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Revista Teias

versión impresa ISSN 1518-5370versión On-line ISSN 1982-0305

Revista Teias vol.22 no.64 Rio de Janeiro ene./mar 2021  Epub 30-Jul-2021

https://doi.org/10.12957/teias.%y.49885 

Artigos de Demanda Contínua

IMPLICAÇÕES DO AFETO NO DESENVOLVIMENTO DO PSIQUISMO DOS BEBÊS NO PRIMEIRO ANO DE VIDA

IMPLICATIONS OF AFFECTION ON THE DEVELOPMENT OF BABY'S PSYCHISM IN THE FIRST YEAR OF LIFE

IMPLICACIONES DE AFECTO EN EL DESARROLLO DEL PSICISMO DEL BEBÉ EN EL PRIMER AÑO DE VIDA

Camila Godoy Paredes1 
http://orcid.org/0000-0001-8387-1765

Érika Christina Kohle2 
http://orcid.org/0000-0003-0907-4420

1Programa de Pós-graduação em Educação Universidade Estadual Paulista CAPES

2Programa de Pós-graduação em Educação Universidade Estadual Paulista CAPES


Resumo

O artigo discute a relevância do afeto na organização da atividade pedagógica direcionada ao desenvolvimento das capacidades humanas dos bebês no primeiro ano de vida. Por meio de um diálogo entre teoria e prática, problematiza questões do dia a dia de uma escola de educação infantil situada no interior do estado de São Paulo, com base nos referenciais da teoria histórico-cultural sobre as implicações da função afetiva nas experiências vividas pelos bebês na creche. Considerando que, nas últimas décadas, a produção de pesquisas e a constante reformulação da legislação brasileira tentaram apresentar pressupostos orientadores para a articulação entre a dimensão afetiva e o processo educativo, faz-se necessário compreender como o afeto contribui para o desenvolvimento das funções psicológicas e para o desenvolvimento das capacidades humanas na escola da infância. Os resultados elucidam que aproximar teoria e prática pode evitar equívocos conceituais sobre a dimensão afetiva e as leis de desenvolvimento dos pequenos, estabelecendo o lugar social do professor como sujeito que cuida, educa e contribui para a formação da personalidade desde os primeiros meses de vida dos bebês.

Palavras-chave: educação infantil; afeto; primeiro ano de vida

Abstract

The article discusses the relevance of affection in the organization of pedagogical activity aimed at the development of babies' human capacities in the first year of life. Through a dialogue between theory and practice, it questions the day-to-day issues of a School of Early Childhood Education located in the interior of the State of São Paulo, based on the references of historical-cultural theory, about the implications of the affective function in experiences lived by babies in daycare. Considering that, in the last decades, the production of research and the constant reformulation of Brazilian legislation tried to present guiding assumptions for the articulation between the affective dimension and the educational process, it is necessary to understand how affection contributes to the development of psychological functions and for the development of human capacities in the kindergarten. The results elucidate that bringing theory and practice together can avoid conceptual misunderstandings about the affective dimension and the development laws of the little ones, establishing the social place of the teacher, as a subject who cares, educates and contributes to the formation of personality from the first months of life of babies.

Keywords: child education; affection; first year of life

Resumen

El artículo analiza la relevancia del afecto en la organización de la actividad pedagógica dirigida al desarrollo de las capacidades humanas de los bebés en el primer año de vida. A través de un diálogo entre la teoría y la práctica, cuestiona los problemas cotidianos de una Escuela de Educación de la Primera Infancia ubicada en el interior del Estado de São Paulo, basada en las referencias de la teoría históricocultural, sobre las implicaciones de la función afectiva en experiencias vividas por bebés en guarderías. Teniendo en cuenta que, en las últimas décadas, la producción de investigación y la constante reformulación de la legislación brasileña intentaron presentar supuestos orientadores para la articulación entre la dimensión afectiva y el proceso educativo, es necesario comprender cómo el afecto contribuye al desarrollo de las funciones psicológicas. y para el desarrollo de capacidades humanas en el jardín de infantes. Los resultados aclaran que unir la teoría y la práctica puede evitar malentendidos conceptuales sobre la dimensión afectiva y las leyes de desarrollo de los pequeños, estableciendo el lugar social del maestro, como un sujeto que se preocupa, educa y contribuye a la formación de la personalidad desde los primeros meses de vida de bebes.

Palabras clave: educación de la primera infancia; cariño primer año de vida

INTRODUÇÃO

No processo de desenvolvimento humano, cada criança começa a sua vida no mundo criado pelas gerações anteriores e vai se apropriando dos conteúdos culturais por sua própria atividade, mediada pelas relações sociais das quais participa. Dessa forma, supera os limites do caráter biológico, característicos da espécie humana no seu nascimento, desenvolve condutas superiores especificamente humanas que a tornam capaz de conhecer a realidade em que vive e nela agir por meio de suas objetivações (LEONTIEV, 1978). Assim, a criança se apropria dos significados culturalmente elaborados, a partir das relações com o outro por meio da linguagem e de suas vivências ao longo da vida. Nesse processo, atribui sentido ao que vive e aprende e, gradualmente, se constitui como pessoa à medida que desenvolve sua inteligência e personalidade.

