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Revista Teias

versão impressa ISSN 1518-5370versão On-line ISSN 1982-0305

Revista Teias vol.22 no.65 Rio de Janeiro abr./jun 2021  Epub 26-Dez-2019

https://doi.org/10.12957/teias.%y.55782 

Práticas pedagógicas alternativas em contextos de incerteza e crise

POLÍTICAS PARA A EDUCAÇÃO ESPECIAL INCLUSIVA NO PARANÁ E A COVID-19: ensino remoto emergencial

POLICIES FOR INCLUSIVE SPECIAL EDUCATION IN PARANÁ AND COVID-19: emergency remote teaching

POLÍTICAS PARA LA EDUCACIÓN ESPECIAL INCLUSIVA EN PARANÁ Y COVID-19: educación a distancia de emergencia

Gesilaine Mucio Ferreira1 
http://orcid.org/0000-0002-200E-507X

Erika Ramos Januário2 
http://orcid.org/0000-0001-6286-6772

Jani Alves da Silva Moreira3 
http://orcid.org/0000-0002-3008-0887

1Universidade Estadual de Maringá (UEM)

2Universidade Estadual de Maringá (UEM)

3Universidade Estadual de Maringá (UEM)


Resumo

Este artigo objetiva analisar as políticas para a educação especial no contexto do ensino remoto emergencial, normatizado no estado do Paraná como prática pedagógica alternativa para a educação do público da educação especial (PAEE) matriculado nas classes comuns da educação básica regular pública do estado em tempos de COVID-19. Trata-se de uma pesquisa exploratória, documental e bibliográfica, ancorada na contextualização crítica e histórica da problemática a partir do processo de regulação política internacional, nacional e local. Os resultados abalizaram um alinhamento entre as políticas educacionais paranaenses, as políticas nacionais e as recomendações do Banco Mundial e da Unesco. Compreende-se o ensino remoto emergencial como prática pedagógica alternativa face à COVID-19. Todavia, para que esta prática não intensifiquem as desigualdades educacionais dos alunos PAEE inseridos nas escolas públicas paranaenses, é preciso alinhar os interesses e as ações do Estado, das escolas e das famílias, assim como condições objetivas para a sua realização.

Palavras-chave: políticas educacionais; educação especial inclusiva; ensino remoto emergencial; covid-19

Abstract

This article aims to analyse the policies for special education in the context of emergency remote teaching standardized in state of Paraná as an alternative pedagogical practice for the education of the special education public (PAEE) enrolled in the common classes of the state's regular basic education in times of COVID-19. It is an exploratory, documentary and bibliographic research, anchored in the critical and historical contextualization of the problem from the process of international, national and local political regulation. The results abalized an alignment between Parana's educational policies, national policies and World Bank and Unesco recommendations. Emergency remote teaching understood as alternative pedagogical practice to COVID-19. However, for this practice not to intensify educational inequalities among PAEE students inserted in public schools in Paraná, it is necessary to align the interests and actions of the State, schools and families, as well as objective conditions for its implementation.

Keywords: education policies; inclusive special education; emergency remote teaching; covid-19

Resumen

Este artículo tiene como objetivo analizar las políticas de educación especial en el contexto de la educación a distancia de emergencia, estandarizada en el estado de Paraná como una práctica pedagógica alternativa para la educación del público de educación especial (PAEE) inscrito en las clases comunes de la educación básica regular del estado en tiempos de COVID-19. Se trata de una investigación exploratoria, documental y bibliográfica, anclada en la contextualización crítica e histórica del problema a partir del proceso de regulación política internacional, nacional y local. Los resultados abrieron una alineación entre las políticas educativas de Paraná, las políticas nacionales y las recomendaciones del Banco Mundial y la Unesco. La educación a distancia de emergencia se entiende como práctica pedagógica alternativa frente al COVID-19. Sin embargo, para que esta política no intensifique las desigualdades educativas de los alumnos del PAEE insertos en las escuelas públicas de Paraná, es necesario alinear los intereses y acciones del Estado, las escuelas y las familias, así como las condiciones objetivas para su realización.

Palabras clave: políticas educacionales; educación especial inclusiva; educación a distancia de emergencia; covid-19

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O presente artigo analisa as políticas para a educação especial no contexto do ensino remoto emergencial como prática pedagógica alternativa normatizada no estado do Paraná para a educação dos alunos público alvo da educação especial (PAEE1) matriculados nas classes comuns da educação básica regular pública frente à Doença do Coronavírus (COVID-19).

Em dezembro de 2019, iniciou-se um marco na história mundial, com a propagação vertiginosa da COVID-19, que em 2020 adquiriu o caráter de pandemia com grande transmissibilidade e gravidade clínica. Para o enfrentamento da COVID-19, organismos internacionais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Banco Mundial (BM), a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciências e Cultura (Unesco), orientaram os países ao home office e ao ensino remoto emergencial. Trata-se de medidas de isolamento social na tentativa de controlar a velocidade do contágio do coronavírus e de evitar a saturação no sistema de saúde. Escolas foram fechadas e a educação remota se tornou alternativa contingencial nos países assolados pelo vírus.

No Brasil, no dia 18 março, o Conselho Nacional de Educação (CNE) emitiu uma Nota de Esclarecimento (BRASIL, 2020b) destacando a autonomia dos sistemas federal, estaduais, municipais e do Distrito Federal e das redes e instituições de educação básica e educação superior para reorganizarem a gestão do calendário e a realização ou reposição de atividades acadêmicas e escolares, desde que atendam os dispositivos legais vigentes (BRASIL, 2020b).

