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Revista Teias

versão impressa ISSN 1518-5370versão On-line ISSN 1982-0305

Revista Teias vol.21 no.63 Rio de Janeiro out./dez 2020  Epub 08-Fev-2022

https://doi.org/10.12957/teias.%y.53758 

Docência, currículo, didática, aula: fantástico arquivo político da diferença

A AULA: do culto ao novo à complexidade do contemporâneo

THE CLASS: from the worship of the new to the complexity of the contemporary

EL AULA: del culto por lo nuevo a la complejidad de lo contemporáneo

Daiane Scopel Boff1 
http://orcid.org/0000-0002-2860-686X

Antônia Regina Gomes Neves2 
http://orcid.org/0000-0001-8883-8542

Elí Terezinha Henn Fabris3 
http://orcid.org/0000-0002-3622-0289

1Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul - IFRS

2Serviço Nacional da Aprendizagem Comercial – Senac RS

3Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos


Resumo

O artigo discute os entrelaçamentos entre inovação e indissociabilidade teoria-prática a partir de uma perspectiva que as toma como integrantes do arquivo da docência. Ao operar com teorizações do campo da formação de professores e da docência, além de conceitos das áreas de sociologia e filosofia em uma perspectiva hipercrítica, discorre-se sobre discursividades que constituem uma das regiões do arquivo – a aula –, para depois analisar como a dicotomia teoria-prática opera nos sentidos atribuídos à docência. O material empírico foi produzido a partir de análise fílmica, adaptada ao gênero documentário, e entrevistas semiestruturadas com professores que desenvolvem a docência em cursos de licenciatura. A analítica realizada mostra que, no arquivo da docência, se produzem discursividades que reforçam a dicotomia teoria-prática e a intensificação do novo. A partir disso, aponta-se a indissociabilidade teoria-prática como uma possibilidade qualificada para pensar a formação, a docência e a aula, considerando as complexidades do contemporâneo.

Palavras-chave: aula; inovação; indissociabilidade teoria-prática

Abstract

This paper discusses the intertwining between innovation and inseparability of theory and practice from the perspective that they are part of the teaching archive. By working with theorizations from the field of teacher education and teaching, as well as concepts from sociology and philosophy, from a hypercritic perspective, we approach discursivities that constitute one of the archive regions – the class – and analyze how the theory-practice dichotomy has functioned in meanings attributed to teaching. The empirical material was produced from a film analysis adapted to the documental genre, and semi-structured interviews with teachers in teaching courses. The analysis has shown that discursivities produced in the teaching archive have strengthened both the theory-practice dichotomy and the intensification of the new. Based on that, we have pointed out the theory-practice inseparability as a qualified possibility to think about education, teaching and classes, by considering the complexities of the contemporary.

Keywords: class; innovation; theory-practice inseparability

Resumen

El artículo discute el entretejido entre innovación y la teoría-práctica inseparable a partir de una perspectiva que las toma como integrantes del archivo de la docencia. Al operar con teorizaciones del campo de la formación de profesores y de la docencia, además de conceptos de sociología y filosofía en una perspectiva hipercrítica, se piensa sobre discursividades que constituyen una de las regiones del archivo - el aula -, para después analizar como la dicotomía teoría-practica opera en los sentidos atribuidos a la docencia. El material empírico fue producido a partir de análisis fílmico, adaptado al género documental, y entrevistas semiestructuradas con profesores que desarrollan la docencia en los cursos de licenciatura. La analítica emprendida muestra que, en el archivo de la docencia, se producen discursividades que refuerzan la dicotomía teoría-practica y la intensificación de lo nuevo. A partir de esto, se apunta a la teoría- práctica inseparable como una posibilidad calificada para pensar la formación, la docencia y el aula, considerando las complejidades de lo contemporáneo.

Palabras clave: aula; innovación; teoría-práctica inseparable

NOTAS INTRODUTÓRIAS

Este artigo discute o arquivo da docência, tomando-o como constituído na densidade de práticas discursivas que dizem dos usos dos conceitos de teoria, prática e inovação na Educação, focos de nossa análise e argumentação. Com o objetivo de dar visibilidade a alguns enunciados que compõem o arquivo da docência e de tensioná-los, na complexidade dos dizeres deste tempo, pretendemos mostrar que, para trazer a inovação para a aula, não precisamos descartar a tradição pedagógica e que, trazendo a indissociabilidade teoria-prática para a docência, não abdicamos nem do que está na ordem da ação, nem do que está na ordem das ideias, mas as associamos sempre em uma sinergia que possibilita potência para os sentidos, tanto da dimensão teórica quanto da dimensão prática.

Ao operarmos com teorizações do campo da formação de professores e da docência, além de conceitos da área da sociologia e da filosofia em uma perspectiva hipercrítica1, realizamos uma análise que tensiona os discursos da inovação no arquivo da docência a partir do que eles têm produzido no que se entende por aula, para depois analisarmos como a dicotomia teoriaprática opera nos sentidos atribuídos à docência. Isso nos permite apontar a indissociabilidade teoriaprática como uma possibilidade qualificada para entender os conhecimentos e a vida sem dicotomias, na construção da indissociabilidade entre o que pensamos e o que fazemos.