Desse modo, aspectos da personalidade de uma pessoa se desenvolvem por meio da qualidade de suas relações com o meio, que constituem sua compreensão da vida, suas formas de tomada de consciência, de atribuição de sentido aos objetos e fenômenos: “[...] Se as crianças tomam consciência de formas distintas, isso significa que um mesmo acontecimento terá sentidos completamente diferentes para elas” (VYGOTSKI, 2018, p. 79).

No entanto, há, ainda, famílias e escolas da infância que desconhecem a complexidade do desenvolvimento infantil e acreditam que as capacidades psíquicas das crianças surgem naturalmente em um processo de “amadurecimento”. Esse modo de pensar acarreta prejuízos para o desenvolvimento dos bebês, porque não exige, de professores e das famílias, iniciativas importantes para o desenvolvimento das suas capacidades humanas, tais como: a organização de espaços atraentes para eles, a disponibilização de materiais diversos para manipularem, a escuta e acolhimento dos bebês pelos adultos, participação das crianças na vida da casa e da escola.

A teoria histórico-cultural compreende que o processo de aprendizagem e desenvolvimento se dá a partir das experiências históricas, sociais e culturais do sujeito. Nessa perspectiva, “[...] desde o início de sua vida, a criança é inserida no conjunto da herança cultural da humanidade que é partilhada pelo grupo social do qual ela participa e que se faz presente no momento da história em que vive” (MELLO, 2010, p. 55). Portanto, desde o primeiro ato humano em relação a um bebê recém-nascido – de alimentá-lo no colo – cria-se nele uma necessidade nova, uma necessidade não biológica, mas social e histórica: a necessidade do outro, o prazer do aconchego (VYGOSTKI, 1996).

Assim, a creche deve ser o melhor lugar para a educação das crianças pequenas, pois, a partir da compreensão do desenvolvimento infantil, lá se pode organizar intencionalmente as condições adequadas de vida e de educação para garantir a apropriação das qualidades humanas em plenitude pelas crianças – que são externas ao sujeito no nascimento e precisam ser apropriadas pelas novas gerações por meio de sua atividade nas situações vividas coletivamente.

O conjunto dos estudos desenvolvidos sob a ótica histórico-cultural aponta como condição essencial para a apropriação das qualidades humanas pelas crianças pequenas o respeito às suas formas típicas de atividade: a comunicação emocional, o tateio, a atividade com objetos, a comunicação entre as crianças e entre elas e os adultos, o brincar (MELLO, 2007). E, ainda, a escola deve considerar três elementos constitutivos do processo de educação na escola – a cultura como fonte das qualidades humanas historicamente acumuladas, as mediações necessárias para o acesso das crianças à cultura e a própria criança como sujeito ativo, consciente de que o que determina como esses elementos e influencia o desenvolvimento da criança são os próprios fatores percebidos por meio de sua experiência emocional, isto é, o modo como a criança recebe as informações, interpreta essas informações e estabelece relações emocionais, ou seja, como ela se afeta pelas pessoas, pelas situações, pelos objetos e pelos fenômenos que compõem seu entorno. Esse é o prisma que determina o papel e a influência do meio sobre o desenvolvimento humano (MELLO, 2010).

A fim de pensarmos sobre o papel do professor de educação infantil para o desenvolvimento das crianças, especialmente, no que concerne a afetividade e suas implicações nesse processo, ampliamos nossas discussões recuperando proposições de Vygotski (1996, 2018), Mukhina (1996), Gomes (2008, 2014) e Mello (2007, 2010, 2015 e 2017) sobre o papel do afeto no desenvolvimento infantil.

Neste debate, enfocamos o papel da afetividade no desenvolvimento dos bebês pelo fato, ressaltado por Vygotski (1996), de que o afeto acompanha cada etapa do desenvolvimento infantil, entretanto, quanto menor a criança, maior a união de suas impressões exteriores com o afeto por meio de seu tom sensitivo da percepção, uma vez que a criança pequenininha percebe o tom ameaçador ou a relação agradável antes de perceber os objetos concretos presentes ao seu redor.

Desse modo, a comunicação emocional no bebê começa a acontecer quando ele percebe que está sendo cuidado por alguém e, por isso, reage positivamente em contato com essa pessoa, constituindo entre eles uma relação de segurança afetiva capaz de permitir que o bebê se envolva com os objetos apresentados a ele para seu tateio, favorecendo seu encontro e apropriação paulatina da herança cultural da humanidade e, consequentemente, promovendo, por meio desse processo, o desenvolvimento das capacidades humanas criadas ao longo da história (MELLO, 2017).

Este estudo sobre o desenvolvimento da criança até um ano de idade apresenta algumas propriedades gerais desse período com o apoio de Vygotski (1996) buscando algumas das leis gerais que regulam esse período. Nesse momento do desenvolvimento, a criança se apropria de habilidades e qualidades psíquicas indispensáveis para a vida em sociedade (MUKHINA, 1996).

