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Revista Teias

versão impressa ISSN 1518-5370versão On-line ISSN 1982-0305

Revista Teias vol.21 no.62 Rio de Janeiro jul./set 2020  Epub 09-Fev-2022

https://doi.org/10.12957/teias.%y.49616 

Raça e Cultura

EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E EDUCAÇÃO INFANTIL: em foco as vivências a partir da utilização de apostilas

EDUCATION OF ETHNIC-RACIAL RELATIONSHIPS AND KINDERGARTEN: focusing on the experiences based on the use of textbooks

EDUCACIÓN DE RELACIONES ÉTNICO-RACIALES Y EDUCACIÓN INFANTIL: centrándose en experiencias basadas en el uso de folletos

Thaís Regina de Carvalho1 
http://orcid.org/0000-0002-9807-554X

1Afiliação institucional: Universidade Federal de Goiás


Resumo

O presente artigo apresenta análises sobre o tema educação das relações étnico-raciais na educação infantil. Assim, o objetivo foi compreender os aspectos que envolvem a referida temática em uma turma de crianças de quatro anos de idade em um Centro Municipal de Educação Infantil que utiliza apostilas e está localizado no estado do Paraná. Para a coleta de dados, foi realizada observação participante e a partir dos diversos momentos foram elaborados diários de campo, gravação de áudios e registros fotográficos. Pelas análises observamos que os cabelos podem ser apontados como algo relevante nos diálogos e brincadeiras entre as crianças, principalmente entre as meninas. Além disso, é possível afirmar que não há na apostila uma presença expressiva de personagens e conteúdos que contemplem a diversidade étnico-racial e este fato atrelado à necessidade de cumprimento das unidades e dos conteúdos do livro contribuiu para a ausência da realização de trabalhos intencionais a respeito do tema.

Palavras-chave: educação das relações étnico-raciais; educação infantil; apostilas

Abstract

This article presents analyzes on the theme of education of ethnic-racial relations in kindergarten. Thus, the objective was to understand the aspects that involve this theme in a class of four-year-old children in a Municipal Center for kindergarten that uses textbook and is located in the state of Paraná. For data collection, participant observation was carried out and, from different moments, field diaries, audio recording and photographic records were prepared. From the analysis we observed that hair can be pointed out as something relevant in the dialogues and joking among children, especially among girls. In addition, it is possible to affirm that there is not expressive presence of characters and contents in the textbook that contemplate the ethnic-racial diversity and this fact, linked to the need to comply with the units and contents of the textbook, contributed to the absence of intentional activities on the subject the theme.

Keywords: education of ethnic-racial relations; kindergarten; textbooks

Resumen

Este artículo presenta análisis sobre el tema de la educación de las relaciones étnico-raciales en la educación de la primera infancia. Por lo tanto, el objetivo era comprender los aspectos que involucran este tema en un grupo de niños de cuatro años en un Centro Municipal de Educación Infantil que utiliza folletos y se encuentra en el estado de Paraná. Para la recolección de datos, se llevó a cabo la observación participante y, desde diferentes momentos, se prepararon diarios de campo, grabaciones de audio y registros fotográficos. Del análisis observamos que el cabello puede señalarse como algo relevante en los diálogos y juegos entre los niños, especialmente entre las niñas. Además, es posible afirmar que no hay una presencia expresiva de personajes y contenidos en el folleto que contemple la diversidad étnico-racial y este hecho, vinculado a la necesidad de cumplir con las unidades y contenidos de los libros, contribuyó a la ausencia de trabajo intencional sobre el tema.

Palabras clave: educación de las relaciones étnico-raciales; educación infantil; folletos

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Em acordo com a bibliografia da área e com documentos em âmbito nacional e municipal as propostas e práticas pedagógicas direcionadas à educação infantil precisam contemplar a educação das relações étnico-raciais de forma contínua e consistente. Assim sendo, os conteúdos acerca da história e cultura africana, afro-brasileira e indígena devem ser abordados em todas as unidades educativas da primeira etapa da educação básica.

Tal afirmação remete a reflexões sobre formas e estratégias que vêm sendo utilizadas para abranger os referidos conteúdos cotidianamente, considerando a diversidade regional do nosso país, a heterogeneidade das redes municipais de ensino e, consequentemente, das ações que são desenvolvidas com crianças de zero a cinco anos de idade. Tendo em vista as múltiplas propostas, elencamos que um dos desafios a ser considerado é a inserção da educação das relações étnicoraciais nos debates que envolvem a concepção (cuidar e educar), os princípios (éticos, políticos e estéticos) e os eixos (interações e brincadeira) da educação infantil.

