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Revista Teias

versión impresa ISSN 1518-5370versión On-line ISSN 1982-0305

Revista Teias vol.22 no.especial Rio de Janeiro oct./dic 2021  Epub 18-Feb-2023

https://doi.org/10.12957/teias.2021.5434 

Ensaios

TEMPOS DA EDUCAÇÃO CATÓLICA NO RIO DE JANEIRO: (1854-1934)

TIMES OF CATHOLIC EDUCATION IN RIO DE JANEIRO: (1854-1934)

TIEMPOS DE LA EDUCACIÓN CATÓLICA EN RIO DE JANEIRO: (1854-1934)

Marco Aurélio Corrêa Martins1 
http://orcid.org/0000-0002-3362-1300; lattes: 7947746503172967

1Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro E-mail: marcoaureliocorreamartins@gmail.com


Resumo

Definir temporalidades, como variações na história, aproxima o tempo vivido ao tempo histórico. A imbricação do existencial ao tempo cósmico torna o trabalho do historiador uma busca de compreensão das relações que o presente estabelece com o passado e com o futuro. Essas questões, suscitadas pela filosofia da história de Paul Ricoeur (2010), contribuem para ensaiar uma marcação temporal da escolarização católica no Rio de Janeiro entre as décadas de 1850 e 1930. São “tempos menores” da escola católica dentro de um “tempo maior” da história da educação brasileira. A participação católica no contexto educacional brasileiro é tomada por sua posição ideológica em relação ao Estado, marcada pelo conflito entre liberais e ultramontanos, e na tipificação do modelo institucional escolar, marcada pelo público a ela destinada e à forma de sua mantença. Essa escolarização foi impactada pela atuação de religiosos estrangeiros e nacionais. O ensaio interpretativo apoia-se na produção historiográfica e em pesquisas documentais, especialmente por fontes jornalísticas.

Palavras-chave: escolarização católica; História da Educação brasileira; temporalidade histórica

Abstract

Defining temporalities, such as variations in history, approximates the time lived to historical time. The overlapping of the existential to the cosmic time makes the historian's work a search for understanding the relationships that the present establishes with the past and the future. These questions, raised by the philosophy of history by Paul Ricoeur (2010), contribute to rehearse a time stamp of Catholic schooling in Rio de Janeiro between the decades of 1850 and 1930. These are “lesser times” of the Catholic school within a “greater time” in the history of Brazilian education. The Catholic participation in the Brazilian educational context is taken by its ideological position in relation to the State, marked by the conflict between liberals and ultramontans, and in the typification of the institutional school model, marked by the public destined for it and the way it is maintained. This schooling was impacted by the performance of foreign and national religious. The interpretive essay is based on historiographical production and documentary research, especially by journalistic sources.

Keywords: catholic schooling; History of Brazilian Education; historical temporality

Resumen

La definición de temporalidades, como variaciones en la historia, aproxima el tiempo vivido al tiempo histórico. Este traslape del tiempo existencial al cósmico hace del trabajo del historiador una búsqueda por comprender las relaciones que el presente establece con el pasado y el futuro. Estas preguntas, planteadas por la filosofía de la historia de Paul Ricoeur (2010), contribuyen a ensayar una marca de tiempo de la escolarización católica en Rio de Janeiro entre las décadas de 1850 y 1930. Son “tiempos menores” de la escuela católica dentro de un “tiempo mayor” en la historia de la educación brasileña. La participación católica en el contexto educativo brasileño se toma por su posición ideológica en relación al Estado, marcada por el conflicto entre liberales y ultramontanos, y en la tipificación del modelo de escuela institucional, marcada por el público destinado a ella y la forma en que se mantiene. Esta escolarización fue impactada por el desempeño de religiosos nacionales y extranjeros. El ensayo interpretativo se basa en la producción historiográfica y la investigación documental, especialmente de fuentes periodísticas.