Diante dessa conjuntura, o estado do Paraná suspendeu as aulas presenciais de escolas estaduais públicas e privadas, entidades conveniadas com o Estado e universidades públicas a partir de 20 de março de 2020 (PARANÁ, 2020b). Também foi autorizada a realização de atividades escolares não presenciais via orientações impressas ou disponíveis online (PARANÁ, 2020c).

A adoção do ensino não presencial ou remoto emergencial intensifica outras problemáticas educacionais, anteriores à COVID-19, como o processo de inclusão escolar dos alunos PAEE. Em acordo com as recomendações internacionais, como a Declaração de Salamanca, de 1994, da Unesco, e a Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência, de 2006, da ONU (BRASIL, 2009), e documentos nacionais, como a Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI), de 2008 (revogada em setembro de 2020), e a Lei Federal nº 13.146, de 06 de julho de 2015, que instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, o estado do Paraná aprovou várias normativas que reiteram o direito do PAEE à escolarização nas classes comuns do ensino regular; direito previsto no artigo 8°, inciso I, da Deliberação CEE nº 02, de 15 de setembro de 2016 (PARANÁ, 2016), que define as normas para a educação especial no sistema estadual de ensino paranaense.

Perante esse cenário, surgiram as seguintes indagações: como as políticas do estado do Paraná abordam o ensino remoto emergencial para os alunos PAEE matriculado nas classes comuns da educação básica pública? Essas políticas se alinham aos discursos presentes nas recomendações dos organismos internacionais e às políticas nacionais? Quais as implicações da adoção do ensino remoto emergencial pelo estado do Paraná para a efetivação da inclusão dos alunos PAEE nas classes comuns da educação básica pública?

Em termos teórico-metodológicos, considera-se que os documentos de política são, ao mesmo tempo, “[...] produtos e produtores de orientações políticas no campo da educação, sua difusão e promulgação geram também situações de mudanças ou inovações, experienciadas no contexto das práticas educativas” (SHIROMA; CAMPOS; GARCIA, 2005, p. 433). Entende-se que as políticas públicas para a educação não são produtos apenas da ação do Estado, mas da correlação de forças de classes sociais que expressam determinadas relações sociais.

Busca-se, assim, a compreensão da totalidade do objeto e de sua problemática a partir da análise do contexto macro, do mecanismo de regulação entre as instituições internacionais e o governo brasileiro, para compreender as particularidades que incidem no contexto micro, isto é, na atuação do governo do Paraná. Um processo de regulação que se insere na fase atual de acumulação flexível e de mundialização financeira do capital, marcada por relações sociais contraditórias e conflituosas, com implicações para a organização dos países em âmbito nacional, regional e local.

Frente a isso, o estudo esteve ancorado na metodologia de análise documental e bibliográfica. Buscou-se averiguar, primeiramente, o alinhamento dos discursos presentes nas recomendações do BM e da Unesco no tocante à oferta de ensino remoto emergencial neste momento pandêmico, a fim de cotejá-los com as políticas nacionais sobre a questão. Posteriormente, foram abordadas as políticas paranaenses que normatizam o ensino remoto emergencial para os alunos PAEE matriculados nas classes comuns das escolas públicas, seus vínculos com as recomendações internacionais e as políticas nacionais, bem como as implicações dessas políticas para a educação desses alunos no cenário atual de mundialização do capital.

ENSINO REMOTO EMERGENCIAL E EDUCAÇÃO ESPECIAL INCLUSIVA: RECOMENDAÇÕES INTERNACIONAIS E POLÍTICAS NACIONAIS EM TEMPOS DE COVID-19

Face à pandemia da COVID-19, o BM e a Unesco publicaram vários documentos com recomendações para o enfrentamento desse novo cenário no âmbito escolar. É importante a análise do discurso presente nos documentos desses organismos, visto que eles condicionam o auxílio financeiro e o suporte tecnológico e humano à educação dos países periféricos, como o Brasil, ao compromisso desses países com suas recomendações. Desse modo, foram selecionados para análise os seguintes documentos:

Tabela 01: Documentos dos organismos internacionais 

Organismo Título Data
Banco Mundial Educational policies in the Covid-19 pandemic: what can Brazil learn from the rest of the world? 04/2020
Banco Mundial The COVID-19 pandemic: shocks to education and policy response 05/2020
Banco Mundial COVID-19 in Brazil: impacts and polig reponses 06/2020
Unesco COVID-19: 10 Recommendations to plan distance learning solutions 03/2020
Unesco Declaração sobre a COVID-19: considerações éticas sob perspectiva global 04/2020
Unesco Consequências adversas do fechamento das escolas 2020
Unesco Ações da Representação da Unesco no Brasil em resposta à COVID-19 2020
Unesco Global Education Monitoring Report 2020: Inclusion and education: All means all 2020

Fonte: Elaborado pelas autoras, 2020.

