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Revista Teias

versão impressa ISSN 1518-5370versão On-line ISSN 1982-0305

Revista Teias vol.21 no.63 Rio de Janeiro out./dez 2020  Epub 08-Fev-2022

https://doi.org/10.12957/teias.%y.53681 

Docência, currículo, didática, aula: fantástico arquivo político da diferença

JORNADA MITÍCA DO TORNAR-SE PROFESSOR/A/AS/AS EM CONTEXTO PLURIÉTNICO NA AMAZÔNIA

MYTHICAL JOURNEY OF BECOME PROFESSOR IN THE AMAZONIA MULTIETHNIC CONTEXT

JORNADA MÍTICA DEL CONVERTIRSE EN PROFESOR/A EN CONTEXTO PLURIÉTNICO EN LA AMAZONIA

Eglê Betânia Portela Wanzeler1 
http://orcid.org/0000-0001-7026-3242

1Universidade do Estado do Amazonas


Resumo

Este texto refere-se à primeira jornada mítica do tornar-se professor/a em contexto pluriétnico. Trata-se de uma pesquisa oriunda de uma tese de doutoramento, cuja metodologia foi a etnografia na sala de aula. Epistemologicamente a pesquisa foi fundamentada no pensamento complexo de Edgar Morin, Gilbert Durand, Bergson, Matura e Varela e outros autores que se vinculam a complexidade, no qual se buscou estabelecer conexões com saberes das tradições indígenas, suas mitologías, simbologias e imaginários com a ciência ocidental. A pesquisa foi realizada em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, contou com a participação de 29 indígenas, de sete etnias diferentes e plurilíngues, em contextos de formação inicial de professores/as promovido pela Universidade do Estado do Amazonas.

Palavras-chave: mito; imaginação; conhecimento

Abstract

This text refers to the first mhytical journey of become professor in multiethnic context. It is a research the comes from a doctoral thesis, which methodology was the ethnography in the classroom. Epistemologically, the research was grounded in the complex thinking by Edgar Morin, Gilbert Durand, Bergson, Maturana e Varela and others authors who are linked to complexity field, where sought to establish connections to indigenous traditions, theirs mythologies, symbologies and imaginary through the occidental science. The research was carried out in São Gabriel da Cachoeira, Amazonas, attended by 29 indigenous from 7 different ethnicities and multilanguages in context of initial professor formation promoted by Universidade do Estado do Amazonas.

Keywords: myth; imagination; knowledge

Resumen

Este texto se refiere a la primera jornada mítica del convertirse en profesor/a en contexto pluriétnico. Se trata de una investigación proveniente de una tesis doctoral, cuya metodología fue la etnografía en el aula. Epistemologicamente, la investigación fue fundada en el pensamiento complejo de Edgar Morin, Gilbert Durand, Bachelard y otros autores que se vinculan a la complejidad, en el que se buscó establecer conexiones con saberes de las tradiciones indígenas, sus mitologías, simbologias e imaginación con la ciencia occidental. La investigación fue realizada en São Gabriel da Cachoeira, Amazonas, y contó con la participación de 29 indígenas, de siete etnias diferentes y plurilingües, en contextos de formación inicial de profesores/as promovido por la Universidad del Estado de Amazonas.

Palabras clave: mito; imaginación; conocimiento

O PROJETO CANOEIRO: O CURSO E O PERCURSO

Este texto trata-se de um recorte feito em minha tese de doutorado (WANZELER, 2012), referente à segunda parte denominada A experiência da formação e a formação da experiência, no qual situo a Primeira Jornada do Tornar-se Professor/a, a partir da construção de um Projeto de Aprendizagem que chamei de Canoeiro. O projeto Canoeiro1 foi uma estratégia metodológica utilizada para trabalhar a formação de professores/as indígenas em contexto da diversidade étnico-cultural e pluralidade linguística. São Gabriel da Cachoeira é o munícipio com a maior população indígena do país. São vinte três etnias no total, falantes da língua materna. Na sala de aula haviam sete etnias: Baré, Piratapuia, Miriti-tapuia, Tukano, Desana, Baniwa e Tariana. Todos/as com muitas dificuldades na leitura e na escrita da língua portuguesa. É o início da jornada, minha e deles/as.

O curso Prática da Pesquisa Pedagógica I exigia dos/as aprendentes2 a elaboração de um pré-projeto de pesquisa vinculado à prática da docência. No entanto, para que este fosse construído, seria necessário que os/as aprendentes já tivessem a experiência de ter tido alguma forma de contato com a sala de aula, além de terem passado pela experiência da pesquisa. Os/as aprendentes viram-se inquietos diante da ideia de fazer pesquisa. Eles/as não compreendiam o sentido e o significado da palavra pesquisa, como também os processos científicos que as constituíam: tema, justificativa, problema, objetivos, teoria e metodologia e referência bibliográfica.

Aliada a essa dificuldade havia outra: escrever. A escrita foi sem dúvida a grande provocadora de conflitos entre os/as aprendentes e eu. Estes não conseguiam traduzir seus pensamentos, ideias em palavras escritas, como também não conseguiam expressá-las oralmente, dentro de uma línguagem científica. E eu tinha dificuldades em usar uma línguagem acessível para que eles/as pudessem compreender concretamente o sentido e o significado da prática da pesquisa.

Essa justificativa é para atender o desenvolvimento de uma educação de qualidade. Para melhorar os alunos, a aprender melhor escrever, fazer contas, usar bem as palavras... (sic)

O objetivo é melhorar a educação do nosso município. (LUDI apudWANZELER, 2012, p. 98).

A formulação do problema de pesquisa foi um processo de longa duração, e de muita paciência, compreensão e cooperação. É um processo criativo de invenção, e a dificuldade reside em não apenas em encontrar o problema, mas em formulá-lo (BERGSON, 2006). Essa formulação está implicada na percepção da realidade, e muitas vezes ocorre de forma intuitiva. Porém, essa dificuldade se complexifica na medida em que ela depende do uso da línguagem escrita. E quando se tem uma sala de aula na qual mais de 90% é falante de outra língua, e apesar de falarem a língua portuguesa, percebe-se suas dificuldades no processo de alfabetização e letramento3 nessa língua, essa problemática torna-se o fio condutor do processo de ensino e aprendizagem e também o gatilho para os conflitos internos.

Foi necessário imprimir uma metodologia de trabalho que levasse em consideração esse contexto apresentado, mas que também pudesse aproveitar exatamente essas condições de dificuldades e diferenças (ou de culturas e linguagens) e de natureza e cultura, como elementos fundadores de práticas pedagógicas concebidas a partir da inter-relação homem/natureza, natureza/cultura, conhecimento/sabedoria e ciência do concreto/ciência ocidental. Eu precisava ensinar os/as aprendentes e estes precisavam aprender. Mas eu precisava aprender também. Construir conhecimento a partir dessas implicações representou a construção de um projeto de formação inspirado no pensamento complexo e na transdisciplinaridade.

Foi preciso ver a sala de aula como um sistema vivo. E enquanto sistema vivo tornou-se necessário levar em consideração o contexto de sua construção, as tessituras das relações, bem como religar as diferentes dimensões da vida, as diversas dimensões humanas, suas diversidades de saberes, sejam científicos, míticos ou comuns ao cotidiano sociocultural dos sujeitos/as aprendentes.

