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Revista Teias

versión impresa ISSN 1518-5370versión On-line ISSN 1982-0305

Revista Teias vol.21 no.63 Rio de Janeiro oct./dic 2020  Epub 08-Feb-2022

https://doi.org/10.12957/teias.%y.53881 

Docência, currículo, didática, aula: fantástico arquivo político da diferença

LER, ESCREVER, PESQUISAR: uma metodosofia

TO READ, TO WRITE, TO RESEARCH: a methodosophy

LEER, ESCRIBIR, INVESTIGAR: una metodosofia

Emília Carvalho Leitão Biato1 
http://orcid.org/0000-0002-4358-4558

Karen Elisabete Rosa Nodari2 
http://orcid.org/0000-0002-5027-4857

1Universidade de Brasília

2Pesquisadora da Rede Escrileituras da Diferença e Filosofia-Educação: REDIF (CNPq/UFRGS) e DIF Artistagens, Fabulações, Variações (CNPq/UFRGS)


Resumo

Os pesquisadores da Rede Escrileituras, ao criarem procedimentos inventivos de escritura em espaços autorais de aula, propuseram diferentes métodos de investigação para a tomada dos textos produzidos, movimento que os levou à acolhida do acontecimento, do imprevisível. Este estudo busca identificar as possibilidades investigativas de processos inventivos com a escrita, a partir da retomada de teses e dissertações produzidas no contexto da Rede Escrileituras no período de 2010 a 2018, de modo a ter uma visão de estado de conhecimento acerca dos percursos de pesquisa propostos. Nota-se, nos trabalhos estudados, que há uma disseminação dos sentidos das situações observadas por uma via de experimentações que unem a leitura, a escritura, a didática, o currículo e a formação de pesquisadores-professores e, em consequência, uma multiplicidade de modos na tomada da vida grafada nos espaços de aula.

Palavras-chave: método; escrileituras; aula; transcriação

Abstract

The researchers from Rede Escrileituras when creating inventive writing procedures in Aula authorial space, proposed different investigation methods for taking the texts produced, movement that led them to welcome the event, the unforeseeable. This study demands to identify the investigative possibilities of inventive processes with writing, from the resumption of thesis and dissertations resulting from the Rede Escrileituras studies, from 2010 to 2018, in order to have a view of the state of knowledge about the proposed research paths. It is clear that there is a dissemination of the senses of the situations observed in the works studied through experiments that unite reading, writing, didactics, curriculum and formation of researchers-teachers and, in consequence, a multiplicity of ways in taking life written in the aula spaces.

Keywords: method; writreadings; aula; transcriation

Resumen

Los investigadores de la Red Escrilecturas, creando procedimientos de escritura inventivos en espacios autorales de aula, propusieron distintos métodos de investigación para tomar los textos producidos, movimiento que los llevó a la recepción del acontecimiento, de lo impredecible. Este estudio busca identificar las posibilidades de investigación de los procesos inventivos con la escritura, a partir de la reanudación de tesis y disertaciones producidas en el contexto de la Red Escrilecturas en el período 2010-2018, para tener una visión del estado del conocimiento sobre los caminos de investigación propuestos. Es notable, en los trabajos estudiados, que existe una difusión de los sentidos de las situaciones observadas, a través de experimentos que unen lectura, escritura, didáctica, currículum y formación de investigadores-docentes y, en consecuencia, una multiplicidad de formas en la vida escrita en los espacios de aula.

Palabras clave: método; escrilecturas; aula; transcreación

INTRODUÇÃO

O valor aos gestos de leitura e escrita, na educação basica e no ensino superior, compoe a noção de Escrileituras− um conceito criado por Corazza (2007), que apresenta uma relação indissociavel da escrita-pela-leitura ou da leitura-pela-escrita. A escrileitura expressa a potencia de criação na produção do texto, como um modo de ensinar, aprender e investigar em meio a vida — processos mobilizados por Oficinas de Transcriação1.

O desenvolvimento do projeto Escrileituras(CAPES/INEP) articulou quatro universidades publicas brasileiras — UFRGS, UNIOESTE, UFPEL e UFMT — num exercicio de pesquisa e de ação junto a escolas de educação basica e a universidades. Devido a sua abrangencia, conectividade e potencial criador, o projeto impulsionou a composição da Rede de Pesquisa Escrileituras da diferenca em Filosofia-Educação em 2015. O projeto Escrileituras tinha como um de seus principios, a noção da aula como pratica de corpo inteiro, que envolve experimentacoes de leituras e escritas, entendidas como potencias do pensamento e de uma postura multivalente do leitor, ja que exerce, simultaneamente, a função de coautor. A proposta da escrita como escrileitura entende um texto como sempre aberto as interferencias do leitor e, por isso, escrevivel ou traduzivel de diversas maneiras.

É um conceito, portanto, que insere as acoes do projeto realizado numa dimensao imaginativa de todo texto, permitindo, a cada produção, um gesto de fruição. De fato, torna-se impossivel despregar a escrileitura dos modos de atribuir sentidos, das vivencias, das coisas, do mundo, dos modos de andar a vida, dos processos de criação. Buscam-se, justamente, as brechas, os espacamentos deixados pelos “originais”, por encontrar ai a riqueza da produção de si e do surgimento do novo.