O desenvolvimento da criança começa com o ato do nascimento, que por si já é um ato crítico, porque, ao nascer, o bebê se separa fisicamente de sua mãe, mas permanece ligado a ela biologicamente devido à dependência para atender as suas necessidades vitais (VYGOTSKI, 1996).

Esse momento, nomeado como período pós-natal, dá início ao desenvolvimento da personalidade, pois, apesar da vida ser inerente ao bebê desde a gestação, é no período pós-natal que sua vida estará “[...] imersa na vida social das pessoas que o rodeiam” (VYGOTSKI, 1996, p. 279 – tradução nossa).1

O primeiro ano de vida é marcado pelo movimento dialético entre duas características contraditórias entre si. A primeira característica desse momento é uma aparente não sociabilidade da criança pela ausência de sua comunicação verbal. No entanto, a segunda se materializa no fato de que a vida nesse período é profundamente social, uma vez que toda relação da criança com o mundo se estabelece por meio da pessoa que a cuida. Assim, o carinho dá início ao processo de desenvolvimento psíquico da criança, constituindo sua personalidade e sua cognição, porque com ajuda dos adultos, por meio das relações que estabelece, os bebês superam o afeto inicial que delimita sua vida psíquica aos limites do sono, alimentação e choro, manifestado em um interesse receptivo pelo mundo exterior, ao transformá-lo paulatinamente em um interesse ativo pelo entorno (GOMES, 2014). Já que,

[...] no primeiro ano de vida, a existência social da criança é, desde os primeiros contatos com o adulto, uma relação mediada pelos objetos, da mesma forma que a sua própria relação com os objetos requer a mediação dos adultos. É o adulto quem apresenta o objeto para a criança, mostra seu funcionamento e suas qualidades. (GOMES, 2008, p. 143).

Nessa fase, são principalmente os objetos que atraem, controlam e determinam sua atenção: “[...] é como se de cada objeto emanasse um afeto de atração ou repulsão que é o motivo que estimula a criança” (VYGOTSKI, 1996, p. 342 – tradução nossa).

Assim, tendo em vista que os bebês e as crianças pequenininhas estabelecem vínculo afetivos não apenas com as pessoas, mas também com os objetos de seu entorno, a qualidade da educação infantil dependerá da busca pelos professores por apropriações teóricas acerca da afetividade no processo educativo e no desenvolvimento das funções psíquicas superiores – funções mentais que caracterizam o comportamento consciente do homem, tais como: atenção e lembrança voluntária, memorização ativa, pensamento abstrato, raciocínio dedutivo, capacidade de planejamento etc., como direito fundamental da criança pequena.

Desse modo, nas pesquisas com bebês e crianças bem pequenas, não se exclui a possibilidade de vida psíquica, mas supõe-se a existência de rudimentos psíquicos, distintos das psiques desenvolvidas dos adultos e das crianças maiores, uma vez que a existência de estados de consciência deve ser admitida, mesmo sendo eles nebulosos, confusos, cujos aspectos sensitivos e emocionais se fundem de maneira que são classificados como sensitivos emocionais ou estados de sensações marcadas emocionalmente (VYGOTSKI, 1996).

Com o objetivo de colaborar com essa discussão, esse texto apresenta conceitos e reflexões sobre as implicações dos processos afetivos vivenciados nas relações estabelecidas entre educadores, bebês e crianças pequenininhas na escola da infância. Para justificar a relevância do tema, articulamos a perspectiva da Teoria-Histórico a respeito da função afetiva aos princípios que norteiam uma prática educativa potencialmente humanizadora. Apresentamos o diálogo realizado entre as pesquisadoras e uma professora tendo sua primeira experiência com uma turma de bebês. A narrativa fundamenta como as mudanças conceituais e a apropriação de princípios teórico-metodológicos pelo educador são capazes de favorecer sua atividade docente. Reiteramos a importância da educação organizada intencionalmente com vistas a enriquecer experiências, criar novas necessidades, motivar o interesse para novas aprendizagens e fomentar o desenvolvimento das qualidades humanas desde as etapas iniciais da vida.

OS EQUÍVOCOS RELACIONADOS À DIMENSÃO AFETIVA E À EDUCAÇÃO ESCOLAR

Apesar da importância do afeto para o desenvolvimento dos bebês, existem, ainda, alguns equívocos que distanciam o afeto dos debates acadêmico-científicos. Um deles se pauta nas visões dicotômicas presentes na Educação que cindem o afetivo e o cognitivo – semeadas pela psicologia tradicional, por meio de diferentes mecanismos ideológicos (GOMES, 2008). Um exemplo disso é o tratamento dado pela escola ao afeto e à cognição como se fossem dois elementos separados na pessoa que aprende. Com isso, as emoções são isoladas do processo de aprendizagem, como se o desenvolvimento das capacidades humanas se alicerçasse somente na dimensão cognitiva.

Compreender o afetivo desse modo acarreta consequências para o trabalho pedagógico, uma vez que nele a motivação, as necessidades, os desejos e os interesses das crianças – que têm como fundamento os processos afetivos – “[...] são vistos como aspectos naturais, intrínsecos à sua personalidade, portanto, independentes da história de apropriações e objetivações do sujeito” (GOMES, 2013, p. 511).

