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Revista Teias

Print version ISSN 1518-5370On-line version ISSN 1982-0305

Revista Teias vol.22 no.especial Rio de Janeiro Oct./Dez 2021  Epub Feb 18, 2023

https://doi.org/10.12957/teias.2021.64199 

Os currículos na compreensão da educação como direito humano: dignidade e cidadania na reflexãoação curricular

OS CURRÍCULOS NA COMPREENSÃO DA EDUCAÇÃO COMO DIREITO HUMANO: dignidade e cidadania na reflexãoação curricular

CURRICULUMS IN THE UNDERSTANDING OF EDUCATION AS HUMAN RIGHT: dignity and citizenship in reflectionaction curriculum

CURRÍCULOS EN LA COMPRENSIÓN DE LA EDUCACIÓN COMO DERECHO HUMANO: dignidad y ciudadanía en la reflexión curricular

Ana Paula Andrade1 
http://orcid.org/0000-0002-8947-2957; lattes: 8913755381980151

Inês Barbosa de Oliveira2 
http://orcid.org/0000-0003-4101-3919; lattes: 0323845315267858

1Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) E-mail: anapandrade@yahoo.com.br

2Universidade Estácio de Sá (UNESA) E-mail: inesbo2108@gmail.com


Resumo

Pensar a educação como direito humano se faz urgente e necessário como nunca, antes, seja pela sociedade como um todo, pelo campo da educação e do currículo, nesses tempos em que se questiona o Estado democrático de direito. Ao mesmo tempo em que grupos tentam recuperá-lo, ampliando também a dignidade e a cidadania pensadas como prática, mais do que como concepções e valores abstratos, pois esta perspectiva vem permitindo que sejam colocadas de forma tão conservadora, tornando-as excludentes, e apenas como direito de alguns. A pandemia da Covid-19 nos revelou o quanto esse quadro excludente é real, e agravou-o. Povos originários, quilombolas, populações privadas de liberdade, LGBTQIA+ – os que mais sofrem com a exclusão –, entre outres, vêm sendo crescentemente negligenciados, sobretudo no Brasil. É, então, fundamental entender os jogos de biopoder e de necropolítica que constituem esses tempos de neoconservadorismo, para ser possível pensar em saídas que permitam vislumbrar currículos baseados na educação como direito humano, de todes, para além da escolarização pura e simples, baseada em valores excludentes e conhecimentos eurocentrados. Assim sendo, esse texto faz a apresentação dos demais artigos da seção temática em breves reflexões sobre eles, situando-se no campo da denúncia-anúncio, da esperança freireana, das epistemologias do Sul, todas enredadas à reflexãoação em torno do direito humano à educação e da dignidade humana como condição para o seu exercício.

Palavras-chave: currículo; educação; direito humano; reflexãoação curricular

Abstract

Thinking of education as a human right is urgent and necessary as never before, whether for society as a whole, for the field of education and curriculum, in these times that the democratic of rights is questioned. At the same time that groups try to recover it, also expanding dignity and citizenship, thinking of them as a practice, rather than as abstract concepts and values, as this perspective has allowed them to be placed so conservatively, making them the exclusive ones, just for a few. The Covid-19 pandemic revealed how real this exclusionary picture is, and made it worse. Original peoples, quilombolas, populations deprived of freedom, LGBTQIA+ – those who suffer most from exclusion –, among others, have been increasingly neglected, especially in Brazil. It is, therefore, essential to understand the games of biopower and necropolitics that constitute these times of neoconservatism, in order to be able to think of solutions that allow for a glimpse of curricula based on education as a human right, of all, beyond pure and simple schooling, based on exclusionary values and Eurocentric knowledge. Therefore, this text presents the presentation of the texts and brief reflections on them, situated in this field, the denunciation-announcement, the Freirean hope, the epistemologies of the South, all intertwined with reflectionaction on the human right to education and human dignity as a condition for your exercise.