Com Michel Foucault (2008, p. 95), entendemos o arquivo como “[...] o jogo de regras que, em uma cultura, determinam o aparecimento e o desaparecimento de enunciados, sua permanência e seu apagamento, sua existência paradoxal de acontecimento e de coisas”. Com esse conceito, olhamos para a docência como constituída por muitas regiões: descontínuas, interseccionadas, em constante movimento, produtivas; buscamos os acontecimentos discursivos no arquivo da docência, considerando-os não como documentos amorfos, mas como monumentos, o que reforça que temos, “[...] na densidade das práticas discursivas, sistemas que instauram os enunciados como acontecimentos (compreendendo sua possibilidade e seu campo de utilização)” (FOUCAULT, 2016, p. 157). É a partir desse entendimento de arquivo e enunciado que produzimos os materiais empíricos e analisamos os resultados que apresentamos neste artigo.

No recorte realizado – a aula –, visibilizamos uma multiplicidade de enunciados e sistemas de formação e focamos nosso olhar nos que falam sobre inovação e sobre teoria-prática, que nos possibilitam ler, analisar, descrever, entender, ensinar e aprender sobre o mundo contemporâneo em sua complexidade. Para isso, tomamos dados de duas pesquisas (BOFF, 2019; NEVES, 2020), inscritas em uma pesquisa mais abrangente que investiga as docências contemporâneas. (FABRIS, 2018).

O material empírico, selecionado do arquivo da docência, foi constituído a partir de fontes diversas, possibilitando-nos perceber a dispersão discursiva (FOUCAULT, 2014) dos conceitos aqui tratados.

Parte do material é derivado da série de documentários Destino: Educação – Escolas Inovadoras, com 26 episódios que apresentam 24 escolas ao redor do mundo, mais dois episódios síntese. Produzida pelo Canal Futura em parceria com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a série dá visibilidade a algumas escolas, nomeadas como “inovadoras”, que buscam romper com práticas pedagógicas2 tidas como típicas das escolas criadas na Modernidade. Esse material foi analisado de acordo com a metodologia de articulação fílmica (FABRIS, 2008), adaptada ao gênero documentário, que consiste em buscar regularidades e descontinuidades discursivas no material, que foi transformado em texto por meio de transcrição das cenas e dos depoimentos da série. A série, nesse caso, é entendida como um único conjunto, um corpo composto por episódios que formam e fortalecem determinados discursos.

O material analítico também foi composto por entrevistas semiestruturadas, realizadas com professores de Matemática que desenvolvem a docência em cursos de licenciatura em instituições públicas do Sul do país. Os textos extraídos das narrativas dos professores foram lidos e analisados na sua simples positividade, como um dictum(VEIGA-NETO, 2011), considerando-se a possibilidade de construir aproximações entre os conceitos e as experiências dos sujeitos que falaram.

Ao tensionarmos os discursos que constituem a inovação e a dicotomização teoriaprática, utilizando as ferramentas da hipercrítica, procuramos (re)inscrever a indissociabilidade teoriaprática no arquivo da docência, a fim de pensá-la na sua complexidade. Isso nos permite construir o argumento central deste texto: uma docência não dicotômica, que opere com teoria e prática de modo indissociável, é potência para construirmos movimentos disruptivos, de maneira a pensar e conceber a aula contemporânea na complexidade que a construção de conhecimentos exige.

TEM AULA OU NÃO TEM AULA? TRANSMUTAÇÕES DOS DISCURSOS QUE CONSTITUEM A INOVAÇÃO

[Na nossa escola] Não tem aula, não tem turma, não tem série, não tem prova... (PROJETO..., 2016, n. p.).

A palavra inovação tem ocupado lugar de destaque em nossas falas diárias, em diferentes contextos. Os atravessamentos discursivos visibilizados nessa palavra mostram que ela é um imperativo do nosso tempo. Imperativo é algo de que ninguém pode fugir e ao qual ninguém consegue opor-se, algo que age na objetivação e subjetivação dos sujeitos.

A inovação está presente também, e com força, nos discursos pedagógicos. Cada vez mais, na educação, cresce a exigência de inovação, de metodologias inovadoras, de professores inovadores, de salas de aulas inovadoras, de escolas inovadoras. O frenesi pela inovação pode ser interpretado como neofilia(SIEVERS, 2007) ou como um culto ao novo (LÓPEZ-RUÍZ, 2007), ou seja, é essa percepção de que o que é novo é sempre melhor, como se o que não é novo já fosse a priori ruim. Essa discussão mostra-se cara à educação, visto que a educação é, como afirma Arendt (1992), justamente a ambientação dos recém-chegados ao mundo, e a escola é a materialização do local onde se desenvolvem o dever e a responsabilidade por ensinar o já sabido (por outros) para que esses recém-chegados também tenham acesso aos conhecimentos socialmente construídos e necessários para a vida, o que possibilita a manutenção e a tradição de toda uma sociedade.

