar os limites da atuação do professor de AEE, a resolução CNE/CEB n. 4 de 2009, deixa claro em seu artigo 4° quem são os alunos tidos como público-alvo:

I - Alunos com deficiência: aqueles que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual, mental ou sensorial.

II - Alunos com transtornos globais do desenvolvimento: aqueles que apresentam um quadro de alterações no desenvolvimento neuropsicomotor, comprometimento nas relações sociais, na comunicação ou estereotipias motoras [...].

III - Alunos com altas habilidades / superdotação: aqueles que apresentam um potencial elevado e grande envolvimento com as áreas do conhecimento humano, isoladas ou combinadas: intelectual, liderança, psicomotora, artes e criatividade (BRASIL, 2009, p. 1)Sobre os aspectos éticos, é importante deixar claro que a condução da pesquisa levou em consideração todos os preceitos referentes aos estudos com seres humanos, incluindo o uso do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), a preservação da identidade dos sujeitos participantes, além da submissão do projeto ao comitê de ética da Universidade do Estado da Bahia (CEP/UNEB).

Além disso, os dados apresentados neste artigo fazem parte de um estudo de Doutorado desenvolvido no Programa de Pós-graduação em Educação, na Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (PPGE/FACED/UFBA), e que recebeu financiamento através de bolsa do Programa de Apoio à Capacitação de Docentes (PAC-DT) da Universidade do Estado da Bahia (UNEB).

Análise e discussão dos dados

Neste tópico são apresentados os dados coletados por meio de questionário; a análise e a discussão desses dados serão feitas a partir da literatura existente. O foco está na organização do trabalho do professor de AEE, que traz os seguintes elementos: quantidade de alunos matriculados no atendimento, tipos de deficiências, adaptações curriculares, frequência de trabalho que os docentes levam para casa.

No que diz respeito ao número de alunos atendidos pelos professores de Atendimento Educacional Especializado no ano de 2017, a Figura 1 mostra que 29% dos professores tiveram, em 2017, 16 a 20 alunos; 23% docentes tiveram 10 a 12 alunos; 20% tiveram 26 a 30 alunos; 9% com 31 a 35 alunos; 8% com 21 a 25 alunos; 8% de 13 a 15 alunos; e 3% dos professores com mais de 35 alunos.

Fonte: Elaboração própria, 2019

Figura 1 Distribuição da quantidade de alunos atendidos pelos docentes 

Fazendo um paralelo com os estudos de Brito e colaboradores (2014), que produziram uma pesquisa com 30 docentes de AEE do município de Teresina, estado do Piauí, foi possível observar que estes professores também atuam com um número elevado de alunos com deficiências variadas, em que 36% atendem de 16 a 20 alunos; 25% atuam com 26 a 30 alunos; 21% atuam com 21 a 25 alunos; 11% atendem 11 a 15 alunos; e 7% atendem de 6 a 10 alunos.

De acordo com as Diretrizes da Educação Inclusiva no estado da Bahia, a quantidade limite de alunos de Atendimento Educacional Especializado para um professor de 40 horas é de 12 alunos (BAHIA, 2017). Assim, é possível inferir que 77% dos docentes investigados atuam com uma quantidade de alunos acima do que é considerado legal.

Brito e colaboradores (2014) ainda questionam a grande quantidade de alunos com espectro do autismo que são atendidos ao mesmo tempo, pois cada professor atende de 2 a 4 discentes, muitas vezes com outras necessidades especiais diferentes, o que demonstra ser uma realidade semelhante aos dados de nosso estudo, como observado na Figura 2:

Fonte: Elaboração própria, 2019

Figura 2 Distribuição da quantidade de alunos atendidos pelos docentes 

De acordo com os dados apresentados, 39% dos docentes de Atendimento Educacional Especializado disseram que atuam com 3 a 4 tipos de deficiência e/ou condições educacionais especiais dos alunos. Já 33% afirmaram atuar com 5 a 6 tipos diferentes de condições; 22% atuam com 7 a 8 tipos; e 6% disseram que atendem até 2 tipos.

