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Revista Teias

versão impressa ISSN 1518-5370versão On-line ISSN 1982-0305

Revista Teias vol.22 no.66 Rio de Janeiro jul./set 2021  Epub 06-Fev-2023

https://doi.org/10.12957/teias.2021.57149 

Artigo

PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES: comunicação alternativa e TEA

CONTINUING TEACHER TRAINING PROGRAM: alternative communication and ASD

PROGRAMA DE FORMACIÓN CONTINUA DE PROFESORES: comunicación alternativa y TEA

Carla Cordeiro Marçal y Guthierrez1 
http://orcid.org/0000-0001-7402-9365; lattes: 5062002502458018

Catia Crivelenti de Figueiredo Walter2 
http://orcid.org/0000-0002-7033-8301; lattes: 4061818490832341

1Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

2Programa de Pós-Graduação em Educação (ProPEd) / Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) E-mail:


Resumo

A formação de professores contribui no desenvolvimento profissional e na participação nos movimentos de luta por justiça social. Na educação especial a formação ainda oferece a diminuição das lacunas na qualidade da educação. O presente artigo apresenta um Programa de Formação Continuada no uso da comunicação alternativa (CA) para professores do Atendimento Educacional Especializado. É fruto de uma etapa de pesquisa de doutorado quando se analisaram os efeitos da autoscopia na prática docente. Verificaram-se as consequências do uso da comunicação alternativa nas relações interativas no cotidiano escolar dos estudantes com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e suas professoras. Os resultados sinalizaram um aumento nas interações dos estudantes com TEA e suas professoras. Os estudantes começaram a fazer uso dos cartões de CA em sala de aula, tendo o PECS-Adaptado como um eficaz sistema.

Palavras-chave: formação continuada de professores; comunicação alternativa; autoscopia; transtorno do espectro autista.

Abstract

Teacher training contributes to professional development and participation in movements for the fight for social justice. In Special Education, training still offers the reduction of gaps in the quality of education. This article presents a Continuing Education Program in the use of Alternative Communication (CA) for teachers of Specialized Educational Services. It is the result of a stage of a doctoral research in which the effects of autoscopy on teaching practice were analyzed. The consequences of using Alternative Communication in interactive relationships in the daily school life of students with Autism Spectrum Disorder (TEA) and their teachers were verified. The results signaled an increase in student interactions with ASD and their teachers. Students began to use AC in the classroom, with PECS-Adapted as an effective system.

Keywords: continuing education of teachers; augmentative and alternative communication; autoscopy; autism spectrum disorder.

Resumen

La formación del profesorado contribuye al desarrollo profesional y la participación en movimientos de lucha por la justicia social. En Educación Especial, la formación todavía ofrece la reducción de brechas en la calidad de la educación. Este artículo presenta un Programa de Educación Continua en el uso de la comunicación alternativa (CA) para docentes de Servicios Educativos Especializados. Es el resultado de una etapa de una investigación doctoral en la que se analizaron los efectos de la autoscopia en la práctica docente. Se verificaron las consecuencias del uso de la comunicación alternativa en las relaciones interactivas en la vida escolar diaria de los estudiantes con Trastorno del Espectro Autista (TEA) y sus profesores. Los resultados señalaron un aumento en las interacciones de los estudiantes con ASD y sus maestros. Los estudiantes comenzaron a utilizar tarjetas CA en el aula, con PECS-Adapted como un sistema eficaz.

Palabras clave: formación continua de docentes; comunicación augmentativa y alternativa; autoscopia; desorden del espectro autista.

INTRODUÇÃO

A temática formação de professores é considerada como fator importante para o crescimento do profissional de educação. Algumas pesquisas relevantes da área da educação inclusiva revelam mudanças significativas na prática docente. Togashi, Silva e Schirmer (2017) revelam que a formação continuada em serviço é fundamental para que o professor se torne cada vez mais habilitado e seguro e, dessa forma, possa desenvolver a profissão docente com êxito. Segundo Barros e Moraes (2002), tais inquietações, que colocam em questão os modos hegemônicos de formação do professor, apostam em práticas que se configuram em múltiplas formas de ação, como produção de saberes e de práticas sociais que constituem os sujeitos.

Durante uma formação é preciso ficar claro para os formadores que o ato de ensinar tem especificidades diferentes do ato de aprender. É preciso confrontar as análises realizadas até o presente momento e transformá-las em propostas em que seja possível a viabilização, caso contrário só restará constatar os fracassos (GATTI, 1992). Assim, a formação de professores deve assumir um componente prático, sempre fundamentado na teoria e voltado para a aprendizagem dos alunos e pautado em estudos de casos reais.