A negação do que é velho encontra ressonâncias nos discursos pedagógicos, como podemos observar na epígrafe, por exemplo. Iniciamos a seção utilizando como epígrafe um excerto de depoimento encontrado na série Destino: Educação – Escolas Inovadoras, no qual uma coordenadora pedagógica afirma que na sua escola não tem aula, nem turma, nem série, nem prova. É a própria negação, a interdição do que é considerado velho em educação, nesse caso, a aula.

Essa negação é muito forte e mexe com as bases da educação escolar. Perguntamos: é possível que uma escola não tenha aulas? Para a análise dessa questão, levamos em conta o alerta feito por Sebarroja (2013, p. 7): “[...] não nos enganemos: pelo menos na pedagogia, inventa-se muito pouco. Somos essencialmente memória”. De acordo com esse autor, as inovações na educação só são possíveis graças a todo o conhecimento já desenvolvido na área, que passa a fazer sentido ou a encontrar ressonâncias em determinados tempos e espaços, mais do que em outros.

Desde a Modernidade, as escolas têm se organizado como as conhecemos, com divisão de turmas por idade ou desenvolvimento, evitando que alunos de faixas etárias e níveis de aprendizagens diferentes estivessem todos juntos em um mesmo ambiente. Temos, como sentido socialmente construído e temporalmente localizado, aula como sendo a atuação do professor frente a esse grupo de alunos, organizados por determinada característica.

Quando nos episódios da série se apresentam imagens de aulas, podemos observar estudantes de idades diversas e professores que não ficam na frente da sala, falando aos alunos. Tendo isso em mente, talvez faça sentido pensar que as escolas da série não tenham aula, especialmente quando evocamos o sentido de aula desde as lectures– leituras que constituíam as aulas universitárias –, ou mesmo se compreendermos a aula como um espaço e um tempo em que o professor organiza seu trabalho, dispõe conhecimentos, materiais e saberes (LARROSA, 2019) para uma turma formada por alunos da mesma idade.

Assim, podemos dizer que a aula, criticada e negada nessas escolas da série, é a aula como sinônimo de ensino geral para uma turma, envolvendo um professor e alunos, com ações de explicação e exposição. No entanto, de acordo com Araújo (2015, p. 67), mais do que isso, a aula é “[...] um fenômeno histórico-educacional, resultante de uma construção no âmbito da cultura ocidental, que se ancora como investimento de caráter intergeracional, que tem cunho interferente na constituição de uma direção às novas gerações”. Nessa concepção, os modos de desenvolver e compreender a aula são sempre contextuais e localizados.

Com a aula inscrita no arquivo da docência, é possível ver que ela está diretamente ligada ao ensino e à forma como ele foi se constituindo na educação ao longo dos séculos. Destacamos, neste arquivo, três tipos de ensino: o individual, o mútuo e o simultâneo. (SILVA, 2015).

O ensino individual é aquele que se caracteriza pela presença de um tutor para cada aluno, paradigma muito utilizado até o século XVIII, mas que apresentava muitas limitações. Ligadas a este paradigma, temos duas obras clássicas da área da educação: o Emílio, de Jean Jacques Rousseau, versando sobre uma educação individual ideal, que possibilitaria que o preceptor criasse situações de aprendizagem a seu aluno sem lhe dar lições diretas ou descontextualizadas, como era comum na época; e também a Ratio Studiorum, livro de lições desenvolvido pelos jesuítas com foco no ensino individual, ainda que promovendo momentos coletivos de ensino. (MIRANDA, 2009).

Já o ensino mútuo, alavancado principalmente pelas experiências de Joseph Lancaster, além de outros educadores europeus, no século XIX, consistia em delegar aos próprios alunos a tarefa de explicação aos colegas de estudo, assegurando ao professor a responsabilidade pelas lições principais. Os alunos, então, tinham a tarefa de serem monitores uns dos outros.

O terceiro tipo de ensino descrito por Silva (2015) e nomeado como simultâneo é o praticado no modelo de escola criado na Modernidade. Esse modelo tem como base ensinar o mesmo conteúdo a muitas pessoas ao mesmo tempo, como uma economia de recursos e do quadro docente. (COMENIUS, 2002). Além disso, o ensino simultâneo que se dá na escola moderna está imbricado nas técnicas da disciplina, dando resposta ao desejo de humanização das populações. O ensino simultâneo é ainda praticado em boa parte das escolas do mundo contemporâneo, e as principais críticas que as escolas ditas inovadoras buscam superar estão justamente ligadas a esse tipo de organização didática e a todos os conflitos na relação professoralunos-conhecimento que dela advêm.

É importante salientar que a mudança de paradigmas de ensino ocasionou, ao longo da história educacional, transformações significativas nas relações de ensino e aprendizagem entre professores e alunos, sobretudo no ensino simultâneo, em que diferentes tipos de aulas e métodos foram desenvolvidos, com ênfases mais excludentes ou inclusivas, dialogadas ou não, com vistas ao exercício do pensamento ou à repetição de lições. O que parece marcar esse tipo de ensino simultâneo, mais do que ter aulas, é toda a organização escolar necessária para seu desenvolvimento, principalmente para dar conta do que se instaurou na escola moderna mediante a criação de turmas que supostamente deveriam aprender tudo juntas, ao mesmo tempo e na mesma velocidade.