Palabras clave: cscolarización católica; Historia de la Educación brasileña; temporalidad histórica

INTRODUÇÃO

O conceito de temporalidade histórica de Paul Ricoeur (2010) permite ensaiar uma temporalização histórica da educação católica no atual estado do Rio de Janeiro. Na tentativa de introdução será preciso ter uma ideia geral de como se estabelece a relação temporal em várias camadas para, enfim, ficar explicitado o tempo histórico, aqui pretendido. Paul Ricoeur, ao apontar a refiguração do tempo histórico entre o tempo vivido e o tempo cósmico, dedicou-se a analisar alguns “conectores” utilizados pelo historiador para sua atividade. Esses conectores são o calendário, a sequência de gerações e o recurso a arquivos, documentos e vestígios. O tempo vivido, ou tempo fenomenológico, é o tempo comum das pessoas, tempo de existências individuais ainda que no âmbito coletivo. O tempo cósmico, ou tempo objetivo, ou vulgar, é o tempo do mundo, tempo do universo, nem sempre observável, portanto pouco acessível à fenomenologia.

O tempo histórico é aquele no qual se constitui uma “consciência histórica”. O calendário nasce sobre o tempo mítico, muitas vezes cíclico, marcado por datas que, unidas a ritos, estabelecem uma ordem entre o mundo e a ação corriqueira, ou seja, no campo prático estabelece um tempo crônico. Esse tempo crônico permite marcar, no calendário, um evento fundador ou momento axial, a partir do qual todos os outros momentos serão marcados; permite percorrer o tempo em duas direções, do passado ao presente ou do presente ao passado e, em terceiro lugar, fixa um repertório de unidades de medidas entre os fenômenos cósmicos e os da vida como a duração de dias, anos etc.

Esse conector nos remete à temporalização aqui proposta a ser marcada no calendário. Inicialmente, essa pesquisa que originou o presente ensaio, devia observar a transição entre Império e a República, focada nas duas décadas iniciais do regime de 1889. No entanto, situações anteriores e posteriores foram se juntando e o intervalo temporal se expandindo. Isso se deu pela percepção de que o evento 15 de Novembro não significou uma ruptura fundamental no tempo da atuação política da Igreja e dos projetos educativos nacionais, embora seja uma marcação importante devido à mudança do ordenamento do poder no Estado brasileiro. A marcação inicial, em 1854, é focada na história da educação sob a gestão de Luiz Pedreira do Couto Ferraz que foi presidente da província do Rio de Janeiro e, em seguida, Ministro dos Negócios do Império. Nas duas posições, Couto Ferraz fez reformas da instrução, respectivamente em 1849 e 1854. Do mesmo modo, a última data, a Constituição Federal de 1934, além de uma transição mais expressiva na história brasileira sob o aspecto político e econômico, marcou uma mudança essencial na educação nacional. No interior desse tempo, há outras marcações a serem apontadas. Esses dois marcadores axiais significam dizer que houve uma mudança entre permanências e simultaneidades1. Isso não implica em dar a data como um momento mágico a partir do qual tudo muda de repente2.

A sequência de gerações, segundo conector apontado por Ricoeur (2010), é a percepção da sucessão de grupos de pessoas nascidas em tempos cronológicos distintos e que vão constituir, na interpretação do historiador, tempos históricos distintos. Marca a transição dos que vieram antes, para os que vieram depois: os contemporâneos, seus antecessores e seus sucessores. É o apoio biológico ao tempo histórico. Isso dá à percepção do tempo histórico uma sucessão na qual a história é compreendida como ação e padecimento, ou seja, ser ator e ser paciente ao mesmo tempo. Isso é importante para colocar a ação com vistas a um futuro no qual se possa intervir, a partir de uma relação entre contemporâneos. Deste modo, as gerações procuram legar às gerações posteriores um futuro melhor, mas estão presas às tradições e aos modos de viver herdados ou não do passado, mas que se constituem, no presente, num espaço de experiência3.

Essa observação permite estabelecer temporalidades, uma vez que há um futuro projetado e, olhando para esse futuro prospectado pela geração contemporânea, é possível identificar as mudanças na compreensão tanto daquele presente, como dos legados e padecimentos vividos por determinada geração: aquilo que se viveu, estando exposto mais ou menos às mesmas influências e marcado pelos mesmos acontecimentos4. Isso não significa estar na mesma geração biológica, senão pela posição geográfica, no sentido de proximidade por localização, designando afinidades recebidas, com participação num destino comum que não é, necessariamente, reflexivo e escolhido conscientemente. Dessa forma, o laço geracional e sua continuidade não estão presos ao tempo crônico, pois sofre influência do tempo social.