Compreender a sala de aula como sistema vivo significou aceitar sua condição autopoiética (MATURANA, VARELA, 1987), dada a sua capacidade de auto-organização, que se estrutura a partir das relações que estabelece com o meio pelo qual se organiza. Portanto, é a estrutura que define o padrão de organização de um sistema, maniendo sua identidade. São as mudanças nas estruturas que permitem a sua conservação. Nesse caso, a sala de aula, como sistema autoorganizacional, é constituída por um conjunto de inter-relações com meio e se organiza a partir da dinâmica processual de suas estruturas pedagógicas, cognitivas e culturais. Dito de outra forma, a sala de aula é constituída por aprendentes e professora (que também é aprendente) e se estrutura a partir das relações entre esses sujeitos e destes com o meio em que vivem, seja ecológico, pedagógico, imaginário, cultural, cognitivo ou mítico.

Entre processos de mudanças, conflitos, desordens, instabilidades e imprevisibilidades, foi possível realizar uma prática de formação pautada na ideia de que o conhecimento é um ato do ser que por sua vez é um ato do conhecer. Tudo é uma questão de aprendizagem, construção, interpretação e criação. Ser e conhecer se encontram imbricados na nossa corporeidade. E o conhecimento é o produto da cooperação entre o homem e a natureza, que perpassa em todo o organismo, envolvendo nossas memórias, emoções, intuições, imaginação e razão.

A ideia foi pensar a prática pedagógica como um rio que deságua em vários lugares, formado por inúmeros afluentes que constituem sua bacia. Nesse caso, a sala de aula é uma grande bacia fluvial ou nas palavras de Durand (2001), uma bacia semântica, possuidora de significados múltiplos, que representam o modo de ser, de pensar, de sentir e perceber o mundo, o conhecimento, a vida, as ideias e as práticas culturais da humanidade dos sujeitos aprendentes. Além de representar os fluxos contínuos e descontínuos dos/as aprendentes nos seus processos de construção de conhecimento e sob quais influências teóricas ou culturais organizaram seus pensamentos. A bacia é, portanto, a morada do imaginário. Que ideias, teorias, pensamentos, referências orientam o percurso do rio e de seus afluentes?

O CANOEIRO: ENTRE ERRÂNCIAS E APRENDÊNCIAS

O Projeto Canoeiro navegou por entre os caminhos do processo de construção de conhecimento dos/as aprendentes, compreendendo que esses caminhos, a rigor, foram trilhados no e durante o percurso da formação. Assim como um rio tem em seu trajeto acidentes e irregularidades, que ajudam a moldar seu itinerário, que é conduzido a partir das relações que estabelece com o meio, tais como o vento, as correntes marítimas, as tempestades e os acidentes de percurso, o Projeto Canoeiro enfrentou inúmeras irregularidades, acidentes, conflitos que moldaram seu percurso metodológico. O Canoeiro foi ao mesmo tempo guia e guiado. Como a Canoa de Transformação dos Desana, na qual o Bisavô do Mundo foi o guia do Bisneto do Mundo, mas também foi guiado pelo Bisneto, e a Canoa era o próprio Bisavô. (PÂRÕKUMU, Umusĩ & KĒHÍRI, Tõrãmũ, 1995)

Dessa maneira, imprimi em toda a trajetória do Canoeiro a perspectiva de que o conhecimento a ser construído pelos/as aprendentes teria como base fundacional a experiência cotidiana e a contextualização dessa experiência a partir de seus aspectos socioculturais e pedagógicos (incluindo a sala de aula, os estudos teóricos e a construção de ferramentas metodológicas para a pesquisa).

Os primeiros passos do Canoeiro: os quatro pilares da educação4

a) aprender a conhecer: quando percebi que os/as aprendentes não tinham nenhuma experiência com a prática da pesquisa, bem como não tinham a menor familiaridade com a linguagem que envolve a pesquisa, resolvi construir uma estratégia metodológica que os levassem a compreensão do processo de construção do conhecimento, entendido como descoberta, aventura do homem diante das incertezas do mundo. Rompi com o modelo padrão de ciência. Desisti de ensiná-los a fazer projetos de pesquisa dentro desses padrões.

A primeira providência foi criar um ambiente de aprendizagem pautado na sensibilidade, na imaginação criadora, na intuição, na solidariedade, na cooperação mútua e na ética.

O conhecimento, sob forma de palavra, de ideia, de teoría, é o fruto de uma tradução/reconstrução por meio da linguagem e do pensamento e, por conseguinte, está sujeito ao erro. Esse conhecimento, ao mesmo tempo tradução e reconstrução comporta a interpretação, o que introduz o risco do erro na subjetividade do conhecedor, de sua visão do mundo e de seus princípios de conhecimento. (MORIN, 2000, p. 20)

Apostando nas palavras de Morin acima citadas, criei Oficinas Pedagógicas que realizei em três etapas: Pensamento, Conhecimento e Criação. O método dessa oficina baseava-se na Leitura e na Pergunta-ação. Inicialmente, era feita a leitura de mitos indígenas, fábulas, contos e notícias de jornais. Nessas leituras, desenvolvi com os/as aprendentes processos de pergunta-ação. A ideia era promover neles/as/ o interesse pela descoberta, pela problematização da realidade e com isso estabelecer vínculos mais seguros entre eles/as e eu, pois naquele momento eu representava para eles/as os seus fracassos. Comuniquei aos/as aprendentes essa proposta, dizendo para eles/as que era um ensaio sobre investigação, o que foi prontamente aceito, mas fizeram algumas considerações:

Professora, a senhora sabe usar bem as palavras, a senhora está acostumada a fazer esse trabalho... Eu não sei o que isso quer dizer. Mas eu sou obrigado a fazer esse projeto, senão não me formo... Pra mim está muito difícil, prefiro desistir disso logo. Sei que não vou consegui fazer esse trabalho. (TUKANO, Cocah apudWANZELER, 2012, p. 102).

A senhora é cheia de palavras bonitas, mas pra nós fica difícil. A senhora tem que nos ajudar. Nós estamos aqui pra aprender. Se tudo começa com um problema, que tem objetivos, teoria, metodologia, referências... A gente nunca fez isso professora... E agora temos que fazer assim? Mas se a senhora disser pra gente como se faz, nós saberemos fazer. (TUKANO, Tili apudWANZELER, 2012, p. 98).

Professora, então por que a senhora não nos dá um modelo que a gente possa seguir? Eu acho que se a senhora nos der um projeto pronto, não é que a gente vá colar, mas pelo menos a gente vê como é que faz... (BARÉ, Sander apudWANZELER, 2012, p. 98).

Da forma como está aí parece fácil, mas escrever é que é difícil... (BARÉ, Naná apudWANZELER, 2012, p. 98)

No entanto, no início do curso foi explicitado, explorado e explicado, passo a passo, sobre como se faz um projeto. Usei uma linguagem simples, para mim. Verifiquei, oralmente, se eles/as haviam entendido, o que foi afirmado. Quando partimos para o exercício as dificuldades se apresentaram, revelando suas incompreensões. A primeira delas foi a escolha do tema, o qual não conseguiam delimitar. De forma ampla, os temas foram assim escolhidos: “Educação Municipal”; “Dificuldade de Aprendizagem”; “Cultura e Educação”. “Leitura e Escrita”; “Arte e cultura indígena”; “O Espaço físico na escola”.