Ao dizerem que não têm aula, as escolas inovadoras marcam o entendimento de aula como aquela com uma turma do modelo moderno. Com um olhar mais aprofundado, podemos perceber que o que essas escolas não desenvolvem é um tempo/espaço de turma, configurado como um grupo de pessoas reunidas por sua idade que fazem as mesmas atividades ao mesmo tempo e em um mesmo espaço.

Apesar de não terem turmas organizadas como na escola moderna, algumas das escolas analisadas dividem os alunos em grupos, seja por interesses em comum, por nível de aprendizagem ou por características individuais; em especial, isso ocorre para acompanhamentos, orientações e avaliações. O que diferencia esses grupos do tipo de turma constituído na Modernidade é que eles se formam em momentos específicos, mas não passam todo o tempo de aula desse modo. Os estudantes são reunidos por um professor para algumas atividades pontuais, e, após esse encontro, cada aluno segue para realizar atividades diferentes, conforme é possível visualizar no depoimento abaixo:

Temos um grupo de base. Esses grupos têm no máximo dois ou três anos de diferença, porque precisamos ter o mesmo tipo de pensamento. Por exemplo, se eu estiver lendo um livro sobre um assunto de interesse mútuo, então, temos esses grupos de base, com no máximo dois ou três anos de diferença. Mas as instruções são apenas baseadas em interesse ou nível, e não em idade. (STEVE..., 2016, n. p.).

Se compreendermos a aula em um sentido mais amplo, tomando-a como uma forma de comunicação entre professor e alunos que gera uma interlocução entre eles (ARAÚJO, 2015), poderemos interrogar se é possível que uma escola exista sem aula, sem essas ações educativas que envolvem a interlocução entre professor e alunos. No dicionário da legislação de ensino, dar aulas está definido como: “[...] ato de ensinar, que se desenvolve com o apoio de recursos técnicos específicos, em salas adequadas, laboratório, oficinas [...]”. (SOARES, 1981, p. 10). Com esse sentido mais alargado de aula – considerando que há uma interlocução entre professor e alunos e que o ato de ensino está incluído nesta interlocução –, podemos dizer que na aula fica sempre implicado o sentido de ensinar algo a alguém e de conduzir alguém a aprender alguma coisa, e não necessariamente a uma ideia única de turma. De acordo com Libâneo (1994, p. 45):

[...] devemos entender a aula como o conjunto dos meios e condições pelos quais o professor dirige e estimula o processo de ensino em função da atividade própria do aluno no processo da aprendizagem escolar, ou seja, a assimilação consciente e ativa dos conteúdos. Em outras palavras, o processo de ensino, através das aulas, possibilita o encontro entre os alunos e a matéria de ensino, preparada didaticamente no plano de ensino e nos planos de aula.

Compreender a aula como ação de condução do processo de ensino e de aprendizagem pelo professor não implica necessariamente dizer que haja uma turma para a qual o professor “dá aula”. Outros elementos parecem estar inseridos no arquivo da docência na constituição da aula: “[...] conteúdo, objetivo, finalidade, método, técnica, tecnologia e avaliação, visibilizados pela sua operacionalização, que tem uma direção, um sentido e um norteamento” (ARAÚJO, 2015, p. 48). Na caracterização desse autor, vários elementos são mobilizados para a definição do que se entende por aula. Na descrição feita, a presença de uma turma organizada por idades, inserida no mesmo espaço físico, realizando a mesma atividade e ao mesmo tempo, não aparece como um a priori. Isso mostra que a aula pode não implicar, necessariamente, uma organização de turma. Um exemplo de situação educativa conduzida por um professor que não implica a participação do aluno em uma turma definida é o da Escola Dels Encants, com a utilização de caixas de pesquisa. As caixas são constituídas por conjuntos de materiais que têm como objetivo conduzir os estudantes em uma pesquisa sobre um tema específico. A professora Marié Vilchez explica que as caixas de pesquisa são: “[...] materiais preparados pelas professoras que possuem passos que devem ser seguidos para realizar determinado tipo de pesquisa, e o resultado pode ser uma pesquisa escrita, uma produção artística, ou plantar e fazer uma experiência com plantas, ou seja, envolve muitas matérias” (AUTONOMIA..., 2018, n. p.). Os estudantes podem escolher suas caixas e avisar aos professores qual caixa escolheram. Ao apresentar esse exemplo, no episódio vemos o conjunto de cenas3 se desenrolar da seguinte maneira:

Após mostrar as caixas sendo abertas por alunos, a câmera anda pela escola, mostrando alunos fazendo atividades diversas com as caixas em cima de mesas no corredor. Um grupo de alunos pega uma caixa, e uma das alunas explica aos demais: “Essa atividade trata de pessoas com deficiência. Significa que, por exemplo, pessoas sem uma perna, ou sem um braço, ou que são cegas, ou surdas”. E, a seguir, lê as instruções da caixa: “Agora, convidamos você para viver a sensação que tem uma pessoa que não pode ver”. E continua explicando: “Então, a gente põe os óculos de natação, que estão pintados de preto porque não podemos ver nada, e usamos a bengala”. Um dos alunos do grupo põe os óculos, e, a seguir, vemos o grupo todo andando pelo corredor com um dos alunos utilizando os óculos e a bengala. (AUTONOMIA..., 2018, n. p.).