Compreende-se que a formação docente precisa ter um caráter reflexivo, em que o professor é capaz de pensar sua prática através da observação e, a partir disso, atribuir sentidos e significados de suas ações em sala de aula. Dessa maneira, o presente artigo relata a experiência de uma etapa realizada em uma pesquisa de doutorado, quando se utilizou uma estratégia de formação docente denominada de autoscopia, que tem sido um procedimento que permite tal reflexão e, portanto, favorece o processo de tornar-se um professor reflexivo. A autoscopia foi descrita por Sadalla e Larocca (2004) como sendo uma técnica de pesquisa e de formação que se vale de videogravação de ações de um ou mais sujeitos, numa dada situação, visando posteriormente uma autoanálise reflexiva sobre a própria prática docente (NUNES, 2020). A formação de professores não pode ser pensada numa perspectiva de simples transmissão de um conceito, mas com vista a instrumentar o aluno, transformando-o em um cidadão para melhor compreender a realidade em que se encontra, possibilitando-lhe uma atuação consciente sobre ela (MAGALHÃES, 2009; LEBLANC, MAYO, 2017). Por conseguinte, acredita-se na técnica da autoscopia como uma excelente ferramenta para que o professor se observe com o distanciamento necessário para refletir sobre suas posturas e, portanto, reformular suas práticas docentes e planejamento de suas aulas (GUTHIERREZ, WALTER, 2020).

Uma outra questão apresentada é a despeito do número de estudantes com Transtorno do Espectro Autista (TEA), que vem sendo consideravelmente crescente no cotidiano escolar, sobretudo os que se apresentam sem fala funcional. O TEA é caracterizado pela baixa interação social do indivíduo, comprometimentos na comunicação, nas relações sociais, além de comportamentos inadequados e interesses restritos (APA, 2014; PAULA, RIBEIRO, FOMBONNE, MERCADANTE, 2011). Muitos questionamentos pairam sobre as mentes dos professores das salas do Atendimento Educacional Especializado (AEE), a saber: como ocorre a comunicação desses estudantes, sem fala funcional no contexto de sala de aula regular? Com quem se comunicam? Como têm sido as trocas comunicativas entre esses estudantes e seus pares na sala de aula regular e na sala do AEE?

A comunicação alternativa (CA), também conhecida como comunicação alternativa e ampliada (CAA), comunicação alternativa e aumentativa (CAA) e, também, como comunicação suplementar e alternativa (CSA) é considerada mais do que uma área da Tecnologia Assistiva. Ela promove e suplementa a fala, ou garante uma forma alternativa se o indivíduo não se mostrar capaz de desenvolvê-la (NUNES, 2013), bem como oferece estratégias de comunicação aos seus interlocutores (NUNES, 2007, 2009; SCHIRMER, 2012). A CA também se caracteriza por um conjunto de métodos e técnicas que facilitam a comunicação, ampliando as possibilidades de troca, de experimentação individual e de relacionamento com o outro. O uso dos cartões de comunicação é frequente por serem recursos simples e geralmente são utilizados com símbolos gráficos, pictogramas, imagens ou fotografias dispostas num espaço mais compacto e com uma legenda.

Num estudo desenvolvido por Walter e Nunes (2013), os professores receberam um curso de formação teórico-prático sobre o emprego do PECS-Adaptado1 (WALTER, 2000), que consiste num sistema de comunicação alternativa por intercâmbio de figuras, valorizando o engajamento social, e que é especialmente destinado aos alunos com TEA. O PECS-Adaptado vem se mostrando um programa muito promissor para alunos com TEA, uma vez que sua forma flexível de aplicação pode ser modificada e adaptada nas salas de AEE e sala de aula regular. Resultados com esse programa revelam que a maioria dos professores apresentaram intenção de se comunicar com seus alunos e vice-versa, demonstrando ser uma forma eficaz de expressar as necessidades na sala de aula (WALTER, 2017). Também mostrou ser um programa que oferece suporte aos professores do AEE, para os quais a CA deve ser introduzida inicialmente na sala de AEE e, posteriormente, na sala de aula regular (WALTER, NUNES, 2013).

Utilizar a CA em sala de aula é refletir sobre em que consiste a comunicação humana, pois segundo Mcewin e Santow (2018), os seres humanos não podem viver ou prosperar isolados por serem inerentemente sociais, pois a comunicação é essencial para toda a humanidade.

É preciso que o professor tenha conhecimento sobre a comunicação alternativa para garantir o acesso do aluno ao espaço físico, às interações e à comunicação. Para os alunos com TEA, a comunicação é fundamental e necessária no seu processo de inclusão escolar (TOGASHI, WALTER, 2016). É fundamental que desenvolvam habilidades suficientes para enviar e receber suas mensagens, de forma clara e objetiva, para que uma interação comunicativa seja considerada como bem-sucedida (KENT-WALSH, MCNAUGHTON, 2005).

O presente artigo apresenta um recorte de uma pesquisa de doutorado, correspondendo ao Estudo 1 e tem como objetivo descrever um programa de formação continuada utilizando a autoscopia e verificar seus efeitos nos comportamentos comunicativos das professoras e de seus alunos com TEA, por meio do uso da comunicação alternativa, mais especificamente, do PECSAdaptado.

MÉTODO

O Estudo 1 é parte de uma pesquisa de doutorado, que teve sua justificativa pautada na necessidade de formar professores do AEE no uso da comunicação alternativa, em uma escola pública do estado do Rio de Janeiro, mediante as necessidades complexas de comunicação dos alunos com TEA.