A modalidade de ação proposta se desenvolveu atraves de oficinas de transcriação, espacos didaticos de aula, que tomaram a experimentação como condição necessaria a aprendizagem, desde que funcionasse como convocação de estudantes e professores ao exercicio do pensamento, de forma a traduzir criadoramente os objetos do conhecimento.

Cada oficina foi composta por alguma forma de convite a escrita e a leitura de historias, poesia, musica, telas, desenhos, problemas, romances, fantasias. Os processos disparadores da produção textual poem em cena algo a ser visto, observado, admirado, lido, dito, enunciado, questionado e transformado de modos diversos.

Nos diferentes cenarios das propostas de oficinas de transcriação (OsT), evidencia-se o drama de saberes investigados: como tomar e analisar dados constituidos e observados ao longo e em meio a acoes de Escrileituras? Estivemos atentos as diversidades das propostas, as irregularidades surgidas dos fazeres partilhados em oficinas e das variaveis apresentadas em alternativa a dimensao representacional, tanto em relação aos processos educativos, quanto no que tange aos modos de pesquisar.

Justamente por tomarem, por objeto de estudo, o acontecimento em aula e as producoes escritas dai resultantes, os processos de pesquisa se caracterizaram como o que Jacques Derrida (2001, p. 231) chama de “[...] possibilidades impossiveis de dizer”. As invencoes, as possibilidades do novo, o que chega — como acontecimentos — ocupam o campo do imprevisivel, do que nao esta dado e nao pode ser dito de modo teorico, a nao ser que os tratemos como o impossivel. Uma vez que as aulas buscaram provocar experimentacoes do pensamento e o surgimento do novo na forma de Escrileituras, seus produtos — objeto de pesquisa — podem ser entendidos como o impossivel. A estrutura leitura-escritura em meio a vida carrega e assombra a possibilidade, pois sua vinda e absolutamente nova.

“Dizer o acontecimento é possível?”, o fato de que seja preciso responder por vezes sim e não, deveria nos engajar a repensar todo esse valor de possibilidade que marca nossa tradição filosófica ocidental… Um impossível que não é somente impossível, que não é somente o contrário do possível, que é também a condição ou a chance do possível. Um impossível que é a própria experiência do possível. Para isso é preciso transformar o pensamento, ou a experiência, ou o dizer da experiência do possível ou do impossível (DERRIDA, 2001, p. 244).

Em acolhida aos objetos possiveis e impossiveis — as simultaneidades — este trabalho tem, como objetivo, identificar diferentes abordagens investigativas dos processos inventivos com a escrita, a partir da retomada de saberes e fazeres, analises e estudos, a fim de compor uma visao de estado de conhecimento (SOARES, 1989) sobre os modos de observar, produzir e analisar nas pesquisas desenvolvidas na Rede Escrileituras, entre os anos de 2010 a 2018.

PERCURSOS DESTE ESTUDO

Realizamos um levantamento dos metodos, ou melhor dizendo, da metodosofia de pesquisa utilizada para a produção das Escrileituras. Nao se trata de um neologismo, longe disto, mas ao modo de Corazza (2020), uma vontade de se contrapor ao logos de todo o metodo, aquele que conduz sempre aos caminhos ja conhecidos, como tambem de espremer as palavras, retorcer a lingua e de fazer vibrar as praticas tradicionais de pesquisa em educação. Um movimento que esta atento ao singular, ao traco distintivo, a uma pseudo-unidade de cada metodo de pesquisa, cujo efeito e falseador da revelação do baluarte da verdade. Movimento operacional que busca agregar, ao metodo, a sofia: “[…] um tipo de sabedoria plena de afectos e perceptos, literatura e arte, ciencia e filosofia” (CORAZZA, 2020, p. 2). Para tanto, lancamos mao da produção decorrente da Rede, que esta registrada em dissertacoes e teses, entre os anos 2010 e 2018. Importa destacar que a produção relacionada a Rede se encontra multiplicada em varios trabalhos, aos quais recorremos tambem em alguns momentos, para complementação.

Compusemos um estado da arte a partir do levantamento de pressupostos e procedimentos constituidos como percurso de pesquisa, na relação com cada objetivo dos estudos ligados as oficinas de transcriação. De acordo com Silva e Borges (2018), a pesquisa do tipo estado da arte ou estado do conhecimento apresenta seu valor relacionado a apresentação de pistas sobre como cada estudo foi realizado ao longo do tempo. Ainda Morosini et al(2014, p. 155) entendem o estado de conhecimento como:

[...] identificação, registro, categorização que levem à reflexão e síntese sobre a produção científica de uma determinada área, em um determinado espaço de tempo, congregando periódicos, teses, dissertações e livros sobre uma temática específica.

As autoras ainda destacam, nesse contexto, o valor do novo na pesquisa desse tipo. Especificamente, afirmam que a retomada de trabalhos ja realizados com determinado tema permitem diversos desdobramentos, reflexoes e retomadas.