Nessa direção, emergem problematizações no tocante às práticas pedagógicas realizadas nas diferentes unidades de educação infantil, sejam elas públicas ou privadas. Sobre esse assunto, pesquisas vêm demonstrando que a adesão de sistemas privados de ensino por parte de redes públicas de educação infantil é uma prática recorrente em diversos municípios brasileiros, em especial os de pequeno porte. Nesse sentido Adrião, Borghi, Domiciano (2010, p. 292) apontam que: “[...] A educação infantil tem se tornado um espaço lucrativo para as empresas. Em acordo com Adrião, Garcia, Borghi, Arelaro (2012, p. 538), os sistemas privados de ensino (SPE) podem ser caracterizados como:

[...] “cesta de serviços e produtos” oferecida aos municípios-clientes, material didático conhecido como “material apostilado”, distribuído aos estudantes e aos professores em versões distintas. Além disso, as empresas oferecem assessorias que envolvem procedimentos de avaliação sobre o uso adequado dos materiais, “treinamentos” a docentes e acesso a portais com instruções detalhadas sobre sua utilização. A empresa privada oferece ao setor público, na verdade, um programa de ensino que incide sobre a organização dos tempos e rotinas de trabalho nas unidades escolares, que constituem formas de controle sobre este trabalho.

A adoção e utilização desses materiais com bebês e crianças suscita discussões a respeito da homogeneização, antecipação e preparação, pois essas ações vão de encontro com a concepção e responsabilidades da primeira etapa da educação básica. Correa e Adrião (2012, p. 36) chamam atenção, pois:

Esse crescimento, por sua vez, deve ser analisado com cautela, entre outras razões pelo fato de incidir sobre o currículo de uma etapa educacional que embora possua diretrizes curriculares nacionais de caráter mandatório (BRASIL, 2009b), as quais definem como eixos norteadores para a organização curricular da EI as interações entre adultos e crianças e entre crianças e a brincadeira, estas ainda não são consideradas por grande parte das propostas pedagógicas vigentes nos diferentes sistemas educacionais do país.

Diante desse debate cabe expor a complexidade da adesão de SPE, já que estes são vendidos com a ideia de promover qualidade na educação; todavia, embora apresentem que seguem disposições dos documentos que subsidiam a educação infantil, ainda contam com diversas lacunas, conforme exposto pelas autoras supracitadas.

Ainda sobre as análises das apostilas, consideramos fundamental debater relações étnicoraciais, pois como expõe Silva (2008, p. 18): “[...] expressões do racismo em livros didáticos constituem uma das formas de produção e sustentação do discurso racista no cotidiano brasileiro, não apenas reflexo de um racismo produzido pelas instituições externas à escola.”

Dessa forma, é relevante salientar que todas as crianças têm o direito de ter acesso aos conhecimentos referentes à história e cultura africana e afro-brasileira de forma articulada e densa, superando visões reducionistas, e por vezes equivocadas, que costumeiramente permanecem circulando nos diferentes espaços educativos, e operam para a manutenção das desigualdades e hierarquias raciais. Destarte, o trabalho com esses conteúdos envolve a ampliação dos referenciais e precisa ser desenvolvido independente do pertencimento étnico-racial do grupo envolvido e do ambiente educativo. Assim sendo, ressaltamos que esse processo envolve mudança de postura que compreenda a reeducação das relações étnico-raciais (GONÇALVEZ, SILVA, 2015; ROMÃO, 2014), de tal modo que todos os sujeitos sejam reconhecidos, respeitados e valorizados em todos os momentos. Em especial na primeira etapa da educação básica:

[...] significa ter cuidado não só na escolha de livros, brinquedos, instrumentos, mas também cuidar dos aspectos estéticos, como a eleição dos materiais gráficos de comunicação e de decoração condizentes com a valorização da diversidade racial. A escolha dos materiais deve estar relacionada com sua capacidade para estimular, provocar determinado tipo de respostas e atividades. (BRASIL, 2012, p. 21).

Considerando a importância da escolha de todos os materiais, bem como o aumento na adesão de apostilas nas diferentes redes municipais de ensino, o presente artigo irá apresentar análises sobre a utilização desses materiais em uma turma de crianças de quatro anos de idade, tendo como recorte os aspectos referentes à educação das relações étnico-raciais. Além disso, serão discutidos aspectos referentes ao projeto político pedagógico da instituição e algumas especificidades a respeito da organização do espaço (decorações e brinquedos).

UTILIZAÇÃO DE APOSTILAS E RELAÇÕES RACIAIS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: CONSIDERAÇÕES SOBRE A CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA

Debater sobre a utilização de apostilas na primeira etapa da educação básica é uma ação complexa e ampla que envolve desde o processo de escolha dos SPE, autonomia das/os docentes até as formas de desenvolvimento das práticas pedagógicas, considerando a necessidade do desenvolvimento integral dos bebês e das crianças. Imerso nessas problematizações, o presente trabalho apresenta como recorte os aspectos que remetem ao uso de apostilas na educação infantil com foco na educação das relações étnico-raciais.