Participantes: participaram do estudo duas professoras do AEE, com atuação também na sala de aula regular, com nomes fictícios de Maria e Vânia e seus respectivos alunos com TEA, também com nomes fictícios de Júlio e Marcos. Os participantes serão descritos a seguir:

  • Maria é professora do AEE e trabalhava na instituição de ensino há sete anos. Nessa instituição, o AEE tem a perspectiva de ensino colaborativo, quando ocorre a bidocência2. Assim, o estudante era atendido por Maria na sala de aula regular, de forma individualizada. A professora participou da formação continuada e concordou em participar do Estudo I, com o uso da autoscopia pois, segundo ela, contribuiria para sua prática docente e favorecimento da comunicação e interação com o aluno Júlio.

  • Vânia é professora do AEE e trabalhava na instituição de ensino há cinco anos. O atendimento especializado realizado por Vânia também acontecia em sala de aula regular e, no período da investigação, era o terceiro ano consecutivo de atendimento ao aluno Marcos. Ela participou da formação continuada e concordou em participar do Estudo I.

  • Júlio tem diagnóstico de TEA e tinha seis anos de idade no início do estudo. Cursava o 1º ano do ensino fundamental e ingressou na instituição de ensino no ano em que ocorreu a investigação, por meio de sorteio de cotas para estudantes com deficiências. O estudante é acompanhado por especialistas (fonoaudióloga e psicopedagoga) desde os três anos de idade.

  • Marcos tem diagnóstico de TEA e tinha dez anos de idade no início do estudo. Cursava o 3º ano do ensino fundamental e estava na instituição há quatro anos. No ano da investigação, Marcos cursava o 3º ano/EF pela segunda vez. Iniciou o acompanhamento fonoaudiológico há dois anos.

Assistentes de pesquisa: a pesquisa contou com três assistentes de pesquisa e a intervencionista. As três estudantes do 7º período do curso de Biologia e bolsistas de projetos com temáticas de educação inclusiva foram responsáveis pelas gravações e transcrições dos vídeos.

Local: o estudo foi realizado na sala de Atendimento Educacional Especializado (AEE) e na sala de aula de uma escola pública do estado do Rio de Janeiro, estruturada com mesas e cadeiras, computadores, impressora e armários com livros e jogos didáticos-pedagógicos.

Equipamentos e materiais: uma filmadora digital, uma câmera fotográfica, um computador notebook, uma plastificadora e uma impressora. Como materiais foram utilizados os cartões de CA contendo pictogramas do site ARASSAC3, atividades pedagógicas realizadas com imagens diversas.

Instrumentos: foram utilizados questionários para descrever o perfil e o conhecimento das professoras acerca da comunicação alternativa, folhas de registro das filmagens e diário de campo, nas quais foram registradas as impressões e anotações da pesquisadora em todas as sessões. Os instrumentos de coleta de dados serão detalhados a seguir:

  • Roteiro de entrevista semiestruturada: realizada individualmente com as duas professoras do AEE, com o objetivo de obter informações a respeito da formação inicial e a execução de suas funções pedagógicas;

  • Roteiro de entrevista semiestruturada: realizada individualmente com as professoras do AEE, com o objetivo de obter informações a respeito da dinâmica de bidocência na instituição; ▪ Diário de campo: anotações do registro corrido realizadas pela pesquisadora;

  • Grupo de WhatsApp: aplicativo de celular, pelo qual foram compartilhados vídeos, fotografias, apresentação em Power point e informações, ao longo da formação;

  • Questionário final: realizado após a formação continuada com as professoras do AEE, no qual as professoras descreveram suas experiências antes, durante e após a formação. O instrumento também avaliou a autoscopia realizada, assim como o uso da comunicação alternativa em suas práticas.

Delineamento experimental: trata-se de uma pesquisa quase-experimental do tipo A-B (A - linha de base, B - intervenção). Esse delineamento preconiza a coleta de dados da Variável Dependente (VD), ou comportamento-alvo, na fase A, denominada de linha de base, ou seja, sob as contingências naturais, e na fase B, após a implementação dos procedimentos de intervenção ou tratamento (NUNES, WALTER, 2014).

Variáveis: a variável independente (VI) consistiu no uso da autoscopia durante o curso de formação continuada para ensinar aos professores do AEE no uso de cartões de CA, na fase 1 do PECS-Adaptado, e as variáveis dependentes (VDs) consistiram no comportamento das professoras quanto ao uso dos cartões de CA com seus alunos com TEA, durante a realização de atividades pedagógicas. Assim, foi possível verificar os seguintes comportamentos da professora:

  1. Professora favorece a comunicação do estudante: ocorria quando a professora utilizava os cartões de CA a fim de estabelecer algum diálogo com o estudante, de modo que ele tivesse condições de expressar algo desejado.

  2. Atividades pedagógicas realizadas pela professora com o uso da CA: foi observado se a professora utilizava, em sala de aula, cartões de CA para mediar atividades pedagógicas; se fazia uso de cartões de CA para orientar as atividades (rotina) e facilitar a aprendizagem do estudante.

  3. Aplicação da fase 1 do PECS-Adaptado para favorecer a comunicação dos alunos com TEA e a professora: observou-se a entrega dos cartões de CA dos alunos para a professora com intenção de solicitar algum item desejado, correspondendo à fase 1 do PECS-Adaptado.