Tomamos sete dos trabalhos de pos-graduação stricto sensu produzidos no contexto do andamento da Rede Escrileituras como objetos para nosso estudo, com foco na discussao metodosofica. Interessa-nos o percurso de pesquisa para a tomada e a analise da produção escrita nas aulasoficinas. Retomamos cada um e selecionamos alguns elementos de referencia, que podem expressar a diversidade de metodos qualitativos e procedimentos transcriadores adotados no contexto das pesquisas. São eles:

  • 1. Metodo. Como o caminho pode ser nomeado e tecido no desenvolvimento do trabalho.

  • 2. Conceitos mais relevantes que fundamentam o percurso da pesquisa. Uma caracteristica da pesquisa qualitativa e, justamente, a clareza e o aprofundamento dos pressupostos teoricos que servem de sustentação para que se defina o mirante de observação e analise dos acontecimentos. Portanto, buscamos identificar essas bases no corpo das teses e dissertacoes.

  • 3. Concepção de texto. Nao obstante tivessemos, todos, o pressuposto da compreensao do texto como produção partilhada em meio a vida — leitura pela escrita e escrita pela leitura —, ha varios desdobramentos dessa concepção, que se manifestam nos modos como a tomada do texto em maos pode ser proposta. Notamos, portanto, as especificidades da concepção de texto, a partir dos conceitos que foram operados.

  • 4. Tracos da pesquisa qualitativa. Buscamos destacar aspectos da definição de pesquisas qualitativas e as formas tomadas por esses aspectos, postos em relevancia nos diferentes estudos. Destacamos, portanto, a observação dos acontecimentos em seu ambiente natural; a atenção aos detalhes; a experimentação dos pressupostos na composição da realidade; os papeis dos pesquisadores, dos professores, dos estudantes; as diferentes concepcoes de sujeito, entre outros. Assim, nao tentamos encerrar os textos estudados nas categorias estritas do que se chama de pesquisa qualitativa. Ao contrario: buscamos apontar caracteristicas que são caras a esse modo de pesquisar, especialmente em educação, com perspectivas e gestos que possam acrescentar e contribuir com sua composição.

  • 5. Oficina de Escrileituras. Enfocamos as aulas na forma de oficinas de transcriação, em observação e discussao nos trabalhos, ja que eram a fonte para a constituição dos dados das pesquisas.

RESULTADOS: METODOSOFIA DE PESQUISA EM ESCRILEITURAS

Larisa Bandeira (2014), com estudantes de EJA, realizou varias oficinas baseadas na experimentação de textos de Lou-Andreas Salome, AnaisNin e Tsvataieva. O trabalho de Maximo Ado (2013) propos a Oficina de Literatura Potencial e teve como foco dar mais atenção ao processo de criação do que aos resultados e toma-los como o proprio acontecimento. Ambos, em contextos diversos, lancaram mao do metodo biografematico.

O conceito barthesiano de biografema e operado por Costa (2010) como metodo de intervenção e de investigação. A proposta e a de registrar, de forma escrita, os detalhes de uma vida, as raridades que passam despercebidas ou que ainda nao foram significadas e partilhadas no plano cognitivo. Tomam-se, portanto, cortes (como os histologicos), trechos, palimpsestos da produção escrita. Ou seja, fragmentos do vivido capazes de transformar detalhes insignificantes (que nao tinham significação anterior) em signos de escrita, e usar estes signos (especialmente aqueles que podem encantar o leitor) como disparadores de um outro texto. Trata-se da leitura-escritura de uma vida em experimentação e que, por isso, e produzida na potencia da invenção de sentidos. O que e perseguido nesse metodo e, justamente, a invenção de si, entre imaginario e historia biografica.

Pretende-se, que tais dispositivos propiciem o ingresso no campo do vivido, das sensacoes e das invencoes, o que implica, tambem, a passagem entre o tempo dos estoicos: cronos para aion, ou seja, o da duração.

No planejamento das propostas, pretendeu-se dar valor ao vivido, especialmente as sensacoes e invencoes, de modo que as faculdades dos participantes se comunicassem, nao mais num sentido comum, mas entrassem num exercicio disjuntivo, na exploração de deslocamentos. Esta subtração do logos como estrutura pronta e previa, permitiu conectar o pensamento com o seu fora, o devir, com o surgimento de escritas intensivas e potentes (NODARI, CORAZZA, 2019).

A leitura do material produzido, na perspectiva biografematica (em correspondencia com a OsT), traz, para esses textos, a noção de tessitura, uma costura cujos lacos podem se fazer ou desfazer, alem de inventar inumeros sentidos.

Corazza (2010) afirma que nao ha possibilidade do biografema ser previamente determinado, pois realiza-se no percurso e em suas operacoes, pois toma, por objeto, as formas discursivas para, nessas linguagens, observar a vida atravessada pela obra e a obra atravessada pela vida. O conhecimento e tomado como criação e, portanto, o leitor (professor e pesquisador, nesse caso) e, tambem, autor do texto: “[...] a leitura biografematica faz irromper a figura do leitor, nao como o curioso empirico, mas como o ator de uma escritura que ja e, ela mesma, a realização de uma vida possivel”. (COSTA, 2010, p. 123).

Na tentativa de “[...] pegar uma vida de frente” (COSTA, 2010, p. 125), o pesquisador pega incidentes ou o ordinario ou o que o chama. Assim, a pesquisa biografematica nao fixa as articulacoes entre vida e obra. Ao contrario: aponta para os aspectos mais ricos dessa relação.