Para isso, as análises foram realizadas a partir das discussões referentes aos dados coletados em pesquisa de campo desenvolvida em um Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) do estado do Paraná. As observações participantes ocorreram em três turmas do Pré I, ao longo de um semestre, com idas a campo três vezes por semana, sendo que em cada dia era realizado o acompanhamento em uma turma. Os registros foram realizados através de recursos fotográficos, gravação de áudios e diários de campo, os quais contavam com detalhamentos da rotina, falas das crianças e professoras, bem como especificidades de cada docente nos encaminhamentos das atividades das apostilas.

Os sujeitos envolvidos foram 41 crianças, sendo 21 meninas e 20 meninos. Também participaram da pesquisa três professoras: Geninha, Zena e Laudelina1 . Geninha é formada no magistério, Zena e Laudelina são graduadas em pedagogia. Todas ocupam o cargo de educadora infantil. As três turmas contavam com atendimento em período parcial (somente pela manhã). As mesmas apresentavam a heterogeneidade entre si como um elemento marcante, contudo contavam com semelhanças na forma de organização das rotinas que, em suma, era constituída pela acolhida com filme ou brinquedos, café da manhã, chamada e contagem das crianças presentes e ausentes, roda de conversa, utilização da apostila, momento para brincadeira com os brinquedos disponibilizados pelas docentes, higiene das mãos, almoço e saída.

As três turmas realizavam as atividades dispostas em três apostilas nos dias de observação participante. Uma apostila era intitulada interdisciplinar, outra linguagem escrita e, por fim, matemática. Nos dias de observação, a mais utilizada foi a primeira. Sobre a apostila interdisciplinar, após análises quantitativas das personagens, foi possível verificar 60% de personagens brancas; 12,4% pretas; 4,6% pardas, 4,6% amarelas; indígenas não totalizaram 1%; e por fim, indeterminadas2 somaram 17,1%. Esses resultados remetem a uma taxa de branquidade3 de 6,7%. Isto significa que a cada seis personagens brancas há uma personagem preta ou parda. Realidade que revela a existência e manutenção das desigualdades raciais no que se refere à representatividade.

Considerando a importância do detalhamento das informações e suas respectivas análises, para o presente artigo iremos abordar apenas os dados referentes à turma da professora Geninha que conta com 17 crianças de quatro anos, sendo 11 meninas e seis meninos. Dentre as 11 meninas, nove foram heteroclassificadas4 segundo raça/cor como brancas e duas como pardas. Já os meninos foram todos heteroclassificados como brancos. A escolha por essa turma se deu por conta da dinâmica de organização, em que a professora costumava dispor a sala em dois grupos, realizar a explicação coletivamente e em seguida de forma mais individualizada para as crianças em cada grupo. Essa estratégia utilizada pela professora favorecia uma frequência maior de diálogos entre as crianças nos momentos de uso da apostila.

A seguir, debateremos aspectos sobre a organização dos espaços internos; brincadeiras e diálogos entre as crianças e o uso de apostilas tendo como recorte a educação das relações étnicoraciais.

EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E EDUCAÇÃO INFANTIL: VIVÊNCIAS NA UNIDADE EDUCATIVA

Ao iniciar os estudos na unidade educativa, tornou-se essencial analisar as imagens dispostas nos espaços internos do CMEI. Segundo Carvalho e Rubiano (1994) a organização dos espaços considerando os diferentes arranjos é relevante e denota a concepção de criança e educação infantil vigente. Assim, os espaços e suas respectivas decorações retratam mensagens simbólicas que podem contribuir no processo de construção valorizada das identidades de cada criança, identificações do grupo, bem como segurança, autonomia, entre outros aspectos.

No que tange aos materiais expostos na sala da Professora Geninha, vale destacar o cartaz da chamada e as ilustrações do alfabeto. Sobre o cartaz de chamada verificamos a representação de crianças brancas como padrão.

Fonte: Autora (2018).

Figura 1 Chamada 

Ou seja, há uma iniciativa para retratar meninos e meninas, contudo o mesmo movimento não ocorre no que se refere à diversidade étnico-racial, mantendo-se, assim, a imagem da/o branca/o como norma.

Conforme citamos, outro item que compõe a decoração da sala de aula é o alfabeto, que contava com ilustrações pintadas manualmente. Não identificamos um número expressivo de personagens representadas no alfabeto. Entretanto, quando elas estão presentes permanece marcante a representação expressiva de brancos/as, inclusive tendo como estratégia a ausência de pinturas nos rostos. Nesse material localizamos apenas a imagem de uma menina que, por conta dos formatos dos olhos e cor escolhida para a pintura do cabelo, foi heteroclassificada como descendente de asiáticos.

Na mesma sala foi possível verificar o lápis de cor amarelo como o mais utilizado para a pintura dos cabelos. Assim, observamos uma tendência de representação de personagens loiras. Ademais, em uma das ilustrações do alfabeto, embora tenha sido realizada a escolha por um cabelo crespo ou encaracolado conservou-se a opção pelo cabelo pintado de amarelo, bem como a não pintura do rosto e demais partes do corpo.