Keywords: curriculum; education; human right; reflectionaction curriculum

Resumen

Pensar en la educación como un derecho humano es urgente y necesario como nunca, ya sea para la sociedad en su conjunto, para el campo de la educación y el currículo, en estos tiempos que se cuestiona el Estado democrático de derecho. Al mismo tiempo que los grupos intentan recuperarlo, expandiendo también la dignidad y la ciudadanía, pensando en ellos como una práctica, más que como conceptos y valores abstractos, ya que esta perspectiva les ha permitido ubicarlos de manera tan conservadora, convirtiéndolos en los exclusivos, solo para unos pocos. La pandemia del Covid-19 reveló cuán real es esta imagen de exclusión y la empeoró. Los pueblos originarios, quilombolas, poblaciones privadas de libertad, LGBTQIA + - los que más sufren la exclusión -, entre otros, han sido cada vez más desatendidos, especialmente en Brasil. Es, por tanto, imprescindible comprender los juegos de biopoder y necropolítica que constituyen estos tiempos de neoconservadurismo, para poder pensar en soluciones que permitan vislumbrar currículos basados en la educación como derecho humano, de todos, más allá de lo puro. y escolarización sencilla, basada en valores excluyentes y conocimientos eurocéntricos. Por tanto, este texto presenta la presentación de los textos y breves reflexiones sobre ellos, situados en este campo, la denuncia-anuncio, la esperanza freireana, las epistemologías del Sur, todo entrelazado con la reflexiónacción sobre el derecho humano a la educación y la dignidad humana como una condición para su ejercicio.

Palabras clave: curricula; educación; derecho humano; reflexiónacción curricular

INTRODUÇÃO

Vivemos em tempos que questionam o Estado democrático de direito, ao mesmo tempo em que grupos tentam recuperá-lo, ampliando também a dignidade e a cidadania, pensando-as como prática, mais do que como concepções e valores abstratos, pois esta perspectiva vem permitindo que elas sejam colocadas de forma tão conservadora, que elas se tornam excludentes, e apenas para alguns. A pandemia da Covid-19 nos revelou o quanto esse quadro excludente é real, e agravou-o. Povos originários, quilombolas, populações privadas de liberdade, LGBTQIA+ – os que mais sofrem com a exclusão –, entre outres, vêm sendo crescentemente negligenciados, sobretudo no Brasil. Assim, pensar a educação como direito humano se faz urgente e necessário como nunca, antes, seja pela sociedade como um todo, pelo campo da educação e do currículo.

É, então, fundamental entender os jogos de biopoder e de necropolítica que constituem esses tempos de neoconservadorismo, para podermos pensar em saídas que permitam vislumbrar currículos baseados na educação como direito humano, de todes, para além da escolarização pura e simples, baseada em valores excludentes e conhecimentos eurocentrados.

A educação como direito humano inclui, portanto, o direito de acesso a condições de vida dignas – de moradia, alimentação, não-violência, não discriminação, por exemplo – e a possibilidade de exercício de uma cidadania horizontal ativa, na qual as responsabilidades cidadãs envolvem os compromissos de cada um com todos os outros e o compromisso de todos com cada um (OLIVEIRA, no prelo), além dos direitos cidadãos constantes na perspectiva tradicional de cidadania. Ambas recusam o fascismo societal (SANTOS, 2016) e é também contra ele que a proposta dessa seção temática se insurge.

Nessa espécie de fascismo, vemos a articulação dos jogos de biopoder e de necropolítica na atualidade, que produzem verdades que compõem certa governamentalidade. Para Foucault (2012, 2013), a governamentalidade apresenta-se como estudo das maneiras de governar – governo de si, governo dos outros e relações entre o governo de si e dos outros. Uma das formas de governo do outro vai se dar pelo biopoder e pela necropolítica (MBEMBE, 2020), que definem quem vive e quem morre, por meio de um conjunto de técnicas que operam pelas instituições, conforme percebido nas políticas governamentais brasileiras relacionadas à gestão da pandemia, isolamento ou não, vacinação ou não etc. Assim sendo, a luta contra o fascismo societal é, também, uma luta contra a necropolítica, além de ser uma luta contra a desumanização, como há tempos alertou o centenário educador, Paulo Freire (2017).