Outro equívoco que distancia o afeto das discussões acadêmicas é a dificuldade de ruptura com sua conceituação pelo senso comum que o remete apenas a “[...] beijos, abraços e afagos” sem buscar entender suas raízes teórico-filosóficas, afastando-o do fazer pedagógico e do papel da escola, ao aproximá-lo da construção cultural e histórica decorrente da predominância do gênero feminino entre os profissionais da área (CARVALHO, 2014, p. 3). Um exemplo desse equívoco pode ser observado no diálogo entre pesquisadora e uma professora de bebês.

A entrevista decorre de problematizações a respeito da função afetiva e suas implicações no processo educativo específico para a primeiríssima infância. O paradoxo entre afeto e cognição integra as discussões realizadas no campo pedagógico há mais de três décadas, no entanto, poucos estudos apontam a unidade afetivo-cognitiva como função fundamental para o desenvolvimento das funções psicológicas. Nessa perspectiva o afeto integra as relações entre o sujeito e as objetivações humanas desde os primeiros momentos de vida, independentemente do gênero do ser que opera e que propõe suas mediações com a cultura.

Na entrevista entre pesquisadoras e professora de bebês, a educadora expôs que o vínculo afetivo permeou sua relação com os pequeninos a partir do seu ingresso na turma, no entanto, revelou que o conhecimento apreendido na formação pedagógica inicial não foi suficiente para orientar o trabalho educativo específico para a criança menor de um ano. Como resultado da carência de fundamentos teóricos e científicos, ela buscou nos meios informativos que teve acesso, como princípios norteadores da prática pedagógica com bebês.

Pesquisadora: É sua primeira experiência com uma turma de bebês?

Professora: Sim, minhas experiências anteriores foram com crianças do ensino fundamental.

Pesquisadora: A prática pedagógica com bebês é muito específica, como você buscou aprofundamento teórico para a prática? Onde vocês foram ler?

Professora: No velho Google. Para a gente tentar entender como estava o nível deles. Procuramos em sites de revistas como Crescer, Nova Escola.

Pesquisadora: Em nossa conversa você citou várias vezes a questão do vínculo afetivo que estabeleceu com as crianças. Essa percepção foi pelas vivências em sala de aula ou por algum referencial teórico, uma palestra, um estudo que teve acesso?

Professora: Não. Foi no dia a dia, no dia a dia mesmo.

(Diário de bordo das pesquisadoras, 21 de janeiro de 2020).

Conforme fica evidente no relato da professora, sua busca pela compreensão do desenvolvimento psíquico das crianças não supera os limites do que está disseminado pelo senso comum, por ideologias que não abarcam o afeto, uma vez que não superaram as dicotomizações da psicologia tradicional.

Nesse sentido, algumas pesquisas (ARCE, 2001; CARVALHO, 2014) criticam a maneira como se entende a dimensão afetiva, ao demonstrar que a profissionalização docente se constituiu historicamente a partir da imagem da professora do gênero feminino como sendo uma educadora afetuosa nata, portadora de instintos naturais para o papel formativo. Para os autores, no contexto da escola de educação infantil é ainda mais contundente a associação entre a maternagem e à docência devido à atuação do grande número de mulheres como professoras, funcionárias e diretoras de escola.

Como é possível depreender do diálogo a seguir, a formação pedagógica inicial, algumas vezes, não é suficiente para romper com o equívoco disseminado pelo senso comum acerca da diferença entre a maternagem e a organização do trabalho docente com vistas ao máximo desenvolvimento humano na infância.

Pesquisadora: Você pode me contar um pouco da sua experiência como professora na educação infantil?

Professora: Eu me formei na pedagogia, prestei concurso e entrei. Quando eu entrei e fiquei sabendo que era Nível 1 (etapa que contempla bebês até 1 ano e 3 meses), eu fiquei apavorada, porque Nível 1 é bebê. Aí foi uma adaptação tanto minha quanto deles. Eu acho que mais minha do que deles. Porque é aquela coisa que anda atrelada, você tem que ter o espírito materno, mas eu não sou mãe, aí como que eu vou fazer? Como que eu vou estabelecer vínculo com eles?

(Diário de bordo das pesquisadoras, 21 de janeiro de 2020).

Porém, no decorrer da conversa, foi possível observar uma mudança de paradigma quanto à generificação provocada por sua experiência pedagógica. A professora explica que se efetivou como docente da turma em agosto. Nessa oportunidade, a maioria dos bebês já havia adotado um agente de organização escolar do gênero masculino como pessoa de referência. Conforme relato a condução pedagógica entre profissional e bebês foi elemento determinante para a constituição do vínculo afetivo.

Pesquisadora: Quando você iniciou seu trabalho com os bebês já havia dois agentes de organização escolar trabalhando com a turma?

Professora: Sim, desde o início do ano. Os bebês estabeleceram vínculo afetivo com todos (professora e agentes de organização escolar), mas percebi que cada criança sentia uma confiança maior em um adulto específico.

Pesquisadora: Você percebeu que mesmo sem imposição, cada criança escolheu um adulto de referência?