Visando a aproveitar esses temas, para não os desmotivar, pedia para que refletissem sobre suas escolhas, e a partir dessa reflexão, definissem dentro do tema escolhido algo que pudesse ser problematizado. Por exemplo: Quem iria trabalhar com dificuldades de aprendizagem, teria que pensar sobre que dificuldades trabalhar: na escrita? Na leitura? Nas duas coisas? Em matemática? Aqueles/as que trabalhariam Arte e cultura indígena deveriam pensar se trabalhariam o ensino de Artes, ou sobre o currículo escolar, ou mesmo em saber como a arte indígena é trabalhada na disciplina Arte?

Mas essa reflexão só aumentou mais ainda suas dificuldades. Acirraram-se as tensões e os conflitos, muitas vezes silenciosos, pois muitos/as aprendentes não demonstravam verbalmente seus desapontamentos, calavam-se, mas seus corpos enrijecidos expressavam seus sentimentos. E o silêncio foi uma estratégia de luta deles/as comigo. Ao ouvirem que seus escritos estavam incorretos, que teriam que refletir melhor, eles/asas queriam entender por que, pois estavam fazendo igual como eu havia dito. Significa dizer que eu era que estava ensinando errado, disse uma aprendente. Então, eu retornava tudo de novo, mas eles/as não conseguiam entender a minha lógica. Foi quando eu resolvi mudar de estratégia, provocando nele/as outros processos de reflexões.

Ler os mitos, artigos de jornais, contos e fábulas, foi sem dúvida uma importante estratégia de transformação das emoções e da visão dos/as aprendentes sobre a pesquisa. A metodologia da pergunta-ação se baseou nos seguintes princípios: ativar a imaginação; desenvolver o espírito investigativo; propor soluções possíveis; e definir estratégias. As leituras foram escolhidas pelos próprios/as aprendentes.

A seguir apresente as etapas das oficinas e sua metodologia. A primeira etapa diz respeito à leitura dos mitos, que denominei de Oficina de Pensamento: lia-se um texto e depois discutia-se sobre ele. Foram lidos cinco textos: (dois mitos, uma fábula, uma lenda local e um artigo de jornal). Nessa reflexão, explicitarei a leitura do Mito sobre a origem do fogo, porque ela foi bastante problematizada, conflitiva e ilustrativa dos operadores cognitivos dos/as aprendentes.

OFICINA DO PENSAMENTO: leitura e pergunta-ação

Leitura 1 – Mito Kayapó- Kubenkranken: Origem do Fogo

Antigamente, os homens não possuíam fogo. Quando matavam um animal, cortavam a carne em tiras finas e as estendiam sobre pedras, para secá-las ao sol. Eles também comiam madeira podre.

Um dia, um homem viu duas araras saindo de um buraco na rocha. Para tirá-las do ninho, mandou o jovem cunhado (irmão da mulher) subir por um tronco de árvore entalhado. Mas só havia pedras redondas no ninho. Há uma discussão que degenera em briga, e termina como na versão precedente. Entretanto, aqui, parece que o jovem, provocado pelo cunhado, joga de propósito as pedras e machuca-o.

A mulher fica preocupada, o marido lhe diz que eles se separaram, e finge que vai procurá-lo para evitar desconfianças. Enquanto isso, o herói, morto de fome e de sede, é obrigado a comer os próprios excrementos e beber sua urina. Está pele e osso, quando passa um jaguar carregando um caititu nos ombros; a fera nota a sombra e tenta pegá-la. Sempre que ele tenta pegá-la, o herói recua e a sombra desaparece. “O jaguar olhou para todos os lados; e depois, cobrindo a boca, levantou a cabeça e viu o homem no rochedo”. Começa um diálogo.

As explicações e conversa seguem como na versão precedente. O herói, amedrontado, não concorda em montar nas costas do animal, mas aceita subir no caititu que ele carrega. Assim, eles chegam até a casa do jaguar, cuja mulher está ocupada, fiando: “Você está trazendo o filho do outro”, diz ela, reprovando o marido. Sem se perturbar, ele anuncia que o rapaz ficará sendo seu companheiro, que irá alimentá-lo e engordá-lo.

Mas a mulher do jaguar não dá carne de anta para o rapaz, somente a de veado, e sempre o ameaça com suas garras. Aconselhado pelo jaguar, o rapaz mata a mulher com o arco e as flechas que recebeu do protetor.

Leva consigo os “bens do jaguar”: algodão fiado, carne, brasas. Voltando à aldeia, ele consegue que sua irmã, e depois a mãe, o reconheçam.

Ele é invocado para ir ao ngobê (casa dos homens), onde conta sua aventura. Os índios resolvem se transformar em animais para pegar o fogo: a anta levará o tronco, o pássaro Yao apagará as brasas que caírem no caminho, o veado se encarregará da carne, o caititu, do algodão fiado. A expedição é bem-sucedida, e os homens repartem o fogo. (LÉVI-STRAUSS, 2004, p. 93)

As leituras eram feitas pelos/as aprendentes. Várias vezes fomos obligados a retomá-la, devido à dificuldade de pronunciar algumas palavras5. Então, ora um aprendente lia, ora outro lia, corrigindo. Depois eu finalizava lendo sozinha todo o texto. Esse primeiro momento era muito tenso. Em geral os/as aprendentes não queriam ler. Sentiam-se envergonhados, porque muitos colegas riam deles/as. As palavras que eles/as tinham dificuldade de pronunciar simplesmente não liam, passavam direto. Por exemplo:

As explicações e conversa seguem como na versão precedente. O herói, amedrantado, não concorda em montar nas costas do animal, mas aceita subir no caititu que ele carrega. Assim, eles chegam até a casa do jaguar, cuja mulher está ocupada, fiando: “Você está trazendo o filho do outro”, diz ela, reprovando o marido. Sem se perturbar, ele anuncia que o rapaz ficará sendo seu companheiro, que irá alimentá-lo e engordá-lo (WANZELER, 2012, p. 105).

Foi preciso criar um ambiente de descontração e imprimir um aspecto teatral nessas leituras. Muitas vezes eu forjava ter dificuldade em algumas palavras e pedia ajuda da sala. O que era prontamente atendido. A ideia de dar ludicidade à leitura, fez com que os/as aprendentes ficassem mais à vontade e pudessem corrigir a si mesmo e os/as colegas. Evidente que entre risos e aplausos, ocorria sempre uma tensão, e muitas vezes fugas, discussão, até brigas, jogos de esconde-esconde, aqueles/as que mudavam de lugar para não ler. De qualquer forma, a última leitura era feita por alguém com o melhor nível de dicção e de leitura, quase sempre era eu, mas pouco a pouco, muitos pediam para fazer a leitura final.

Finalizada a leitura fomos para a segunda etapa da oficina, a da pergunta-ação. Nesta etapa, os/as aprendentes foram orientados/as a fazer perguntas sobre a história lida. Algo que não tenha ficado claro para eles/as ou curiosidades. As respostas podiam ser dadas por qualquer pessoa. Então, surgiu o primeiro bloco de perguntas (WANZELER, 2012, p. 106):

1º Bloco:

Pergunta: Fiquei curiosa para saber como eles matavam os animais, o que eles usavam para cortar a carne dos animais? Também fiquei curiosa pra saber que animais eles comiam?

Respostas:

- Acho que eles matavam com uma paulada na cabeça; (risos)

- Deviam usar o arco e a flecha.