Em relação aos diferentes tipos de deficiência ou necessidades especiais dos alunos, os docentes citaram um total de 18 tipos, compilados e apresentados na Figura 3:

Fonte: Elaboração própria, 2019

Figura 3 Distribuição dos tipos de condições dos alunos atendidos 

Os dados indicam que 18% dos professores de AEE atenderam alunos categorizados com déficit cognitivo; 16% atenderam discentes com deficiência física; 15% dos professores atuaram com alunos dentro do espetro do autismo; 13% tiveram discentes com síndrome de Down; 11% dos docentes atenderam alunos com deficiência múltipla; 10% atuaram com discentes com deficiência auditiva; 8% com deficiência visual; 2% atuaram com alunos com transtorno com déficit de atenção e hiperatividade (TDAH).

Já 1% dos professores pesquisados afirmaram que atuaram com alunos classificados em uma dessas condições educacionais especiais: hidrocefalia; mucopolissacaridose; dislexia; síndrome de Angelman; síndrome de Williams-Beuren; osteogênese imperfeita; síndrome de Apert; síndrome de Rett, microcefalia; e outros transtornos mentais diversos. É importante esclarecer que só foram considerados os alunos que tinham laudo médico comprovando tal diagnóstico. Essa variedade de condições especiais apresentada no Piemonte da Diamantina ultrapassa os tipos considerados público alvo do AEE, de acordo com o Artigo 4° da Resolução n. 4 de 2009, do Conselho Nacional de Educação (CNE/CEB) :

I - Alunos com deficiência: aqueles que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual, mental ou sensorial.

II - Alunos com transtornos globais do desenvolvimento: aqueles que apresentam um quadro de alterações no desenvolvimento neuropsicomotor, comprometimento nas relações sociais, na comunicação ou estereotipias motoras. Incluem-se nessa definição alunos com autismo clássico, síndrome de Asperger, síndrome de Rett, transtorno desintegrativo da infância (psicoses) e transtornos invasivos sem outra especificação.

III - Alunos com altas habilidades/superdotação: aqueles que apresentam um potencial elevado e grande envolvimento com as áreas do conhecimento humano, isoladas ou combinadas: intelectual, liderança, psicomotora, artes e criatividade (BRASIL, 2009, p. 1).

Mesmo que os docentes possuam formação e capacitação contínua para atuar no AEE, é imprescindível que os gestores municipais tenham um maior controle acerca da quantidade de alunos e dos tipos de necessidades especiais, no sentido de proporcionar uma melhor condição de trabalho aos professores e, assim, potencializar o desenvolvimento dos discentes.

É importante deixar claro que nenhum dos docentes participantes do estudo trabalhou com menos de dois tipos de necessidades especiais dos alunos. Desse modo, por falta de estrutura que diferenciasse a intervenção, os alunos com deficiência visual foram atendidos na mesma sala que os outros, ainda que a legislação faça essa diferenciação específica.

Alguns autores afirmam que a grande quantidade de alunos é uma das principais dificuldades encontradas pelos professores que atuam na Educação Especial (MENDES etal, 2010; MIRANDA, 2016). A situação se agrava mais quando os docentes não possuem formação para atuar com as várias necessidades educacionais especiais diferentes, como pode ser observado no estudo de Miranda (2016) com 8 docentes de AEE da rede municipal de Salvador, Bahia:

[...] as professoras declaram a necessidade de uma formação continuada para atuar no atendimento a alunos com necessidades educacionais especiais, além de reafirmar a relação entre a teoria e prática como requisito para proporcionar-lhes a capacitação e segurança para trabalhar com diferentes tipos de deficiências, sendo assim é necessário que os professores estejam qualificados para atender as peculiaridades apresentadas pelo aluno. (MIRANDA, 2016, p. 103).

Assim, está claro que os docentes precisam trabalhar com uma quantidade de alunos que permita atuar de forma satisfatória, pois cada uma das deficiências e/ou necessidades educacionais especiais exige metodologias, adaptações e avaliações próprias.

