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Revista Teias

versión impresa ISSN 1518-5370versión On-line ISSN 1982-0305

Revista Teias vol.22 no.64 Rio de Janeiro ene./mar 2021  Epub 30-Jul-2021

https://doi.org/10.12957/teias.%y.50079 

Artigos de Demanda Contínua

AS RAZÕES DA PERMANÊNCIA ESCOLAR NO PROEJA: narrativas dos trabalhadores-estudantes sertanejos

THE REASONS FOR SCHOOL PERMANENCE IN PROEJA: narratives of student workers sertanejos

LAS RAZONES PARA LA PERMANENCIA ESCOLAR EN PROEJA: narrativas de estudiantes trabajadores sertanejos

Jailson Costa da Silva1 
http://orcid.org/0000-0001-5078-3603

Marinaide Lima de Queiroz Freitas2 
http://orcid.org/0000-0003-3659-4165

Suzi Cristiane Soares da Silva3 
http://orcid.org/0000-0003-2705-9726

1Instituto Federal de Alagoas (Ifal – campus Piranhas)

2Universidade Federal de Alagoas (Ufal)

3Instituto Federal de Alagoas (Ifal – campus Piranhas)


Resumo

O artigo tem por objetivo apresentar as razões da permanência escolar dos sertanejos-trabalhadoresestudantes que, motivados pelo sonho e pela determinação, permaneceram no Curso técnico de nível médio integrado em alimentos, no âmbito do Proeja, do Instituto Federal de Alagoas (Ifal) – campus Piranhas. Utilizamos o método de história de vida como ponte entre o individual e o social com base em Cipriani (1988) e Paulilo (1999). As narrativas foram construídas por meio da técnica da entrevista de História de vida (Queiroz, 1988). As vozes dos narradores, utilizadas como fontes, demonstraram que os motivos da permanência são oriundos da cooperação e solidariedade entre os colegas, apoio familiar, incentivo de alguns professores, e pela existência material de: transporte, materiais didáticos e auxílio financeiro. Nesse sentido, envolveu as permanências simbólica e material.

Palavras-chave: narrativa; permanência escolar; trabalhadores-estudantes

Abstract

This paper aims to present the reasons for the school permanence of the sertanejos-workers-students who, motivated by their own dreams and determination, remained in the food science course of a vocational high school which is part of the Proeja at Federal Institute of Alagoas (Ifal) – Piranhas campus. We used the life history method as a bridge between the individual and the social based on Cipriani (1988) and Paulilo (1999). The narratives were built using the technique of the Life history interview, (Queiroz, 1988). The voices of the narrators, used as sources, show us that the reasons for the permanence come from cooperation and solidarity among colleagues, family support, encouragement from some teachers, and from the material existence of: transportation, teaching materials and financial aid. In this sense, their permanence involved both symbolic and material needs.

Keywords: narrative; school permanence; student workers

Resumen

El artículo tiene como objetivo presentar los motivos de la permanencia escolar de los sertanejos-trabajadores-estudiantes que motivados por el sueño y la determinación se mantuvieron en el Curso Técnico Integrado en Alimentos, dentro del ámbito del Proeja, del Instituto Federal de Alagoas (Ifal) - campus Piranhas. Utilizamos el método de la historia de vida como un puente entre lo individual y lo social con base en Cipriani (1988) y Paulilo (1999). Las narrativas fueron construidas por medio de la técnica de la entrevista de Historia de vida, (Queiroz, 1988). Las voces de los narradores, utilizadas como fuentes mostraron que las razones de la permanencia proviene de la cooperación y la solidaridad entre colegas, el apoyo familiar, el estímulo de algunos maestros, y por la existencia material de: transporte, materiales didácticos y ayuda financiera. En este sentido, involucró permanencias simbólicas y materiales.

Palabras clave: narrativa; permanencia escolar; estudiantes trabajadores

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Considerando a preocupação existente no campus Piranhas1 sobre a continuidade do curso denominado Técnico de nível médio integrado em alimentos, no âmbito Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (Proeja), tendo em vista o alto índice de evasão – com a culpabilidade sempre focada nos sertanejos-trabalhadores-estudantes2 –, aguçamos a nossa curiosidade epistemológica para estudar a permanência escolar, por meio daqueles que concluíram o referido curso no ano de 2019. Esta iniciativa, na nossa compreensão, poderá contribuir para refletir sobre o curso, na perspectiva de dialogar com os outros campi do Instituto Federal de Alagoas (Ifal), que também estudam essa problemática, tendo como foco o Proeja, na busca de implantar uma política de permanência, na tentativa de superar as ações fragmentadas que o Instituto tenta realizar.

Nesse contexto, o Grupo Interdisciplinar de Pesquisas em Educação de Jovens e Adultos (Gipeja – Ifal/CNPq), em articulação com outros estudos de permanência escolar, relacionados ao Proeja, a exemplo Cardoso (2016)3, Amorim (2020)4, assumidos pelo Grupo de Pesquisa Multidisciplinar em Educação de Jovens e Adultos (Multieja – Ufal/CNPq), desenvolveu uma pesquisa (2019-2020)5 denominada “Permanência escolar na Educação de Jovens e Adultos: narrativas dos trabalhadores-estudantes do Proeja6”, com o objetivo de compreender as razões dos estudantes que chegaram à conclusão do curso técnico de nível médio integrado em alimentos, indagando os estudantes que permanecem: por que o fazem? Quem são eles?