O BM reconhece a importância do fechamento de escolas para controlar a propagação do coronavírus. Contudo, considera os impactos socioeconômicos (diminuição do capital humano e ampliação da taxa de desemprego entre os jovens) e educacionais (abandono escolar e ampliação das desigualdades) da suspensão das aulas presenciais por longo tempo, sobretudo para a população mais vulnerável, como as pessoas com deficiência (WORLD BANK, 2020a; 2020b; 2020c). A Unesco (2020b) também entende que o isolamento afeta principalmente os grupos mais vulneráveis (pobres, doentes, idosos, pessoas com deficiência, minorias étnicas, encarcerados e refugiados). Outrossim, infere sobre os altos custos sociais e econômicos do fechamento das escolas, principalmente para esses grupos, como o fato das crianças serem mais vulneráveis à desnutrição, devido à falta da merenda escolar, e à violência e à exploração (UNESCO, 2020c).

Para tentar mitigar os efeitos negativos do fechamento das escolas, ambos apregoam o ensino remoto, inclusive às pessoas com deficiência em função da redução e/ou suspensão dos serviços educacionais a elas prestados (WORLD BANK, 2020b; UNESCO, 2020e). O BM afirma que os governos precisam oferecer as ferramentas necessárias ao ensino remoto e garantir conexão à internet. Para isso, propõe: a realização de parceria com provedores de internet locais, canais de televisão e rádio; o uso de dispositivos como celulares dos alunos, computadores e tablets disponíveis na escola e materiais impressos; a preparação dos gestores educacionais e escolares; a capacitação dos professores; a orientação aos pais ou responsáveis; o monitoramento escolar das atividades realizadas pelos alunos (WORLD BANK, 2020a; 2020b; 2020c).

A Unesco orienta que para o aprendizado a distância sejam selecionadas às tecnologias disponíveis (plataformas digitais, vídeos, televisão e rádio) em cada região e adequadas às capacidades dos alunos e professores, de modo que sejam acessíveis aos alunos de baixa renda ou com deficiência (UNESCO, 2020a). Recomenda a criação de testes e exercícios para a avaliação da aprendizagem dos estudantes, metodologias adequadas ao ensino remoto e à disponibilidade dos pais, apoio/orientações aos pais, alunos e professores (UNESCO, 2020a) e a adoção de parcerias entre instituições públicas, instituições privadas e a comunidade (UNESCO, 2020d).

O BM e a Unesco reconhecem as diferenças e as desigualdades sociais e educacionais entre os países (WORLD BANK, 2020a; 2020b; 2020c; UNESCO, 2020e), porém tratam-nas de forma naturalizada. Evidenciam uma preocupação maior com os impactos socioeconômicos do fechamento das escolas do que com os aspectos educacionais. Orientam que cada país organize o ensino remoto conforme seus próprios recursos: se o país ou região não possui conexão suficiente de internet, sugerem o uso de televisão e rádio ou até mesmo de materiais impressos. Nota-se que não objetivam socializar os recursos tecnológicos mais avançados a fim de garantir uma educação igualitária a todos, em consonância com as especificidades do público atendido.

Em conformidade com tais orientações internacionais, o Brasil também realizou o fechamento das escolas e instituiu o ensino remoto. Estratégia favorecida pela Medida Provisória 934, de 1° de abril de 2020, que suspendeu a obrigatoriedade das escolas de educação básica de cumprirem pelo menos 200 dias letivos, exigidos pela Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, desde que cumpridas a carga horária anual mínima de 800 horas (BRASIL, 2020c). A tabela 2 indica os documentos educacionais do governo federal brasileiro selecionados para análise.

Tabela 2: Documentos do governo federal brasileiro 

Documento Súmula
CNE. Xota de Esclarecimento. 18/03/2020 Esclarecimentos aos sistemas e às redes de ensino em função da suspensão das atividades escolares para o enfrentamento da COVID-19 (BRASIL. 2020b)
Parecer CNE/CP nº 5, de 28 de abril de 2020 “Reorganização do Calendário Escolar e da possibilidade de cômputo de atividades não presenciais para fins de cumprimento da carga horária mínima anual, em razão da Pandemia da COVID-19” (BRASIL, 2020d, p. 1).
Parecer CNE/CP nº11, de 7 de julho de 2020. “Orientações Educacionais para a Realização de Aulas e Atividades Pedagógicas Presenciais e Não Presenciais no contexto da Pandemia” (BRASIL, 2020f)

Fonte: Elaborado pelas autoras, 2020.

A Nota de Esclarecimento do CNE destaca que a autorização para a realização de atividades a distância no ensino fundamental, no ensino médio, na educação profissional técnica de nível médio, na educação de jovens e adultos e na educação especial “[...] compete às autoridades dos sistemas de ensino federal, estaduais, municipais e distrital, em conformidade com o Decreto nº 9.057, de 25 de maio de 2017 [...]” (BRASIL, 2020b, p. 2).

Em 28 de abril, foi aprovado o Parecer CNE/CP nº 5 (BRASIL, 2020d), que trata da reorganização do calendário escolar e da possibilidade de cômputo de atividades não presenciais para o cumprimento da carga horária mínima anual diante da COVID-19. Este Parecer foi homologado pelo Despacho de 29 de maio de 2020, com exceção do item 2.16 (BRASIL, 2020e). Tal qual os documentos do BM e da Unesco, o Parecer aponta os impactos socioeconómicos (aumento da taxa de desemprego e a queda na renda familiar) e educacionais (abandono e evasão escolar) do fechamento das escolas, e recomenda as atividades escolares não presenciais para minimizar os efeitos negativos da suspensão das aulas presenciais (BRASIL, 2020d).