Do ponto de vista da produção historiográfica, observa-se no século XIX a realização de determinados projetos, identificados com as ideias de liberais e de conservadores. Para o aspecto da religião, no caso da Igreja Católica, o projeto ultramontano teve papel importante e foi atravessado por uma filosofia exótica conhecida como tradicionalismo5. Essas são algumas das tipologias dos atores sociais apontadas nesse trabalho; explicita num conflito geracional, as possiblidades de temporalização observando esse tempo social.

A Igreja Católica teve um papel importante na formulação da educação no Brasil, desde sua origem. Isso justifica uma incursão investigativa sobre sua história para a compreensão de sua atuação no âmbito educacional. É essa a tônica de uma pesquisa que está na base do presente texto. A história da Igreja e de suas instituições educacionais, nesse estudo, foi subsumida à história da educação e das políticas adotadas no âmbito público, para ensaiar uma temporalização da educação em instituições católicas.

Uma observação importante para essa exposição, além do intervalo temporal, é o espaço geográfico. O projeto visa a observar o atual estado do Rio de Janeiro, embora se olhe para seu passado. Para esse tópico é preciso distinguir a relação entre a província do Rio de Janeiro e o Município Neutro, criado em 1834, separando-se da província. Esta relação merece ser bem cuidada, pois a capital carioca é extrapolada para a nação enquanto a província se equipara às outras. Isso implica no fato de que a capital do país revela um pouco de cada província ao mesmo tempo em que impacta todo o país que a tem, sempre diante de si, pelo aspecto político, social, cultural ou econômico. Isso não é tema aqui, mas é preciso deixar como aceno6. Do ponto de vista da Igreja, a separação entre a capital do país e a província vai se estabelecendo aos poucos, mas há entre elas uma unidade, pois foi, originalmente, uma única diocese, portanto um único território e governo eclesial. Esse segundo aspecto justifica a pretensão de uma abordagem unificada da educação católica sob essa unidade territorial. Além disso, as dioceses que foram posteriormente criadas mantiveram seus limites no interior do território regional.

O terceiro conector apontado por Ricoeur (2010) entre o tempo cósmico e o tempo fenomenológico (ou vivido) na consecução de um tempo histórico é a relação com o vestígio. O vestígio é a relação que o historiador estabelece na compreensão do tempo histórico a partir de documentos (sejam escritos ou orais, como o testemunho) e de monumentos. O documento é a evidência que garante à narrativa do historiador o caráter de verdadeira, pretensão que a diferencia da narrativa ficcional. Embora o documento seja colhido e validado pelo historiador sob o status de testemunho involuntário, o monumento tem uma intencionalidade explicitada por quem o criou, ou seja, é um testemunho intencional. No entanto, esse binômio foi desmitificado por Jacques Le Goff ([1990], apud RICOEUR, 2020) ao apontar que os documentos guardados passam por uma decisão de fazê-lo ou não e, portanto, seria raro um documento aleatório, como um animal soterrado em tempos pré-históricos. Segundo Le Goff, o documento é um monumento. Essa crítica é importante na ciência histórica. Paul Ricoeur aproveita-a no sentido de insistir na ideia de vestígios do passado. Intencional ou não, o vestígio revela algo para a compreensão do tempo passado. Ele conecta dois tempos, pois está no presente e revela que algo se passou7.