Procedimentos gerais: a pesquisa teve aprovação do Comitê de Ética e da Instituição de ensino. (Parecer consubstanciado do CEP n. 3.236.623). Os participantes foram contatados pela pesquisadora que apresentou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), sendo assinado pelos participantes e seus responsáveis.

Procedimentos específicos: os procedimentos de pesquisa foram empregados em duas etapas, a saber:

I - Linha de Base (LB)

Procedeu-se da seguinte maneira: as assistentes da pesquisa filmavam o dia a dia das professoras com os alunos com TEA, durante 30 minutos de registro corrido por sessão. Foram realizadas três sessões de linha de base, a fim de verificar a comunicação por meio do uso dos cartões de CA pelas professoras com os alunos com TEA. O material gravado foi coletado na sala de aula comum, onde o professor do AEE realizava o atendimento ao aluno com TEA. As assistentes de pesquisa e a pesquisadora organizaram as gravações de acordo com a presença dos sujeitos nos dias das sessões realizadas pelas professoras. Cabe salientar que as assistentes foram treinadas pela pesquisadora, a fim de obter gravações fidedignas e evitar que ocorressem interrupções nas cenas.

Após as gravações de linha de base, a pesquisadora armazenava os vídeos e iniciava o processo de observação das cenas referentes aos comportamentos destacados nas variáveis dependentes para posterior realização dos recortes, necessários para o processo de reflexão e formação das professoras. As variáveis foram mensuradas por número absoluto de ocorrências, pelo registro de tempo em intervalos de cinco minutos, totalizando 20 minutos de análise para cada variável.

II - Intervenção: Programa de Formação Continuada com Autoscopia

Essa etapa teve início após a linha de base. A intervenção foi composta por três momentos: a autoscopia de treinamento; o curso de formação continuada e a autoscopia orientada. Acreditase que a autoscopia constitui uma excelente ferramenta para que o professor se observe com o distanciamento necessário para refletir suas posturas e, portanto, reformular suas práticas docentes e planejamento de suas aulas.

Antes do início da formação continuada, a pesquisadora assistiu os vídeos das três sessões de linha de base juntamente com as professoras. Foram 20 minutos de cada sessão e o objetivo foi a familiarização das professoras com os vídeos e a observação de suas práticas, constituindo o momento de autoscopia de treinamento. Após o período de autoscopia de treinamento, iniciou-se o curso de formação continuada no uso da CA, com as professoras. Nesse período, as professoras foram instruídas pela pesquisadora sobre como utilizar os cartões pictográficos como forma alternativa de comunicação, quando os alunos deveriam entregar o cartão de CA, correspondente ao item desejado, para a professora, configurando assim a fase 1 do PECS-Adaptado, associado às estratégias naturalísticas de ensino. Essa formação continuada teve quatro encontros de 5 horas, totalizando 20 horas de curso. Após cada sessão de formação acontecia o momento denominado de autoscopia orientada com as professoras, que durava 20 minutos por sessão.

No programa de formação continuada o objetivo foi dialogar sobre a inclusão dos alunos com TEA sem fala funcional e refletir, a partir de leituras de artigos científicos sobre as práticas docentes e sobre a eficácia do uso de recursos de CA na aprendizagem e comunicação de alunos com TEA. Para isso, dialogou-se sobre os interesses dos alunos com TEA, a importância da rotina, a organização das atividades didático-pedagógicas, a comunicação alternativa e ampliada (CAA) e o PECS-Adaptado. As professoras foram ensinadas a empregar o PECS-Adaptado (WALTER, 2000) em suas cinco fases. Concomitantemente ao treinamento do PECS-Adaptado, elas foram instruídas a utilizar estratégias naturalísticas de ensino, favorecendo habilidades funcionais, independência e promoção da criatividade dos alunos por meio do uso da CA. Deu-se ênfase ao arranjo ambiental que se caracterizava pela organização física do ambiente, em que os pictogramas (construídos durante a formação) eram colocados próximos ao aluno e representavam os itens de interesse, que estavam sempre dispostos no campo visual deles e fora do alcance. Utilizou-se a estratégia de mando com CA, quando as professoras formulavam perguntas e comentários, além de solicitações, utilizando sempre a fala concomitante com o sistema pictográfico de CA. Ao final de cada encontro foi separado um momento para a realização da autoscopia orientada, que ocorria por meio dos recortes das gravações dos comportamentos comunicativos das interações entre as professoras do AEE e os alunos com TEA.

Os encontros tiveram as seguintes temáticas:

Tabela 1 Datas e temáticas dos encontros 

Datas dos Encontros Temas trabalhados
06/06/2019 Inclusão de alunos com Transtorno do Espectro Autista no contexto escolar (CONCEITOS)
13/06/2019 Inclusão de alunos com Transtorno do Espectro Autista no contexto escolar (ROTINA)
27/06/2019 Comunicação alternativa e ampliada para alunos com TEA no ensino fundamental (CAA e PECS-Adaptado)
11/07/2019 Inclusão de alunos com Transtorno do Espectro Autista no contexto escolar (ATIVIDADES PEDAGÓGICAS)

Fonte: Elaboração das autoras.