É uma investigação de abordagem qualitativa, tendo por base o método de História de vida, e conta com o apoio de Cipriani (1988) e Paulilo (1998), pesquisadores que ressaltam que esse método nos permite fazer uma ponte entre o individual e o social. Utilizamos, também, a técnica da entrevista que tem a mesma denominação (QUEIROZ, 1988) com o foco nas narrativas dos sertanejos-trabalhadores-estudantes do referido curso, como fonte que envolveu, também, a história de escolarização de mulheres e homens da EJA, de um dos sertões de Alagoas.

Concordamos com Cipriani (1988), quando nos mostrou a oportunidade de diagnosticar que, por meio desse Método, a possibilidade de perceber que o discurso dos nossos narradores foi marcado pela espontaneidade e pela boa relação interpessoal que vivenciamos, dando espaço “[…] à emergência dos fatores cruciais de uma vivência pessoal, que não é jamais somente individual, mas profundamente inserida no corpo social. Não se trata, portanto, de psicologia intimista, mas de escavações no microcosmo para nele entrever o macrocosmo” (CIPRIANI, 1988, p. 122).

Por sua vez Paulilo (1999) diz que é por meio da história de vida que podemos captar o que ocorre no cruzamento do mundo individual com o mundo social, tendo em vista “[...] a imersão na esfera da subjetividade e do simbolismo, firmemente enraizados no contexto social do qual emergem” (PAULILO, 1998, p. 136), permitindo alcançar, de forma minuciosa, aspectos do cotidiano dos sertanejos-trabalhadores-estudantes, partícipes da pesquisa.

Nesse contexto, a entrevista de história de vida ocupa um lugar fundamental uma vez que “[…] se define como relato de um narrador sobre a existência através do tempo, tentando reconstituir os acontecimentos que vivenciou e transmitir a experiência que adquiriu” (QUEIROZ, 1988, p. 20) com narrativas que delineiam “[…] as relações com os membros de seu grupo, de sua profissão, de sua camada social, de sua sociedade global, que cabe ao pesquisador desvendar.” E nesse sentido é importante o entrevistador perceber que o narrador ultrapassa o caráter individual do que foi transmitido, para se inserir nas coletividades a que pertence.

Dessa forma, foi possível, por meio das entrevistas que realizamos com os sujeitos sertanejos-trabalhadores-estudantes, captar o que sucedeu nas encruzilhadas da vida pessoal e de escolarização, a partir das peculiaridades de suas narrativas. E, para isso, contamos como o apoio dos teóricos Benjamin (2012, p. 220) para quem, diferentemente da informação, que só tem valor enquanto novidade, a narrativa “[…] não se esgota jamais. Conserva suas forças e depois de muito tempo ainda é capaz de desdobramentos”; bem como de Larrosa (2002, p. 21) para quem “[...] a experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca”.

O uso da entrevista história de vida deixou em nós um aprendizado, proporcionou-nos traços da subjetividade nas reações dos entrevistados, diante das perguntas dos pesquisadores, nos ajudando a compreender os significados dos acontecimentos vividos por esses sujeitos. Buscamos, em todas as entrevistas, interagir com os interlocutores, na intenção de permitir que narrassem suas experiências de maneira espontânea. Essa técnica atuou como um instrumento privilegiado para análise e interpretação que fizemos,

[…] na medida em que [incorporou] experiências subjetivas mescladas a contextos sociais. [Forneceu], portanto, base consistente para o entendimento do componente histórico dos fenômenos individuais […] (PAULILO, 1998, p. 142-143).

As entrevistas, gravadas e transcritas em 2019, aconteceram em dois momentos. O primeiro deu-se de forma coletiva, com a participação dos trabalhadores-estudantes, no próprio campus, onde inicialmente explicamos o que pretendíamos com as entrevistas e a importância da participação de cada um para o avanço do desenvolvimento educacional. O segundo momento de maneira individual, considerando as mesmas questões utilizadas na entrevista coletiva. Esses momentos foram muito significativos na construção dos dados do estudo em foco.

Este artigo é composto de quatro momentos. No primeiro, dedicamo-nos a apresentar considerações sobre o curso Proeja/alimentos no âmbito da educação de jovens e adultos. No segundo, privilegiamos o contexto da pesquisa – a cidade de Piranhas – sertão alagoano. No terceiro, apresentamos o perfil dos sertanejos-trabalhadores-estudantes narradores da pesquisa. No último momento, debruçamo-nos sobre as histórias de vida/escolarização dos sujeitos narradores que demonstraram as razões da permanência escolar no Proeja.

O CURSO PROEJA/ALIMENTOS

O curso técnico de nível médio integrado em alimentos do Instituto Federal de Alagoas (Ifal), campus Piranhas, teve início no ano de 2016. Tem por objetivo a formação profissional de trabalhadores-estudantes, compreendendo a importância social da modalidade EJA no sertão alagoano, por permitir, além da preparação para o trabalho, o exercício da cidadania. Até o primeiro semestre de 2019 –, o curso contava com seis turmas, totalizando 120 alunos matriculados, sendo que a turma foco da pesquisa será a primeira a se formar desde a implantação do citado curso.