Por isso, ainda sobre os elementos acerca de prática pedagógica, os docentes foram indagados a respeito das adaptações curriculares que porventura fazem em seu trabalho no AEE. Os dados foram compilados e estão apresentados na Figura 4:

Fonte: Elaboração própria, 2019

Figura 4 Adaptações curriculares executados pelos professores 

Docentes (67%) disseram que sempre produzem adaptações curriculares com auxílio de seus colegas. Já para 25% dos sujeitos pesquisados, as adaptações curriculares são feitas, entretanto, sem o apoio de ninguém. Somente 8% dos professores afirmaram que não produzem qualquer tipo de adaptação curricular para sua prática pedagógica no AEE.

De acordo com Vargas (2009), as adaptações curriculares podem ser compreendidas como um conjunto de alterações executadas pelos professores nos objetivos, conteúdos, metodologias e avaliações, visando dirimir os possíveis problemas que possam ocorrer na prática pedagógica de alunos com deficiência e/ou necessidades educacionais especiais.

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais referentes às adaptações curriculares, a unidade escolar precisa possibilitar alguns parâmetros que indicarão o caminho mais eficiente para promover o processo de aprendizagem dos alunos do AEE, os quais podem ser destacados:

[...] a atitude favorável da escola para diversificar e flexibilizar o processo de ensino-aprendizagem, de modo a atender às diferenças individuais dos alunos;

a identificação das necessidades educacionais especiais para justificar a priorização de recursos e meios favoráveis à sua educação;

a adoção de currículos abertos e propostas curriculares diversificadas, em lugar de uma concepção uniforme e homogeneizadora de currículo;

a flexibilidade quanto à organização e ao funcionamento da escola, para atender à demanda diversificada dos alunos;

a possibilidade de incluir professores especializados, serviços de apoio e outros, não convencionais, para favorecer o processo educacional (BRASIL, 1999, p. 32).

Deste modo, é possível inferir a relevância das adaptações curriculares para o desenvolvimento dos alunos de AEE, de acordo com os professores, pois 92% deles afirmaram realizar tais adaptações em sua prática pedagógica.

Entretanto, apesar de favorável, essa não é a única realidade existente sobre o tema, pois quando foi feito um comparativo com o estudo de Albuquerque (2014), que analisou a Política Nacional do município de Jaboatão dos Guararapes, estado de Pernambuco, foi possível observar que a gestão municipal não colocou as adaptações curriculares como um importante elemento da inclusão de alunos, de maneira que algumas atividades pedagógicas são equivocadamente compreendidas como adaptações curriculares.

Obviamente, essas adaptações necessitam de muito tempo para serem planejadas, construídas e executadas e muitas vezes demanda do professor um tempo maior do que a sua carga horária de trabalho oficial. Deste modo, foi indagado aos professores de AEE com qual frequência eles levam trabalho para casa. As respostas estão apresentadas na Figura 5.

Fonte: Elaboração própria, 2019

Figura 5 Frequência com que os professores levam trabalho para casa 

Os dados indicam que 58% dos professores sempre levam trabalho para ser feito em casa; 28% afirmam que levam frequentemente; 8% disseram que raramente levam trabalho para casa; e 6% afirmam que nunca levam trabalho para casa. Assim, é possível afirmar que 86% dos docentes participantes do estudo levam trabalho para casa cotidianamente.

No que diz respeito à quantidade de horas que os docentes utilizam com o trabalho do AEE em casa, os dados resumidos na Figura 6 mostram que: 56% utilizam, em média, 1 a 2 horas; 38% gastam de 2 a 4 horas; e 6% gastam mais de 4 horas com trabalho de AEE levado para casa.

Fonte: Elaboração própria, 2019

Figura 6 Porcentagem de horas diárias que os docentes gastam com atividades em casa 

Ainda que não tenham sido encontrados outros estudos sobre o trabalho extraclasse do professor de AEE, com os dados apresentados é possível fazer uma análise comparativa com outros três estudos que tratam dessa questão.

O primeiro é a pesquisa de Silva e Guillo (2015), com 20 docentes da escola da rede estadual de Goiás. Nesta pesquisa, foi constatado que todos os professores participantes afirmam levar trabalho para casa, inclusive em fins de semana, de modo que 65% utilizam a opção “frequentemente” e 35% a opção “sempre”. De acordo com os mesmos autores, essa situação gera implicações negativas, pois o tempo que poderia ser empregado com atividades de lazer e/ou com a família é gasto com trabalho, causando uma série de conflitos.