A pesquisa que deu origem a este ensaio tem como principal fonte a leitura dos periódicos disponíveis na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional8, além da produção acadêmica nos temas afins com as temáticas abordadas. Isso permitiu a realização de estudos, alguns já publicados, seja em revistas acadêmicas e anais de eventos de pesquisa, seja através de orientações em iniciação científica. A partir dos dados obtidos e dos dados analisados, projetamos uma compreensão geral do tempo entre as marcas lançadas no calendário. Essa compreensão é movediça, provisória, mas busca uma síntese que nos permita falar do tempo histórico. A datação dos periódicos jornalísticos permite uma cronologia da passagem dos homens e de suas ideias, além da verificação das mudanças, simultaneidades e permanências nelas observadas. Mas, ao encontrar esses vestígios em periódicos distintos, em datas idênticas, apresenta-se a questão da verificação do como e quem os produziu. Isso quer dizer que os vestígios permitem buscar sinais de outras passagens naquilo que se está buscando, no caso em tela, a existência de instituições e ideias escolares e educacionais católicas no passado desse território marcado. Isso contribui para a construção de uma “intriga”9.

A intriga aqui projetada se refere a caminhos distinguidos academicamente por uma questão epistemológica: nossa incapacidade de observar vários fenômenos como sendo um só ou a nossa ambição em observar vários fenômenos e tentar construir sobre eles uma narrativa imbricada. Isso faz da síntese algo sempre provisório. Do ponto de vista da história da educação, entre essas datas está uma tentativa de controle público sobre os processos educativos escolares, considerando a construção de uma nacionalidade, e posterior constituição da educação escolar como um direito social. Do ponto de vista institucional da Igreja, a situação se acomoda entre ser membro da instituição, sob as garantias do Estado, com status de serviço público (regalismo), para uma visão nova no Brasil, de uma igreja hierarquizada e autônoma, formalizando uma doutrina própria acerca do mundo (projeto ultramontano) e cada vez mais em conflito com o Estado. No contexto das relações entre Igreja e Estado, sob o aspecto da educação escolar (instrução), o ensaio procura demarcar as mudanças de rumo ou estratégias na escolarização católica, estabelecendo uma divisão do tempo em uma cronologia que permita compreender os conflitos e os laços comuns entre a iniciativa religiosa e a iniciativa estatal no período proposto.

O PRIMEIRO TEMPO

Entre o final da década de 1840 e o início da década de 1850 houve uma mudança significativa nas questões sociais e políticas no Brasil, gerando maior estabilidade à nova nação. O gabinete chefiado pelo Marques de Paraná, iniciado em 1853, é indicado como símbolo dessa mudança. Com esse gabinete, assumiu o Ministério dos Negócios do Império o Visconde do Bom Retiro, Luiz Pedreira do Couto Ferraz. Couto Ferraz foi presidente do Espírito Santo de 1846 a 1848, presidente do Rio de Janeiro entre 1848 e 1853 e Ministro de 1853 a 1857. Nesses três cargos, ele fez reformas nas respectivas jurisdições: 1848 no Espírito Santo, 1849 no Rio de Janeiro e 1854 no Município Neutro ou Corte. Para Castanho (2013), a reforma de 1854 é o melhoramento das duas anteriores pela experiência acumulada pelo ministro.

Rocha (2011) ressaltou o caráter político da Reforma Couto Ferraz de 1854 por inscrever um aspecto da cidadania, a instrução escolar como formadora da mesma, e a consecução, também pela instrução escolar, de um Estado Nacional nos moldes do XIX. No caso brasileiro essa reforma estava voltada para a regulação e fiscalização das escolas mais do que para a sua proposição e investimento pelo Estado, apesar de cogitado por diversos ministros e políticos da época. O acento era, apesar disso, publicista10.

Em paralelo às reformas de Estado, a Igreja Católica, nos anos de 1840, experimentou um movimento que foi se intensificando nas décadas seguintes e ficou conhecido como Reforma Ultramontana11. Mariana, na Província de Minas Gerais, foi a primeira diocese a empreender tal reforma com D. Viçoso, a partir de 1844. Inicialmente voltada para o controle dos bispos sobre os padres e o movimento leigo nas paróquias, foi paulatinamente, ligando-se ao movimento geral da Igreja com sede em Roma. Sobretudo a partir das disputas políticas entre o papado e os movimentos políticos de unificação da Alemanha e da Itália. Uma reação mais enérgica, no papado de Pio IX e a realização do Concílio Vaticano I, estabeleceu a hegemonia das teses ultramontanas na Igreja.