Há, portanto, um conjunto de formas de governamentalidade que implica em “[...] análise de formas de racionalidade, de procedimentos técnicos, de formas de instrumentalização” (CASTRO, 2009, p. 191) – que seria a “governamentalidade política” –; e outra forma de governo que envolve a articulação entre as estratégias do governo do outro e as técnicas de governo de si. O biopoder e a necropolítica se articulam, assim, por meio de uma “arte de governar”, que opera no sentido de dirigir as condutas dos indivíduos e ou dos grupos humanos, isto é, governam-se as crianças, as mulheres, a família, as pessoas da escola etc., mas que como sabemos, jamais opera sem resistência e insurgência, e é disso que os textos deste dossiê tratam.

Pensarpraticar currículos na compreensão da educação como direito humano é um modo de esperançar, como Freire (1992) nos convidou a pensar, já que nesta perspectiva investimos em ações esperançantes, não apenas na espera. Nos dizeres de Oliveira (2021, p. 2):

E nada melhor do que trabalharmos com e para a ação, observando e aprendendo com as esperanças praticadas em diferentes cotidianos sociais e escolares, esperanças que localizam as utopias, fazendo-as reais, [...] que seguem existindo mesmo diante da cegueira quase generalizada daqueles que não os percebem em sua ação [...], porque estão repletos de holofotes mentais trágicos ou conformistas.

Quando pensamos o esperançar, somos levados a investir em dignidade e cidadania na reflexãoação curricular, entendendo que somos sujeitos sujeitados, subjetivados e governados, mas também praticantes dos cotidianos e, por isso, capazes de transformação, capazes de insurgência e de “artes de fazer” (CERTEAU, 1994) que caminham, utopicamente, em direção à garantia deste direito na luta contra as exclusões produzidas pela sociedade brasileira, histórica e atualmente. A proposta do dossiê é, portanto, estudar possibilidades efetivas de uma Educação praticadapensada como direito humano, sobretudo nos terrenos em que ela se mostra mais problemática, aqueles em que transitam populações excluídas pelas mais diversas razões, ou por muitas delas, como entendemos com os estudos da interseccionalidade. Desinvisibilizá-las, trazendo para o palco a luta pelos seus direitos à dignidade humana e à educação, é condição para a emergência, com força, de inéditos-viáveis (FREIRE, 2017), ou aquilo que a realidade pode ser, mas ainda-não é, como nos ensina Boaventura (SANTOS, 2006).

Assim sendo, ao trazermos a apresentação dos textos e breves reflexões sobre eles, estamos nos situando neste campo, da denúncia-anúncio, da esperança freireana, das epistemologias do Sul, todas enredadas à reflexãoação em torno do direito humano à educação e da dignidade humana como condição para o seu exercício, dentrofora (ALVES, 2019) dos espaços educativos formais.

A SEÇÃO TEMÁTICA E SEUS TEXTOS

A seção temática se propôs, assim, a oferecer uma oportunidade aos pesquisadores do campo do currículo para debater questões envolvendo a noção da educação como direito humano, socialmente considerado, para além de ser direito subjetivo individual, como já é percebida há algum tempo e consta na Constituição Federal (1988). A proposta pretendeu, com essa abordagem, tratar o tema dos currículos a partir de noções fundantes dessa perspectiva: a dignidade da pessoa humana e a cidadania ativa. Questionar, dialogar com e apresentar práticaspolíticas resistentes e criadoras na reflexãoação curricular se impõe neste momento.