O segundo estudo usado em paralelo é o de Araújo (2016) que teve como objetivo conhecer as condições de trabalho de 81 professores da educação infantil e do ensino fundamental de escolas municipais de Serrolândia, Bahia. Nesse estudo, foi observado que 76% dos sujeitos participantes disseram que sempre levam trabalho para casa e 19,8% disseram fazer isso frequentemente.

A terceira pesquisa também foi realizada em um município do Piemonte da Diamantina, mais especificamente na cidade de Jacobina. A autora dessa pesquisa, Santos (2016), aplicou um questionário a 157 docentes das escolas municipais de educação infantil e percebeu que 84% dos professores levam trabalho para casa.

Assim, foi possível inferir nas pesquisas apresentadas que a maioria dos docentes acaba levando trabalho para ser feito em sua própria residência, extrapolando a carga horária formal de trabalho, seja de 20 ou 40 horas. Dessa maneira, a maior parte dos professores acaba trabalhando quase um turno a mais apenas com atividades laborais feitas em casa. No caso dos professores de AEE, esse tempo pode ser até maior, haja vista a necessidade de planejamento e construção de adaptações para atender a diversidade dos alunos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo do presente artigo, aqui retomado, foi descrever as condições dos processos pedagógicos e as características da atividade do trabalho dos professores de Atendimento Educacional Especializado, das escolas municipais da região do Piemonte da Diamantina, estado da Bahia.

De forma resumida, foi possível constatar que os docentes participantes do estudo atuam com uma grande quantidade de alunos, inclusive com muitos tipos de necessidades especiais diferentes, sendo que alguns casos extrapolam o público alvo do AEE.

Apesar disso, grande parte dos docentes afirmou produzir adaptações curriculares para atender as necessidades pedagógicas individuais dos alunos, o que demanda muito tempo, e ultrapassa a carga horária de trabalho, já que a maioria dos docentes acaba levando trabalho do Atendimento Educacional Especializado para ser feito em casa, no tempo que deveria ser destinado ao descanso, ao lazer ou passando com a família.

Assim, é possível afirmar que as condições de trabalho dos sujeitos participantes do estudo está muito aquém de ser considerado satisfatório, necessitando um olhar mais apurado dos gestores para enfrentar essa situação. Desse modo, é preciso produzir mais estudos sobre as condições de trabalho dos professores de AEE, não só na Bahia, mas também por pesquisadores dos outros estados do Brasil.

1Segundo a lei estadual n. 13.214 da Bahia, o Território de Identidade é compreendido como “[...] a unidade de planejamento de políticas públicas do Estado da Bahia, constituído por agrupamentos identitários municipais, geralmente contíguos, formado de acordo com critérios sociais, culturais, econômicos e geográficos, reconhecido pela sua população como o espaço historicamente construído ao qual pertencem, com identidade que amplia as possibilidades de coesão social e territorial, conforme disposto no Plano Plurianual do Estado da Bahia” (BAHIA, 2014).

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Recebido: Abril de 2020; Aceito: Julho de 2020

E-mail: osni_edfisica@yahoo.com.br

E-mail: tmiranda@ufba.br

E-mail: magbordas@gmail.com

Informações do(a)(s) autor(a)(es)

Osni Oliveira Noberto da Silva

Universidade do Estado da Bahia

E-mail: osni edfisica@yahoo.com.br

ORCID: http://orcid.org/0000-0001-5028-0889

Link Lattes: http://lattes.cnpq.br/8117427158420224

Theresinha Guimarães Miranda Universidade Federal da Bahia E-mail: tmiranda@ufba.br ORCID: http://orcid.org/0000-0002-7762-7739Link Lattes: http://lattes.cnpq.br/8564192925828018

Miguel Angel Garcia Bordas

Universidade Federal da Bahia

E-mail: magbordas@gmail.com

ORCID: http://orcid.org/0000-0001-5970-9581

Link. Lattes: http://lattes.cnpq.br/2470034784958232

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