Nesses encontros discutiu-se sobre os conceitos de inclusão de crianças com TEA no contexto escolar, assim como sobre o uso de cartões representativos da rotina diária, como estratégia de intervenção pedagógica; sobre o uso de cartões de CA por alunos com TEA; e sobre a flexibilização curricular e as fases do PECS-Adaptado. Em todos os encontros havia um diálogo e relatos reais de experiências vivenciadas pelas professoras do AEE com seus respectivos alunos com TEA. Foram também abordados assuntos sobre o diagnóstico clínico e as manifestações comportamentais das crianças com TEA, dificuldades comunicativas, déficits no processamento de informações sensoriais, dentre outros. Tratou-se dos problemas de comunicação e alterações sensoriais das pessoas com TEA e as consequências no cotidiano escolar, como: alta e baixa responsividade sensorial; busca por sensações compensatórias, como girar objetos ou seu próprio corpo, bater palmas e fazer ruídos ou emitir gritos e sons mediante desconforto.

Em todos os encontros discutiram-se os desafios da inclusão do aluno com TEA tratando a complexidade de se promover a inclusão escolar, uma vez que requer suportes especializados e, também, de adequações de currículo no contexto educacional, como também o uso de um Plano Educacional Individualizado (PEI).

Criou-se um grupo de WhatsApp no primeiro encontro, para que as inquietações fossem consideradas no decorrer da semana e foi solicitado às professoras que enviassem duas listas com as seguintes relações: a) atividades propostas no dia a dia com os alunos, sobretudo em relação à rotina; b) interesses dos alunos referentes aos desejos e necessidades (beber, comer, brincar, filmes e objetos favoritos). Chegou-se a um ponto em comum, quando as rotinas podiam ser agrupadas em diversas categorias, considerando-se o contexto social ou ambiente físico onde ocorriam as atividades pedagógicas. Podiam, também, ser agrupadas pelas categorias presentes nas rotinas dos alunos, considerando suas naturezas e funções, como por exemplo: lúdicas, cuidados pessoais, atividades realizadas no contexto familiar/comunidade e atividades acadêmicas. A pesquisadora contribuiu com algumas possibilidades de atividades em relação a essa rotina. Conforme imagem abaixo:

Fonte: Elaboração pelas autoras utilizando os pictogramas do ARASAAC4

Figura 1 Cartões pictográficos representativos da rotina dos estudantes com TEA 

Durante o período da formação, a pesquisadora manteve um canal de comunicação permanente entre as professoras e assistentes de pesquisa, que ocorria entre um encontro e outro. As dúvidas e sugestões eram sanadas e dialogadas por esse meio de comunicação. Assim, as professoras apresentaram alguns pequenos trechos de vídeos dos participantes alunos em suas principais rotinas. Entre o primeiro e segundo encontro, as assistentes de pesquisa confeccionaram alguns cartões de CA para que as professoras utilizassem nas atividades em suas salas de aula. Essa organização foi possível após obter a lista encaminhada pelas professoras contendo os interesses e desejos dos alunos com TEA. Vale dizer que algumas professoras precisaram recorrer às famílias para obter algumas informações mais precisas dos alunos.

Outra questão relevante no processo de autoscopia e bastante presente na discussão entre as professoras foi referente à implementação da comunicação alternativa com os alunos com TEA no AEE. Assim, iniciou-se a proposta de intervenção comunicativa baseada no PECS-Adaptado e nos pressupostos do Currículo Funcional Natural (CFN) e como são realizadas as cinco fases que compõem o programa por intercâmbio de cartões de CA. Elencaram-se algumas ideias para proporcionar a comunicação entre as professoras e seus alunos, como: a) verificar os interesses e desejos dos alunos em sala de aula; b) elaborar os cartões de CA referentes aos vocabulários de interesses coletados; c) iniciar a CA utilizando apenas 1 cartão de CA por vez, para solicitar o item desejado por meio da troca do cartão (Fase 1 do PECS-Adaptado); d) realizar essas atividades no contexto natural da sala de recursos e/ou sala de aula comum, dentro das propostas de atividades do planejamento da escola.

Outros questionamentos que foram citados nos encontros: como propor atividades pedagógicas para o meu aluno com TEA? Por onde começar? E para iniciar esse diálogo e debate, a pesquisadora propôs uma discussão sobre o Plano de Ensino Individualizado (PEI). Assim, algumas possibilidades de intervenção mais adequadas foram destacadas, a saber: a) basear as atividades pedagógicas pautadas nos interesses dos alunos; b) promover o ensino de novas habilidades, baseada no interesse e relacionada à idade cronológica dos alunos; c) aumentar o repertório de interesse; d) utilizar os diferentes tipos ou níveis de ajuda (ou apoio) para garantir a realização das atividades pelos alunos, pois quanto menos apoio o aluno receber, mais independente ele se tornará (apoio físico, verbal, visual, supervisão e independência); e) valorizar os acertos obtidos, por meio de elogios e motivação de novas tentativas; f) pensar e criar atividades que garantam os êxitos (ensino sem erros), como também, aguardar o tempo de resposta do aluno; g) garantir a atenção às ordens dadas e às respostas dos alunos por meio das aproximações, que podem ser representativas de comunicação de algo desejado. Ao final desse encontro, as professoras responderam um questionário final sobre os encontros de formação continuada, o uso da autoscopia e as possíveis mudanças na prática pedagógica que elas praticaram, assim como sugestões para o Programa de Formação Continuada no uso da CA.