O CNE enfatiza que as orientações gerais, dirigidas aos níveis e modalidades de ensino, também se aplicam à educação especial, como orientações sobre: realização de atividades não presenciais; gestão/reorganização do calendário escolar; cômputo da carga horária das atividades não presenciais e a reposição de atividades presenciais (possibilidades e limites), em razão da carga horária mínima anual a ser cumprida (BRASIL, 2020d).

No item 2.13, afirma a responsabilidade dos sistemas de ensino estadual, municipal e do Distrito Federal pela garantia de serviços, recursos e estratégias aos alunos PAEE (BRASIL, 2020d). Prevê a continuidade do Atendimento Educacional Especializado (AEE) por meio de atividades não presenciais e da atuação conjunta entre os professores especializados e professores regentes em articulação com as famílias. Atribui aos professores do AEE a tarefa de adequar os materiais, subsidiar às escolas na elaboração dos planos de estudos individualizados, de acordo com as necessidades de cada aluno, e dar apoio e orientação às famílias (BRASIL, 2020d).

No dia 7 de julho, o CNE aprovou o Parecer CNE/CP nº11/2020 com orientações para a realização de aulas e atividades pedagógicas não presenciais e para o retomo das aulas presenciais, ratificando a autonomia dos estados, municipios e distrito federal. No tocante às atividades não presenciais dos alunos PAEE, o documento apresenta orientações genéricas que não auxiliam os professores da educação especial no atendimento dos seus alunos, como: elaboração de um plano de ensino individual pelos professores do AEE em parceria com a equipe escolar; articulação entre o professor do AEE e o mediador do domicílio ou o próprio aluno; apoio à família ou mediadores para a realização e acompanhamento das atividades; promoção de acessibilidades aos educandos conforme suas singularidades (BRASIL, 2020f). Trata-se de orientações já previstas em políticas anteriores à pandemia e que nada acrescentam ao trabalho do professor da educação especial.

A tabela 3 sintetiza as recomendações do BM, da Unesco e do governo federal brasileiro abordadas a fim de facilitar o cotejamento com as políticas paranaenses no tópico a seguir.

Tabela 3: Síntese das recomendações educacionais do Banco Mundial, da Unesco e do governo federal brasileiro para a oferta de ensino remoto emergencial 

Fontes Recomendações
Banco Mundial; Unesco; Governo Federal Plataformas online
Banco Mundial; Unesco; Governo Federal Uso de rádio e televisão
Banco Mundial Uso de celulares pessoais e de tablets e computadores pessoais e/ou da escola
Banco Mundial; Governo Federal Uso de materiais impressos para os alunos que não tem acesso à internet
Banco Mundial; Unesco Parceria público-privada
Banco Mundial; Unesco; Governo Federal Proteção aos grupos vulneráveis
Banco Mundial; Unesco; Governo Federal Apoiar e garantir o apoio dos pais no ensino remoto
Banco Mundial; Unesco; Governo Federal Monitoramento/avaliação das atividades realizadas pelos alunos na forma remota
Banco Mundial; Governo Federal Capacitação de gestores para o ensino remoto
Banco Mundial; Unesco; Governo Federal Preparação dos professores para o ensino remoto
Banco Mundial; Unesco; Governo Federal Acesso do ensino remoto aos alunos com deficiência/PAEE

Fonte: Elaborado pelas autoras, 2020.

Observa-se que, em consonância com os documentos internacionais analisados, as políticas nacionais reconhecem que as desigualdades socioeconômicas e educacionais podem ser ampliadas com a COVID-19. Porém, naturalizam tais desigualdades e apenas propõem que elas sejam amenizadas. Além de que, ratificam o processo de transferência de responsabilidades da União ao afirmarem que estados, municípios e Distrito Federal terão autonomia para definir suas próprias políticas no que tange à educação, nomeadamente, à educação especial no período da COVID-19. A partir dessas discussões, na seção seguinte, analisou-se as orientações das políticas para educação especial no estado do Paraná, neste período pandômico.

O ENSINO REMOTO EMERGENCIAL COMO POLÍTICA PARA A EDUCAÇÃO ESPECIAL NO PARANÁ DIANTE DA COVID-19

O estado do Paraná, sobretudo a partir dos anos 2000, tem normatizado as políticas de inclusão escolar do PAEE, embora também tenha optado pela manutenção das escolas especializadas. Quando se trata desse momento pandémico, na tabela 4 estão enumeradas algumas normativas paranaenses selecionadas para a investigação que vinculam a oferta de educação especial inclusiva ao ensino remoto emergencial.