As imagens destacadas na sala de aula revelam que a representação da diversidade étnicoracial nos materiais que ficam expostos durante todo o ano letivo não foi prioridade. Essa ausência é complexa, pois a cor da pele é um dos elementos importantes que determina as assimetrias raciais (TELLES, FLORES, GIRALDO, 2015). Além disso, o uso acentuado de traços nórdicos opera como forma de hierarquia racial, pois estabelece uma “estética ariana” (SILVA, 2008; AMARAL, 2013), uma hipervalorização da pele, dos olhos e dos cabelos claros.

Dando continuidade às análises, ressaltamos o projeto político pedagógico (PPP, 2012) do CMEI. Diante do recorte do presente artigo, averiguamos que os conhecimentos sobre a cultura e história africana e afro-brasileira estão destacados na seção dedicada à explicação de projetos socioeducativos e temas contemporâneos. Todavia, cabe salientar que ao longo do período de observação participante não foram presenciadas ações que remetessem ao trabalho com a temática.

Ainda sobre o PPP (2012), constatamos que o documento apresenta avanços e limitações, pois embora enuncie a existência de privilégios das/os brancas/os, não menciona a luta do movimento negro e os diversos processos de resistência. Além disso, as informações a respeito das propostas curriculares de cada grupo de crianças constituem-se na reprodução das informações integrantes das Diretrizes Curriculares Municipais, as quais não abordam a temática de maneira significativa a ponto de incorporá-la enquanto um dos elementos que compõem os critérios de qualidade da educação infantil.

Diante desse contexto, é possível apontar que a inserção da temática no PPP (2012) da unidade apresenta lacunas, no que se refere aos detalhamentos e vinculações com as demais ações, pois os conhecimentos a respeito da história e cultura africana e afro-brasileira continuam sendo expostos de forma esporádica, isto é não são incorporados como integrantes do currículo e sim apenas como o desenvolvimento de projetos pontuais. Fato que remete à necessidade de mudança de postura e ampliação da perspectiva de trabalho.

Tal demanda confirmou-se a partir de diversas situações vivenciadas ao longo do período de observação participante, pois os diferentes momentos demonstraram que, embora o trabalho intencional sobre história e cultura africana e afro-brasileira não seja contemplado de forma expressiva, os aspectos relacionados às relações raciais, preconceitos e reprodução do branco como padrão de humanidade estão presentes nos diálogos e brincadeiras entre as crianças e seus pares. Como exemplo, podemos apontar como relevante, entre as crianças, sobretudo entre as meninas da turma, as questões no tocante aos cabelos, maquiagens e demais aspectos que envolvem padrões de beleza. Sobre esse assunto enfatizamos algumas situações que ocorreram na semana do Dia das Crianças5, principalmente no momento da brincadeira, em que foram ofertadas as seguintes bonecas:

As Figuras 2 to 3 revelam a reprodução de um padrão de bonecas, já que todas têm semelhanças nas representações de seus corpos e, excetuando a boneca negra, que é careca, todas as outras possuem cabelos lisos, alterando apenas as cores. Retomando as informações sobre o dia em que as referidas bonecas foram disponibilizadas para as crianças, destacamos a seguinte situação:

Fonte: Autora (2018).

Figura 2 Boneca negra 

Fonte: Autora (2018).

Figura 3 Bonecas brancas 

Próximo às 9h40min, a professora organizou as crianças em dois grupos: um de meninos e outro de meninas. Os primeiros ganharam brinquedos relacionados a ferramentas. Já para as meninas foram disponibilizadas bonecas, TNT e panelas em miniatura. Foi possível observar a nítida divisão das brincadeiras conforme o gênero de cada criança, inclusive a caixa de ferramentas estava etiquetada como: Caixa de brinquedos Meninos. Para as meninas, a professora distribuiu as bonecas aleatoriamente. Percebi que todas as bonecas estavam sem roupas e que algumas meninas improvisaram vestimentas com o TNT. Dentre as bonecas ofertadas apenas uma era uma boneca negra e somente ela não tinha cabelos. Isso foi algo marcante para as oito meninas que estavam brincando.

Aline (heteroclassificada como branca dos cabelos crespos) estava brincando com a boneca negra. Aline beijou e acariciou o rosto da boneca demonstrando carinho. Iniciou conversas com as outras meninas, as quais remetiam à rotina.

  • -Eu vou dormir com a minha filha - disse Aline.

  • -Deita aqui perto de mim, vamos dormir, está na hora - falou Natana.

As meninas simularam estar dormindo durante alguns minutos.

  • -Vamos, está na hora de ir para a escola - anunciou Betina.

As meninas levantaram. Logo, sentaram novamente e começaram a conversar sobre tarefas que precisariam fazer: tomar café da manhã, tomar banho, arrumar o cabelo, esperar a mãe, entre outros. Dentre as conversas, Betina olhou para a boneca de Aline e disse:

  • - A sua não tem cabelo?

  • -É, não tem - respondeu Aline.

Após, Aline olhou novamente para a boneca e ficou em silêncio. Em seguida, Michele olha para a boneca negra e diz:

  • -Se ela não tem cabelo, só se ela é menino!