A dissertação de Alessandra Azevedo (2013) tem, como destaque, tracos de vivencias nas producoes escritas de um grupo de professoras da educação basica. A oficina de transcrição proposta foi o Phonodidaticario: encontros na forma de rodas de conversa acerca do papel da voz do professor e dos alunos, nos espacos-tempos da escola, serviram de provocação a escrita das professoras. O texto resultante, tomado como necessariamente biografico, foi analisado com referencia no metodo Otobiografico.

Otobiografias e o titulo de uma obra de Jacques Derrida (2009), que registra uma conferencia feita em 1976, na Universidade da Virginia, por ocasiao da celebração dos 200 anos da Declaração dos Direitos Humanos. Monteiro (2004) propoe o uso do termo otobiografia, como gesto de pesquisa em Educação, a partir da leitura de dossies produzidos por formandas de Pedagogia. Firma a função do pesquisador, que escuta agucadamente os textos, aquilo para o que ja tem ouvidos, atraves de suas proprias vivencias. Sendo assim, o metodo otobiografico busca realizar uma escuta de vivencias nos escritos, que passa, nao necessariamente, pelas vivencias de quem ouve. Afirma, portanto, os estilos de individuação que se constituem, conforme se misturam aos escritos (OLINI, MONTEIRO, 2016).

Ao discutir o metodo otobiografico, Yatsugafu (2017, p. 95) afirma que as leituras, escrituras e, portanto, assinaturas, se inscrevem no biologico e no biografico.

Todavia, as Ciências Humanas, historicamente, deixaram em um segundo plano — ou mesmo tentaram artificialmente deixar fora de seu fazer científico — a vida, as vivências dos sujeitos envolvidos na produção dos conhecimentos. Nas últimas décadas, entretanto, vemos muitas tentativas de fazer ciência tomando a vida como matéria, mas ainda precisamos romper com formas fragmentadas de conceber e racionalizar historicamente desenvolvidas na ciência.

Idalina Campos (2013, p. 13) propoe a oficina de transcriação Espiritografias de co-criação dialogicas, que se constituiu como “[...] um atelie de experimentacoes espirituais e operatorias que primam pela elaboração do pensar, junção de tres çãoides ― filosofia, ciencia, arte ― em ação dialogica e co-criativa”.

Os encontros com os participantes partiram de um problema — “Um dialogo o que e, para que serve?” (CAMPOS, 2013, p. 54) ―, que funcionou como disparo ao exercicio do pensamento a vasculhar e compor o dialogo atraves de textos literarios. O gesto seguinte, e imbricado a este, foi o de dramatizar o conceito de dialogo, ganhando forca criativa, como obra de arte.

A noção de eu que permeia este metodo e a do espirito como um eu funcional, um eu como uma função do pensamento, inseparavel da materia e aberto a produção de muitos eus. Nesse sentido, o interesse do pesquisador volta-se a riqueza da voz ou vozes que ressoam na escrita, “[...] volta-se para os mecanismos do pensamento-palavra, os quais possibilitam jogos e trocas que quebram os silencios, abrindo espaco para a criação espiritual e seus ecos poeticos e epistemologicos.” (CAMPOS, 2013, p. 77).

O metodo de dramatização constitui-se como uma forma de exploração conceitual, na qual o pesquisador, ao modo de Deleuze (2006a), nao esta interessado na sua definição, mas no seu movimento expresso pelas suas coordenadas espaco-temporais, sendo que as questoes quem, como, quando e onde e que ganham importancia – como num teatro, so que de ideias.

Por tratar-se de um metodo informe, nao se poderia esperar uma formula pronta. Embora Idalina Campos tenha tracado alguns procedimentos, o fez de forma a estar aberta ao inesperado. O foco esteve nas percepcoes dos modos de existir, em suas intensidades, na observação dos devires de desejos, considerando que:

[...] espírito é mutável, fascinante, ele reverbera, desconstrói velhos conceitos, silencia e grita, mistura novas tintas, arrisca caminhos, becos, se hidrata nas fontes, pulsam veias de potência criativa, trajetórias compartilhadas diante da realidade, e com estes componentes, escreve (CAMPOS, 2013, p. 79).

Nesse sentido, o metodo de dramatização indaga pelas forcas e pela vontade de potencia, conforme o vinculo vida e obra e busca detalhes da vida compartilhada, como exercicio de dramatização.

A dissertação de Josimara Schwantz (2015, p. 92) apresenta uma atividade cartografica, no sentido de mapear subjetividades “[...] acionadas durante os rumos de uma vida”, vida docente e suas rupturas com o que e estabelecido pelos metodos de alfabetização. Longe de pretender realizar um trabalho memorialistico, de busca por descobertas sobre a origem do ser, a autora se propos a “[...] olhar atentamente para os deslocamentos”. Seja “[...] dos lugares por onde passou, o que aprendeu e de que forma se instituiu”. Para tanto, a cartografia possibilitou o contato com historias, a partir da construção de territorios que definiram modos de aprender e de constituir-se professora. Caminhos intensivos e extensivos – mapas que assinalarao os lugares de um aprender: das formas e das forcas de uma docente aprendiz.