Assim, este dossiê se dirige e traz a público reflexõesações curriculares em torno do direito humano à educação, visando a desinvisibilizar os modos como, no Brasil, este vem sendo, ou não, exercido por povos originários, quilombolas, populações privadas de liberdade, LGBTQIA+ – os que mais sofrem com os processos de exclusão –, entre outres, a partir de uma perspectiva multicultural e/ou interseccional e dos modos como essas reflexões dialogam com experiências curriculares que resistem à ascensão conservadora que temos vivido nos últimos anos no Brasil. Efeitos nocivos das políticas curriculares dos últimos cinco anos e iniciativas resistência a esses efeitos e de combate à discriminação, práticaspolíticas (OLIVEIRA, 2013) criadoras de possibilidades de exercício desses direitos, vêm funcionando como “vírus” e antídoto, ao que temos vivido. Assim, a proposta considera, sobretudo, que a educação como direito humano se dirige a todes es cidadã(e)s, sem exceção! Debater o tema do ponto de vista curricular contribui para romper com a negação desses direitos, produzida pelas desigualdades sociais endêmicas no país, reforçadas e ampliadas pelo neoconservadorismo e suas políticas de exclusão e realimentação de preconceitos. É necessário compreender o jogo de biopoder e de necropolítica que fazem parte deste, e desinvisibilizar aquilo que se cria e pratica, para além dele.

Vale ressaltar que nossa escolha pela Revista Teias se deve ao perfil editorial do periódico, aberto a temas plurais e voltado para uma perspectiva de educação que transcende os espaços escolares, pelo comprometimento histórico e atual com as causas das populações subalternizadas, que permitiu o protagonismo dos artigos aqui publicados. A parceria histórica da Revista Teias com a Associação Brasileira de Currículo (ABdC) e a importância do periódico para o campo do currículo, bastante presente no Programa de Pós-graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (ProPEd UERJ) que a edita, também foi um fator que influenciou nossa opção e expressa o desejo deste grupo, que muito já participou do periódico e do Programa.

Tratou-se, portanto, de alocar a seção temática em um periódico e em um PPGE que, historicamente, se posicionam em defesa da pluralidade democrática como o próprio da universidade e contra todo tipo de exclusão. A questão se torna central para a perspectiva da educação como direito humano, na medida em que direito é sempre de todos, e não de alguns. Assim, pensar a educação como direito humano fundamental implica em não aceitação de qualquer forma de exclusão, seja por razões culturais, sociais, étnico-raciais, de gênero e sexualidade ou meramente comportamental individual. Direitos humanos, como o nome diz – ao contrário do que pensam alguns – é para todes es seres humanes. Não excluem, e não podem excluir ninguém. Refletir sobre isso implica assumir a luta pelo exercício deste direito por aqueles que vêm sendo dele excluídos. Desinvisibilizá-los, denunciando as exclusões, como propõe a seção temática é mais do que uma necessidade ou um direito: é um dever daqueles que com os direitos humanos se comprometem. Com Boaventura de Sousa Santos (2006) e Paulo Freire (2017), vamos entender que as possibilidades de luta que se abrem com essa desinvisibilização são imensas e que, por isso, devemos estar nela, já que essas possibilidades são a de anúncio de superação das realidades desumanizantes de alguns desses sujeitos da exclusão.

REFLEXÕES DOS ARTIGOS DA SEÇÃO TEMÁTICA

Os artigos que compõem a seção temática estudam, refletem, discutem e analisam diversas temáticas no campo da educação como direito humano, abordando este último tanto do ponto de vista de povos ou de sujeitos, dentro ou fora de espaços formais de educação. Tratou-se de buscar trazer diferentes culturas, etnias, gêneros e epistemologias, em suas relações com a educação como direito humano. Assim, nos 16 textos aqui elencados estão abordagens que consideram: a educação das populações do campo e indígenas; o envolvimento das questões de gênero e sexualidade neste direito; questões étnico-raciais, em perspectiva interseccional ou exclusiva, abrangendo ou não o tema da decolonialidade; a questão da laicidade e do ensino religioso influenciando o direito humano à educação; e, ainda, o modo como esse direito humano se faz ou não presente nos diversos níveis de educação formal. São propostas derivadas de reflexões e pesquisas que assumem como princípio, e necessidade, sobretudo em tempos pandêmicos e pandemônicos, a compreensão da educação como direito humano, de modo, portanto, a refletir sobre suas possibilidades de gerar e favorecer a dignidade e a cidadania ativa. Reflexõesações curriculares política e epistemologicamente associadas aos direitos humanos.