A partir de Minas Gerais, de São Paulo e da Bahia, o movimento ultramontano chegou a todas as dioceses brasileiras. Esse controle dos padres pelos bispos, além de aumentar seu poder, era de interesse do governo do Império numa tríplice direção: defesa da religião do Estado, entregue pela constituição de 1824 ao Imperador; moralização do clero como decorrência da primeira afirmativa e o controle da efetiva participação política do clero, sendo muitos ligados aos movimentos liberais que foram interditados pela Igreja, especialmente a partir da Encíclica Quanta cura, do Papa Pio IX, 1864, com seu célebre anexo conhecido como Syllabus12, embora essa encíclica não tivesse o beneplácito imperial para vigorar no Brasil.

O movimento ultramontano, entendido aqui como uma política eclesial (MARTINS, 2017, p. 290), colocou os bispos brasileiros no centro de um dos maiores e mais importantes conflitos entre a Igreja Católica e o Estado Brasileiro entre 1872 e 1875. O primeiro evento se deu no Rio de Janeiro com o bispo advertindo um sacerdote por fazer parte da maçonaria e tomou vulto, no ano seguinte, pela recusa dos bispos do Pará e de Pernambuco em nomear membros maçons para irmandades em suas dioceses. Culminou com a condenação e prisão desses dois bispos por desobediência, tendo distensão nos anos seguintes com a comutação da pena e posterior extinção pelo Imperador. Esse evento é axial para a determinação de um novo período temporal aqui apresentado e ficou conhecido como “Questão Religiosa”. A Igreja colocou-se na defensiva e sua relação com o Estado passa a ser, cada vez mais, de desconfiança.

Além da situação ideológico-política e institucional, no âmbito da educação, uma nova reforma educacional, em 1879, modificou o modelo de escolarização instituído pela reforma de 1854. Essa nova reforma foi realizada pelo Ministro Leôncio de Carvalho ligado ao Partido Liberal. A reforma flexibilizou o controle estatal instituído em 1854 e estabeleceu o princípio do self made man. Associada à reforma eleitoral de alguns anos depois, essa reforma colocou a educação escolar como uma iniciativa da sociedade civil a partir do princípio da “liberdade de ensino”. Assim competiria ao indivíduo alçar, por seus méritos, a condição ampliada de cidadão ao tornar-se eleitor. A educação escolar não foi considerada como um direito no Brasil do século XIX, mas uma questão de interesse do Estado e da sociedade13.

Marcados os pontos de início e fim desse tempo14, resta decliná-lo. Do ponto de vista da escolarização pode ser questionável a existência de escolas católicas no sentido em que estamos acostumados em nosso tempo presente, ligadas a congregações religiosas. As escolas católicas desse período eram escolas particulares pertencentes a padres seculares, a exceção de poucas.

É preciso considerar algumas vantagens dos padres diante da realidade sociocultural brasileira das décadas de 1850, 1860 e 1870. A primeira delas é óbvia: a formação católica, uma vez que todas as escolas deveriam dar essa formação. A seguinte é um distintivo do clero: a formação superior fora dos quadros das profissões valorizadas socialmente: direito, engenharia e medicina. Os padres, por mais deficiente que pudesse ser sua formação, tinham acesso a conhecimentos superiores à média dos estudantes que passavam pelo ensino médio em direção àquelas três profissões. Isso incluía o aprendizado de línguas clássicas e modernas, gramática, retórica e filosofia, além da teologia e, em alguns casos a ciências e matemáticas15. Essa vantagem repercutiu nos exames públicos de licença para professores e diretores de escolas públicas e particulares instituídos pela Reforma Couto Ferraz e regulamentados pelo Aviso n. 1 de 05 de janeiro de 1855 (BRASIL, 1855, In: CASTANHA, 2013).