- Mas como? Se o jaguar foi quem ensinou o homem a usar o arco e a flecha.

- Será que eles usavam faca ou usavam pedras afiadas ou madeira?

- Tudo isso é como as coisas foram criadas. Mostra que nem mesmos nós criamos essas coisas. Elas já existiam antes de nós. Nem tudo foi a gente que criou. É isso que eu estou entendendo.

Pergunta: Mas se nós fizéssemos parte dessa história, que animais nós comeríamos?

Respostas: ah, eu comeria um porco do mato;

- Eu preferia uma Anta;

- E eu uma paca, um macaco;

- Eu prefiro um boi; (risos)

- E eu comeria uma cobra;

- E eu uma galinha, um Mutum;

- Comeria as araras mesmo, já que elas já estavam ali; (risos)

- Pode ser peixe? Um pirarucu! Quem sabe um surubim ou...

- E a senhora professora? Que animal a senhora comeria?

- Eu? Fico com o peixe.

Pergunta 3: professora, eu não entendi essa parte que fala de outra parte, que não foi lido pela gente.

Professora: qual? Leia pra nós.

- Essa aqui: “As explicações e conversa seguem como na versão precedente. O herói, amedrontado, não concorda em montar nas costas do animal, mas aceita subir no caititu que ele carrega...”

A aprendente referia-se à parte da discussão entre o homem e seu cunhado. Expliquei-lhes que essa era uma das versões desse mito, e que havia outras. Para esclarecer li a outra versão.

Feita a leitura da outra versão do mito, novas reflexões passaram a configurar as discussões na sala de aula.

2º Bloco (WANZELER, 2012, p. 107).

Pergunta: quer dizer então, que fica dúvida: o cunhado jogou ou não as pedras no homem?

Respostas:

- Acho que eram realmente pedras encantadas.

- Acho que foram pedras de verdade. O cunhado queria se vingar do marido da irmã.

Perguntas

- Vingar do cunhado? O que o cunhado teria feito para ele?

- E os ovos? Talvez o rapaz não quisesse dar os ovos para o seu cunhado. E por egoísmo, inventou essas pedras, que ele deve levado com ele.

- Para jogar no cunhado? Por quê?

Respostas:

- Acho que ele explorava o rapaz, com trabalho pesado.

- Eh! Talvez o cunhado tenha inveja do jovem.

- O cunhado não teria gostado do casamento da irmã.

- De repente o marido da irmã era só um homem malvado.

- Ou cunhado cansou de ser explorado.

Pergunta: e se o marido da irmã tivesse uma irmã que o cunhado quisesse casar com ela? De repente o marido não quis o casamento. Então o cunhado resolveu se vingar.

Comentário: professora, pelo que eu entendi, tanto o marido como o cunhado não se gostavam. Eu vejo que tem vingança de ambas as partes. A razão de tudo isso é a vingança e a inveja.

Observa-se nessa etapa de pergunta-ação o início de um processo reflexivo e uma abertura para diferentes formas de percepção da realidade e do conhecimento. Os/as aprendentes passam a questionar o texto, e ao questioná-lo, acabam questionando a si mesmos. Isso resultou em processos de interpretação, mas também os levou a compreensão de que a narrativa lida possui movimentos de incerteza e de ilusão.

Professora, o que eu entendi... não que eu queira dizer que esse mito seja uma mentira. Mas o que eu, assim, eu entendi que existem coisas nele.. como posso dizer? que são misteriosas. Pode ser verdade, mas também pode não ser. Vai depender de como nós aceitamos ou não. Não se pode ter certeza disso. Mas pra mim, no meu modo de ver, eu entendo que isso é uma verdade... (WANANA, Tali apudWANZELER, 2012, p. 109).

O aprender a conhecer foi se construindo a partir do desenvolvimento de ações sensóriomotoras recorrentes, que se auto-organizam em função das perturbações ou flutuações cognitivas ocorridas durante o movimento das atividades. Essas ações se corporificam por meio da geração de hipóteses, que, ao serem projetadas pelos/as aprendentes, serviram de suporte para a percepção e interpretação da realidade. Por isso, pode-se afirmar que ao interpretarmos o mundo, construímos, destruímos e reconstruímos o conhecimento, que se dá em função de nossas ações e observações.

Diante dessa compreensão, foi preciso criar um ambiente de aprendizagem que fosse capaz de favorecer a própria aprendizagem. Para Humberto Maturana (2001), o ato de educar e de aprender constituem-se como fenômenos biológicos que envolvem todas as dimensões do ser humano, por meio da integração do corpo e do espírito, do ser e do fazer, do sentir e do pensar, da razão e da emoção. Dito de outra maneira, favorecer a aprendizagem significou estabelecer conexões com a multidimensionalidade dos/as aprendentes, seja nos aspectos corporais ou cognitivos.

3º Bloco (WANZELER, 2012, p. 109-110).

Perguntas:

- Por que o Jaguar mandou o filho adotivo matar a mulher?

- É verdade, se ele precisa dela, por que mandou matá-la?

Respostas:

- Porque a mulher infernizava ele dia e noite para querer ter filho.

- Ele não gostava dela e passou a se invocar com ela.

- Ela infernizava o Jaguar por outra coisa: ele devia trazer caça pesada. E ela tinha que cuidar de tudo sozinha. Os trabalhos domésticos cansam.

- Ele demorava muito pra voltar da caça. Ela ficava sozinha e sentia raiva, medo.

- Ela percebeu que o rapaz só estava ali por interesse, e tentava alertar o marido, que não acreditava nela. Ele ficou com raiva disso, porque tudo o que ele queria era um filho para ensinar o que ele sabia. E a mulher perturbava toda noite ele com essa conversa. Ele via o menino triste, envergonhado, então ele o ensinou a usar o arco-flecha para ser defender da mulher.

- Mas só que a mulher estava certa. Na primeira oportunidade o menino a matou, roubou a comida e ainda levou as armas do Jaguar. Ele traiu o Jaguar, seu pai adotivo, que confiava nele. Foi muito triste isso para o Jaguar.

Perguntas:

- Mas será que o Jaguar também não queria fazer alguma malvadeza com o menino? E se ele quisesse apenas engordar o menino para depois comê-lo? O menino deve ter percebido, por isso fez o que fez, e foi muito rápido.

- E por que o menino matou a mulher?

Resposta:

- Mas ela vivia maltratando-o. Foi por isso que ele a matou, e fugiu por medo.

- Não acredito nisso não. O Jaguar tinha boas intenções com o homem.

Pergunta:

- E tem outra coisa. O rapaz já tem antecedentes. Será que ele não quis enganar o cunhado também?

Respostas:

- Não acho que ele quis enganar o cunhado. Só que quando ele viu comida asada, o fogo... e depois ele aprendeu a usar o arco e a flecha, ele quis repassar isso para o povo dele. Matou a mulher para poder fugir e levar o que aprendeu na casa do Jaguar. Ele não traiu o Jaguar, ele foi fiel ao seu povo. Ele ficou com medo do Jaguar.

- Mas esse povo, foi lá na casa do Jaguar e destruiu tudo.

Pergunta:

- Por que os índios fizeram isso?

Respostas:

- Pra mim foi por ganância. Queriam tudo para eles.

- Acho que eles ficaram com medo de outras pessoas descobrirem o fogo. Eles queriam ser os únicos que conheciam o fogo.