Aline continua em silêncio e olha para a sua boneca demonstrando expressão de pesar pelo fato de ela não ter cabelos. (AUTORA, 2018).

Esse diálogo denota a reprodução de um repertório restrito no que tange aos tipos de cabelo. Fato que foi determinante na brincadeira das meninas, pois:

Após o diálogo com Michele e Betina, Aline permaneceu segurando a sua boneca no colo, porém sem tantas interações com as outras meninas. Em um determinado momento, Aline estava afastada da brincadeira e eu perguntei:

  • -Por que você está sozinha?

  • -Porque a Michele mandou.

Olhei para Aline e falei que, caso ela quisesse retornar à brincadeira, seria interessante conversar com as meninas. Ela novamente ficou em silêncio. Depois de alguns minutos sentada, ela se aproximou da brincadeira em que estavam apenas os meninos. Primeiro ficou olhando, após colocou a boneca negra no chão e pegou algumas ferramentas.

Aline brincou e interagiu com Emanuel, Gilson, Giovane e Leonardo. Eles ficaram brincando durante alguns minutos. Depois a professora solicitou que as crianças guardassem os brinquedos e elas o fizeram de forma lenta e coletiva. Nesse momento, Anelise e Betina deixaram suas bonecas brancas dos cabelos lisos em cima da mesa. Aline parou de ajudar a arrumar a sala e pegou uma das bonecas (branca, cabelos loiros e lisos) e começou a pentear os cabelos da mesma. Kely se aproximou e ficou olhando Aline brincar. (AUTORA, 2018).

Como podemos perceber, o cabelo pode ser apontado como algo marcante para as meninas. Entretanto, essa não é uma situação que ocorre de forma exclusiva na turma da Professora Geninha. Um caso semelhante de escolha inicial de uma boneca negra para brincadeira, seguida da troca após comentários de outra criança, foi relatado na pesquisa de Amaral (2013), quando um menino branco realizou a tentativa de inserir uma boneca negra na brincadeira, mas esta foi recusada por uma menina parda que, segundo registros da autora, respondeu para o menino que não brincaria com a boneca por ela ser preta. Ao ser indagada pela pesquisadora, a menina foi enfática em demonstrar que não iria brincar com a boneca negra e alegou o fato de ela estar sem roupas. Logo após esse diálogo, o menino consentiu e guardou a boneca negra.

Os episódios relatados remetem à discussão posta por Carvalho (2013) no tocante à importância dos critérios de qualidade para a aquisição de bonecas/os negras/os. Tal processo na rede municipal de Florianópolis (2009-2012) foi caracterizado pela decisão de não aquisição, caso o produto não atendesse aos requisitos de valorização de negros/as. Essa medida foi analisada de forma favorável ao cumprimento das políticas de promoção da igualdade racial, pois as desigualdades raciais brasileiras são fortemente marcadas pelas disparidades raciais (PAIXÃO, 2013) e pelo preconceito de marca6 (NOGUEIRA, 2006). Assim sendo, as características fenotípicas são definidoras dos preconceitos raciais.

Ressaltando o relato ocorrido entre as meninas da turma da Professora Geninha, a oferta de uma única boneca negra sem cabelos vai de encontro ao combate às desigualdades e ampliação dos referenciais de beleza das crianças. Todavia, também cabe ponderar a relevância da apresentação de bonecas carecas, porém, a partir dos momentos relatados, é notório que a lacuna está na insuficiência das opções, o que é evidente, já que cabelos crespos, cacheados, trançados, entre outros, em nenhuma situação foram mencionados e/ou expostos. Portanto, a necessidade de ampliação dos referenciais torna-se necessária e primordial, visto que estudos (GOMES, 2002; 2003) apontam que a dupla cabelo e cor da pele, ao mesmo passo que se constitui como aspecto importante no processo de construção valorizada das identidades e autoestimas, também está presente em diversas manifestações racistas, seja de forma explícita, através de xingamentos, ou de forma implícita, por meio de comentários em tons de piada. Ambos causam prejuízos, visto que: “[...] As experiências de preconceito racial vividas na escola, que envolvem o corpo, o cabelo e a estética, ficam guardadas na memória do sujeito” (GOMES, 2003, p. 176).

Ainda sobre os cabelos, enfatizamos um caso que aconteceu ao longo de um dos momentos de utilização da apostila. Nesse dia, como de costume, a docente organizou as crianças em dois grupos e estava buscando realizar atendimentos individualizados. Entre um atendimento e outro as crianças brincavam, ressignificavam certos materiais e conversavam. A turma era composta por crianças com diferentes tipos de cabelos, porém os cabelos lisos ganhavam mais destaque no que se refere à beleza, como observado nos diálogos a seguir:

A professora e as crianças já estavam utilizando a apostila, na página 177, unidade sobre os robôs. A professora identificou certas dificuldades no desenvolvimento da atividade e iniciou a realização de atendimentos individualizados. Além disso, adaptou a atividade e diminuiu a quantidade de ações que a apostila determinava. Primeiro, o atendimento foi na mesa dos meninos. Enquanto isso, observei que as meninas estavam conversando sobre outros assuntos. Em um dado momento escutei algo referente aos cabelos. Uma das meninas: Betina (considero parda dos cabelos lisos), olhou para outra: Monique (considero branca dos cabelos cacheados) e começou a mexer nos cabelos cacheados com movimentos que esticavam o cacho. Após realizar esse movimento, por algumas vezes, Betina disse:

- Liso, bem liso!