A maioria das escolas católicas não estava ligada ao movimento católico, o movimento ultramontano não era ainda abrangente. Ele se tornou mais forte a partir da década de 1870. As escolas de padres estavam de acordo com a legislação da época e compatíveis com a imbricada relação entre Estado e Igreja. No Almanaque Laemmert (1855), havia 31 Colégios masculinos na listagem. Desses, quatro eram pertencentes a padres: três na capital do país e um na Província. Na edição do mesmo almanaque em 1871 (HARING, 1871), havia 54 escolas masculinas listadas e oito delas eram pertencentes a padres e uma à Irmandade do Divino Espírito Santo da Lapa; todas na capital imperial. Isso equivale a uma participação de 13% em 1855 e 17% em 1871.

A Província gozava de situação semelhante, embora não temos as referências do Laemmert para uma comparação: o Relatório da Província do Rio de Janeiro de 1870 (SANTOS, 1870) indicava a existência de uma escola de padre em Paraty, duas em Campos e a escola das Damas da Caridade em Petrópolis; outras fontes e os periódicos jornalísticos nos indicam a existências dessas escolas pela província16.

Além da criação e manutenção de escolas, havia padres atuando nos serviços de inspeção escolar, na Província e na Corte, como já citado. Isso implicou numa atuação direta de sacerdotes no processo de instrução pública do período, portanto dentro dos mecanismos próprios do Estado. Também havia sacerdotes no corpo docente do Colégio Pedro II, única instituição pública de ensino médio da Corte e nos três liceus públicos da Província do Rio de Janeiro em 1849: Niterói, Angra dos Reis e Campos (FERRAZ, 1849). Em Angra, tal qual ocorreu com o Colégio Pedro II, o Liceu foi criado a partir de um seminário católico.

A situação da escolarização de meninas era diferente. No Almanaque Laemmert, edição de 1855, estavam listadas 39 escolas17. Nenhuma ligada a padres ou freiras. Na edição de 1871, eram 54 escolas, sendo três delas pertencentes às Damas da Caridade: Colégio Providência (fundado em 1853), Colégio Imaculada Conceição (fundado em 1854) e Colégio São Vicente da Rua do Matoso (fundado em 1863 aprox.). A educação feminina tem uma dinâmica diferente da masculina, pois não se esperava a admissão das moças nos cursos superiores. As Damas da Caridade chegaram ao Brasil, em 1849, para atuar na Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro e em Mariana-MG junto da diocese cujo bispo, D. Viçoso, era superior dos Lazaristas no Brasil, ordem à qual estavam ligadas as freiras. De um lado, elas representavam o movimento ultramontano e por isso sofreram duras críticas e sérias acusações, por muitos anos, nos jornais liberais. De outro lado, elas ofereceram um tipo de educação de interesse da elite imperial da Corte oferecendo educação francesa às moças da capital e do interior com seus internatos18.

O movimento da internação dos jovens foi analisado por Conceição (2012) na tese Internar para educar. Esse era um padrão comum neste período. É possível notar um duplo movimento nesse aspecto: de um lado, os internatos permitiam às famílias do interior da província e do país entregarem seus filhos aos estudos e, de outro lado, retirando do convívio os jovens, dar-lhes formação diversa da cultura local e familiar.

Sobre a educação feminina, o jornal O Apóstolo permite entender uma variação de posição quanto ao foco dessa educação a valorizar o colégio interno. As matérias do jornal, em seus primeiros anos, tratavam da necessidade de educar as moças para serem boas mães e esposas, pois delas dependeriam os rudimentos da educação cristã, dados no lar, a serem complementados nos colégios e na igreja (O ENSINO, 1867). Posteriormente, essa vertente incluiu a ideia de incúria dos pais, o que impedia uma conveniente educação das crianças para a formação familiar e cristã dos jovens, especialmente da mulher (A EDUCAÇÃO, 1875).

O SEGUNDO TEMPO: PRIMEIRO MOMENTO

Em um segundo tempo, a Igreja passa para defensiva contra os liberais e o marco dessa defensiva, é o Manifesto Republicano (1870) e a Questão Religiosa (1872-1875). Houve na década de 1870 um arrefecimento das regulamentações de Couto Ferraz. A província do Rio de Janeiro adotou a “liberdade de ensino” através da lei ou decreto 1470 de 03 de dezembro de 1869 como consta no Relatório Provincial de 1870 (SILVA, 1870, p. 10)19 e orientação semelhante se fez na reforma Leôncio de Carvalho, na Corte, em 1879.