O que vemos no conjunto de cenas é a descrição de uma organização didática, planejada por um professor ou professora. Apesar de não observarmos a presença docente no momento em que a atividade está sendo desenvolvida, podemos perceber em operação a ação docente, minuciosamente planejada, incluindo os materiais a serem consultados, as ações que devem ser feitas, as discussões a serem realizadas. Diante dessa perspectiva, é possível dizer que a cena mostra uma aula?

Observamos uma subjetividade docente sendo constituída na intensificação da função docente dos professores da escola moderna. O professor inovador ensina a seus alunos os modos como eles podem aprender, e os alunos, por sua vez, aprendem a ensinar a si próprios e, caso necessário, aos colegas também. Na cena apresentada, os alunos agem como professores de si mesmos e dos colegas; a presença de alguém conduzindo, explicando e fazendo perguntas aparece com força. Poderiam os estudantes agir dessa forma sem terem sido ensinados a agir assim? É perceptível ver nesses estudantes um comportamento acentuado de instrução de uns sobre os outros, de condução do processo de ensino, que se mistura ao que é desenvolvido por professoras e professores. Isso nos mostra que, nessas escolas, a subjetividade docente parece constituir-se mais pelo exercício de planejar do que pelo exercício de dar aulas, propriamente dito. Nas cenas descritas, é importante indicar que a primeira caixa se destaca pela pesquisa, pela pergunta, sempre boa companheira de uma docência criadora e inovadora; já na segunda caixa, se não tiver a intervenção de um professor para sair da cena exótica da inclusão, de uma cena que se destaca como performática das situações experienciadas pelas pessoas cegas ou de baixa visão, a aprendizagem fica limitada pela metodologia empregada. O que precisamos salientar é que nenhuma metodologia por si só tem capacidade inovadora, nem indicará, de forma imediata, a indissociabilidade teoria-prática. É preciso a intervenção intencional de um professor ou de uma referência de pesquisa sobre o tema.

Nosso argumento é que a constituição docente, a partir de discursos que produzem a inovação, acontece de duas formas: uma pela via de um apagamento da posição do docente nas práticas pedagógicas; a outra diz respeito a um trabalho de planejamento e organização mais acentuados para o professor. Isso faz com que o professor, embora não esteja no lugar onde estão os alunos, crie estratégias e atividades para que estes ajam como se ele estivesse em todos os lugares. Assim, quando o professor não está, os alunos agem como se ele estivesse com eles, ou seja, eles próprios fazem o papel de professor a partir do material que o professor planejou. Isso é um trabalho minucioso e organizado dentro do arquivo da docência que busca intensificar a ação do professor sobre os alunos e dos alunos sobre eles próprios, de modo que o professor já não precise estar por perto para controlar a atividade. A intensificação de sua função, mediante o ensino e a aprendizagem, é tão forte que é como se ele estivesse sempre ali. Entendemos que, assim, a função disciplinar ocorre de forma muito mais intensa.

O que vemos, a partir de nossa compreensão de aula – uma prática pedagógica em que há uma referência adulta que conduz intencionalmente o outro a uma atividade com um fim educativo –, é que em todas as escolas pode haver aula. O que nem todas desenvolvem é a constituição de turma, entendida como uma organização de pessoas com a mesma faixa etária ou com níveis de conhecimento próximos.

Olhar para a aula considerando essas questões e com essa abrangência, na complexidade que o contemporâneo nos impõe, oferece-nos a possibilidade de pensar de outros modos a docência e os sujeitos que nela estão implicados. Também pode ajudar-nos a ressignificar alguns fragmentos do arquivo que dizem respeito à inovação e à forma pela qual os conhecimentos e a vida são vistos. Inovar, em consonância com este tempo, possibilita incluir também outras maneiras de ver e ler o mundo. Assim vistas, as inovações educativas são os tipos de práticas pedagógicas que rompem com o já estabelecido e que estão em consonância com a sociedade da época, observando a atmosfera contemporânea e incorporando-a na escola. Inovação pode ser entendida, então, como a potência do contemporâneo. (NEVES, 2020).

O ARQUIVO DA DOCÊNCIA: A INDISSOCIABILIDADE TEORIA-PRÁTICA EM UM MUNDO QUE CLAMA POR INOVAÇÃO

Talvez o arquivo não diga a verdade, mas ele diz da verdade [...]. (FARGE, 2009, p. 35).

Dizer da verdade, e não a verdade sobre como os significados de teoria e prática compõem o arquivo da docência e nele se estabelecem e se (re)atualizam, permeados pelos discursos da inovação, permite-nos demarcar um campo enunciativo que se produz a partir de dicotomias e da intensificação do novo. Na recorrência do que é dito e no silêncio do não dito, posicionamos o arquivo da docência como o que faz aparecer, o que define o funcionamento e a multiplicidade das relações, o que aciona a ruptura ou a permanência de determinados discursos, o que rege, forma e transforma enunciados, dando-lhes condições de existência.