Procedimentos específicos da autoscopia: antes das sessões de autoscopia, as assistentes de pesquisa filmaram as professoras em suas salas de aula com os estudantes com TEA. Vale lembrar, que na instituição de ensino pesquisada, ocorre a bidocência, quando os estudantes com deficiências e/ou TEA são atendidos em salas de aula comum pelas professoras especialistas. As gravações tiveram a duração de 30 minutos ininterruptos, para que as atividades ou cenas não sofressem modificações do contexto real. Ao final de cada gravação a pesquisadora organizava os vídeos e os assistia de maneira cuidadosa e atenciosa para a seleção das cenas, que representassem os comportamentos alvos. Durante esse momento, a pesquisadora separava as cenas importantes para iniciar a reflexão e discussão sobre o assunto selecionado, que seria discutido nas sessões da autoscopia orientada.

O momento de autoscopia coletiva orientada, heteroscopia, acontecia ao final de cada encontro, que foi descrito acima e, durante a semana, as professoras colocavam em prática os conceitos discutidos e refletidos em suas salas de aula. Realizaram-se quatro sessões de autoscopia orientada, com 20 minutos para cada professora. A pesquisadora selecionava as cenas anteriormente ao encontro e dialogava sobre os vídeos e suas práticas. As interferências da pesquisadora eram utilizadas nesse momento, sendo a autoscopia orientada realizada com e para as professoras.

Como protocolo para realizar a autoscopia orientada, a pesquisadora selecionou os recortes das cenas escolhidas, suas observações e datas da autoscopia. Foi proposta a análise de algumas categorias de respostas mediante as Variáveis Dependentes (VDs) e os comportamentos que integram cada categoria, a saber:

  1. Professora favorece a comunicação

    • Promove a interação e comunicação com o aluno: a professora incentiva a comunicação do estudante; responde perguntas/solicitações do estudante; possibilita a comunicação do estudante com seus pares; aguarda a resposta do estudante; incentiva a autonomia do estudante; sinaliza as respostas corretas, incorretas e inadequadas; oferece feedback positivo, negativo ou corretivo; demonstra comportamentos afetuosos.

  2. Atividades pedagógicas realizadas pelas professoras

    • Promove o uso de recursos de CA para interação, comunicação e realização de atividades: a professora utiliza cartões da CA para adaptar as atividades pedagógicas; utiliza a CA para estimular a conversa; os cartões de CA são utilizados para construir a rotina; utiliza algum cartão de CA para pedir um objeto ou expressar algum desejo.

  3. Aplicação da 1ª fase do PECS-Adaptado para favorecer a comunicação entre a professora e seu aluno com TEA

    • ▪ Promove a capacidade do aluno para realizar a generalização do uso dos cartões de CA: aluno com TEA é capaz de iniciar ou responder a interação com seus pares; inicia interação utilizando os cartões de CA com auxílio físico, verbal, supervisão e/ou independência; responde interação com o uso dos cartões de CA.

Procedimentos de análise dos dados: no presente estudo optou-se por uma análise das entrevistas realizadas com as professoras do AEE, análise do questionário final, aplicado após a formação continuada e análise das filmagens realizadas após os encontros de formação. Ressalta-se que as entrevistas foram filmadas e transcritas por uma assistente de pesquisa. O material coletado foi analisado pela pesquisadora, com o objetivo de verificar o conhecimento e prática das professoras sobre o uso dos recursos de comunicação alternativa. Com as filmagens, verificou-se a aplicação da primeira fase do PECS-Adaptado realizada pelas professoras, observando as condições favoráveis para a evolução nas fases do PECS-Adaptado (fase 1 à fase 5).

Índice de Concordância interobservador: para garantir a fidedignidade dos dados analisados do Estudo I, foi realizada uma avaliação de concordância entre a pesquisadora e um segundo observador (1º juiz), que recebeu instruções sobre as definições das categorias. E com 25% das sessões experimentais da linha de base e da intervenção pela pesquisadora (2º juiz) e utilizada a fórmula índice de concordância, proposta por Fagundes (2004), na qual o número de acordos de respostas é dividido pela soma dos acordos e desacordos, multiplicados por 100. Portanto, a média dos índices de fidedignidade do Estudo I foi de 82,7%.

RESULTADOS

Após cada encontro de formação com as professoras, iniciou-se o momento de autoscopia orientada com as professoras participantes da pesquisa, quando as cenas eram previamente separadas para o diálogo e para a intervenção direta na prática das professoras. As professoras puderam assistir aos vídeos sobre suas práticas e as atividades desenvolvidas com seus respectivos alunos com TEA. Eram destacados trechos considerados de grande importância para a reflexão e o diálogo com às professoras. Algumas ações foram sugeridas após as observações dos vídeos para o favorecimento da comunicação dos alunos com TEA. Proporcionaram-se momentos de diálogo a partir da própria ação docente, sendo estimulada a prática docente reflexiva, por meio da observação dos trechos selecionados nos vídeos.