Os participantes matriculados vivenciaram um processo seletivo simplificado, sendo necessário, apenas, comprovar a conclusão do ensino fundamental e tendo como exigência a idade mínima de 18 anos. Com uma demanda crescente, tornou-se necessário definir critérios de desempates, a exemplo, da idade (em relação a ser mais velho), e ter mais tempo de afastamento do âmbito escolar. O curso vem se constituindo em um espaço privilegiado de formação dos jovens, adultos e idosos sertanejos, que no nosso entendimento reafirma a educação profissional e tecnológica como direito público. Tem tido grande importância no retorno desse público à escola, dando uma nova perspectiva de vida na comunidade sertaneja aos sujeitos que outrora foram inviabilizados de concluírem a escolarização, mesmo sendo pessoas que têm “[…] saberes produzidos no cotidiano e na prática laboral. Formam grupos heterogêneos quanto à faixa etária, conhecimentos e ocupação” (BRASIL, 2007, p. 45).

O fato de a escolha do curso ser técnico em alimentos na modalidade EJA deu-se a partir da análise do contexto econômico da região, que tem alta escassez de empregos, e em sua maioria se estabelecem na produção pecuária e na produção agrícola, uma vez que:

A economia básica do município está apoiada na atividade agropecuária. A grande concentração de propriedades rurais, a insuficiência de recursos naturais aproveitáveis, a baixa produtividade da lavoura – em razão da escassez de solos adequados à agricultura […] (SILVA, 2003, p. 57).

No entanto, é um espaço de turismo nacional e internacional, com hotéis, pousadas e restaurantes, e o curso integrado em alimentos poderá ser o “pontapé” inicial para os trabalhadores, que buscam ocupar outros lugares no mundo do trabalho, tornando possível uma nova visão acerca de atividades que, por ora, são vistas como insatisfatórias.

O campus de Piranhas conta com uma estrutura física que pode ser utilizada por esses sujeitos não só nos horários das aulas, mas também em contraturno, a depender das suas disponibilidades e, aos poucos, mais espaços vão sendo abertos às turmas da EJA. Observamos que o sertanejo-trabalhador-estudante, na maioria das vezes, só dispõe do espaço do campus para a realização de trabalhos escolares.

PELOS SERTÕES: O CONTEXTO DA PESQUISA

Em nossas pesquisas sobre o sertão, apresentamos contrapontos à história contada acerca desse local e dos seus habitantes. É que as suas histórias foram e, ainda são marcadas pelos discursos hegemônicos que ditaram e continuam a ditar o que lhes convém a respeito do sertão e do seu povo. O estigma que se tem é que essa região advém do projeto de dominação colonial que se perpetua nos discursos das correntes hegemônicas do nosso país, que lutam, constantemente, pela dominação dos poderes e dos saberes.

Isso não aconteceu e não acontece por acaso. É que o conceito de sertão, segundo Melo (2006, p. 81), foi grafado, a princípio, pelo imaginário do colonizador português que, sob o seu ponto de vista, assim o caracterizava. Significou à época da colonização que “[...] o índio, assim como, posteriormente, o negro, escravo minerador, não eram contados como habitantes, como sujeitos”. Os índios traduziram-se em símbolo da barbárie, vistos como “[...] um obstáculo ao avanço da colonização, por isso deveriam ser extintos ou dominados para servirem como escravos”. Esse conceito provocou uma dicotomia que caminhou e caminha na seguinte direção: “[…] sertão versus litoral; barbárie versus civilização; natureza bruta versus cidade ou sertão versus cidade; avançado, moderno, desenvolvido versus atrasado” (MELO, 2006, p. 83). Compreendendo o sertão como um espaço de pluralidade, buscamos apresentar as peculiaridades do sertão piranhense, um dos muitos sertões alagoanos.

A cidade histórica de Piranhas, com suas belas paisagens, era conhecida como Tapera7. A ocupação das suas terras deu-se inicialmente pelas famílias Feitosa e Alves, passou a ser chamada pela denominação Piranhas de baixo.

Piranhas recebeu8 o imperador D. Pedro II em 1859, e acredita-se que após essa visita viu-se a necessidade da implantação da estrada de ferro Paulo Afonso9, cuja construção foi de 1878 a 1881, mas, segundo Correia (2015), esse pretexto foi usado como justificativa para a concessão de um crédito extraordinário, e o verdadeiro motivo visava unicamente ao lucro do gabinete imperial, aproveitando-se da mão de obra ociosa encontrada ali, que realizaria os trabalhos por reduzida gratificação.

Com o término da construção da estrada de ferro, ocorreu o desenvolvimento econômico na localidade, que prosperou economicamente, e elevada à categoria de Vila, por meio da lei provincial nº 964 de 20/07/1885, e o seu desanexo de Pão de Açúcar10 em 03/06/1887 pela lei provincial nº 996. No ano de 1910 tornou-se Comarca, e em 1911 aconteceu a divisão administrativa em dois distritos: Piranhas e Entremontes11 e em 1930 foi elevada à categoria de Cidade.

Outro acontecimento significativo foi a chegada da Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf) nos anos de 1980, com a intenção da instalação da hidrelétrica, que Silva (2003) narra como “[…] uma das usinas hidrelétricas mais modernas do Brasil […]”, o que impulsionou mais uma vez a economia. A partir disso houve a expansão do seu território, com a conclusão da construção da usina em 1987, fato que contribuiu para a ampliação da cidade, pois houve forte demanda para abrigar os trabalhadores da usina.