Tabela 4: Documentos do estado do Paraná investigados 

Deliberações
Deliberação CEE/CP nº 01, de 31 de março de 2020. “Instituição de regime especial para o desenvolvimento das atividades escolares no âmbito do Sistema Estadual de Ensino do Paraná em decorrência da legislação especifica sobre a pandemia causada pelo novo Coronavírus – COVID-19 e outras providências” (PARANÁ, 2020c, p. 12).
Resoluções
Resolução SEED nº 1.016-03/04/2020. “Estabelece em regime especial as atividades escolares na forma de atilas não presenciais, em decorrência da pandemia causada pelo COVID-19” (PARANÁ, 2020d, p. 1). Republicações 6 e 8 de abril de 2020.
Resolução SEED n.º 1.175/2020 – GS/SEED. 17/04/2020. “Altera a Resolução n.º 1.014 – GS/SEED, de 3 de abril de 2020” (PARANÁ 20201, p. 1).
Resolução SEED nº 1.259 - 28/04/2020. “Altera a Resolução n.º 1.016 – GS/SEED, de 2020” (PARANÁ, 2020h, p. 1).
Resolução SEED nº 1.522 - 07/05/2020 Revoga a Resolução SEED nº 1.016/2020. “Estabelece em regime especial as atividades escolares na forma de aulas não presenciais em decorrência da pandemia causada pela COVID-19” (PARANÁ, 2020i, p. 1).
Orientações
Orientação nº02/2020 – DPGE/SEED. 15/04/2020. Aulas não presenciais – especificidades educacionais (PARANÁ 2020e).
Orientação nº 006/2020 DEDUC/SEED. 23/04/2020. “Em decorrência da pandemia causada pelo COVID-19, orienta sobre os procedimentos para a realização do Atendimento Educacional Especializado para os estudantes da Educação Especial, matriculados na rede pública estadual de ensino do Paraná, em atendimento à Resolução n.º 1.016/2020 – GS/SEED” (PARANÁ, 2020g, p. 1

Fonte: Elaborado pelas autoras, 2020.

Diante da manifestação desmedida da COVID-19, o estado do Paraná aprovou o Decreto nº 4.230, 16 de março de 2020, que dispõe “[...] sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da Coronavírus – COVID-19” (PARANÁ, 2020a, p.1) O artigo 8°, com redação alterada pelo Decreto nº 4.320/2020, prevê que “As aulas presenciais em escolas estaduais públicas e privadas, inclusive nas entidades conveniadas com o Estado do Paraná, e em universidades públicas ficam suspensas a partir de 20 de março de 2020” (PARANÁ, 2020b, p. 1).

No dia de 31 de março de 2020, o CEE-PR instituiu a Deliberação nº 01 que estabeleceu, excepcionalmente, o regime especial, via oferta de atividades não presenciais, para a escolarização no sistema estadual de ensino do Paraná, com exceção da educação infantil2 (PARANÁ, 2020c).

No dia 03 de abril, a SEED aprovou a Resolução nº 1.016/2020, que dispõe sobre a oferta de atividades escolares mediante aulas não presenciais, em regime especial, em função da COVID-19 (PARANÁ, 2020d). No artigo 2°, após alteração pela Resolução SEED nº 1.259/2020 (PARANÁ, 2020h), fica estabelecido que é da responsabilidade da mantenedora da rede pública estadual de ensino oferecer atividades não presenciais aos alunos do ensino fundamental, ensino médio, educação especial e conveniadas, EJA (fase I, II, ensino médio e profissionalizante). O artigo 4° confirma o atendimento aos alunos da educação especial na forma não presencial pelas instituições de ensino da rede pública estadual (PARANÁ, 2020d). Além disso, no artigo 23, inciso IV, prevê que para “[...] o Atendimento Educacional Especializado ofertado pelas escolas da Rede Estadual de Ensino no turno e contraturno as orientações serão repassadas posteriormente” (PARANÁ, 2020d, p. 4). No dia 07 de maio, a Resolução nº 1.016/2020 foi revogada pela Resolução SEED nº 1.522/2020 (PARANÁ, 2020i), mas as determinações dos artigos 2° e 4° da Resolução nº 1.016/2020, que tratam da educação especial, foram mantidas.

Na Orientação nº 02, de 15 de abril de 2020, constam dois itens - 6.1 e 6.2 - sobre as atividades escolares não presenciais relativas à educação especial. O item 6.1 afirma que os professores de Apoio a Comunicação Alternativa (PAC), os professores de Apoio Educacional Especializado e os Tradutores e Intérpretes de LIBRAS (TILS), serão inseridos nas turmas para auxiliarem os professores regentes e acompanharem os alunos. O item 6.2 estabelece que as atividades para os alunos das salas de recurso multifuncional (SRMs) serão postadas “[...] pelo professor no Google classroom e no aplicativo “Aula Paraná”, na forma de atividades complementares e/ou suplementares para serem realizadas pelos estudantes e acompanhadas pelo professor da SRM” (PARANÁ, 2020e, p. 4).

Outrossim, a Resolução n.º 1.175/2020 - GS/SEED, de 17 de abril de 2020, estabeleceu o processo de seleção de tradutores e intérpretes de Língua Brasileira de Sinais para a interpretação do material audiovisual destinados aos alunos da educação básica da rede estadual e participação em reuniões técnico-pedagógicas online e presenciais para organização da interpretação (PARANÁ, 2020f).

Em atendimento ao artigo 23, inciso IV, da Resolução nº 1.016/2020, no dia 23 de abril, a SEED, juntamente com o Departamento de Educação Especial (DEE), aprovou a Orientação nº 006/2020 – DEDUC/SEED. Trata-se de orientações sobre os procedimentos para a implantação das atividades não presenciais aos estudantes matriculados no AEE na rede pública estadual de ensino do Paraná nesse período de pandemia (PARANÁ, 2020g).