A tese de doutorado de Emilia Biato (2015) traz o metodo de Timpanização. As oficinas de transcriação propostas tinham a escola e a universidade como espacos e articulavam temas da saude com a produção escrita — Oficina Cartas, Oficina cores, sabores e texturas e Oficina corpoescritura.

Tendo em vista o desenvolvimento do metodo de produção (nas OsT) e de tomada dos textos, a autora se apropriou do gesto de timpanizar, de Jacques Derrida (1991): luxar o timpano, romper com as marcas precisas estabelecidas entre o dentro e o fora, com o modo dualista de pensar sobre leitura e escritura, vida e morte, saude e doenca. Buscou, nas definicoes do metodo de pesquisa, a experimentação da morte da metafisica ocidental. Timpanizar, portanto, foi proposto como uma possibilidade de metodo de investigação. Materializou-se como uma forma de leitura inventiva de producoes escritas sobre corpo e saude.

O metodo de timpanização compoe-se de tres gestos: 1. Tatear escombros, gesto pelo qual a desconstrução do pensamento dualista — estabelecido na metafisica ocidental — e afirmada. Por constatar essa desconstrução, os substratos que sobram servem a manipulação: os destrocos da metafisica ocidental, as nocoes de absolutos e dogmas; 2. Disseminar sentidos, gesto pelo qual são multiplicados os sentidos das palavras. Instaura-se uma desconfianca em relação a fidelidade dos signos, que passam a ser tomados de forma a autoriza-los a serem inventados em novas leituras, interpretados como na afirmação nietzschiana “[...] interpretam-nos nossas vivencias” (NIETZSCHE, 2012). Como o artista veste uma mascara e interpreta um personagem em cena, são propostos fantoches a mais ao texto escrito, em gesto de co-autoria; 3. Criar cadeias suplementares, gesto pelo qual cria-se, de fato, um novo texto, como quem se enche da vontade de escrever (BARTHES, 2005b) e, assim, tece Escrileituras de Escrileituras. Estabelecem-se nexos novos, que se agregam, em cadeia, pensamentos plenos que, juntos, extravasam, passam limites, assumem feicoes improvaveis (BIATO et al, 2017).

E, por fim, a tese de doutorado de Fabiane Olegario (2018) arma um jogo que toma os fragmentos das escritas dos roteiros do grande arquivo (AE) produzido pelo projeto Escrileituras, bem como o arquivo formado por alunos dos cursos de Licenciaturas da UFRGS, entre 2016/1 e 2016/2, denominado de arquivo das licenciaturas (AL) como suas pecas. Sendo que, o proprio movimentos das pecas, ou melhor, e com os fragmentos das escritas que o plano sera tracado, isto e, montado o tabuleiro onde as jogadas irao se desenvolver. Fragmentos a serem transcriados que foram subtraidos de outros textos − resquicios tao proximos e tao distantes de muitas vozes que ecoam e movem o pensamento enquanto escrevemos, valiosa fonte de vida e suas possibilidades. Neste sentido, Fabiane convida a jogar um jogo ideal, uma vez que ele pressupoe movimento, a ausencia de regras pre-existentes, a afirmação de todo acaso a cada jogada fruto de um so e mesmo lancar, alem de nao acarretar em vencedores ou vencidos. Podemos dizer que e um jogo do problema e da pergunta.

Numa tentativa de dar a ver as dissertacoes e teses analisadas em relação ao metodo, apresentamos o quadro abaixo, que mostra um resumo das caracteristicas observadas dos trabalhos em questao (Tabela 1).

Tabela 1 Resumo das metodosofias de pesquisa em Escrileituras 

Autor Método Conceito chave Concepção de texto Traços da pesquisa qualitativa (cf. Creswell, 2014) Oficina de Escrileituras
ADÓ, M. D. L. (2013) Biografema A literatura potencial espera e necessita do leitor para realizarse plenamente O texto é como um jogo que se joga a dois, sem que os dois jamais se encontrem O pesquisador se posiciona e apresenta seus valores no trabalho Oficina de Literatura Potencial
AZEVEDO, A. C. A. A. (2013) Otobiografia (PEREC; VALÉRY) O texto, inevitavelmente, deixa rastros de vivências de seu autor Atenção ao percurso de pesquisa, modificando questões conforme o problema de pesquisa necessitava Phonodidaticário
SCHWANT Z, J. W. Cartografia Escuta de vivências na voz e nos escritos (NIETZSCHE; DERRIDA) Construção de um território Apresenta, como pressuposto epistemológico, aproximação com os participantes Filodança
(2015) Dramatização História de uma vida Vida compartilhada Busca por detalhes dos acontecimentos Espiritografias de cocriação dialógica
CAMPOS, M. I. K. (2013) Biografema (DELEUZE; KASTRUP) Escrita de vida aberta a novas possibilidades de dizer Afirma a ideia de múltiplas realidades, tanto dos pesquisadores quanto dos participantes Várias oficinas biografemáticas
BANDEIRA, L. V. V. (2014) Timpanização Informe O texto abre possibilidade à disseminação de sentidos Experimenta preceitos e pressupostos na observação dos acontecimentos Oficina Fantasias em cores, sabores e texturas; Oficina corpo-escritura; Oficina Cartas
BIATO, E. C. L. (2015) Agenciamento (DELEUZE; VALÉRY) O leitor/jogador é levado a repetir o texto, fantasiando- o mais uma vez, de modo que os afetos produzidos no decorrer da leitura sejam extrapolados e produzam textos transcriados Os arquivos herdados serão trabalhados de modo crítico, seletivo e criador Arquivos dos quatro núcleos de Escrileituras e das Licenciaturas da UFRGS entre 2016/1 e 2016/2

Fonte: BIATO; CORAZZA; NODARI, 2019.