A cidade é tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e possui belíssimos casarios; um museu que conta a história não só da cidade, mas também do fenômeno do cangaço; e um mirante secular, onde é possível ter uma vista admirável da cidade. No ano de 2003, o IPHAN formalizou a nível federal o tombamento, tornando a cidade a única do semiárido tombada em três níveis: proteção do território, proteção à cidade, e proteção ao distrito de Entremontes.

No âmbito de oportunidades de escolarização, a cidade possui, além do Ifal; apenas duas escolas estaduais12 que oferecem nível médio na esfera pública, ambas construídas pela Chesf, e, hoje, apenas uma delas oferece a modalidade EJA.

OS SERTANEJOS-TRABALHADORES-ESTUDANTES NARRADORES DA PESQUISA

Os narradores deste estudo são os sujeitos da experiência, definidos por Larrosa (2002, p. 24), que “[…], por sua abertura. […] de uma passividade feita de paixão, de padecimento, de paciência, de atenção, como uma receptividade primeira, como uma disponibilidade fundamental, como uma abertura essencial”, que enriqueceram nossa pesquisa com suas histórias de vida.

Consideramos esses sujeitos praticantespensantes13, comumente tidos como ingênuos pela condição de serem sertanejos, na perspectiva da escola e também no Ifal, particularmente, no campus Piranhas, mas são considerados, no nosso estudo, como ativos a partir do reconhecimento dos seus saberes e das suas culturas.

Reconhecê-los como produtores de culturas requer, o que nos diz De Certeau (2012), considerarmos e defendermos a necessidade da construção de uma política de valorização da cultura, no sentido de que essa construção só se consolida a partir do reconhecimento da existência de práticas culturais múltiplas e, sobretudo, autônomas, oriundas das classes populares. Concordamos com o autor quando aponta que, para tanto, é imprescindível o reconhecimento da cultura desses sujeitos ordinários – que fazem parte da nossa investigação –, a partir das suas características, que os revelam como: “[...] produtores desconhecidos, poetas de seus negócios, […]” (DE CERTEAU, 2011, p. 91).

Na nossa realidade, fica perceptível na sala de aula do Proeja quando apresentam as suas dificuldades de aprendizagem no retorno à complementação da escolaridade. É que demonstram, por meio de suas ações, que enfrentam muitas vezes a vergonha, além de inferiorização subjacente no meio em que vivem, o que os fazem sentirem-se “incapazes” de realizar tarefas escolares corriqueiras solicitadas pelos professores.

Observamos também que se subestimam, e em alguns momentos fica implícito que por não se encontrarem na “idade certa” atrapalham-se ao responder às perguntas no ambiente escolar, de tanto ouvirem “[…] que são incapazes, que não sabem nada, que não podem saber, que são enfermos, indolentes, que não produzem em virtude de tudo isso, terminam por se convencer de sua incapacidade […]” (FREIRE, 1987, p. 28).

Está enraizada na sociedade a culpa ao próprio estudante quando o mesmo acaba desistindo. E De Certeau (2011, p. 60) destaca que “[…] é sempre o outro, sem responsabilidades próprias (‘a culpa não é minha, mas do outro: o destino’) e de propriedades particulares que limitam o lugar próprio (a morte apaga todas as diferenças) […]” (grifo do autor). No entanto, há aqueles que tentam romper essa barreira e, mesmo com dificuldades, permanecem estudando até a conclusão. Isso tem motivado a pesquisadores da EJA como nós a investigarmos acerca dos motivos que os fazem permanecerem estudando.

Na Tabela 1 que se segue, apresentamos dados dos nossos narradores e a caracterização mais detalhada no tocante aos perfis dos sujeitos da pesquisa. Não houve um critério para a seleção dos interlocutores, considerando que a turma contava apenas com dez alunos que permaneceram até o final do curso e aceitaram fazer parte da pesquisa.

Sertanejos-Trabalhadores-estudantes14 Perfil Profissão
S.T.E. 01 Sexo masculino, 39 anos, casado, duas filhas. Pescador.
S.T.E. 02 Sexo feminino, 28 anos, casada, sem filhos. Auxiliar administrativa.
S.T.E. 03 Sexo feminino, 29 anos, solteira, um filho. Trabalha no turismo.
S.T.E. 04 Sexo feminino, 36 anos, solteira, duas filhas. Camareira.
S.T.E. 05 Sexo feminino, 37 anos, casada, duas filhas. Cuidadora de crianças especiais.
S.T.E. 06 Sexo feminino, 42 anos, casada, quatro filhos. Dona de casa.
S.T.E. 07 Sexo masculino, 23 anos, solteiro, sem filhos. Mototaxista.
S.T.E. 08 Sexo masculino, 21 anos, solteiro, sem filhos. Autônomo.
S.T.E. 09 Sexo feminino, 35 anos, solteira, três filhos. Cozinheira.
S.T.E. 10 Sexo masculino, 27 anos, casado, duas filhas. Técnico de refrigeradores.

Fonte: Elaboração dos autores, a partir das entrevistas.