E logo pegou o lápis de escrever e começou a esticar o cabelo de Monique simulando estar alisando-o.

Monique ficou parada e não emitiu nenhum comentário. Apenas em alguns momentos levantava e abaixava a cabeça, além de olhar ao seu redor buscando perceber se alguém estava olhando aquela situação. No mesmo momento, uma terceira menina: Monalisa (considero branca dos cabelos cacheados), iniciou a passar o lápis em seus cabelos cacheados também com movimentos que simulavam alisamento.

Durante esse tempo, a professora estava explicando a atividade em outra mesa e acredito que não escutou os diálogos entre as meninas. Logo em seguida ela foi conferir as atividades das meninas. (AUTORA, 2018).

As atitudes e diálogos entre as meninas revelam a reprodução de um tipo de “cabelo ideal”, o qual é reforçado em diferentes espaços e situações, inclusive nas apostilas que contam com altas taxas de branquidade, além das ilustrações do cartaz de chamada e letras do alfabeto que, conforme demonstramos anteriormente, contam com a presença exclusiva de personagens brancas.

A conversa relatada também suscita aspectos referentes à concepção e responsabilidades da educação infantil. Isto é, em paralelo à realização de atividades padronizadas com grau de dificuldade elevado para crianças de quatro anos, elas estão em movimentos e trocas que envolvem o processo de construção das suas identidades. Assunto que não integrava os conteúdos da apostila, porém, além de estar presente nas passagens sobre eixo do currículo das Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação infantil (2010), perpassa o cotidiano das crianças. Estas que não foram percebidas pela professora, por conta da ênfase dada ao cumprimento das atividades.7 Isso reafirma que são as unidades e exercícios postos nos livros didáticos que determinam a ação pedagógica.

Após alguns meses, no momento de realização da entrevista com a professora da turma, o assunto dos cabelos foi retomado. A docente expôs sobre a percepção e curiosidade das crianças perante as diferenças. No entanto, cabe pontuar que embora essa questão seja percebida por ela, não identificamos momentos em que as crianças pudessem expressar suas opiniões a respeito do tema. De modo oposto, as situações que envolveram a discussão sobre os cabelos se deram entre as crianças, que reproduziram um padrão de cabelos lisos como ideal e belo, e devido à necessidade de preenchimento da apostila ser prioridade, as crianças não tiveram a oportunidade de ampliação do referencial.

Entre os dias de observação participante na turma da professora Geninha, além do destaque para os cabelos, outros momentos retrataram a noção das crianças no tocante às diferenças referentes às demais características fenotípicas. Entre eles, ressaltamos o seguinte:

Aproximadamente às 9h45min, após realizar a retomada com as crianças sobre as informações trabalhadas na unidade anterior, a professora deu início ao conteúdo da unidade 3 da apostila, que tem como tema principal as “bolas”. Durante esse momento ela focou, principalmente, nos conhecimentos a respeito do significado da competição. Logo explicou para as crianças que elas iriam estudar a referida unidade a partir daquela data. Em seguida, a professora solicitou que as crianças trocassem a página e começou a expor alguns exemplos referentes aos conhecimentos sobre localização (dentro/fora), cores e quantidades. Após, as crianças realizaram a atividade número 1. A professora foi explicando os exercícios e as crianças foram interagindo entre seus pares e socializando suas experiências. Em meio a esse momento, a professora perguntou sobre as diferenças existentes entre dois meninos que estão representados na apostila, um negro e outro branco. O diálogo foi o seguinte: PROFESSORA - Olhe bem aí a imagem dos meninos. Observe tudo que tem.

O que tem de diferente aí?

Pausa - (Nenhuma criança se manifestou).

PROFESSORA - Tem uma coisa diferente aí.

EMANUEL - A cor.

PROFESSORA - A cor de que?

NATANA - Das bolinhas.

PROFESSORA - É também, mas não é só isso.

LEONARDO - Da blusa.

BETINA - Do cabelo.

EMANUEL - Da calça.

LEONARDO - Do tênis.

MICHELE - Do rosto.

EMANUEL - A boca.

MICHELE - A meia, o rosto.

BETINA - O olho, a boca.

PROFESSORA: A blusa, que cor é essa aqui? Que desenho tem aqui? O que tem nesse desenho aqui? Um foguete, né?!

Dando continuidade, a professora focou na atividade referente às quantidades de bolinhas de cada menino e as crianças iniciaram o registro na apostila. (AUTORA, 2018).