A Orientação nº 006/2020 – DEDUC/SEED descreve as atribuições da equipe de educação especial dos Núcleos Regionais de Educação, da equipe diretiva e pedagógica das escolas, dos professores especialistas do AEE, dos professores de Apoio Educacional Especializado e professores de Apoio a Comunicação Alternativa (PAC). Em relação aos professores especialistas que atuam no AEE, o documento ainda apresenta atribuições a eles por áreas especificas: a) àqueles que atuam nas SRMs da área da deficiência intelectual, deficiência física neuromotora, transtornos globais do desenvolvimento, e transtornos funcionais específicos; b) aos professores das SRMs e do Centros de Apoio Pedagógico (CAPS) da área da deficiência visual; c) aos professores que atuam nos Centro de Atendimento Especializado (CAEs) da área da surdocegueira; d) aos tradutores e intérpretes de Libras/Língua Portuguesa-TILS e aos professores bilingues (ouvinte e surdo) que atuam nas SRMs da área da surdez; e) aos professores das SRMs para alunos com altas habilidades/superdotação) (PARANÁ, 2020g).

Essas atribuições se referem muito mais a um conjunto de deveres do que de fato a subsídios que possam auxiliar os profissionais/professores em seu trabalho. Algumas “orientações” são comuns a quase todos os grupos de profissionais descritos, como:

  • cumprimento da legislação educacional;

  • utilização dos meios oficiais disponibilizados pela SEED para a interação com os estudantes (Aplicativo Aula Paraná, Google Classroom, Google Forms, e-mail, videoconferência, WhatsApp);

  • disponibilização de material pedagógico impresso aos estudantes que não têm acesso à tecnologia;

  • estabelecimento de contatos entre profissionais, família e alunos;

  • intensificação do trabalho colaborativo dos professores dos AEEs, no Google Classroom, na condição de professores convidados;

  • controle e registro de frequência dos alunos;

  • monitoramento das atividades realizadas pelos docentes e alunos;

  • elaboração de relatório individual de acompanhamento da participação e do desempenho (avaliação) dos alunos;

  • contato e orientação às famílias (PARANÁ, 2020g).

Ante às discussões apresentadas, retoma-se as questões-problemas que orientaram a presente pesquisa: como as políticas do estado do Paraná abordam o ensino remoto emergencial para os alunos PAEE matriculado nas classes comuns da educação básica pública? Essas políticas se alinham aos discursos presentes nos enunciados das recomendações dos organismos internacionais e às políticas nacionais? Quais as implicações da adoção do ensino remoto emergencial pelo estado do Paraná para a efetivação da inclusão dos alunos PAEE nas classes comuns da educação básica pública?

No que concerne a primeira questão, o estado do Paraná aprovou várias normativas educacionais a fim de enfrentar a pandemia, conforme o quadro 4, dando prioridade ao ensino remoto. Porém, estas normativas não explicitam sobre o processo de gestão escolar deste ensino, responsabilizando as escolas e os professores pela efetivação das aulas na forma não presencial, inclusive dos alunos PAEE. A Orientação nº 006/2020 (PARANÁ, 2020g) é o único documento específico para a educação especial. Embora ela destaque os procedimentos a serem adotados pelo NRE, escola e professores especialistas, sobre os recursos comuns a todos, como as plataformas online, também não evidencia como os professores, que não têm formação específica e recursos adequados para lecionarem online, atenderão às necessidades específicas dos alunos da educação especial.

Essa forma de ensino requer ainda mais a colaboração e presença dos pais ou responsáveis. As normativas paranaenses não definem formas de auxílio aos responsáveis pelos alunos PAEE. Desconsideram que esses alunos precisam de materiais e ações pedagógicas específicas; requisitos distantes da realidade de muitas famílias.

Para além da disponibilização e organização das plataformas online e da produção de material audiovisual estandardizados, o estado do Paraná não prevê condições objetivas nas leis para atuação dos professores junto aos alunos PAEE. Apenas reforça um conjunto de atribuições docentes que já estão definidas nas legislações da SEED-PR anteriores à COVID-19, sobretudo onde constam as funções dos professores de AEE (Instrução nº 15/2018 SEED/SUED; Instrução nº 09/2018 SUED/SEED; Instrução nº 08/2016 SEED/SUED; Instrução nº 06/2016 SEED/SUED), dos professores de apoio educacional especializado (Instrução Normativa n º 001/2016 – SEED/SUED) e dos professores de Apoio a Comunicação Alternativa (Instrução nº 002/2012 – SUED/SEED) (PARANÁ, 20201).

No que diz respeito ao alinhamento das políticas de educação especial do estado do Paraná às recomendações do BM e da Unesco, é importante destacar a relação de mandato e de legitimação desse processo. Para Teodoro (2015), ao mesmo tempo em que os organismos internacionais fixam um conjunto de orientações a serem seguidas, os países incorporam tais orientações como forma de legitimar suas políticas em âmbito nacional e estadual.

E nessa perspectiva que se entende o alinhamento das legislações paranaenses e do governo federal brasileiro às orientações do BM e da Unesco. Um aspecto condizente entre elas se refere à defesa do ensino remoto, via plataformas online e televisão, bem como o uso de tablets e celulares ou recursos tecnológicos que os alunos possuem em casa. Ademais, são comuns aos documentos, orientações para o vínculo entre professores, alunos e família e o monitoramento das atividades.

Para elucidar, a terceira e última questão, é imprescindível que não se ignore as implicações do ensino remoto no Brasil, um país no qual as contradições e as desigualdades das relações sociais capitalistas se apresentam de forma muito extrema. É inegável que a população menos abastada não obtenha as condições básicas para o acesso às tecnologias e encontre dificuldades para acompanhar o ensino remoto.