No arquivo da docência, demarcamos novamente um recorte – a aula – e nele destacamos outros fragmentos que nos dizem da necessidade de articular teoria e prática. Que regularidades discursivas neste arquivo indicam entendimentos dicotômicos acerca dessas dimensões e se materializam na aula? Que significados de teoria e prática aparecem engendrados na docência quando teoria e prática são usadas nos enunciados que falam dessas dimensões? Com essas questões, analisadas em narrativas de professores que desenvolvem a docência em cursos de formação de professores e em depoimentos de gestores, professores e estudantes das escolas da série Destino-Educação: Escolas Inovadoras, procuramos inserir também outros conhecimentos no arquivo da docência, indicando uma leitura de mundo a partir da indissociabilidade teoria-prática, o que nos permitirá ver e compreender a formação e a vida na sua complexidade, mas também na sua contingência.

Nosso entendimento é o de que a docência compreende “[...] o exercício da ação de um professor, de uma professora [...]. A docência é uma condição exercida pelo professor, comprometido com o processo de ensino e com as possíveis aprendizagens promovidas a partir dele” (FABRIS, DAL’IGNA, 2017, p. 57). Assim, a docência pressupõe uma ação entre sujeitos, professor(a) e aluno(a), em posições de ensino e de aprendizagem diferentes, embora ambos aprendam e ensinem.

Nessa significação de docência, localizamos o arquivo, constituído de forma descontínua e não descritível na sua totalidade, a partir de discursos que “[...] não têm apenas um sentido ou uma verdade, mas uma história, e uma história específica que não o reconduz às leis de um devir estranho” (FOUCAULT, 2016, p. 155). Com isso, o arquivo também:

[...] consiste em um ponto de vista sobre o discurso e, ao mesmo tempo, na ocasião de sua reatualização incessante. [...] o arquivo perfaz-se apenas pelas suas extremidades – múltiplas, incontáveis, em indefectível profusão. Seu modus operandié o da flutuação (GROPPA AQUINO, 2016, p. 195).

Na superfície forjada pela recorrência discursiva dos enunciados sobre teoria e prática, a dicotomia é visibilizada como uma problemática que constitui tanto a docência quanto a formação de professores (GATTI et al., 2019; TREVISAN, 2011). Ao mesmo tempo, é possível ver uma dificuldade de operar com essas duas dimensões na ordem da indissociabilidade, uma vez que tratar teoria e prática como indissociáveis implica entender – em especial, na docência – que os conhecimentos são constituídos por essas duas dimensões e que, embora seja possível potencializar uma delas na aula, a outra também estará sempre presente, ampliando seu significado. Esse direcionamento, construído nas entrelinhas ou no silêncio do arquivo, parece ser uma aposta qualificada também para trazer a potência da inovação para a aula, de forma que a dicotomia, engendrada no arquivo, seja ressignificada e não mais localizada como uma das mais produtivas composições do arquivo. Se desejamos inovar, é preciso que o arquivo se abra para as condições culturais do contemporâneo de cada época.

Os usos de teoria e prática, visibilizados na historicidade da formação de professores, têm inscrito a dimensão teórica na ordem do pensamento, associada a um conjunto de conhecimentos que é ordenado, encadeado, sistematizado, enquanto que a dimensão prática aparece inscrita, em geral, na ordem da ação, do feito, da concretude da vida. Essas significações, ressonantes a um pensamento abrigado no arco platônico e na doutrina dos dois mundos e forjadas a partir de acontecimentos que potencializam e atribuem valor, ora a uma, ora à outra dimensão, reforçam condições para que a dicotomia teoria-prática se estabeleça como uma verdade da formação e produza formas polarizadas de ver e entender a docência e, de maneira mais ampla, a materialidade do mundo.

Na turbulência entre passado e presente, opera-se com as dimensões teoria e prática como se cada uma delas ocupasse uma região limitada do espaço e do tempo. Isso faz com que as discursividades que envolvem os significados de teoria e prática movimentem, no campo educacional, prescritividades que indicam, na articulação teoria-prática, a maneira mais adequada de tratar essas duas dimensões.

Como que para resolver a polarização, tem sido comum intercalar a teoria com a prática. Em termos do currículo, isso significa adotar um desenho curricular em que haja uma alternância entre disciplinas ou atividades teóricas e disciplinas ou atividades práticas. Essa solução parece repousar no pressuposto de que, mais ou menos por si mesmos, os alunos e alunas serão capazes de integrar a teoria com a prática. Uma outra solução, próxima à anterior, tem sido recomendar que, sempre que possível, tragam-se exemplos práticos para ilustrar os conteúdos teóricos, bem como discussões teóricas para questionar o que vai acontecendo na prática. (VEIGA-NETO, 2015, p. 116).