O primeiro artigo da seção temática, “Com que sangue foram feitos meus olhos? - Conversando com Edson Krenak sobre literaturas e metodologias indígenas”, de autoria de Edson Dorneles de Andrade Krenak, Danielle Bastos Lopes e Leonardo Ferreira Peixoto apresenta, a partir de uma conversa entre Danielle Bastos Lopes e Edson Krenak, “[...] (des)aprendizagens dos conhecimentos indígenas e do colonialismo; as metodologias indígenas e suas dimensões epistemológicas, axiológicas e ontológicas; a literatura indígena e a não fragmentação entre religião, ciência e arte; e a ideia defendida por Krenak de que toda literatura indígena é um clássico”.

Perspectivas curriculares sobre a temática gênero e sexualidade no ensino de ciências e biologia: controvérsias no PCN e na BNCC”, texto de Vinicius Souza Magalhães Leite e Rosane Moreira Silva de Meirelles, caracteriza “[...] as abordagens de gênero e sexualidade no âmbito do ensino de ciências e biologia” analisando os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Os autores entendem que o estudo permitiu “[...] depreender que a BNCC representa um retrocesso sem precedentes, além de um ataque claro às políticas públicas curriculares, pedagógicas, educacionais inclusivas”. Os autores concluem que há urgência e necessidade de discussões curriculares e construção de saberes envolvendo gênero e sexualidade, especificamente, no ensino de ciências e biologia.

Patrícia Baroni e Rithianne Barbosa Pereira dos Santos são autoras de “Dignidade e cidadania tecidas no ‘nós compartilhado’: aprendizagens com mulheres pretas”, que traz “[...] narrativas de três mulheres pretas e periféricas e suas táticas cotidianas em busca de dignidade, partindo da premissa de que o repertório legal brasileiro e as ações de âmbito governamental não asseguram o mínimo para a vida digna dessas mulheres.” As autoras trabalham com os conceitos de racismo estrutural, de ecologia de saberes, de epistemologias do Sul, de colonialidade e de escrevivências, mostrando caminhos de luta contra a discriminação que produz indignidade.

O quarto artigo, “Currículo e culturas: a educação antirracista como direito humano”, tem autoria de Márcia Maria Rodrigues Uchôa, Carlos Alberto Paraguassú Chaves e Carlos Eugênio Pereira. Os autores entendem que uma educação antirracista é “[...] como um direito humano” e que, por isso, deve ser implementada a partir de um currículo fundamentado na interculturalidade, que sirva como um caminho de combate ao racismo, promovendo a equidade social, a valorização das culturas da população negra e, assim, assegurando a dignidade humana de grupos étnicos cujos direitos são atacados.

O quinto texto desta seção temática é “História e cultura afro-brasileira e africana: experiência na formação de professores a partir de um projeto de pesquisa-ação” de Raphaela Reis Conceição Castro Silva e Francione Oliveira Carvalho, que propõem uma possibilidade de formar professoras e professores da rede de ensino da cidade de Niterói / Rio de Janeiro, respeitando as leis que estabelecem a obrigatoriedade da temática História e cultura afro-brasileira e indígena nos currículos, na Lei n. 10.639/2003 e na Lei n. 11.645/2008, ainda pouco conhecidas. Realizam uma pesquisa-ação e propõem a implementação de curso de capacitação para o trabalho a partir do que a lei estabelece, “Cultura afro-brasileira combatendo o racismo em sala de aula: reflexões e estratégias de ensino”.