Os documentos analisados revelam que, diante da dificuldade de acesso às tecnologias e a internet, as desigualdades educacionais dos grupos vulneráveis podem ser exacerbadas. Em momento algum questionam as origens dessas desigualdades, tratando-as com naturalidade. Disseminam um pseudodiscurso humanitário, com a proposição de medidas paliativas, que apenas legitima a lógica mercadológica do capitalismo.

Vive-se um capitalismo mundializado, altamente perverso, que destrói a natureza, intensifica a exploração da classe trabalhadora, amplia o desemprego e o trabalho informal e precarizado, elimina os direitos sociais a fim de ampliar a acumulação privada. A COVID-19 apenas amplia esses problemas, sendo a classe trabalhadora, sobretudo os negros, mulheres e imigrantes, a que mais sentirá os efeitos dessa ordem social por não ter garantias de proteção social (ANTUNES, 2020).

Nesse cenário, a oferta da educação de qualidade e inclusiva não é concebida como uma função primordial do Estado. É importante compreender que vive-se em tempos de Estado mínimo para as políticas sociais e que na ótica neoliberal, responsabilidade social e cidadania ativa significam a legitimação do repasse das funções de execução das políticas públicas sociais da União para os entes federados, para a sociedade civil, inclusive para o setor privado que a integra. É o que tem feito o governo federal sob o discurso de autonomia dos estados, municípios e Distrito Federal ou pelo fato de que a responsabilidade do ensino remoto, nas normativas paranaenses, está sendo direcionada principalmente aos professores e aos pais ou responsáveis.

Como afirma a publicação da Secretaria de Estado da Educação do Paraná, de 2 de abril de 2020, “Educação desenvolve EaD com foco no protagonismo do professor” (PARANÁ, 2020k), o professor será o protagonista no processo de aulas remotas. Esse discurso esconde um processo de responsabilização, avaliação e controle, especialmente do professor, como afirma Fiera, Evangelista e Flores (2020, p. 7):

Operou-se aqui mais um deslocamento: para se assegurar a aprendizagem, responsabilizou-se a comunidade de alunos, professores, pais e gestores pela realização de modalidades remotas de aprendizagem. Criou-se uma cadeia social produtora de responsabilização: se o aluno não tiver dispositivos e conectividade, gestores e professores deverão fornecê-los; se as escolas não os tiverem, as parcerias com o setor privado os garantirão; de posse dos meios, o professor orientará e apoiará a aprendizagem dos alunos; se os professores não colaborarem, as escolas os controlarão; se os alunos não aprenderem, isso será verificado nas avaliações. Dá para escapar do círculo da garantia à “aprendizagem”? Difícil.

Trata-se de um controle observado na oferta do ensino remoto emergencial do Paraná, posto que os programas e planos de ensino das disciplinas, com cronograma semanal, já estão previamente definidos e com aulas gravadas por urna equipe docente. Cabe aos demais professores utilizarem os recursos padronizados disponíveis, sendo monitorados e conduzidos a monitorar as atividades realizadas pelos alunos. Essas medidas limitam a autonomia docente, a interação presencial entre professor e aluno e, certamente, será prejudicial a aprendizagem, sobretudo dos alunos com menos recursos e/ou que necessitam do atendimento da educação especial.

Antes da pandemia, o processo de inclusão escolar do PAEE no Paraná já era um desafio. Isso significa que o ensino remoto para esse público pode representar a negação do direito à educação, posto que os serviços de apoio especializados de modo presencial foram suspensos e muitos pais são de famílias pobres que não dispõem de recursos de acessibilidade necessários, tempo e condições acadêmicas para orientarem as crianças e adolescentes nas atividades escolares.

Um outro ponto relevante é que a maioria das plataformas online e dos meios de telecomunicações é de propriedade privada, em função do processo de privatização das estatais ocorrido desde os meados de 1990 no país e retomado com força pós 2016. Para Fiera, Evangelista e Flores (2020, p. 6), o isolamento social foi propício à apologia do ensino remoto via fetiche da tecnologia e ao direcionamento de fundos públicos para as empresas privadas

[...] O CIEB (2020), em aliança com Consed, Undime e Fundação Lemann, produziu “uma estratégia de apoio emergencial às Secretarias de Educação”, na qual se destacam a “oferta de modelos de aula remota e ferramenta de apoio à decisão” e o “apoio à implementação das estratégias de aula remota nas redes de ensino”.

Neste panorama, as grandes empresas transnacionais do mercado de tecnologia digital, as cinco grandes do BigData – Google, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft -, são a expressão objetiva da consolidação dos interesses em disputa. Essa gama incide na construção de estratégias de ensino, cujo formato remoto possibilita ofertar uma série de produtos e serviços que pretendem instrumentalizar processos de ensino-aprendizagem. [...]