A autoscopia orientada permitiu um momento prazeroso e de grande aprendizado, passando a ser mais desejado pelas professoras, ao perceberem que os diálogos e as reflexões estavam trazendo modificações no dia a dia, com seus alunos. As análises dos comportamentos das professoras, oferecidas por meio da autoscopia orientada, promoveram mudanças significativas nas atitudes das professoras e dos alunos com TEA, quanto ao uso dos recursos da CA. O uso dos cartões de CA foi sugerido em diferentes momentos e, durante suas práticas, faziam as modificações necessárias na medida do possível.

As dificuldades comunicativas dos alunos com TEA foi foco de reflexão constante pelas professoras, que puderam repensar, principalmente nas formas de comunicação expressiva, na intenção comunicativa, na participação e permanência nos atos comunicativos, enfim, no processo de interação e na relação social dos alunos com seus pares e professores. A Figura 2 revela essa condição vivenciada pela professora Maria e seu aluno Júlio, que percebeu claramente a necessidade de utilizar mais os cartões de CA, na fase 1 do PECS-Adaptado, promovendo o intercâmbio de cartões que representavam os itens do interesse de Júlio. É possível observar o aumento no número de ocorrências do uso de cartões de CA por Júlio, quando a professora Maria modifica sua prática pedagógica e faz uso constante da CA na sala de aula. Verificou-se que a professora Maria utilizava os cartões de CA no período de linha de base, no entanto, o ato comunicativo entre a professora e aluno com TEA ainda não estava estabelecido. Com o início da intervenção, verificou-se um favorecimento da comunicação entre Maria e Júlio. Houve um avanço e uma estabilização no número de ocorrências do uso de cartões de CA a partir da 16ª sessão.

Fonte: Elaboração das autoras.

Figura 2 Uso dos cartões de CA utilizados pela professora Maria para incentivar a comunicação de Júlio 

As professoras modificaram suas práticas a partir da reflexão e observação das suas atividades e ações com os alunos com TEA, quando o processo de autoscopia orientada foi o grande aliado para tal mudança.

É possível observar na Figura 3 que a professora Vânia não utilizava os cartões de CA na fase de Linha de Base (LB). Após a intervenção, ela inicia o a 1ª fase do PECS-Adaptado, com o uso dos recursos para comunicar-se com Marcos. Logo na 1ª sessão de intervenção, Marcos começa a solicitar, à Vânia, seus itens de interesse e desejo por meio do intercâmbio dos cartões de CA. A professora Vânia também modifica sua prática na fase de intervenção e inicia a organização da rotina e, no momento da roda em sala de aula, pergunta se Marcos gostaria de levar a prancha com os cartões. Ele, imediatamente, pega a prancha e senta-se com seus pares na roda, interagindo mais na atividade proposta pela professora.

Fonte: Elaboração das autoras

Figura 3 Uso dos cartões de CA utilizados pela professora Vânia para incentivar a comunicação de Marcos 

Também, como resultado do curso de formação, foi construído um mural com pranchas de cartões de CA para a sala do AEE, para que todos os professores pudessem ter acesso aos cartões de CA e passar a utilizá-los com seus alunos, durante atividades especializadas.

A Figura 4 mostra como as pranchas e painéis de CA foram disponibilizados na sala do AEE, abordando os seguintes conteúdos escolares: emoções, ações, lugares e comida. Mesmo seguindo as diretrizes da perspectiva inclusiva, essa instituição não produzia materiais e recursos de comunicação alternativa para a promoção da interação dos alunos sem fala funcional. Durante a formação, viu-se a necessidade de produzir e inserir, na sala de recursos, pranchas e painéis de CA, para que todos pudessem ter acesso aos materiais (Figura 4).

Fonte: Arquivo pessoal das autoras

Figura 4 Pranchas e painéis de CA disponíveis na sala do Atendimento Educacional Especializado (AEE) 

Como resultado das sessões de autoscopia, foi possível ampliar o diálogo e ações sobre o uso da comunicação alternativa, que passou ser prioridade dentro da instituição de ensino e, consequentemente, proporcionou o favorecimento da comunicação aos alunos incluídos com necessidades complexas de comunicação. Observou-se o desempenho das professoras, a fim de favorecer a comunicação de seus estudantes com os recursos de comunicação alternativa.

O presente estudo, teve duração de seis meses e após a autoscopia orientada verificou-se um avanço significativo das professoras no uso dos recursos de CA em sala de aula, seja para comunicação com seus estudantes ou para utilização desses recursos na mediação pedagógica das atividades propostas.

Os resultados mostraram que as professoras analisaram o plano do AEE com a identificação das necessidades educacionais específicas dos alunos com TEA, definição dos recursos necessários e das atividades a serem desenvolvidas.

DISCUSSÃO

Refletiu-se sobre o uso das rotinas diárias com informação visual no trabalho pedagógico dos estudantes com TEA, quando as professoras puderam analisar a sua funcionalidade e promover a organização e informação da sequência das atividades programadas nas aulas. Esses eventos foram caracterizados pela presença de enunciados previsíveis, sequenciais e contextualizados, que permitiam, os alunos com TEA, conhecerem a rotina de atividades e se prepararem para possíveis respostas durante as interações com as professoras. As rotinas interativas mostraram ser uma ferramenta para o estudante aprender a dar sentido às formas da linguagem e auxiliar na interação social dos professores com seus alunos com TEA (GUTHIERREZ, WALTER, 2020).