Eliada Mayara Cardoso da Silva Alves, Dulce Mari da Silva Voss e Maria Cecília Lorea Leite são autoras do texto intitulado “Direitos humanos nos currículos de direito: descolonizar a formação e profissionalização”. Nesse trabalho, as autoras mostram que, apesar de os currículos dos cursos de direito contemplarem a temática dos direitos humanos, ainda reproduzem noções antigas, ligadas à cultura europeia, sem contemplar estudos críticos, nem decoloniais.

Educação do campo: um contexto contra-hegemônico na educação brasileira”, sétimo artigo da seção temática, de autoria de Angelita Tatiane Silva dos Santos Perin e Marilene Gabriel Dalla Corte, resulta da pesquisa intitulada Contextos emergentes na educação do campo em áreas de assentamento do MST. É uma análise histórica da constituição da educação do campo como ensino e de sua perspectiva contra-hegemônica, foco dessa pesquisa desenvolvida na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

Rafael Marques Gonçalves e Diego Rosa são os autores do oitavo artigo: “O direto à educação e a cidadania nos/dos currículos pensadospraticados”. Trazem reflexões “[...] sobre a relação intrínseca entre o direito à educação e os princípios constitucionais de cidadania e da dignidade da pessoa humana nos tempos atuais”, em um diálogo fundamentado em concepções curriculares nos/dos/com os cotidianos sobre a mudança do paradigma da ciência moderna para o da pósmodernidade, defendida por Boaventura de Sousa Santos. Os autores valorizam a diversidade, a pluralidade e a heterogeneidade dos sujeitos envolvidos nos currículos pensadospraticados.

O nono artigo, de Eliane Pinheiro Fernandes, Fábio Alves Gomes e Wanda Maria Junqueira de Aguiar, intitula-se “Direitos humanos, laicidade e educação escolar: ‘eu sempre rezei o pai nosso na escola’”. Em uma perspectiva crítico-colaborativa, os autores pesquisaram “[...] a dimensão subjetiva do processo educacional de uma escola pública da cidade de São Paulo”. Perceberam que, na ausência de fundamentação consensual que oriente as práticas de enfrentamento da violência na escola, há uma busca pela religião cristã para responder as questões que emergem, o que produz resistências a quaisquer propostas com temas considerados contrários ou incompatíveis aos dogmas cristãos (de viés conservador) no currículo escolar.

A noção de regimes de verdade do filósofo Michel Foucault é utilizada para identificar discursos que constroem o ensino religioso e seu currículo nas pesquisas dos Programas de Pósgraduação em Educação, desde 1997 até 2016. Essa é a proposta do texto “Currículo em disputa: o debate sobre o ensino religioso em escolas públicas” de Fernanda Batista Moreira de Andrade e Erisvaldo Pereira dos Santos.

Currículo na educação infantil: a pandemia e o desenvolvimento humano” é o título do texto de Juliana Carbonieri e Cassiana Magalhães, que apresenta reflexões sobre como pesquisadores e movimentos sociais avaliam o Parecer CNE/CP n. 05/2020, que trata da reorganização do calendário escolar por conta da pandemia da Covid-19. O artigo tem como questão norteadora: “[...] quais os impactos do Parecer 05/2020 na educação infantil no Brasil no período pandêmico?”. Por meio de uma revisão de artigos publicados entre junho de 2020 e junho de 2021, as autoras identificaram o risco da adoção de livros didáticos para a etapa e a possibilidade de ensino doméstico. Entendem que, com isso, a situação ocasionada pela pandemia possibilitou o risco da perda de direitos conquistados à educação infantil.