- Ou ficaram com o medo do Jaguar, pensando que ele fosse fazer alguma coisa contra eles.

- Eles queriam o fogo, pois viram que a comida era mais gostosa e mais fácil de comer. Eles não conheciam o fogo, não sabiam fazer o fogo.

Perguntas:

- Mas o Jaguar não ensinou como fazer o fogo. Como será que ele aprendeu a fazer o fogo?

- Como eles preservavam o fogo?

Respostas:

- Quando o fogo vai acabando, coloca mais lenha. Devia ter alguém que cuidasse só do fogo, pra ele nunca apagar.

- Ah, tem várias maneiras de fazer o fogo. Com fósforo, é mais fácil. Mas se faz esfregando uma pedra na outra. Ou também se faz cravando o espeto no chão.

Diante da sala curiosa sobre como se faz o fogo, propus que a turma se dividisse em quatro equipes. Cada equipe iria investigar sobre as diferentes formas de se fazer fogo. Assim, entramos na segunda etapa da Oficina Pedagógica: o conhecimento. A ideia era instigar os/as aprendentes a descobrirem o conhecimento e a partir disso construirem novos saberes. Com isso chegamos ao segundo passo do Canoeiro.

b) Aprender a fazer: representou o início de um processo de construção de conhecimento tendo como base a pesquisa. Os/as aprendentes organizaram os dados pesquisados, fizeram comparações, classificando as informações, propuseram generalizações, bem como criaram códigos próprios e conseguiram abstrair o conhecimento, gerando novas fontes. Aprender a fazer representou a apropriação do conhecimento por meio de uma aprendizagem contextualizada e nascida das fontes do ser e do conhecer, pois partiu das inquietações dos/as próprios/as aprendentes.

OFICINA DO CONHECIMENTO: O FOGO

Nessa etapa foi proposto que os/as aprendentes investigassem diferentes técnicas de fazer fogo. As equipes se organizaram, fizeram pesquisas na própria comunidade, entre os diferentes grupos étnicos, e na internet. Alguns aprendentes já conheciam essas técnicas, o que facilitou o trabalho em equipe. Outros já tinham ouvido falar, mas nunca haviam visto e nem experimentado. As técnicas apresentadas variavam desde o uso de fósforo, isqueiros, até os métodos mais primitivos. Todas as equipes apresentaram praticamente as mesmas técnicas, sendo que apenas uma demonstrou empiricamente. Fizeram a técnica da fricção com graveto e com pedras. Além disso, essa equipe encenou um mito Desana sobre a Origem do Fogo, que foi retirado da coleção “Narradores Indígenas do Rio Negro. Memória, Identidade, Patrimônio cultural e Perspectivas para o futuro” (1996).

A peça teatral era constituída por um narrador e pelos personagens do mito que usaram máscaras de animais e pinturas indígenas no corpo. As cenas eram apresentadas de acordo com a narração. A sala de aula, que serviu de cenário, foi toda enfeitada de plantas, galhos de árvores e tapete de plástico. Segue, então, apresentação: o conhecimento em cena (WANZELER, 2012, p. 114-117)

Mito Desana-Wari Dihputiro Põrã: A Origem do Fogo.

Narrador

No princípio do mundo, os Ʉmʉrĩ, que significa Gente do Universo, sofriam muito. Alimentavam-se somente de carnes cruas e de outras coisas não cozidas. Um dia, descobriram que uma velha chamada Peha ñehkó, a “Avó das lenhas (de fogo)” possuía o fogo e comia somente coisas cozidas ou assadas. Eles foram provar a sua comida, gostando muito dela.

Cena 1: uma mulher vestida de vermelho aparece trazendo comida, oferecendo para as pessoas, que comiam com prazer.

Narrador

Por isso, pediram para a velha que dividisse o fogo com eles. Mas Peha ñehkó não queria dividir o fogo com mais ninguém: por ela mesmo ser fogo, tudo o que tinha dentro de seu corpo transformava-se em fogo, principalmente quando ela estava peidando.

Cena 2: A velha fala: não quero dividir meu fogo com vocês. E sai andando, soltando fogo pela bunda ao som de um barulho de um tambor. (A plateia ri)

Narrador

Como ela se recusava a dividir o fogo com eles, os Ʉmʉrĩ mahsã resolveram um dia roubá-lo. Decidiram roubar-lhe o fogo quando estivesse na roça fazendo um grande fogo para queimar capim. Eles foram então visitar a velha quando ela estava na roça. Vendo-os chegarem, ela perguntou:

Cena 3 — A velha está na roça sentada no banquinho de madeira, quando percebe a chegada dos netos.

- O que vocês andam fazendo por aqui, meus netos?”

- “Viemos matar macaquinhos que come as frutas da sua roça, nossa avó!”

- Então, guardem um para mim, eu quero comer um macaquinho assado!”

- Tá bom! Em breve lhe traremos um macaquinho para comer!”

Narrador

Entrando no mato, chamaram o seu caçula. Transformaram-no no macaquinho chamado meneisĩ ñigũ, “macaquinho preto”, em seguida o empacotaram em folhas das árvores chamada em desana buresēna, waimaka, porá, nũgũho e õã. Por fim, amarraram o pacote com os cipós waiyura-dá, õsũ, sĩgã-dá e Omã sĩgã-dá, também difíceis de queimar. Antes de entregar o embrulho para a velha, explicaram para seu irmão caçula, que haviam transformado no macaquinho, como fazer para roubar o fogo. Disseram-lhe que assim que tivessem uma oportunidade, devia agarrar as lenhas acessas e correr imediatamente para perto dele. Depois dessas explicações foram até a velha para entregar-lhe a encomenda.

Cena 4: Um homem chega com um menino de três anos no colo. O menino estava todo enrolado de cipós, com uma máscara de macaquinho no rosto. Ele é entregue para a velha.

Narrador

Pegando o embrulho, a velha o enterrou na terra, com peito para baixo. Mas eles fizeram-na pensar em virá-lo de peito para cima, o que ela fez.

Cena 5: a Velha vira o menino novamente, colocando-o de peito para cima. Os índios fazem rosto de aliviados.

Narrador

Sobre ele, ela colocou lenha e peidou por cima. A lenha pegou fogo. Assim que a lenha estava na brasa o caçula agarrou a brasa e correu pro mato onde estavam esperando seus irmãos. Ele chegou morto perto deles. Eles o benzeram, o chamando de volta a vida e ficou bom.

Cena 6: a Velha fica de cócoras. Um toque de tambor é feito e o menino levanta e sai correndo com uma tocha feita de papel e pintada de vermelho. Chega junto dos seus irmãos encenando um desmaio. Os homens fazem uma benzedura em língua tukano, usando chocalho e cantando uma canção. De repente o menino desperta e todos demonstram alívio e alegria!

Narrador

Mas a Avó do fogo os amaldiçoou dizendo:

Cena 7: a mulher levantou-se do banquinho de madeira e fala:

- “Vocês que me roubaram o fogo amado, envelhecerão rapidamente de tanto aquecer no fogo e a sua geração se queimará dia a após dia! No fim, vocês serão preguiçosos”.

Narrador

Depois de se apropriarem do fogo, os Ʉmʉrĩ mahsã tiveram que tomar muito cuidado para não o deixar apagar. Passaram assim muito tempo cuidando do fogo. Eles carregavam o fogo com uma tocha feita de fibra de fazer cuêio, isto é, com tururi.