Novamente, as crianças sinalizaram estar cientes perante as diferenças das características fenotípicas e, a nosso ver, esse poderia ter sido um momento dedicado a uma conversa sobre a importância das mesmas, contudo, é notável que a exigência em cumprir as atividades das apostilas limita a problematização de diversos assuntos que são citados pelas crianças. Fato que contribuiu para o silêncio diante de uma oportunidade de explorar tais questões.

Em meio aos dias de observação participante, presenciamos outra situação em que a turma vivenciou um movimento semelhante de identificação de personagens, porém com foco nos robôs.

Em torno das 9h30min, a professora Geninha iniciou a explicação da atividade da página 170. Solicitou que as crianças imaginassem como serão as casas do futuro. Nesse momento, deu destaque para a utilidade dos robôs. Logo, ela realizou algumas relações com as empresas que usam robôs, exemplificando através de uma fábrica localizada em um município vizinho. Então, deu continuidade ao assunto conversando com as crianças de forma geral e, depois, as foi indagando individualmente no que se refere às percepções sobre a existência de robôs. Algumas alegaram que acreditavam na existência e outras falaram que não, afirmando que estes existiam apenas em filmes. Após essa conversa, as crianças foram realizar o registro na apostila. A atividade da referida página solicitava o desenho de três robôs. Ao longo desse momento, a professora foi passando nas mesas para auxiliar. Observei robôs de diferentes formas e criei a expectativa que ela solicitasse a pintura para que eu pudesse observar quais cores as crianças selecionariam para realizar suas pinturas, mas isso não aconteceu, pois, as crianças somente produziram os desenhos e não coloriram. Na próxima página, que trazia a imagem de diferentes robôs, [...] a professora chamou atenção para as diferenças entre os mesmos.

PROFESSORA: Como são esses robôs? O que eles têm?

As crianças responderam:

BETINA - Cor.

LEONARDO - Perna.

EMANUEL - Olho e boca.

INGRID - Braço.

Com a apostila em suas mãos, a professora foi apontando para cada robô e falando suas características.

- Este é pequeno, este é grande, este outro é gordinho, esse magrinho, mais um baixinho e esse altinho. (AUTORA, 2018).

A partir dessa passagem, verificamos que a ênfase nas diferenças entre os robôs ocorreu. Portanto, inferimos que há um silêncio referente à abordagem das diferenças, todavia, este é seletivo, ou seja, explanar sobre as diferenças físicas entre robôs é aceitável, contudo, quando se trata das crianças, estas são veladas.

Em acordo com os dados quantitativos a respeito da frequência das personagens representadas na apostila, constatamos que ela conta com uma presença significativamente alta de robôs. Estes, em alguns casos, foram apresentados pintados e, em outros, foi solicitado que as crianças realizassem a pintura. Dentre estes, foi possível identificar que as crianças, sem interferência da docente, utilizavam diferentes cores para pintar os rostos e demais partes do corpo dos robôs. Não obstante, assim como a situação relatada da postura seletiva da professora ao referir-se às diferenças entre os robôs e não as das crianças, o mesmo movimento ocorreu nas solicitações das pinturas, já que considerando os dias de observação, não obtivemos a oportunidade de presenciar registros nos livros didáticos em que as crianças tivessem que pintar seres humanos, pois todas as vezes que desenharam, os desenhos não foram coloridos na sequência. Repetidas vezes as crianças elaboravam as produções com lápis de escrever e logo passavam para a atividade da página seguinte ou para outra apostila. A ausência da solicitação de pinturas das outras personagens pode ser analisada a partir de diferentes perspectivas, entre elas: como uma estratégia para a manutenção do branco como padrão de humanidade através do silêncio perante a representação de personagens que possam aludir à diversidade étnico-racial ou, simplesmente, a pintura não era solicitada por conta da necessidade de cumprimento das demais atividades.

A partir das situações relatadas é possível destacar que o uso de apostilas limita o aprofundamento de temáticas que não estão postas nos materiais, contudo isso não significa que esses assuntos não estejam presentes nos diálogos e brincadeiras das crianças. Estas que, em diferentes momentos, mesmo em meio à obrigatoriedade do cumprimento das atividades, apresentaram suas percepções a respeito das diferenças, das características físicas, por vezes reproduzindo um ideal de padrão de beleza tendo o branco como norma.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o objetivo de compreender aspectos a respeito da educação das relações étnico-raciais na educação infantil, o presente artigo apresentou um debate a partir de acontecimentos vivenciados em uma turma de crianças de quatro anos de idade que frequentavam um Centro Municipal de Educação Infantil que organiza suas ações através de unidades e conteúdos dispostos na apostila, produzida por um sistema privado de ensino. Assim, foi possível perceber que questões relacionadas às características fenotípicas, em especial aos cabelos, eram recorrentes nos momentos das brincadeiras e conversas entre as crianças, principalmente entre as meninas.