Professora: Sim, um protetor sem ninguém impor. Algumas crianças escolheram desde o início do período de adaptação o agente de organização escolar do gênero masculino como pessoa de referência.

Pesquisadora: Entendi, e você observou que independente do gênero ele conseguiu contribuir para o desenvolvimento dos bebês?

Professora: Conseguiu, ele é fantástico, ele é fantástico!

(Diário de bordo das pesquisadoras, 21 de janeiro de 2020)

Compreendemos, então, que é papel de professoras e professores estabelecer relações afetivas profundas que privilegiem o cuidado, o olhar atento e a comunicação emocional, independente do gênero ou maternidade, uma vez que de acordo com Vygotski (1996), a vivência afetivo-educativa no primeiro ano possibilita o desenvolvimento das funções psíquicas em níveis superiores das crianças, contribuindo dessa maneira com a formação dessas capacidades.

Ainda, conforme Carvalho (2014, 2014, p. 3-4), “[...] A afetividade do professor é muitas vezes entendida como o único atributo necessário para o exercício da docência”, impelindo-o a deixar em “[...] segundo plano (ou até mesmo desconsiderar) a formação acadêmica específica para a atuação em sala de aula e os conhecimentos decorrentes de pesquisas produzidas na área”.

Por isso, ao romper com o pressuposto de que os processos afetivos acontecem naturalmente, como um dado a priori, interno e descolado das relações vividas (GOMES, 2013, p. 517), é possível (re)pensar fundamentos sobre a formação humana em busca de uma prática pedagógica de qualidade com base em uma teoria que oriente a maneira como os professores concebem a criança, seu desenvolvimento e o papel da educação na formação humana (PEDERIVA, COSTA, MELLO, 2017). Para Mukhina (1996, p. 12):

Para que o trabalho educativo docente tenha êxito, é preciso, antes de mais nada, conhecer as leis do desenvolvimento psíquico da criança, suas particularidades emocionais e intelectuais, suas preferências e interesses. O conhecimento da psicologia infantil facilita para o educador o contato com a criança, ajuda-o a dirigir seu desenvolvimento e a evitar muitos erros na educação.

Assim, ao oportunizar experiências que contribuam efetivamente para aprendizagem e desenvolvimento psíquico das crianças, professor e professora assumem a função de parceiros mais experientes. Para tanto, suas ações precisam contemplar as especificidades do desenvolvimento infantil, bem como do momento do desenvolvimento em que a criança se encontra. Esses conhecimentos amparam a criação de práticas educativas efetivas para a formação humana na infância.

Além disso, visto que as mudanças mais significativas da personalidade, o conhecimento do mundo físico e social, e a organização e reorganização dos processos de pensamento, de compreensão do mundo e de expressão estão ligados à atividade principal em cada idade – representada pela comunicação emocional no primeiro ano de vida (MELLO, 2007) –, faz-se necessário o respeito das professoras e dos professores às atividades dos bebês que garantem transformações evolutivas de caráter global e significativo em suas capacidades psíquicas.

A RELEVÂNCIA DO AFETO PARA O DESENVOLVIMENTO DE CAPACIDADES DOS BEBÊS

Como vimos, desde o período pós-natal é possível perceber o princípio da vida psíquica do bebê, isso porque ele já apresenta os mesmos processos vitais básicos das crianças maiores, como expressão de euforia, alegria, dor, medo, susto (VYGOTSKI, 1996). Nessa etapa da vida, o bebê percebe os objetos de seu entorno por meio da fusão entre o afeto e a sensação, percebendo o que é agradável ou ameaçador antes mesmo de perceber os elementos físicos e sociais presentes em sua realidade exterior, porque se relaciona de modo peculiar com o mundo por meio de um todo complexo de matiz emocional, que impede sua percepção diferenciada dos elementos isolados das situações das quais participa.

O traço mais característico que diferencia a consciência do recém-nascido e do bebê da consciência da criança em idades posteriores consiste no fato de ser uma consciência absolutamente indiferenciada no seu aspecto funcional (VYGOTSKI, 2018, p. 95).

Desse modo, valorizam-se as relações interpessoais e as vivências dos bebês – como elementos transformadores dos afetos – com destaque para a educação escolar e o caráter intencional da prática docente nesse processo de desenvolvimento (GOMES, 2008).

Confirmando as proposições acima, Mukhina (1996. p. 77) destaca:

A particularidade principal do recém-nascido é sua capacidade ilimitada para assimilar novas experiências e adquirir as formas de comportamento que caracterizam o homem. Se suas necessidades orgânicas forem suficientemente satisfeitas, elas logo passam a ser secundárias; se o modo de vida e a educação forem adequados, a criança experimentará novas necessidades [...] que são a base do desenvolvimento psíquico.

O desenvolvimento que segue essa fase inicial do bebê é organizado pelo adulto, responsável por sua alimentação, higiene, movimentação no espaço, aproximação dos objetos e comunicação. Essa relação com o adulto tem papel vital para a criança e caracteriza-se como seu primeiro contato social (MUKHINA, 1996; VYGOTSKI, 1996).