DISCUSSÃO: TRÊS MARGENS METODOSÓFICAS

Como eram muitos apanhados de diferentes e multiplas vivencias, cada movimento de aproximação investigativa ganhou nuances proprias. Os objetos de estudo — embora comuns em aspectos como a realização de aulas como oficinas, o foco nas Escrileituras, o uso de elementos imaginativos, o empenho por melhorar o IDEB na escola —, puxaram, eles mesmos, vias de pesquisa, e firmaram diferentes mirantes de investigação.

Diante das perspectivas que compoem o pensamento nas pesquisas estudadas aqui, frente ao material que foi produzido em exercicio de olhos, ouvidos e maos (NIETZSCHE, 2011), acolheuse a composição de uma pesquisa do possivel e do impossivel. Pesquisamos o impossivel e, portanto, encontramo-nos em um lugar marginal. Margens caracterizam-se como espacos de definição pouco clara: diferente das marcas, que se apresentam com precisao e definem limites claros, como o dentro e o fora, as margens deixam penetrar, são provisorias, permeaveis. Por habitarem margens, as Escrileituras se apresentam em “[...] fachos de olho” (FOUCAULT, 2006, p. VII), e e necessario que se assuma o perspectivismo como modo de interpreta-las (BIATO, 2015, p. 40).

Ocupando esse lugar pantanoso e impreciso, elegemos aqui tres margens como mirantes para, a partir deles, discutir os metodos de pesquisa estudados aqui: 1. A vontade e a necessidade de escrever; 2. Datar e assinar; 3. Nome de morto.

A vontade e a necessidade de escrever

Parece ter havido um empenho na escolha e na proposição de metodos capazes de dar a ver a vontade de escrever (BARTHES, 2005b) e, ao mesmo tempo, da necessidade de escrever. A vontade de escrever caracteriza a leitura faminta de quem toma o texto de forma encantadora e provocadora do impulso de escrever. O passar dos olhos chama as maos, num desejo de compartilhar a autoria — “[...] porque eu nao a fiz eu mesmo… quero juntar-me ativamente ao que e belo” (BARTHES, 2005b, p. 14).

A autocomédia do intelecto não se interessa por uma história da verdade; mas por uma narrativa de sua própria potência como contingência de composição. Um escrever que funcione, apenas, como experimento do trabalho de alguém que escreve (ADÓ, 2013, p. 39).

Maximo Ado (2013) apresenta o escrever como narrativa de potencia e como experimento de quem escreve. Ao dispararem movimentos tradutorios, as oficinas de transcriação realizaram um movimento livre da fixação dos sentidos originais das materias ou conhecimentos previos, de forma a provocar a vontade de escrever em modos novos de dizer e ensinar as coisas, como experimento. Tanto os pesquisadores quanto os participantes das oficinas foram instigados a traduzir elementos do vivido em articulação com provocacoes de leitura; foram acoes que incluiram amarracoes de sentidos, em nexos improvaveis.

Assim, o trabalho de Ado apresenta, como sua precondição, tres caracteristicas do gesto de escrever: escrever como um escritor classico, escrever atento as proprias regras (criadas) e escrever — pois isso consiste em experimentar a Educação — em ideias que sucedem umas as outras.

A vontade de escrever e um valor expresso nos percursos das pesquisas. No entanto, de forma indissociada, a necessidade de escrever tambem transparece como objeto de estudo e os metodos de investigação precisam dar a ver esse elemento. “A literatura potencial e aquela que espera um leitor, aquela que o espera e o necessita para realizar-se plenamente” (ADO, 2013, p. 74), ja que um texto precisa do escritor tanto quanto um escritor necessita escrever.

Fabiane Olegario concebe o leitor como jogador, pois ao ler lanca mao de estrategias inventadas para compor novas cenas para o texto. Sendo que e pela via da leitura que as palavras ganham vida. De modo que ao ler, o leitor abandona, imediatamente, o papel de espectador, ou melhor, o texto convoca o leitor a integrar a cena. “E o leitor quem movimenta as linhas do texto, da ritmo as palavras, mobiliza a sonoridade das letras, rouba pedacos aqui e ali. [...] O leitor toma as palavras como pequenos dados capazes de inumeras possibilidades combinatorias (OLEGA- RIO, 2018, p. 17). Uma vez que e da propria natureza do texto viver em maos alheias, como o jogo do anel, que passa de mao em mao, a convocar o leitor a compor com os fragmentos, a produzir um novo texto. Portanto, leitura nunca estara desvinculada da escritura. Ha nessa relação um jogo em que leitor-jogador cria para si determinadas regras quando le e escreve, mediante movimentos operados por duplas capturas que ocorrem entre leitor-escritor e o texto.