Em acordo com o exposto, o material que estava sendo utilizado pelas docentes e crianças conta com uma taxa de branquidade (6,7%) que retrata as particularidades das relações raciais no Brasil, isto é, a representação de personagens pretas e pardas não está totalmente silenciada, entretanto há uma significativa desproporção, ao compararmos com a frequência das personagens brancas. Fato que remete às hierarquias e assimetrias raciais. Esse movimento também pode ser observado na unidade educacional, na qual o branco é recorrentemente retratado como padrão de humanidade, principalmente, através da ausência perante a representação de negras/os nos espaços de uso coletivo e salas de aula, bem como a não realização de trabalhos que contemplem a diversidade étnico-racial de modo contínuo. Dessa maneira, ancorada em estudos (APPLE, 2002; COTTON, O’NEILL, GRIFFIN, 2014; REDDY, 1998), identificamos que permanece um padrão normativo que, de forma conjunta, é invisível e evidente. Ou seja, ao passo que os sujeitos continuam reproduzindo-o, em muitos casos sem questionamentos, ele é perceptível ao se constatar a presença majoritária de brancas/os.

Por meio das análises podemos verificar que tal cenário também contribuiu para a reprodução de um ideal de beleza por parte das crianças, que identificavam o cabelo liso como belo e padrão. A nosso ver, essa constatação suscita a necessidade da realização de propostas pedagógicas contínuas e consistentes, tanto por parte dos SPE quanto da unidade educativa e de suas docentes, de tal modo que proporcionem a ampliação dos referenciais das crianças, considerando o reconhecimento, respeito e valorização da diversidade étnico-racial.

Para finalizar, salientamos a necessidade de constantes questionamentos sobre as políticas e ações destinadas à educação dos bebês e crianças, e entre eles destacamos as seguintes perguntas para reflexão e possíveis aprofundamentos: independentemente da presença de crianças negras e indígenas, são elas enfatizadas nas unidades educativas e na gestão do sistema de ensino? Qual mensagem está sendo mediada quando nos momentos de formação continuada as apresentações e demais materiais só apresentam crianças e adultos/as brancos/as? Realmente todas as crianças são tratadas de forma igualitária, considerando suas diversas necessidades? Até que ponto ao expor apenas imagens de crianças brancas todas as crianças e famílias estão sendo respeitadas? Em que medida a recusa em pentear os cabelos de meninas e meninos negras/os, com a premissa de não ter conhecimento para tal, contribui para a efetivação da concepção de educação infantil que prima pela conexão entre cuidar e educar? De que forma o desenvolvimento de projetos e materiais que não contemplam ou retratam crianças negras de forma esporádica, estereotipada e/ou reducionista podem ser analisados como de qualidade? Esses são alguns apontamentos, entre tantos outros, que podem ser realizados ao debatermos as especificidades da educação infantil.

1Todos os nomes utilizados ao longo do presente artigo são fictícios.

2A categoria “personagens indeterminadas” é constituída por personagens não humanos, por exemplo robôs. Além disso, a apostila apresenta algumas imagens com personagens em multidão e/ou aglomeração que não possibilitam a identificação segundo raça/cor. Essas personagens também são classificadas como indeterminadas.

3Conforme estudos (ROSEMBERG, 1985; SILVA, ROCHA, SANTOS, 2012), a taxa de branquidade refere-se ao resultado da divisão entre as personagens brancas e negras. A explicitação das taxas de branquidade vem sendo apontada em pesquisas sobre educação e relações raciais, em especial as que se dedicam a análises de livros didáticos e livros de literatura infantil e infanto-juvenil. Em acordo com a literatura da área, esses índices podem contribuir para a identificação, reflexão e denúncia das desigualdades entre brancos e negros existentes nos referidos materiais.

4A categoria heteroclassificação será utilizada ao longo do presente artigo tendo como base os estudos de Telles (2003). O referido autor apresenta a heteroclassificação segundo raça/cor como a classificação realizada por outra pessoa, isto é, o ato de classificar o outro. Cabe mencionar que a heteroclassificação em muitos casos não converge com a autoclassificação.

5Nessa semana as docentes não utilizaram apostilas.

6Em acordo com Nogueira (2006, p. 292) o preconceito de marca: “[...] se exerce em relação à aparência, isto é, quando toma por pretexto para as suas manifestações os traços físicos do indivíduo, a fisionomia, os gestos, o sotaque, [...]”.

7Temos dimensão que este é um assunto complexo e que, por vezes, é silenciado nas unidades educativas, independentemente da utilização de livros didáticos; porém, considerando a situação vivenciada na instituição, o destaque realizado para o uso de apostilas torna-se relevante.

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Recebido: Março de 2020; Aceito: Agosto de 2020

Informações da autora

Nome da autora: Thaís Regina de Carvalho

Afiliação institucional: Universidade Federal de Goiás

E-mail: trcarvalho.p@gmail.com

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9807-554X

Link Lattes: http://lattes.cnpq.br/9012110153610792

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