Destaca-se ainda que o interesse não é apenas econêmico, mas também político e ideológico. A ausência de políticas públicas efetivas para a educação, em especial ao PAEE, nesse momento de pandemia, e a precarização do trabalho do professor e do aluno, via ensino remoto, representa uma forma de obstaculizar a criticidade e inviabilizar qualquer tentativa de resistência social diante das contradições e mazelas do capitalismo. Nessa ótica, investir adequadamente na formação dos grupos marginalizados, dentre eles, os alunos PAEE, não é uma prioridade financeira, tampouco política e ideológica, posto que poderia fortalecer a luta desses grupos contra a hegemonia do capital.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Perante as questões apresentadas, entende-se que as legislações paranaenses pouco esclarecem os gestores escolares e os professores quanto ao atendimento educacional adequado aos alunos PAEE matriculados nas classes comuns das escolas públicas em tempos de ensino remoto emergencial. Se o atendimento para esses alunos no ensino público presencial já carecia com a insuficiência de políticas efetivas para formação de professores, baixos investimentos, entre outros, (KASSAR, 2012), no período da COVID-19, o que se observa, é sobrelevar e escancarar as desigualdades já existentes.

Nesse sentido, uma vez que o estado do Paraná adotou o ensino remoto emergencial como prática pedagógica alternativa, e a educação é um direito de todos e dever do Estado e da família, conforme artigo 206 da Constituição Federal (BRASIL, [2020a]), cabe ao governo paranaense garantir que os alunos PAEE não tenham prejuízos em seu ano letivo, sobretudo diante da ampla gama de tributos paga pelo cidadão paranaense ao poder público. O estado do Paraná deve formular políticas sólidas, que atendam as especificidades dos alunos PAEE nesse momento de COVID-19, como materiais adaptados para estudarem em casa, como também, auxílio de recursos humanos, como professores exclusivos, psicólogos, terapeutas, entre outros, mesmo que de forma remota, pois entende-se que a tarefa dos pais ou responsáveis é apoiar as crianças e adolescentes nos estudos, mas não ensiná-los.

Todavia, não se pode ignorar que a COVID-19 se dá em tempos de Estado Neoliberal e que esse, como ressalta Leher (2020), ainda utiliza-se da lei da seleção natural, ou seja, da lei dos mais fortes, mais capazes e enérgicos, como forma de seleção social para justificar a desigualdade social. A partir dessa perspectiva, o Estado busca o consenso de que está fazendo a sua parte para que o processo ensino e aprendizagem não seja interrompido, ao permitir o ensino remoto. Se alguns alunos têm dificuldades de aprendizagem, como os alunos PAEE, justifica-se como algo inerente à lei de seleção natural. Oculta-se as contradições sociais capitalistas e o fato de que o Estado não tem interesse em proporcionar às condições adequadas de aprendizagens aos alunos, principalmente em relação ao PAEE. Todos os alunos não estão no mesmo barco já que não há igualdade em uma sociedade que reproduz a desigualdade educacional e social. A pandemia apenas acirra e revela os antagonismos e contradições e o fato de que a luta por uma educação de qualidade para todos também requer um processo simultâneo e recíproco de luta pela superação da ordem societal vigente.

O ensino remoto emergencial foi a alternativa pedagógica implementada como política do governo paranaense sob o discurso de enfretamento da COVID-19 no âmbito educacional. A opção por tal política não é imparcial, mas produto das disputas entre os interesses públicos e privados, das quais saíram vitoriosas as forças representativas no Estado e na sociedade civil vinculadas à iniciativa privada. Por isso, a luta por uma educação especial inclusiva no sentido de promoção do desenvolvimento das potencialidades de todos os educandos, deve estar vinculada à luta pela escola pública, gratuita, universal e laica. Nesse sentido, compartilha-se da visão de Garcia e Michels (2018, p. 65) de que cabe a escola elevar “[...] a formação cultural dos estudantes para compreender a realidade social. Na sociedade capitalista tal tarefa implica pensar dialeticamente as contradições e mediações desse processo [...]”. Dialeticamente, o ensino remoto, que tem sido apropriado a serviço do capital, também tem se apresentado como um espaço para a formação escolar dos estudantes, a aproximação da escola com as famílias e para o debate, a socialização e a produção de conhecimentos entre as universidades, as escolas e a sociedade. No movimento contraditório da história, o ensino remoto emergencial também pode ser compreendido como uma alternativa pedagógica de luta por uma educação e uma sociedade igualitárias e humanizadas.

1Compõe o público alvo da educação especial (PAEE) os alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento, altas habilidades/superdotação e transtornos funcionais específicos (disgrafia, disortografia, dislexia, discalculia, transtorno de déficit de atenção/hiperatividade) (PARANÁ, 2016).

2A Deliberação CEE/CP nº 02/2020, alterou o artigo 2.° da Deliberação CEE/CP nº 01/2020 e autorizou atividades não presenciais para a educação infantil (PARANÁ, 2020j).

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Recebido: Novembro de 2020; Aceito: Março de 2021

Informações do(a)(s) autor(a)(es)

Gesilaine Mucio Ferreira

Universidade Estadual de Maringá (UEM)

E-mail:gesimf@gmail.com

ORCID: http://orcid.org/0000-0002-200E507X

Link Lattes: http://lattes.cnpq.br/4148861953618813

Erika Ramos Januário

Universidade Estadual de Maringá (UEM)

E-mail: erikauem@gmail. com

ORCID: http://orcid.org/0000-0001-6286-6772

Link Lattes: http://lattes.cnpq.br/3659736553322153

Jani Alves da Silva Moreira

Universidade Estadual de Maringá (UEM)

E-mail: jasmoreira@uem.br

ORCID: http://orcid.org/0000-0002-3008-0887

Link Lattes: http://lattes.cnpq.br/8162047783765424

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