Ao ser perguntado sobre a riqueza de seus objetos, criados como obras de arte, Bispo do Rosario afirma que nao se deleita em suas manufaturas, nao funcionam como uma escrita de prazer (BARTHES, 1987). Relata que tudo o que faz, so faz porque precisa. Recebe ordens da santa e obedece, como vemos numa entrevista com ele: “[...] eu escuto uma voz, e e essa voz que me obriga a fazer tudo isso… eu recebo as ordens e sou obrigado a fazer” (HIDALGO, 2012, p. 273).

De modo semelhante, Rainer Maria Rilke (2006, p. 25) sugere a um jovem poeta que ele se questione profundamente na madrugada: “[...] preciso escrever?”. E que investigue o mais intimo de seu coração, para sondar se morreria, caso fosse proibido de escrever. Se a resposta fosse afirmativa, entao, que construisse toda a vida em função dessa necessidade.

Os metodos das oficinas e, por conseguinte, os metodos de pesquisa adotados, queriam criar e ver a necessidade de escrever. Larisa Bandeira (2014, p. 29) escolhe os textos a serem usados na oficina a partir de alguns criterios, dentre eles os que abriam questoes:

De qualquer gênero, os textos que possibilitaram a formulação de questões eram os que, quando percebiam a inexistência de problemas, os criavam durante a leitura de suas palavras; os que atacaram e foram atacados pela necessidade exigente de anotações nas orelhas da folha, pelo sublinhar de suas linhas, pelo levantar das cabeças durante a leitura.

Na resenha de Ainda escrever, Biato (2018) afirma que se trata de um livro que se le levantando a cabeca, justamente pelo correr de ideias, pelo que instiga, por suas conexoes e suscitar de vozes. Importa despertar a vontade de escrever e, de forma quase imperativa, suscitar abertura de caminhos a necessidade vital de escrever.

Datar é assinar

A expressao “datar e assinar” e de Jacques Derrida, na conferencia Otobiografias (DERRIDA, 2009, p. 41). A data que, naturalmente, estabelece um marco e define um limite, aqui toma a feição da assinatura de um nome supostamente proprio. Cada oficina estabeleceu, a priori, diversos procedimentos e pressupostos a serem adotados e realizados no contato com os participantes. Embora haja alguma dureza de planejamento de acoes, tracado de objetivos e expectativas de resultados; embora existam datas — espacos e tempos —, essas se caracterizam como gestos. Datar e assinar. E uma assinatura e sempre a performance de alguem, seu modo singular de dizer e afirmar o que disse, de rascunhar e rabiscar um nome criado. São “[...] supostamente proprios” os nomes assinados (DERRIDA, 2009, p. 13), justamente por carregarem as vias inventivas do tornar-se o que se e.

Nota-se, aqui, que os metodos de produção de dados — os dados nao existiam a priori, mas foram se constituindo no decorrer da pesquisa-ação — surgem da realização de oficinas, entendem a escrita como inseparavel da leitura, e a escrileitura como inseparavel da vida. Nesse sentido, são identificadas algumas datas: as oficinas marcadas e o texto tomado como objeto de estudo, potente para articular teoria (que fundamenta o projeto) com pratica (de aula, de investigação, de pensamento). De modo que, as pesquisas desenvolvidas destacam o tempo da vida, o tempo do relato da vida, da escritura da vida pelo vivente, enfim, a data da autobiografia (DERRIDA, 2009).

A consideração de que datar e assinar levanta o carater inventivo de cada oficina proposta. Ve-se, nesse sentido, tanto a necessidade quanto a possibilidade de lancar mao de metodos de pesquisa diversos, de forma a atender a analise dos diferentes dados constituidos.

A questao e que nao ha possibilidade de assinar sem deixar rastros da letra e dos movimentos do corpo. Vimo-nos, portanto, diante do desafio de articular as acoes inventivas das OsT com principios metodosoficos investigativos.

Vale lembrar a discussao feita por Denise Gastaldo (2012) sobre pesquisadores que se encontram com a tarefa de explorar alternativas para “[...] pensar, falar e […] remodelar as metodologias de pesquisa, para que elas nao se constituam como ferramentas de reprodução social” (GASTALDO, 2012, p. 10). Foi o que os pesquisadores realizaram: observaram as producoes de aula, e as estudaram, investigaram, refletiram sobre elas — gestos de quem assina com um nome supostamente proprio.

Nome de morto

Opera-se com uma assinatura de quem escreve, numa logica de vivente (DERRIDA, 2009). No entanto, importa dizer que o vivente e a aquele que tem vivencias e que essas servem de alimento aos instintos e ao tornar-se o que se e (NIETZSCHE, 1995); que nao controlamos e nem racionalizamos as vivencias, mas ainda assim, e possivel associar o viver com o inventar (NIETZSCHE, 2004); que a frase eu vivo pressupoe a morte do vivente, pois a vida e tragica — nada me pertence e as coisas mesmas sempre me escapam — e no momento em que chamamos o nome do vivente, o portador desse nome ja esta morto.