Cena 8: os índios atravessam a sala carregando um tururi com uma vela dentro acesa.

Narrador

Um dia eles resolveram caçar e pescar no outro lado do rio. Por isso, ficaram esperando um meio de atravessar o rio. Depois de algumas horas, Jacaré chegou com a sua canoa.

Cena 9: no meio da sala é colocado um tapete feito de sacola plástica preta, que representava o rio Negro. Pelo lado direito do rio estavam os índios fazendo cara de estarem preocupados. Um homem com máscara de jacaré no rosto atravessa o rio de plástico. Os índios chamam por ele e pedem-lhe ajuda:

- Por favor, nós precisamos atravessar o rio para caçar e pescar. O senhor não nos levaria em sua canoa? Sendo que primeiro a ser levado é o nosso fogo. Temos medo de perdê-lo na travessia.

- Está bem! (disse o Jacaré), levarei primeiro o fogo e depois venho pegá-los. (ao dizer isso, colocou o fogo na proa e partiu)

Narrador.

Só que quando o Jacaré começou a atravessar o rio, no meio da viagem, resolveu guardar o fogo para o seu uso pessoal. Sem pensar duas vezes, levou o fogo para o fundo do rio. Assim os Ʉmʉrĩ mahsã perderam o fogo.

Jacaré procurou se esconder num lugar onde os Ʉmʉrĩ mahsã não poderiam chegar perto. Estes o procuraram no mundo inteiro, não o encontrando. Estavam prestes a desistir da sua busca quando encontraram a sua casa. Ele morava com as suas filhas perto do sítio atual conhecido com o nme de Bela Vista, no rio Uaupés. Mas ele nunca abria a sua casa. Os Ʉmʉrĩ mahsã estudaram uma maneira de fazer sair dela. Um dia, descobriram que ele gostava muito de rãs. Sem esperar o dia seguinte, foram fazer uma festa perto da casa dele. Começaram a festa no início da noite. Ouvindo o barulho da festa perto da sua casa, as duas filhas saíram para pegar rãs.

Cena 10: a sala é enfeitada, uma música da banda Calypso é colocada e todos ficam dançando.

Do outro lado da sala duas meninas com máscaras de jacarés conversan! com o pai Jacaré.

- Pai Jacaré nós queremos comer rãs, ajude-nos a enxergá-las melhor iluminando o mato?

- Humm! Estou com pouco de preguiça, mas eu quero muito comer rã. Humm... Está bem, vou ajudá-las.

Narrador

Elas mandaram o seu pai alumiar o lugar onde estavam as rãs, mas estas sempre pulavam para o escuro. Não conseguindo pegar as rãs, pediram para o pai que saísse da maloca para iluminar o lugar a fim de que elas pudessem correr mais facilmente atrás das rãs. Jacaré, que estava com muita vontade de comer rãs, obedeceu ao pedido das filhas.

Cena 11: as meninas tentam convencer o pai a sair da Maloca.

- Pai Jacaré, queremos comer rã, saia, por favor, da Maloca, pois não estamos conseguindo pegar rãs.

- Está bem, vou sair da maloca para ajudá-las. (escondido no meio das cadeiras, um homem mascarado de jacaré, sai rastejando pelo chão em direção das meninas.

Narrador

Ouvindo a conversa dos três, dois dos irmãos correram até a porta do Jacaré, de modo a esperar sua saída e prendê-lo.

Cena 12: os rapazes agarram o Jacaré e o amarram.

Narrador

Depois de prender Jacaré, exigiram dele o fogo, mas ele negou a lhes dar.

Cena 13: os dois irmãos tentam convencer Jacaré a lhes devolver o fogo.

- Nos devolva o fogo que você nos roubou, anda!!

- Nunca!!! Jamais vou lhes devolver!!! (disse o Jacaré com uma voz sarcástica)

Narrador

Diante da negativa do Jacaré, eles o jogaram no chão e começaram a revistar e cortar o seu corpo à procura do fogo. Mas nada encontraram.

Cena 13: o homem que fazia o jacaré estava vestido de uma manta verde feita de tecido de TNT. Os rapazes, pintados de índios, cortaram com uma faca toda a manta, a procura do fogo.

Narrador

Não achando o corpo o fogo em nenhuma parte do corpo de Jacaré, chamaram Japu, o seu primo. Quando este chegou, o encarregaram de revistar de novo o corpo inteiro de Jacaré. O que ele fez! No final, ele disse que o fogo estava mesmo com jacaré. Meteu então o bico na ponta do seu nariz, onde estava escondido o fogo. É por isso que o Japu tem a ponta do bico cor de fogo.

Cena 14: um rapaz com máscara de jacaré, vestido também de manta de TNT verde entra em cena. Os índios então ordenam:

- Japu, procure o fogo no corpo do teu primo Jacaré, pois nós não achamos.

- Farei agora mesmo!! (disse o Japu, enviando o dedo no nariz do Jacaré)

- Está aqui o fogo!! Podem levar. (o rapaz demonstrava que o dedo estava queimado e fazia cara de dor.)

Os índios saem carregando o fogo no Tururi.

Narrador

Depois de retomar o fogo de Jacaré, os Ʉmʉrĩ mahsã o jogaram nas águas do rio, mas ele ficou boiando em cima da água. Não querendo mais ver esse sujeito maldoso, encheram a sua barriga de pedras de modo a afundá-lo. As pedras levaram Jacaré para o fundo do rio. É por isso que o jacaré tem sempre pedras na sua barriga, dizem os velhos. Para que não ocorresse outro incidente com o fogo, os Ʉmʉrĩ mahsã decidiram guardá-los nas pedras, nos galhos do urucuzeiro, nos cipós uambé e nos galhos de cacau do mato. Esses galhos, esses cipós e essas pedras eram iguais a fósforos para os Ʉmʉrĩ mahsã.

Última cena: en tram na sala todos os personagens, carregando cipós uambé, pedras vermelhas e urucum nas mãos. Por último aparece alguém com uma caixa de fósforo nas mãos, era o narrador, vestido de branco.

Narrador.

Aqui acaba a história do fogo. Obrigado (faz isso acendendo o fósforo)

Essã encenação favoreceu o surgimento de um clima mais afetuoso entre os/as aprendentes. Muitos parabenizaram a equipe pela iniciativa de apresentarem o mito. Outros/as afirmaram não conhecer o mito encenado. Os/as aprendentes avaliaram as atividades realizadas e consideraram-na muito importante para a valorização de suas culturas. Mas se colocaram preocupados com o fato de não entenderem qual a relação dessas atividades com a matéria PPP1. Como afirma uma aprendente: “Professora, eu gostei muito dessas práticas voltadas para nossa realidade, mas pra mim fica uma dúvida: como vou fazer meu projeto de pesquisa? É isso que eu gostaria de aprender. Como nós vamos fazer isso?” (SOL, Miriti-tapuia, 2007). Na mesma direção, um outro questiona: “é que nós temos que fazer o projeto de pesquisa. Nós estávamos aprendendo com a senhora. Aí a senhora inventou essas oficinas. Fica a dúvida sobre o que a senhora quer da gente?” Então, uma aprendente levanta a mão e fala:

Eu entendi exatamente o que a professora quis nos ensinar. Ela quis que aprendêssemos a questionar a realidade, para que a gente possa saber fazer uma pesquisa. Foi o que nós fizemos aqui... Além de aprender ler direito, nós também fomos fazer a pesquisa sobre o fogo. Muitos aqui não sabiam nada sobre o fogo. Nem sabiam que existia um mito sobre o fogo na nossa cultura. E deve ter outras versões também, de outros grupos indígenas daqui da nossa terra. Nós temos 23 etnias. Então quantas versões devem ter? A turma que apresentou esse mito, ela teve que fazer pesquisa, teve que ler, depois interpretar aqui na frente de todo mundo. Fizeram a leitura direito e souberam interpretar. Assim deve ser fazer pesquisa científica: temos que saber fazer leitura da realidade, questioná-la e depois interpretar a realidade. Não é isso professora? (BALI, Tariana apudWANZELER, 2012, p. 118)

As inquietações apresentadas pelos/as aprendentes revelaram que o processo formativo possui diferentes temporalidades, percepções e interpretações que variam de acordo com nível de compreensão de cada aprendente. Eles/as esqueceram as dificuldades que tiveram para fazer o préprojeto. E naquele momento, e como em muitos outros que virão, o tempo da formação precisava ser recuperado. Recuperar esse tempo, para que o percurso formativo atinja um ponto em comum de compreensão, foi um desafio para o curso. Mas é importante ressaltar que o caracteriza o processo de formação é o fato dele está longe do equilíbrio6. Ou seja, os conflitos, os pontos de divergências ou de incompreensões são inerentes ao processo de formação, que deve ser entendido como um sistema aberto, movimentado por fluxos e desvios naturais aos sistemas complexos.

Recuperar o tempo significou estabelecer vínculos mais fecundos entre o ensino e a aprendizagem, fazer conexões entre o passado e o presente, bem como criar possibilidades de ligações entre o conhecimento e sabedoria. Os/as aprendentes ainda não estavam preparados para elaborar o pré-projeto, ora porque não compreendiam o que eu tentava explicar, ora porque não conseguiam escrever com clareza. E eu precisava encontrar uma estratégia de comunicação com os/as aprendentes, para que pudesse me fazer compreender. Da maneira como eu me expressava eles/as não entendiam.

Um exemplo desse processo foi quando pedi para eles/as escolherem um tema que tivesse a ver com sua área de interesse. A pergunta foi: “que área professora? Como é essa área?” Eu tinha que explicar o que era área? Eu tive dificuldade para conceituar. E quando eu disse que área era um espaço ou lugar físico, mas também podia ser compreendida como um campo específico de conhecimento, eles/as perguntaram que campo era esse? Então, mais uma vez expliquei, concluindo que existem áreas ecológicas, humanas, sociais, ambientais, físicas, mas também existem áreas científicas, que tinha a ver com as disciplinas, com as ciências. No caso da pedagogia, a área de atuação era diversa, indo de estudos sobre aprendizagem, linguagem, avaliação, currículo, sala de aula, cultura escolar e muitas outras.

Após a explicação um silêncio tomou conta da sala. Quando alguém levanta e diz: “professora nós vamos fazer isso mesmo? Encontrar uma área de interesse e fazer um tema? E depois?” Outra voz: “professora, esse campo que a senhora falou, no nosso caso é a escola, não é?” Respondi: “sim, o campo da pesquisa de vocês será a escola. O que vocês farão lá é o que vai definir o tema da pesquisa.” Foi então que pedi para eles/as terem paciência, um pedido que fiz a mim também, e que na hora certa, todos saberiam encontrar seu tema.

Apesar dos conflitos gerados pela ansiedade de construírem um projeto de pesquisa, a experiência das Oficinas Pedagógicas provocou nos/as aprendentes a ideia de questionar a realidade como processo que possibilita descobertas. Chegou o momento de fazer uma nova passagem, entramos na próxima etapa do projeto Canoeiro:

c) aprender a ser, um exercício de paciência, tolerância e de solidariedade, que exigiu de todos nós a abertura para a diferença, o reconhecimento das nossas limitações, das nossas potencialidades, da importância da escuta e do respeito pelas ideias antagônicas. Essa aprendizagem promoveu nos/as aprendentes a consciência de si diante do outro, juntou o conhecer com o fazer e permitiu, por meio do espírito de cooperação, que a criatividade fosse acionada por meio da imaginação. Com esse passo entramos na etapa da criação.

OFICINA DE CRIAÇÃO: CRIANDO MITO

Essa oficina teve como objetivo desenvolver nos/as aprendentes a criatividade, usando como ferramenta cognitiva o imaginário. A proposta era que os/as aprendentes reescrevessem ou criassem um mito sobre o fogo. Eles/as foram orientados a escrever sobre como os homens aprenderam a fazer o fogo. As equipes se reuniram por duas horas e em seguida apresentaram suas versões dando nome étnico para elas. Explicitarei apenas duas (WANZELER, 2012, p. 120-121):

Mito Baniwa: a descoberta do fogo

Era uma vez um mito que falava sobre como os homens descobriram o fogo. Um dia um rapaz estava sentado em frente de uma fogueira, e ficou pensando: quando será que eu vou parar de ficar guardando o fogo? Tenho que descobrir uma maneira.

Ele estava segurando duas pedras nas mãos. Estava chateado com a vida dele infeliz, de guardião do fogo, pois ele não podia brincar, correr, fazer nada, só ficava olhando o fogo. Reparando.

Como ele estava com raiva, porque o cunhado o obrigou ficar ali, começou a bater uma pedra na outra, foi batendo, batendo com força, tentando fazer a raiva passar. Foi quando ele sentiu que a mão dele estava queimando. A raiva passou mas ele ficou com dor nas mãos. Ele gritou: Ai, ai, ai!!! Pensou que fosse algum castigo e jogou as pedras no chão em meio às folhas secas. De repente as folhas começaram a pegar fogo. Ele ficou assustado! Pensou que fosse fogo encantado, mas viu que não era. Então ele percebeu que as pedras causaram a fogueira. Pegou de novo as pedras do chão e começou esfregá-las uma na outra. Foi quando ele viu sair uma faísca. Esfregou de novo, e viu que as faíscas aumentaram. Então ele abaixou, pegou umas folhas secas, juntou-as e começou a esfregar as pedras até que saiu faíscas e as folhas pegaram o fogo. Desesperadamente feliz, o rapaz saiu correndo para contar aos outros. Só que no meio do caminho achou melhor ficar com esse segredo. Mas depois pensou melhor e resolveu contar assim mesmo, pois isso o deixaria livre. Todos ficaram admirados com a descoberta do rapaz, que passou a se chamar Rapaz do Fogo. E todos ficaram felizes para sempre!

Mito Desana: o homem que descobriu o fogo

Após se apossarem de novo do fogo roubado da Avó das Lenhas, os Ʉmʉrĩ mahsã, ficaram muito preocupados em perder o fogo novamente, pois já estavam acostumados a comer carne assada ou cozida, assim como outros alimentos como: macaxeira cozida, farinha e muitos outros pratos deliciosos.