Embora, ainda haja um mito a respeito da comunicação alternativa, de que o seu uso pode causar empecilhos no desenvolvimento da linguagem oral, as pesquisas científicas vêm revelando o contrário, pois o seu uso precoce tem favorecido e estimulado o desenvolvimento das habilidades comunicativas em crianças não verbais (NUNES, 2003; FROST, BONDY, 2001; WALTER, 2017). Verificou-se, que o PECS-Adaptado pode ser utilizado pelos professores do AEE tanto nas salas de aula, como nas salas de recursos multifuncionais, em consonância com os achados de Walter (2009), que ressalta a presença da comunicação alternativa em todos os contextos, quando as pessoas com TEA se comunicam de forma clara, na escola e em suas casas.

Um outro aspecto, discutido nos encontros com as professoras, foi sobre a importância da flexibilização curricular para o sucesso da inclusão de alunos com TEA, corroborando com Simpson, Boer-Ott e Smith-Myles (2003), que afirmam a necessidade de reflexão dos professores sobre as dificuldades da inclusão de alunos com TEA no contexto escolar, devido à natureza da gravidade gerada pelo transtorno e pelos problemas na comunicação e interação social.

Segundo Vianna (2015), após realizar uma pesquisa sobre inclusão de estudantes com deficiência, os resultados indicam a necessidade da realização do Plano Educacional Individualizado (PEI), que vem sendo apresentado no Brasil, como uma importante estratégia para elaborar, implementar e avaliar adaptações curriculares, que favoreçam a inserção de alunos com deficiência em turmas regulares de ensino, norteando as ações pedagógicas dos professores. No presente estudo, as professoras refletiram sobre a flexibilização do currículo e de atividades pedagógicas, considerando as habilidades de cada aluno, demonstrando perceber a necessidade de valorizar o potencial dos alunos com TEA.

Por meio da formação continuada, utilizando as técnicas da autoscopia, foi possível promover às professoras maior tomada de consciência de algumas lacunas em suas ações, podendo realizar a auto confrontação e a autoavaliação de suas práticas pedagógica. Nunes (2020) refere-se à autoscopia como uma intervenção de cunho colaborativo e tem uma marca dialógica, que contribui para a reflexão do professor e a reestruturação de sua sala de aula. Dessa maneira, percebe-se o quanto à autoscopia interfere positivamente na formação de professores e o quanto se faz necessário multiplicar essa técnica através de pesquisas baseadas em evidências, para o favorecimento de reflexão e flexibilização nas práticas pedagógicas dos professores (SILVA, 2016).

CONCLUSÃO

Importante que novas pesquisas avancem na formação continuada de professores e que a técnica da autoscopia seja um procedimento que promova a reflexão pela busca de nova práticas pedagógicas. É preciso pensar e atuar mais em comunicação alternativa para que os estudantes com TEA, sem fala funcional, não sejam mais prejudicados na vida escolar por não serem compreendidos e, muitas vezes, são taxados de deficientes intelectuais, pela dificuldade da comunicação por meio da fala. Se os espaços escolares, e sobretudo, os professores utilizarem os sistemas alternativos de comunicação, muitas barreiras poderão ser superadas e os estudantes poderão dialogar com todos ao seu redor.

Chegou-se à conclusão que para uma avaliação inicial era preciso o conhecimento amplo das características do aluno e para possuir um melhor direcionamento das intervenções realizadas. Foi possível construir a ideia de que a intervenção pedagógica deve ser adequada e articulada ao contexto inserido. Ressalta-se, o quanto a formação in loco contribui para implementar novas estratégias de ensino no ambiente, no qual ocorrem as interações e o quanto é necessário investir em mais pesquisas sobre a formação continuada dos professores no uso da comunicação alternativa, de uma maneira prática e reflexiva.

1O PECS-Adaptado (WALTER, 2000) é um programa de comunicação alternativa por meio de intercâmbio de figuras baseado no Picture Exchange Communication Symbols (PECS) (BONDY, FROSTY, 2001), que sofreu adaptações na sua forma de aplicação e registro, com estilo mais latino. As adaptações propostas foram fundamentadas na metodologia do Currículo Funcional Natural (LEBLANC, 1991) e apresentadas de forma diferenciada do programa original. Assim, o PECS-Adaptado é dividido em cinco fases de aplicação, sendo indicado para pessoas com autismo, ou com outros déficits severos na comunicação oral, que apresentam dificuldades para iniciar um diálogo de forma espontânea ou inabilidades sociais graves.

2Bidocência é a presença de dois professores em sala de aula, que constitui a proposta do ensino colaborativo (EC), consistindo no desenvolvimento de uma parceria entre as docentes do Atendimento Educacional Especializado (AEE) e as matérias escolares, no caso dos anos iniciais do EF, professoras do Núcleo Comum (NC), compartilhando regência, planejamento e avaliação no ensino.

4Disponível gratuitamente no sitehttps://arasaac.org

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Recebido: Janeiro de 2021; Aceito: Maio de 2021

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