Nossas pesquisas estudam o vivente e, portanto, inclui-se ai, um movimento aditivo — vida e morte. Em um esforco minucioso, lidamos com um nome de morto, com os personagens criados e as ficcionalidades do vivente. Destaca-se, portanto, que os metodos estudados aqui nao se colocam em busca de um querer dizer, de desvelamentos, e nem da verdade.

Por exemplo, ha um empenho do metodo biografematico em discernir vidarbos — a vida nao justifica a obra, mas e sobreposta a obra que atravessa a vida (CORAZZA, 2010). Sua materia se compoe de indiscerniveis vividos e escritos. O metodo de timpanização se propoe a ocupar lugares marginais — sem limites precisos — tendo em vista a observação de objetos indecidiveis, como forcas constituidoras de si, sempre em luta, como saude e doenca, vida e morte, leitura e escritura (BIATO, 2015).

No caso das pesquisas em estudo aqui, ha um esforco de superação da busca por identidades — a identidade associada com a generalização (DELEUZE, GUATTARI, 2006b) — em direção a “[...] audacia de pensar a docencia diferentemente do que ja se pensou ou se pensa […] em seus efeitos e experimentacoes imprevisiveis” (CORAZZA, 2018, p. 4). Para tanto, ocupam-se lugares marginais — a margem, diferentemente da marca, nao tem limite preciso — segue-se o conselho derridiano de procurar “[...] los bordes, los tabiques, los corredores” (DERRIDA, 2009, p. 40). Buscam-se as bordas — margens —, as particoes — e tambem os cortes, os palimpsestos de que diz Barthes (2005a) —, os corredores — trechos, pedacos, minucias. Sempre com olhos, ouvidos e maos agucados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Das tres margens ocupadas para discutirmos a metodosofia de pesquisa em Escrileituras, parece nitido que os estudos que apresentam influencias nietzschianas, pos-estruturalistas e pensamento da diferenca levantam a necessidade de modos correspondentes de questionar, tomar e analisar (MEYER, PARAÍSO, 2012). Reconhece-se que o proposito de Nietzsche, Derrida, Deleuze; Guattari e Barthes nao foi o de estruturar metodos de pesquisa, no entanto, suas obras inspiram diversos modos de observação de acontecimentos, ensaios de perspectivas e experimentação do pensamento. Nesse sentido, seus pressupostos servem a constituição de metodos de investigação. Trata-se de pressupostos que necessariamente mobilizam o pensamento e demandam empenho “[...] de invenção e ressignificação” (MEYER, PARAÍSO, 2012, p. 23).

Ao pesquisador, coube a tarefa de criar metodos como um trabalho ficcional que, segundo Olegario (2018), envolve um desfazer, refazer e fazer, ou seja, arranjos territoriais impulsionados pelo desejo a originar um novo territorio pleno de agenciamentos (DELEUZE, GUATTARI, 2011).

A pesquisa foi tomada, portanto, como a experiencia labirintica de Ariadne, noiva de Dioniso. A Ariadne, que por um lado, diz da figura moderna, cartesiana, aponta, tambem, para outras licoes: escutar palavras que criam sentido, que produzam o novo, que facam surgir o inedito. Passa, portanto, a um percurso labirintico, como criadora de caminhos, de perspectivas, de multiplas faces que falam das coisas, das ideias e dos valores (MONTEIRO, BIATO, 2008). Com isso, produzir conhecimento a partir da pesquisa se configura mais como criação do que descoberta. Na experiencia com pesquisa em leitura-escritura, nota-se a impossibilidade de se tomar em absoluto os objetos das investigacoes, pois foi perceptivel que as oficinas suscitaram diferentes pontos de vista, diversos caminhos e, portanto, maior riqueza na produção de conhecimento.

Os seis trabalhos abordados aqui apresentaram metodosofias de pesquisa diversos e diferentes usos destes — Biografema, Otobiografia, Cartografia, Timpanização e Dramatização. As metodosofias se mostraram uteis para a observação de elementos como a vontade e a necessidade de escrever, para destacar a assinatura performativa dos textos, em tracos simultaneos de vivencias e de morte, com destaque para ao carater autobiografico de toda produção escrita: potencias de escrever, ensinar, aprender e afirmar a vida.

1Oficinas de transcriação são espaços-tempos didáticos de aula, dedicados a possibilidades criadoras e à fluidez do pensamento. Podem ser de artes, filosofia, movimentos corporais, música, e sempre pretendem provocar o pensamento de forma inaugural, tendo em vista a produção de sentidos novos, mesmo para signos antigos e já conhecidos.

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Recebido: 01 de Agosto de 2020; Aceito: 01 de Novembro de 2020

Informações das autoras

Emília Carvalho Leitão Biato

Universidade de Brasília

E-mail:emiliacbiato@yahoo.com.br

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4358-4558

Link Lattes: http://lattes.cnpq.br/1776414386448708

Karen Elisabete Rosa Nodari

Pesquisadora da Rede Escrileituras da Diferença e Filosofia-Educação: REDIF (CNPq/UFRGS) e DIF Artistagens, Fabulações, Variações (CNPq/UFRGS)

E-mail:kernodari@gmail.com

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5027-4857

Link Lattes: http://lattes.cnpq.br/6164914852306755

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