O 12º artigo tem a autoria de Eduardo Garralaga Melgar Junior, Suelen Borges Loth Correa e Janaize Batalha Neves, com o título “O balancê da sopa de legumes – (re)significações de uma refeição como presente”, e traz “[...] a história da sopa que foi presenteada à professora que alfabetizou quem já estava sentenciado a não aprender”. A partir das “[...] experiências da professoraalfabetizadora e da menina que aprendeu a ler”, o texto reflete sobre os currículospraticados nos cotidianos de uma escola da rede pública de Pelotas / Rio Grande do Sul. “Nos encontros com as heterotopias cotidianas, foi possível (re)inventar maneiras de contrapor o olhar institucional normalizador que, ao aprisionar os corpos, busca aniquilar sonhos e desejos.” Esses encontros permitiram anunciar possibilidades, afirmando que: “[...] ao olhar, sentir e viver as experiências no/do/com os cotidianos, a criatividade fabrica diferentes escolas”.

O 13º artigo, “Currículo-ações-silêncios: um olhar para a formação inicial do professor de literatura na UFAM”, é de autoria de Iolete Ribeiro da Silva e Priscila Vasques Castro Dantas. O objetivo foi refletir sobre a formação inicial da/o professor/a de literatura do curso de letras – língua e literatura portuguesa da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Tal reflexão foi feita pensando o currículo “[...] como espaço (ou não) de práxis e de construção do conhecimento”, analisando o projeto pedagógico do curso e os trabalhos do grupo de estudos Relações de gênero, poder e violência em literaturas de língua portuguesa.”

Luciano Luz Gonzaga, em seu texto, “A lei 13.415/2017 e o ‘novo’ Ensino Médio: inquietações pertinentes”, realiza estudo e análise dos percursos formativos do ensino médio no Brasil desde a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei n. 9.394/1996, até sua reforma instituída pela Lei n. 13.415/2017.

No penúltimo texto, “Currículos pensadospraticados na educação profissional do IFRN, Campus Apodi”, Leonardo Dantas dos Santos e Francisco Canindé da Silva tematizam os currículos pensadospraticados nos cotidianos da educação profissional do Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN), Campus Apodi, com o objetivo de entender como se criam processos e práticas curriculares emancipatórias. Para tal, buscam reconhecer os “[...] diferentes espaçostempos de produção de conhecimento, tecidos na rede de saberesfazeres dos estudantes e professores, destacando a capacidade de resistência criativa para além das formas hegemônicas de conhecimento”.

O último artigo desta seção temática, o 16º, “A escola socioeducativa não pode tudo mas pode muito: subjetivação democrática em contextos de privação de liberdade na pandemia” é de autoria de Fábio de Barros Pereira. O autor desenvolve pesquisa no interior do sistema socioeducativo, a partir de sua inserção como professor de sociologia de uma escola pública localizada em uma unidade de privação de liberdade do Departamento de Gestão Socioeducativa do estado do Rio de Janeiro (DEGASE/RJ). A investigação revela crescimento da exclusão e da violação a direitos sociais e políticos dos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Encerramos, portanto, nosso texto sobre esta seção temática, suas inspirações e fundamentações teórico-políticas – já que estes campos não se dissociam – com a firme convicção de que, para além dos atentados frequentes e crescentes aos direitos humanos em geral, e ao direito à educação, em particular, existem movimentos cotidianos permanentes, invisibilizados pelo pensamento hegemônico, reflexõesações concretas, lutas utópicas em processo, políticaspráticas — todas vivenciadas e concebidas como esperança praticada, como a seção temática evidencia. Assim, podemos perceber e investir nas possibilidades de ampliação do exercício do direito humano à educação e à dignidade, reduzindo, com isso os efeitos nefastos das políticaspráticas de exclusão, de discriminação, de desrespeito, contribuindo para a construção da democracia “[...] como obra de arte político-cotidiana” em que “[...] cada outro é tão legítimo como qualquer um” (MATURANA, 1999, p. 75, p. 50).

REFERÊNCIAS

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MATURANA, Humberto. Emoções e linguagem na educação e na política. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. [ Links ]

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SANTOS, Boaventura de Sousa. A gramática do tempo. São Paulo: Cortez, 2006. [ Links ]

Recebido: 00 de Dezembro de 2021; Aceito: 00 de Dezembro de 2021

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