Por não ser capaz de suprir suas necessidades vitais, a criança depende inteiramente do adulto, toda sua atividade vital passa pelo adulto. “[...] O caminho por meio dos outros, por meio do adulto, é a via principal da atividade da criança nessa idade. Praticamente tudo no comportamento do bebê está entrelaçado e interligado ao social” (VYGOTSKI, 1996, p. 285 – tradução nossa). Devido a essa dependência da criança pequenina, surgem relações sociais peculiares, como é o caso da escolha da pessoa de referência estabelecida no cotidiano da creche a partir da necessidade do bebê de se sentir seguro no ambiente.

Professora: Quando eu entrei já havia ocorrido o período de adaptação, e os três agentes de organização escolar da turma já tinham sido escolhidos como pessoa de referência de cada bebê desde o começo, porque ficavam na sala direto.

(Diário de bordo das pesquisadoras, 21 de janeiro de 2020)

De acordo com a teoria histórico-cultural, a cada experiência vivida as crianças ampliam suas relações afetivas e criam vínculos para suas próximas experiências, constituindo a autoestima e a imagem que a criança tem das outras pessoas (VYGOTSKI, 1996).

O estabelecimento do vínculo afetivo com o adulto pode contribuir para outro elemento fundamental para seu desenvolvimento no primeiro ano: a criança imersa num meio social em que os adultos falam com ela passa a necessitar da comunicação sob a forma de linguagem oral.

Em consonância com Vygotski (1996), Mello (2013, p. 44) destaca o cuidado como momento propício para o estabelecimento da comunicação emocional individualizada com o bebê, e, por isso, momento também de educação: “[...] Os momentos de cuidado e educação não se separam na vida das crianças pequenas e pequenininhas: educamos enquanto cuidamos”.

Pelo relato da professora é possível observar que o cuidado e a educação se articulam no processo de desenvolvimento dos pequeninos. À medida que situações como banho, troca e alimentação ocorrem com regularidade começa a se formar uma relação privilegiada de afeto entre o adulto e a criança promovendo um vínculo de conforto e confiança.

Professora: Um dos bebês chorava muito, muito, muito mesmo, mas quando eu ia trocá-lo ele ria, ele gostava. Ele parava de chorar.

Ele parava de chorar e me olhava, mas tinha que ser eu ou um outro adulto de referência dele. Se fosse outra pessoa ele chorava.

(Diário de bordo das pesquisadoras, 21 de janeiro de 2020).

Esse aspecto se justifica pela necessidade do bebê da relação afetiva materializada “[...] olho no olho entre nós, [...], e o bebê. Essa comunicação acontece no nível da emoção por meio do toque, do tom da voz, do ritmo de cuidado, muita mais do que no nível da compreensão das palavras” (MELLO, 2013, p. 44). Por isso é chamada de comunicação emocional e é a atividade principal pela qual a criança se desenvolve nessa idade (MUKHINA, 1996; VYGOTSKI, 1996; LEONTIEV, 2014).

Essa comunicação não se dá por meio de palavra por parte do bebê, mas por meio do olhar, das reações do corpo, das relações de afeto,

[...] baseada na compreensão mútua, são manifestações emocionais, transferências de afetos, reações positivas ou negativas à mudança no momento principal de qualquer situação em que o bebê esteja, à aparência de outra pessoa (VYGOTSKI,1996, p. 304 – tradução nossa).

Essa comunicação subordina-se à presença de um adulto, uma vez que ele é o centro da comunicação do bebê em seu primeiro ano. Isso ocorre de tal forma que a “[...] simples proximidade ou afastamento do adulto signifique para ele uma mudança brusca e radical da situação em que ela se encontra [...], influindo positiva ou negativamente na atividade da criança” (VYGOTSKI, 1996, p. 304 – tradução nossa). Para os pequeninos, o adulto representa o mediador de seu processo de apropriação progressiva do mundo exterior.

O significado de cada situação é determinado para o bebê principalmente por esse centro, ou seja, por seu conteúdo social, ou melhor, pelo relacionamento da criança com o mundo. A criança é de magnitude dependente e deriva de suas relações diretas e concretas com o adulto. (VYGOTSKI, 1996, p. 304 – tradução nossa).

Na presença de condições adequadas, por meio das relações estabelecidas com os adultos com os quais estabelecem vínculos afetivos, os bebês, no decorrer do primeiro ano, passam por mudanças fundamentais, o interesse da criança pelo mundo cresce gradativamente. Suas possibilidades comunicativas alcançam novos patamares, ela descobre, por meio do adulto ou de um parceiro mais experiente, os objetos.

Sobre o primeiro ano de vida, Mukhina (1996) afirma que a criança demonstra grande capacidade de imitar o adulto e isso aumenta suas possibilidades de comunicação. Nessa relação, o adulto apresenta à criança os objetos estabelecendo com ela uma atividade conjunta. Dessa forma, apresenta a ela o mundo material ao ampliar sua interação com elementos pertencentes a cultura (MUKHINA, 1996).