Esses narradores elencados na Tabela 1 são jovens e adultos que permaneceram até o último módulo do curso técnico de nível médio integrado em alimentos, num total de dez, na faixa etária de 21 a 42 anos. Eles realizam as mais diversas ocupações, sendo quatro homens – dentre eles um declarou-se solteiro, sem filhos –, e seis mulheres, todas com filhos. Três disseram ser solteiras, fato esse que é uma realidade muito presente na Educação de Jovens e Adultos. Cada um desses interlocutores, ao narrar suas trajetórias de vida, configurou-se em testemunha da sua própria história. Consideramos que não existe verdade ou mentira, uma vez que, cada um tem olhar e sentimento diferenciado do lugar onde vive.

RAZÕES DA PERMANÊNCIA

Entendemos que a permanência não é “[…] apenas a presença física do [estudante] em sala de aula” (SANTOS, 2007, p. 42), de modo que o permanecer implica na forma como os estudantes sentem-se inseridos no cotidiano da sala de aula, pois percebemos que, independente da sua condição social, cabe a eles um lugar crítico na sociedade; para isso, é necessário haver durante as aulas a relação entre o conteúdo abordado e o cotidiano dos estudantes, para que desenvolvam a percepção de seu papel enquanto cidadãos.

Nesse sentido, é importante uma formação que o ajude a compreender-se no mundo “[…] e nele atuar na busca de melhoria das próprias condições de vida e da construção de uma sociedade socialmente justa. A perspectiva precisa ser, portanto, de formação na vida e para a vida e não apenas de qualificação do mercado ou para ele” (BRASIL, 2007, p. 13).

Observamos, neste estudo, as transformações na vida dos nossos narradores, a partir de duas dimensões apresentadas nos estudos de Reis (2016): “Simultaneidade na permanência” e “Sucessão ou pós-permanência”. A primeira foi uma característica muito marcante, considerando que representou como os sujeitos que permaneceram influenciaram a vida dos seus pares, uma vez que passaram a ser reconhecidas, como diz Reis (2016, p. 75) “[…] na sua comunidade familiar ou de moradia [vizinhos e amigos] como um ‘caminho possível’ e isso influencia positivamente […]”, aos sujeitos jovens e adultos. A segunda dimensão (REIS, 2016, p. 76), a define como “[…] as possibilidades de permanência em outros graus acadêmicos”, desejo que, também, apareceu com recorrência nas vozes dos narradores dessa pesquisa.

É importante ressaltar que na análise das vozes as duas dimensões estão sempre imbricadas uma na outra, o que nos permitiu ressaltá-las sem fragmentar, conforme nos trechos abaixo, quando os narradores nos disseram, diante da exclusão social de que são vítimas, e viram no retorno à escola uma oportunidade de buscarem uma vida mais digna: “[…] eu estou aqui até hoje [Referindo-se aos três anos de duração do curso] porque eu tenho metas, eu tenho sonhos, eu vou, eu tenho fé em Deus que eu vou passar e depois eu quero sim […] fazer alguma coisa […]” (S.T.E. 05).

[…] estou aqui com o objetivo de concluir esse curso como o pontapé inicial para uma carreira maior para o sucesso […] fazer dessa conclusão do 2º grau o início de muitas outras oportunidades, o início de uma vitória, o início de um desenvolvimento na minha vida […], partir para um curso mais elevado, pra poder passar, não só para a minha família, também servi como exemplo […] (S.T.E.01).

Os narradores demonstram que ambos têm metas e sonhos, no entanto o S.T.E. 01 expressa como um dos seus sonhos “um curso mais elevado”, e traz de forma explicita a dimensão da “Sucessão ou pós-permanência”. Curso esse mais elevado que o campus de Piranhas dispõe como cursos de graduação que realiza. O S.T.E. 05 ficou mais tímido para traduzir em ações as suas metas, mas inferimos que está também atrelado aos sonhos de conseguir emprego e continuar os estudos.

Outro fato de destaque, presente nas vozes dos interlocutores, são os sentidos de duração e transformação, que sempre expressam como grupo em sala de aula e de maneira individual. Essa transformação pode estar associada à inclusão e, de certa forma, à ascensão financeira. Pois a escola é vista, ainda, como a maneira de sair de condições financeiras desfavoráveis, que a maioria dos estudantes da EJA vive sem perderem as perspectivas de conseguirem emprego ou, até mesmo, a realocação no mercado de trabalho, como modo de melhoria de vida.

Esses sonhos, metas e desejos, os fazem pensar mais na permanência traduzida como fator de promoção ao desenvolvimento escolar da EJA do que na evasão. Para Carmo (2014, p. 01): “[…] a preocupação em melhor definir ou delimitar os aspectos implicados no permanecer na escola anuncia mudanças no modo de refletir sobre a evasão e o fracasso escolar […]”. Estes aspectos estão relacionados, segundo o autor, à responsabilidade de outros operadores educacionais, que vão além dos estudantes.

A maioria dos interlocutores, ao tratar das razões da permanência no Proeja, expõe a importância de estar em uma escola de qualidade – uma instituição federal –, que para eles é como uma mola propulsora rumo à conclusão do curso. É o reflexo das expectativas em torno do reconhecimento, ao mesmo tempo em que essa instituição, muitas vezes pelo seu caráter burocrático toma “[…] medidas […] para reprimi-[los] ou para escondê-[los] se infiltra e ganha terreno […]” (DE CERTEAU, 2011, p. 91).