Esse diagnóstico que prescreve formas de resolver/minimizar os efeitos da dicotomia teoria-prática na educação faz-nos reconhecer que, no arquivo da docência, a prescrição relacionar/articular teoria e práticaé muito potente e produtiva. O que as narrativas dos professores mostram é que a docência se constitui engendrada nos sentidos possibilitados pelos correntes jogos de verdade sobre teoria e prática, o que também tem colocado em tensão a própria subjetividade do professor.

Eu acho que a gente deve buscar acabar com a dicotomia teoria e prática. Deve buscar. Como a gente deve buscar, eu não tenho clareza. [...] como meta, sim; prática minha, ainda não. (Entrevista com professor A).

Eu penso que é difícil juntarmos teoria e prática, e, às vezes, não percebemos que estamos fazendo isso. [...] É difícil. (Entrevista com professor B).

No arquivo da docência, ainda é possível ver enunciações que sinalizam a indissociabilidade teoria-prática, embora ainda alinhadas às discursividades do tempo presente.

[...] cada professor vai buscar trabalhar com as relações teoria e prática, tudo tem teoria e prática, mas o que ocorre é que as coisas não acontecem sempre. (Entrevista com professor C).

[...] sempre se está articulando teoria e prática, um pouco menos, um pouco mais. (Entrevista com professor D).

O que entendemos ser importante marcar é que, ao tomarmos teoria e prática como dimensões indissociáveis, assumimos a não necessidade de articular ou relacionar essas dimensões, uma vez que as entendemos como fundidas uma na outra. Ao advogar pela não essencialidade dos sentidos dados à teoria e à prática, indicamos que tanto teoria quanto prática se inscrevem no domínio das ações humanas, a partir de uma racionalidade que estrutura tais ações de muitas formas. Isso indica que, “[...] imanente a qualquer prática — existe sempre uma teorização, por mais obscura e indefinida que ela se apresente para os olhares menos acostumados com essas questões epistemológicas” (VEIGA-NETO, 2015, p. 118). Essa compreensão parece dar outro sentido à docência e à aula, mais aberto e mais fortalecido pelos significados contemporâneos.

Os entrelaçamentos entre inovação e tradição, já tematizados neste texto, mostram os ecos de um passado ainda produtivo. Na aula, o novo ainda se materializa no apagamento de certa tradição pedagógica que se constituiu na Modernidade. Para abarcar a complexidade do contemporâneo, a aula é posta no jogo, e, em geral, a tradição é contestada. Podemos revisitá-la para reinventá-la? Entendemos que é no jogo da tradição com o contemporâneo que a inovação pode emergir.

[...] estou sempre buscando encontrar coisas novas para os alunos, porque acabou o seu tempo de dar aquela aula somente tradicional, [...] hoje eu trago o material concreto, amanhã eu trago um jogo, depois eu trago um software, depois eu faço uma simulação. Então, eu tenho que trazer coisas [...] porque o aluno de hoje está inserido em muitas mídias, ele está absorvendo muitas informações. (Entrevista com professor E).

Estar associado ao que é entendido como tradicional, neste tempo, parece refutar uma possível vinculação ao discurso da inovação. Os entrelaçamentos discursivos visibilizados nas narrativas dos professores mostram que, na aula, o novo também tem se materializado na inserção de estratégias que se inscrevem na ordem da ação, tanto para o professor que planeja e insere novas formas de ensinar, quanto para o estudante, que é visto como alguém já inserido neste mundo dito inovador. Entendemos que isso pode ser apenas um efeito de metodologias ativas e mais interativas. O que advogamos é em favor de práticas pedagógicas que, usando essas metodologias mais ativas ou, em alguns casos, até metodologias tradicionais, dialoguem com o contemporâneo e se abram para produzir a inovação, uma vez que entendemos que não está, a priori, na metodologia, o gérmen da inovação, mas em como essa metodologia opera com o conhecimento, se de forma indissociável e contemporânea, ou de forma conservadora e dicotômica.

Falando com os alunos da Pedagogia, um tempo atrás, eles não me classificaram como um professor tradicional, no sentido clássico disso, no sentido formal, mas eu continuo sendo um professor que, em vários momentos, vai lá e trabalha com definição, teorema, exemplos, aplicações. Então, eu me acho tradicional, como a maioria de nós, professores de Matemática, ou talvez como todos nós. (Entrevista com professor A).

Ainda que pese a forma como a dicotomia teoria-prática se entrelaça aos significados de inovação, vemos, na possibilidade da ressignificação dos sentidos dessas dimensões, uma forma de viver a complexidade do contemporâneo também na docência. “Inovar não é trocar o sistema tradicional por outro sistema, inovar não é introduzir tecnologia, inovar quer dizer ter a capacidade de estar transformando o processo e cada vez dar respostas a coisas mais complexas na medida em que o tempo vai avançando” (COLÉGIO..., 2016, n. p.).