A professora relata a partir de seu cotidiano, como as experiências vividas nas relações estabelecidas entre o adulto e os pequeninos impulsionam o processo de constituição das qualidades humanas.

Professora: [...] a gente brincava que na sala tínhamos um miniagente de desenvolvimento escolar, porque um dos bebês encontrava uma chupeta e já levava para o dono, colocava a chupeta na boca de outro bebê, pegava o paninho que sabia quem usava e levava para o bebê.

(Diário de bordo das pesquisadoras, 21 de janeiro de 2020)

À medida que os bebês vivenciam relações humanas, eles se tornam sujeitos pertencentes ao processo educativo no qual estão inseridos e isso envolve formação e desenvolvimento da inteligência e da personalidade. Isso acontece quando a organização do trabalho docente fomenta o encontro entre os pequeninos e o mundo que os rodeia, e, nesse encontro, “[...] vão formando um modo de ser e de estar nas relações, ou seja, vão formando sua personalidade e estabelecendo um sentido para as coisas, formando seu conhecimento sobre as coisas que veem e exploram” (MELLO, 2017, p. 43).

Ao apresentar o objeto à criança, o adulto faz uso da linguagem, nomeando o objeto. Essa atitude permite o contato com a forma ideal de linguagem e, assim, se dão as primeiras relações e experiências com o uso da linguagem. Como ressalta Scudeler (2015, p. 91):

O adulto mostra o objeto nomeado à criança e ela estabelece relação entre o objeto mostrado e a palavra falada [...]. No final do primeiro ano, a criança estabelece a relação entre o objeto e seu nome, sendo essa a forma inicial de compreensão da linguagem.

Além da linguagem, no primeiro ano de vida, a criança realiza conquistas em relação ao desenvolvimento sensório-motor: sustenta a cabeça, senta-se, engatinha, fica em pé, dá alguns passos, tenta alcançar objetos. Com essas mudanças no desenvolvimento sensório-motor, a orientação espacial da criança também é alterada, pois ela passa a perceber os objetos e o espaço a sua volta (MUKHINA, 1996; SCUDELER, 2015).

Desse modo, o primeiro ano é o período em que por meio das relações afetivas dos bebês com os adultos, com os quais estabelecem vínculos afetivos, “[...] formam-se as primeiras impressões sobre o mundo circundante e as formas elementares de percepção e reflexão, que permitem à criança orientar-se no mundo [...]” (MUKHINA, 1996, p. 102).

Essas impressões possibilitam aprendizagens. Do nascimento até o final do terceiro ano de vida, movimentar voluntariamente os membros, andar ereto, manipular objetos e desenvolver a linguagem são consideradas as principais conquistas dessa etapa inicial da vida humana.

Para andar ereto, a criança é incentivada pelas manifestações dos adultos, com elogios e aplausos. Assim, paulatinamente, experimenta o controle do seu corpo, a possibilidade de moverse sem ajuda do adulto e a oportunidade de alcançar os objetos de seu interesse, ampliando suas relações com o meio ao redor (MUKHINA, 1996).

No que se refere à manipulação de objetos, ela surge no primeiro ano de vida, mas nessa fase a criança manipula o objeto com base em suas características externas, ou seja, utiliza uma colher da mesma forma que um brinquedo ou qualquer outro objeto de formato semelhante. Nas relações afetivas com os adultos, a criança começa a aprender a manipular os objetos de acordo com os usos para os quais eles foram criados, funções essas determinadas socialmente.

Por isso, Mukhina (1996) afirma que é o adulto, em última instância, quem pode “[...] revelar à criança, de uma ou de outra maneira, para que serve o [objeto]” (MUKHINA, 1996, p. 107), ainda que uma criança mais velha ou mesmo um par de mesma idade possa fazer isso em determinadas situações. Além disso, ao aprender a manipular um instrumento cultural, a criança aprende as habilidades necessárias para utilizá-los e desse modo, formam e desenvolvem as capacidades especificamente humanas, assim como ilustra a fala da professora, quando oportunizado, mesmo os pequeninos podem ser sujeitos com pleno direito à interação com os acontecimentos que os circundam (MELLO, 2017).

Professora: Tinha um bebê que ficava até as 17 horas, porque a mãe vinha buscar bem em cima do horário de saída. A agente de desenvolvimento escolar ia organizando a sala e o bebê, quando a via limpando, levantava a mãozinha fazendo movimento de abrir e fechar pedindo um paninho: queria limpar também. E limpava, pegava um brinquedo e limpava.

(Diário de bordo das pesquisadoras, 21 de janeiro de 2020).

A linguagem, uma das principais conquistas dessa fase, surge na criança a partir de sua necessidade de comunicação com o adulto, sendo assim, a linguagem só acontece em situações concretas, por isso, ressalta-se, novamente, o papel da professora e do professor como criadores de situações que possibilitam relações da criança com o mundo. Afinal, para apropriar-se da linguagem, a criança necessita estar em contato com sua forma mais elaborada, expressa, em última instância, pela fala do adulto (MUKHINA, 1996; VYGOTSKI, 1996).