Um dia muito quente, o rapaz foi dar uma volta pela floresta a fim de caçar. Ele estava querendo encontrar uma caça para o almoço da manhã seguinte. Pois sua esposa estava grávida e queria comer uma paca. Cansado de tanto calor, ele se sentou debaixo de uma árvore e ficou descansando. Então, ele pegou dois gravetos da árvore e começou a afiná-los, friccionando um no outro, pois ele queria fazer um instrumento de flecha. Afiando daqui, dali, ele percebeu que os gravetos ficaram muito quentes, pois sem querer ele queimou os dedos. Sem dar muita importância continuou a afiar os gravetos, quando rapidamente os gravetos soltaram faíscas de fogo. Impressionado, o rapaz, percebeu que daquela forma podia-se fazer o fogo. Inteligentemente o rapaz pegou duas pedras que estavam no chão, colocou uma próxima da outra e depois pegou um graveto e começou a friccioná-lo entre as duas pedras que estavam debaixo de folhas secas. Logo as folhas começaram a pegar fogo. O rapaz sai correndo para avisar o seu povo, que fica feliz com a descoberta e desde então eles não se preocuparam mais em guardar o fogo. Mas se descuidaran!, não apagaram o fogo, que se alargou por quase toda a floresta. Os pajés fizeram um ritual, que fez chover muito forte e com isso conseguiram apagar o fogo e salvar a floresta. Fim!

Escolhi essãs duas versões por elas terem conteúdos pedagógicos e epistemológicos relevantes ao processo de construção de conhecimento. Sob o ponto de vista pedagógico, percebese a forma como as equipes organizaram o texto, o encadeamento das ideias, a estrutura da história e principalmente a motivação para escrever. Parece-me claro que o texto só aconteceu porque havia um contexto construído. O fato dos/as aprendentes escreverem a partir de suas próprias referências foi sem dúvida uma ferramenta cognitiva fundamental para a produção do texto. A função do imaginário nessa construção permitiu a leveza nos textos, a criatividade e a abertura para os diferentes níveis de percepção e de realidade das equipes.

Para elaborarem o texto, os/as aprendentes tiveram que se aproximar de seus sistemas de referências, que atravessou diferentes momentos na formação. Esses sistemas representam suas formas de pensar, agir e sentir a vida. A ideia de criar um mito a partir das referências produzidas na sala de aula, que também se produz a partir daquelas trazidas pelos/as aprendentes, fez com que o conhecimento se desenvolvesse de maneira pertinente.

O processo de criação das equipes seguiu os princípios do conhecimento pertinente, que Morin orienta como sendo aquele capaz de desenvolver aptidão natural do espírito humano para situar todas as informações recebidas em um contexto e um conjunto, vinculando as partes ao todo, a multidimensionalidade e a complexidade da vida. A organização do conhecimento constituise, portanto, no processo capaz de “[...] situar as informações e os dados em seu contexto para que adquiram sentido. Para ter sentido, a palavra necessita do texto, e o texto necessita do contexto no qual se anuncia” (MORIN, 2000, p. 36).

A Oficina de Criação, ao trazer o fogo como tema de construção do conhecimento, provocou nos/as aprendentes e na sala de aula a religação da razão com a emoção, despertando neles/as processos criativos, de descobertas e de reflexão que irão culminar com a transformação do espaço de aprendizagem, que se torna mais leve e menos tenso. O Canoeiro faz um novo passo: o aprender a conviver.

CONSIDERAÇÕES FINAIS: AS JORNADAS AINDA NÃO TERMINARAM

Aprender a conviver foi sem dúvida a grande conquista da formação e um passo decisivo do Projeto Canoeiro, visto que representou não apenas o convívio com a tolerância, com o respeito às diferenças, mas principalmente permitiu a escuta do outro e com ela a possibilidade de comunicação foi potencializada. Estar com outro significa estabelecer meios de convivência e de respeito. Comunicar nesse sentido representa o estar junto com o outro. Com esse passo entramos numa nova etapa, a do saber criar sentido. Essa etapa permitiu aos/as aprendentes dar sentido às coisas a partir do que eles são, do que foram e do que pretendem ser. Uma etapa fundamental para a ancoragem do conhecimento.

A intuição de que a Oficina Pedagógica do Projeto Canoeiro iria ajudar os/as aprendentes a se perceberem como sujeitos criativos e capazes de construírem conhecimento, se constituiu como instrumento cognitivo eficaz para exploração e elaboração do Canoeiro em suas novas jornadas. Manter vivo e ativo esse instante do conhecimento, que nasce da fonte de nossa intelectualidade, foi uma estratégia cognitiva de vital importância para o desenvolvimento da formação, sem a qual a imaginação não seria potencializada. Potencializar a imaginação ativou a criação e permitiu que o conhecimento se desenvolvesse, facilitando nos/as aprendentes a escrita de seus projetos de pesquisa.

Evidente que a passagem da imaginação criadora para a criação do projeto de pesquisa não ocorreu de forma menos conflitiva. Mas os/as aprendentes conseguiram superar algumas limitações: a vergonha de exporem suas ideias, e o medo de não errar. Do tema da pesquisa à elaboração do esqueleto do projeto, observou-se um grande avanço. Escrever o pré-projeto foi um devir para os/as aprendentes. Apresentá-los nesse artigo tomaria um tempo enorme da escrita, recomendo ver AUTORA (2012). Entre idas e vindas, erros e acertos, a escrita foi sendo construída. A cada refazer, uma discussão, um avanço e novas in-compreensões. Esse é o desafio da formação de professores/as, fazê-los/as questionar a realidade e partir disso saber agir sobre ela de forma justa, humana, ética e solidária, uma jornada que nunca se encerra.

1O termo Canoeiro é uma alusão à Canoa da Transformação presente no mito Desana. (PÃRÕKUMU, Umusi & KEHÍRI, Tõrãmu, 1995)

2O termo aprendente é inspirado na obra de TROCMÉ-FABRE, Helene (2004).

3Letramento é um conceito usado para compreender o processo de apropriação da leitura e da escrita. Trata-se de uma perspectiva sobre as práticas sociais da leitura e da escrita. De acordo com Magda Soares o letramento resulta da ação de ensinar e aprender as práticas sociais de leitura e de escrita. Ou seja, é uma consequência do processo de apropriação da escrita e de suas práticas sociais. Apropriar-se da escrita é torná-la própria, ou seja, assumi-la como propriedade. Para a autora, um indivíduo alfabetizado, não é necessariamente um indivíduo letrado, pois ser letrado implica em usar socialmente a leitura e a escritura e responder as demandas sociais de leitura e de escrita (SOARES, 2003).

4Os quatro pilares da educação foram definidos pela Unesco, em 1994. (Ver DELORS, Jacques et al, 1996)

5As palavras que eles/a sentiam dificuldades de ler ou não liam aparecem tachadas no texto.

6Longe do Equilíbrio é um conceito criado por Ilya Prigogine para compreender os sistemas vivos. Prigogine considera os sistemas vivos como sistemas abertos, como estruturas dissipativas, segundo os quais os sistemas se auto-organizam longe do equilíbrio, sofrendo flutuações constantes, que dentro do próprio sistema conduzem ao surgimento de pontos de bifurcações. São esses pontos que, segundo o autor, levam os sistemas a fazerem escolhas, dando a eles/as um caráter de historicidade (PRIGOGINE, 1996).

REFERÊNCIAS

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Recebido: 01 de Agosto de 2020; Aceito: 01 de Novembro de 2020

Informações do autor

Eglê Betânia Portela Wanzeler

Universidade do Estado do Amazonas

E-mail:ewanzeler@uea.edu.br

ORCID: https://orcid.org./000-0001-7026-3242

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