Na possibilidade de realizar outras escolhas, pode-se fabricar um objeto novo, desbloquear diálogos, constituir outras formas de saber, escrever outra parte no arquivo que, em permanente diálogo com os sentidos indissociáveis de teoria e prática, construa novas memórias e fale de novas verdades. Tomar o conhecimento na sua ampla espessura, considerando as ideias e as coisas feitas no contemporâneo, com as implicações deste tempo, é condição indispensável para a inovação. Condição nem sempre suficiente, mas necessária.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste texto, tomamos a aula inscrita no arquivo da docência para examinarmos os entrelaçamentos entre inovação e indissociabilidade teoria-prática, o que nos possibilitou apontar algumas pistas para compreendermos como a docência contemporânea tem se constituído e se desenvolvido. A aula, posta sob suspeita e analisada pelo viés do discurso da inovação e da indissociabilidade teoria-prática, permitiu-nos analisar descontinuidades, repetições e possibilidades para a docência. Constitui, pois, uma parte do arquivo por meio da qual podemos perceber a história da educação sendo escrita e desenvolvida, as discursividades operando e novos sentidos sendo postos à prova.

Com as análises aqui desenvolvidas, mostramos que, no arquivo da docência, se produzem discursividades que reforçam a dicotomia teoria-prática e a intensificação e celebração do novo. Nessa esteira analítica, problematizamos os sentidos de inovação e colocamos sob suspeita a dicotomia teoria-prática como forma de construir um movimento que perceba os conhecimentos e a vida a partir das complexidades do contemporâneo. A indissociabilidade teoria-prática, nessa compreensão, é uma possibilidade qualificada para pensar a docência, assim como para gerar inovações pedagógicas que levem em conta a complexidade do conhecimento, abrindo acesso a uma construção de memória e de futuro não dicotômica, que não separe o mundo em uma coisa ou em outra, mas que considere outras possibilidades de ação e pensamento.

Ao término deste texto, marcamos alguns encontros. Ao mesmo tempo, afirmamos ternos deixado também encontrar. Situar uma região privilegiada do arquivo – a aula –, ao mesmo tempo próxima e distante de nós, faz-nos entender que “[...] somos diferença. Que a diferença, longe de ser origem esquecida e recoberta, é a dispersão que somos e que fazemos” (FOUCAULT, 2016, p. 169). Acreditamos que essa é a potência da aproximação entre inovação e indissociabilidade teoria-prática – pensar a vida e as relações humanas sob o signo das diferenças, em um quadro matizado de formas, cores, espessuras, cheiros e gostos, e abdicando de uma visão dicotômica que tantas exclusões já produziu e continua a produzir. Com isso, poderemos nos lançar a uma docência que acolhe o outro nas suas singularidades, nas suas belezas, nas suas fragilidades e necessidades.

Por fim, pensamos que entrar em uma relação com os alunos com esse entendimento nos faz compreender o ensino e a aprendizagem sempre na perspectiva de que há um mundo que precisa ser cuidado, pois nele habitam as pessoas, que não só nos acompanham, mas que podem nos tornar melhores ou piores na construção de um sentido de humanidade. Essa docência não terá compromisso apenas com o conhecimento, com o aluno e com sua família. Ela se abre para a cidade, a rua, a vila e o mundo, a partir de uma conversa com a vida fora dela e com todas as vidas e escolas do mundo. Esse é o nosso convite aos professores que vivem o contemporâneo com a presença da Covid-19, neste desafio para ensinar, aprender e viver. Se entendemos que é no contemporâneo que habita o gérmen da inovação, esse é um momento propício para inovar na vida e na docência!

1Compreendemos, com Veiga-Neto (2020, p. 16), a hipercrítica como “[...] uma crítica radical que deve estar sempre disposta a se voltar sobre si mesma e criticar a si própria. Falar em radicalidade significa problematizar constantemente até a perspectiva em que ela se situa e as bases epistemológicas e teóricas sobre as quais se assenta. Nesse sentido, a hipercrítica se coloca na esteira do kantismo, mas assume uma perspectiva contingente e nãometafísica”.

2Com Noguera-Ramírez e Marín-Díaz, compreendemos a prática pedagógica como matriz de experiência, “[...] porque nela se articulam umas com outras pelo menos três dimensões fundamentais que são o resultado histórico das maneiras em que se pratica a educação: ‘primeiro, as formas de um saber possível, segundo, as matrizes normativas de comportamentos para os indivíduos e, por último, [os] modos de existência virtuais para sujeitos possíveis (FOUCAULT, 2009, p. 19)’”. (NOGUERA-RAMÍREZ, MARÍN-DÍAZ, 2017, p. 40-41).

3A cena editada está disponível no linkhttps://youtu.be/9gpRyU1J_R0

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Recebido: 01 de Agosto de 2020; Aceito: 01 de Novembro de 2020

Informações dos autores

Daiane Scopel Boff

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul - IFRS

E-mail:daiane.boff@caxias.ifrs.edu.br

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2860-686X

Link Lattes: http://lattes.cnpq.br/9679635538989977

Antônia Regina Gomes Neves

Serviço Nacional da Aprendizagem Comercial – Senac RS

E-mail:antoniargneves@gmail.com

ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8883-8542

Link Lattes: http://lattes.cnpq.br/8831293083130902

Elí Terezinha Henn Fabris

Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos

E-mail:efabris@unisinos.br

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3622-0289

Link Lattes: http://lattes.cnpq.br/2961121430255733

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