À medida que a criança se interessa pelas pessoas, objetos e instrumentos do mundo que a circunda e estabelece relações com eles, sua necessidade de comunicação se amplia e sua linguagem se desenvolve. E, de acordo com Mukhina (1996, p. 127),

A linguagem tem enorme importância para o desenvolvimento dos distintos aspectos do psiquismo infantil. A linguagem converte-se paulatinamente na principal via de acesso à experiência social. Com a assimilação da linguagem muda a percepção, a mentalidade, a memória e, de forma geral, todos os processos psíquicos da criança.

Isso reafirma o papel da aquisição da linguagem oral na primeira infância. É por meio dela que a maior parte dos processos psíquicos se desenvolverá. A fala permite à criança tomar consciência da realidade a sua volta e organizar seu pensamento.

A maior particularidade do desenvolvimento infantil é tratar-se de um desenvolvimento que ocorre em condições de interação com o meio, conforme afirma Vygotski (2018, p. 89): “[...] o homem é um ser social e, fora da relação com a sociedade, jamais desenvolveria as qualidades, as características que são resultado do desenvolvimento metódico de toda a humanidade”.

Nessa perspectiva, o meio consiste em fonte de todas as propriedades humanas específicas; se não há no meio uma forma ideal correspondente, então a criança não desenvolverá tais propriedades. Por exemplo, no processo de aquisição da linguagem, a forma ideal é a fala do adulto; a criança deve estar em contato com essa forma ideal para que desenvolva a linguagem. A fim de que o desenvolvimento das propriedades humanas específicas possa ocorrer na criança, é imprescindível que essa forma ideal guie o desenvolvimento infantil desde o início (VYGOTSKI, 2010).

Diante do exposto, reafirmamos o papel essencial da aprendizagem no primeiro ano de vida como um processo humanizador organizado para oferecer condições adequadas de vivências entre os bebês e as formas mais elaboradas da cultura, com o objetivo contribuir para a formação da inteligência e da personalidade. Destacamos a importância do afeto no envolvimento dos pequeninos com a forma de se relacionarem com as outras crianças, com os adultos, com as coisas que compõe o mundo a sua volta. Para tanto, o trabalho dos profissionais que atuam em creches se constitui pela contínua pesquisa sobre o desenvolvimento infantil e compreensão de como os bebês se desenvolvem.

CONCLUSÃO

Com base nos fundamentos da Teoria Histórico-Cultural buscamos compreender como o afeto se relaciona ao desenvolvimento humano no primeiro ano de vida dos bebês. Observamos indicativos a partir do ideário de Vigotski (1996, 2018), seus colaboradores (LEONTIEV, 2014) e pesquisadores contemporâneos (GOMES 2008, 2013, 2014; MELLO 2007, 2010, 2015, 2017) que a afetividade não está separada do processo de formação da inteligência e da personalidade, uma vez que é por meio da experiência afetivo-emocional que os pequeninos desenvolvem o interesse pelo mundo exterior.

Reafirmamos que as transformações qualitativas que ocorrem nos primeiros anos de vida são influenciadas pela qualidade das relações construídas entre o pequenino e o mundo à sua volta. Essas relações farão parte da sua compreensão da vida e do desenvolvimento global de sua personalidade. Desse ponto de vista, é possível afirmar que o afetivo congrega outros aspectos da formação do sujeito, uma vez que é por meio da constituição dos processos afetivos que a criança atribuirá sentidos aos objetos e fenômenos vivenciados coletivamente.

Para compreendermos a relação entre os princípios teóricos e a prática pedagógica organizada de acordo com as especificidades da primeiríssima infância, dialogamos com uma professora vivenciando sua primeira experiência com uma turma de bebês. Em seu relato verificamos que a formação inicial em pedagógica nem sempre oferece subsídios teóricos capazes de fundamentar a atividade docente no tocante a compreensão dos processos psicológicos humanos. Por isso, faz-se necessário refletir a respeito da função afetiva já que esta se relaciona diretamente às transformações na vida da criança potencialmente em seus três primeiros anos.

Sem a intenção de esgotarmos a discussão, reiteramos que conhecer a maneira como os processos afetivos se constituem pode contribuir para mudanças no modo como estão organizadas as práticas pedagógicas. Sendo assim, defendemos o afeto como aspecto indispensável aos encontros promovidos entre os adultos, as crianças e a cultura humana, não podendo ser dissociado das relações que acontecem diariamente na educação infantil.

1Inmerso en la vida social de las personas que lo rodean- VYGOTSKI, L. S. Obras Escogidas IV. Madrid: Visor Distribuciones, 1996, p. 279.

REFERÊNCIAS

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Recebido: Abril de 2020; Aceito: Agosto de 2020

Informações dos autores

Camila Godoy Paredes

Programa de Pós-graduação em Educação Universidade Estadual Paulista CAPES

E-mail: camilinha_gparedes@hotmail.com

ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8387-1765

Link Lattes: http://lattes.cnpq.br/2439672014706586

Érika Christina Kohle

Programa de Pós-graduação em Educação Universidade Estadual Paulista CAPES

E-mail: erika.kohle@gmail.com

ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0907-4420

Link Lattes: http://lattes.cnpq.br/6585951989950443

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