Vejamos o que dizem essas vozes:

[…] Por ser o Instituto Federal, o Ifal, o ensino é completamente diferente do público, o público é muito bom também, mas no Ifal eu encontrei, sei lá, um estímulo nos professores, que o ensino não era assim de você estar numa sala de aula, e você só receber informação daquela pessoa, não acrescentar, entendeu? No público é mais: senta dá aula e vai embora. (S.T.E.02).

[…] O meu interesse em entrar no curso em si foi a instituição, o Instituto Federal que representa o ensino de qualidade, certo, e me manter até o final é isso, tanto concluir porque tem a questão da conclusão do ensino médio, como também a parte técnica que querendo ou não me interessa. […] (S.T.E.10).

Eu tenho o maior orgulho de falar que estudo aqui e aí, às vezes, o pessoal lá do interior me pergunta o que eu faço aqui. Eu digo que faço faculdade! Tirando onda! Porque instituto federal […] estuda no Ifal, mas parece um lugar grande, mas quando eu estou entrando aqui, aí parece que eu estou em uma faculdade de medicina (S.T.E.05).

O Ifal proporciona em primeiro lugar o ensino de qualidade, oferece conforto, oferece facilidade no conhecimento, internet, tem biblioteca, na biblioteca tem internet, pode pesquisar, pode estudar, tem laboratório, tem várias facilidades, tem professores capacitados (S.T.E.08).

As narrativas realçam que o Instituto Federal não é qualquer escola pública, a exemplo das municipais e estaduais que existem em Piranhas. Por ser federal, como se não fosse também público, o Instituto é visto pelas pessoas como algo inalcançável. Ao dizer que a educação do Ifal é diferente da educação pública, a narrativa evidencia a ausência de pertencimento/reconhecimento de um espaço – público municipal ou estadual –, por parte do povo sertanejo. No entanto, o Instituto, por ser federal, é algo fora da realidade local. Ressaltamos que as falas nos mostraram indícios que são necessárias mais ações de extensão, que possam permitir essa ligação do Instituto com a comunidade, de modo específico aos sujeitos da EJA.

Temos observado que a própria estrutura arquitetônica o faz diferente e empodera quem ali estuda, nos levando a inferir que é um atrativo para a permanência desses sujeitos da EJA, que durante seus percursos escolares tinham como ambiente escolar apenas a sala de aula, em outros espaços públicos, sem acesso à biblioteca, laboratório de informática, restaurante, quadra, dentre outros ambientes.

Nos chamaram a atenção as narrativas que tratam da busca de realização pessoal, pois muitos tinham o sonho de estudar e, por vários motivos, tiveram que adiar “[…] um horizonte em que permanência escolar se apresenta como símbolo da materialidade de um lugar discente, um ‘estar’ na escola para aprender e não só para estar de corpo presente” (CARMO, 2014). E para S.T.E. 04,

Continuar estudando, que é o melhor né? Só continuar estudando que é o melhor, porque sem o estudo a gente não é nada. Primeiramente o estudo, né? Sem o estudo o que é que nós somos, nada né? Então, eu queria continuar estudando e vou em frente, vou até o final, e aqui estou.

A interlocutora S.T.E. 09 narrou que, quando o curso começou, estava grávida, enfrentou a dificuldade de muitas vezes ter que levar o bebê para a escola, mas diz que por já trabalhar com alimentos, o curso sempre foi muito importante e reafirma: “[…] a questão do alimento, como eu já trabalho na área, tem possibilidade de aparecer uma engenharia então a gente já fica nessa visão e futuramente continuar, ser professora na área”.

Há ainda explanação sobre a importância da compreensão dos professores. É que o horário de início das aulas oficialmente está marcado para as 18:30h, e para os estudantes que utilizam transporte escolar, isso não é problema, pois conseguem chegar no horário. No entanto, a grande maioria costuma atrasar por conta do trabalho, pois o horário não coincide com o do transporte, e por esse motivo chegam atrasados. Expressaram que contam com a solidariedade por parte dos professores e dos colegas, o que para Reis (2009) é caracterizado em torno da permanência simbólica, um conceito pelo qual o indivíduo se reconhece dentro do meio através do reconhecimento dos demais envolvidos naquele ambiente, onde há a sensação de pertencimento.

Vejamos as narrativas nesse sentido:

[…] Teve professor, assim, que deu a maior força, sabe? Eles diziam assim: - Vocês têm objetivos, vocês têm sonhos, então vocês não podem deixar […] teve um professor muito maravilhoso! Esse professor! Ele colocou a gente bem lá em cima! A gente estava um pouco desmotivada, porque houve umas coisas aqui, aí a gente ficou um pouco desmotivada, esse professor pegou e deu uma força danada! (S.T.E.05).

[…] Os professores que [...] teve alguns que eu achei bem inspiradores […] a dedicação, a atenção de cada um, cada um tem uma forma de ensinar, principalmente como é um ensino para jovens e adultos, mas por esse lado, é entender cada um né, como até alguns professores chegaram a comentar; - O lhe estou aprendendo muito com vocês também (S.T.E.10).

Um dos fatos principais foi exatamente o apoio de alguns professores, é […], nos incentivando, entendeu? De forma direta, até porque alguns desistiram e alguns de nós também pensamos em desistir, que realmente alguns professores eram diferenciados dos outros, e tinha disciplinas que eram realmente muito pesadas, puxadas, muitas disciplinas (S.T.E.01).

Esses relatos são significantes no sentido de nos mostrar que “[…] às vezes, mal se imagina o que pode passar a representar na vida de um aluno um simples gesto do professor” (FREIRE, 1996, p. 19), que advêm da interação com seus alunos e isso os transformam de uma maneira inimaginável, fazendo-os sentirem-se com condições de realizarem coisas que julgavam inalcançáveis, demonstrando que “[…] pode um gesto aparentemente insignificante valer como força formadora […]” (FREIRE, 1996, p. 19) (grifo nosso), como impulso ou mesmo forma de transformar a insegurança em segurança, mas é necessário que “[...] o respeito à autonomia e à dignidade de cada um [seja] imperativo ético e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros” (FREIRE, 1996, p. 25).

Alguns narradores afirmam que reconhecem as suas dificuldades na sala de aula, mas observam que há colegas que as têm muito mais. Isso os fazem ter perseverança para permanecerem, diante também, do cotidiano que vivem – na prática social e no espaço escolar. E assim se expressaram:

[…] Tem umas colegas minhas mesmo que aquela força de vontade de aprender, querer mais, se torna mesmo que sem intenção […] é, se torna, aí você olha assim, a pessoa tá fazendo de tudo pra estudar e eu vou relaxar? (S.T.E.10).

[…] Via muitos com mais dificuldades que eu! Sou casada, não tenho filhos, mas muitos que tinham filho e deixavam o filho com outra pessoa, traziam os filhos, então eu via gente com mais dificuldade que eu, e que eu com coragem mais um pouquinho eu conseguiria. E então eu me espelhava muito nela, trabalho a gente sempre fazia junto, sempre ficava uma encorajando a outra, ela pensou em desistir também, e sempre ficava uma puxando a outra, bora, bora, bora, e, deu certo (S.T.E.02).

As relações que se formam no decorrer do tempo tornam-se relevantes, as narrativas realçam que os laços e o apoio obtidos são mútuos, dando um fôlego extra, em meio a toda a dificuldade que eles encontram na busca pela conciliação entre os afazeres diários e a retomada dos estudos. Diante de toda dificuldade, cria-se um sentimento muitas vezes de irmandade, ou seja, de solidariedade e colaboração, no qual a força e o impulso dos colegas é, imprescindível para que continuem. Essa é também uma forma de permanência, no sentido de saberem que não estão sozinhos.

Em contrapartida, durante as entrevistas percebemos que o auxílio oferecido pelo Instituto é um meio de garantir parcialmente que os estudantes continuem, pois, embora o valor de R$ 150,00 (Cento e cinquenta reais) seja considerado irrisório, é um modo de garantir a existência individual enquanto estudante. Para Reis (2009), esse valor constitui-se o que denomina de permanência material, dentre outras contribuições como os recursos materiais mínimos para a manutenção escolar. Para S.T.E.01 “[…] várias e várias pessoas que [têm] isso [auxílio] como objetivo principal […]”. Outra colega defende diante da possibilidade de corte de auxílio, especificamente a bolsa, “[…] tem que continuar as bolsas né, porque as bolsas ajudam muito, e que todos continuem estudando e colaborando também né?” (S.T.E.04). Nessa direção, outro entrevistado justifica dizendo:

[…] Às vezes pode ser que alguém tenha o incentivo justamente para poder pagar o mototáxi, alguma coisa, até manter alguma coisa em casa, comprar seus materiais, eu acho que no geral é um incentivo, além do aprendizado tem essa questão do auxílio (S.T.E.10).

Embora seja corroborado pelos estudantes que o auxílio não é o motivo pelo qual permanecem, entendemos como uma garantia, não só para transporte, mas para complemento da renda familiar. Defendemos o quanto é importante conservar essa assistência e outras, como possibilidade de permanecerem e fazerem uso na complementação das necessidades familiares.

(IN)CONCLUSÕES

Este texto, que tem como objetivo apresentar as razões da permanência escolar dos sertanejos que, motivados pelo sonho e pela determinação, permaneceram no curso técnico de nível médio integrado em alimentos, tendo por base dados empíricos, nos fez compreender que a permanência é um termo polissêmico, conforme apareceram nas vozes dos sertanejostrabalhadores- estudantes advindas das suas histórias de vida e de escolarização. Há vários sentidos a partir das dimensões definidas por Reis (2016.): “Simultaneidade na permanência” e “Sucessão ou pós-permanência”, bem como colaboração e solidariedade a partir das interações com os outros colegas, coesão da turma, apoio familiar, incentivo de alguns professores e servidores –, e também das permanências simbólica e material, demonstraram, ainda, que o campus Piranhas é uma experiência de permanência instituinte muito significativa e que são vencedores ao chegarem ao último módulo do referido curso.

Registramos que as histórias de vida/escolarização e os conhecimentos da experiência trouxeram contribuições e informações imprescindíveis para a caracterização dos sujeitos da pesquisa. Percebemos que todos os narradores apresentam um modo de vida simples. As vozes utilizadas como fontes constituíram narrativas que demonstram que os sertanejos-trabalhadoresestudantes entrevistados apresentam características comuns, a exemplo das dificuldades que enfrentam enquanto pessoas. Pois, diante de um cotidiano estressante, ainda precisam estudar e estão reescrevendo as suas próprias histórias a partir da permanência escolar, despertando novos sonhos e traçando metas para a continuidade dos estudos, ou seja, chegarem à formação no ensino superior, algo que antes era considerado um desejo muito distante.

Quanto às ações de assistência para possibilitar a permanência dos sertanejostrabalhadores- estudantes no Ifal campus Piranhas, o auxílio estudantil é o que, através das entrevistas, notamos que mais contribuiu para a permanência no curso, pois é com ele que muitos conseguem meios de transporte para se locomoverem diariamente até o Instituto. Outros complementam a renda mensal, colaborando para o sustento da família, embora nos relatos deixassem explícito que é um suporte bem relevante, mas sem a existência do auxílio, a permanência ocorreria, diante do desejo de concluírem o curso.

O estudo nos permitiu perceber que o campus precisa entender mais as singularidades desses sujeitos, como avançar de um currículo prescrito para um currículo pensadopraticado15, o que lhes é necessário para o aprendizado dos sertanejos-trabalhadores-estudantes. Esses são sujeitos que passam anos sem contato com o meio acadêmico e, quando retornam, além das dificuldades com relação ao trabalho, ao cansaço e à família, ainda têm que enfrentar a dificuldade de adaptação ao ensino. Com o acompanhamento do cotidiano dos sertanejos-trabalhadoresestudantes do Proeja não podemos deixar de dizer, como Euclides da Cunha, em sua obra magistral Os Sertões: “O sertanejo é, antes de tudo, um forte”, que encara sua história de vida e escolarização, motivado pelo sonho e pela determinação.

1A cidade está situada na mesorregião do sertão alagoano, tem uma área de 408,47 km2, e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é baixíssimo, com apenas 0,589, e a população de 23.045 habitantes (ATLAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO NO BRASIL, 2017).

2Os tratamos assim porque, antes de tudo, são sertanejos e trabalhadores que estudam, “[…] sendo essa condição de trabalhadores tão determinante em suas vidas desde crianças e até nas tentativas de voltar a estudar […]”. (ARROYO, 2017, p. 44).

3Dissertação de intitulada “Permanência escolar no Proeja: olhares dos estudantes do curso técnico em cozinha”. Defendida em 2016.

4Estudo de Doutorado em andamento, que investiga a permanência dos estudantes do Curso de cozinha do Ifal – campus Marechal Deodoro.

5Além dos autores desse texto, fazem parte da equipe da pesquisa, enquanto voluntários, os discentes do Curso de Licenciatura em Física do Ifal – Campus Piranhas: José Davi Gomes Nascimento e Moabio Elizandro Rodrigues Barreto Filho.

6A pesquisa faz parte do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica e de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação (PIBIC) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (Fapeal). Edital n. 10 PRPPI/IFAL, de 21 de maio de 2019.

7Tapera é uma palavra de origem indígena que significa “casa velha”.

8Piranhas era ponto de repouso dos viajantes que vinham do litoral para o sertão, pois ficava localizada antes da cachoeira de Paulo Afonso, e logo se transformou numa “cidade-dormitório”.

9Com o objetivo de ligar o médio ao baixo Rio São Francisco.

10Até 1887, Piranhas era Província da cidade alagoana de Pão de Açúcar (SAMPAIO, 2017, p. 55).

11Distrito da cidade de Piranhas, localizado na Rota do Cangaço. No povoado, as sertanejas ribeirinhas preservam a cultua por meio da confecção dos bordados, rendendê e o ponto-cruz.

12Escola Estadual de Xingó I e II (SAMPAIO, 2017).

13Entendemos os sertanejos como praticantes que recriam e ressignificam as ações educacionais que recebem cotidianamente em seus contextos, dado que esses sujeitos são pensantes, o que nos autoriza a utilizar, assim como Oliveira (2012) o neologismo praticantespensantes.

14Prezamos pelo sigilo dos entrevistados, logo os tratamos a partir da sigla S.T.E.

15Para aprofundamento ler Lira; Freitas (2020). Currículo pensadopraticado: trajetória e desafios. In: Debates em Educação [Maceió] v 26, n. 12., jan./abr. 2020.

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Recebido: Abril de 2020; Aceito: Setembro de 2020

Informações dos autores

Jailson Costa da Silva

Instituto Federal de Alagoas (Ifal – campus Piranhas)

E-mail: jailson.costa@ifa.edu.br

ORCID: http://orcid.org/0000-0001-5078-3603

Link Lattes: http://lattes.cnpq.br/4481661071361187

Marinaide Lima de Queiroz Freitas

Universidade Federal de Alagoas (Ufal)

E-mail: naide12@hotmail.com

ORCID: http://orcid.org/0000-0003-3659-4165

Link Lattes: http://lattes.cnpq.br/0771452713521203

Suzi Cristiane Soares da Silva

Instituto Federal de Alagoas (Ifal – campus Piranhas)

E-mail: suzi.vitor4@gmail.com

ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2705-9726

Link Lattes: http://lattes.cnpq.br/7258261475370249

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