A subida de um gabinete liberal no Império (1878) e o avanço do ultramontanismo na Igreja acirrou ainda mais os conflitos. A diocese do Rio de Janeiro já contava com um bispo ultramontano, D. Pedro Maria de Lacerda, desde 1868. Também começaram a chegar algumas novas congregações religiosas ao país, vindas da Europa. Neste período, a Igreja começou a investir nas escolas paroquiais e nas escolas para pobres. Isso não significou que as escolas particulares de padres do período anterior fossem extintas. Como no período anterior, os padres estão, no contexto do regalismo, realizando educação particular, mas há uma sensibilidade para uma questão social e a cena política passa a determinar uma disputa nos espaços públicos por ideais de construção de uma cidadania através da educação. Roque Spencer Maciel de Barros (1986), faz uma análise das disputas ideológicas do último quartel do séc. XIX identificando três tipos ideais: o liberal, o cientificista (positivista) e o católico conservador. Entre os dois primeiros ele tipificou a “ilustração brasileira”, grupo formado por aqueles dedicados a pensar o próprio país, não apenas “importando” soluções e teorias; esses valorizavam muito o papel da escolarização. Os três tipos-ideais nutriam desconfianças quanto ao papel educativo do Estado e nos permitem entender certa sequência de gerações no âmbito social e político com reflexos sobre a educação.

Com o triunfo da tese do “livre ensino” e a perspectiva do self government, houve uma busca não apenas pela subvenção já existente no período anterior, mas na ampliação da oferta, de acordo com os interessados, em duas órbitas católicas: as paróquias e as irmandades leigas. Essa oferta não foi exclusiva desse período, pois havia anteriormente; mesmo para o período seguinte continuaram a existir com a maior liberdade dada pela separação entre Igreja e Estado ocorrida com a República. O destaque se dá aqui por serem enfatizadas essas variações nesse momento, cuja ênfase não está, necessariamente, nas instituições escolares, mas na reação ultramontana ao liberalismo dos governos desse período e um voltar-se para pobres pelo agravamento das questões sociais ativadas pelo fim da escravidão e crescimento das áreas urbanas. As escolas de pobres foram escolas primárias e gratuitas em sua maioria. As escolas dos padres seculares foram perdendo espaço para as escolas dos religiosos congregados. A partir da década de 1880 os bispos ultramontanos conseguiram introduzir, em suas dioceses, as novas ordens religiosas da Europa e restaurar as antigas, essas últimas, mais especificamente a partir da República.

A questão da mantença é especialmente importante uma vez que, se a escola era voltada para crianças pobres, sem mensalidades, necessitava de meios para sustentar-se. A questão da caridade surgiu com muita importância. Observando o Colégio Imaculada Conceição das Damas da Caridade (Irmãs Vicentinas) evidencia-se uma questão em torno do porquê uma congregação voltada para cuidar dos pobres estaria fazendo escola para moças da elite, num bairro típico das classes abastadas como era Botafogo. A resposta pode estar no Relatório da Santa Casa de Misericórdia de São João Del Rey, Minas Gerais, de 1897-1898, informando da fundação do Colégio Nossa Senhora da Conceição na mesma cidade, no ano de 1895. Nesse documento, apresentado por Arruda (2011, p. 22) ficou expresso objetivamente o sentido de abertura do Colégio com o fim de obter fundos para a mantença da Santa Casa de Misericórdia, ambas instituições à cargo das irmãs vicentinas, as Damas da Caridade. Essas mesmas freiras cuidavam da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro e assumiram outras instituições escolares, de órfãs e de saúde na Corte e na capital da província do Rio de Janeiro. Trabalhando para os ricos e para o Estado, a congregação pôde dedicar-se a seu carisma, o carisma de São Vicente de Paulo, que é cuidar dos pobres. Essa percepção precisa impactar as pesquisas sobre escolarização católica. Limeira (2010, p. 193) apresentou em um relatório de 1873, do delegado da Freguesia da Lagoa, a informação de que havia 80 alunas gratuitas no Colégio Imaculada, sem contrapartida de subvenção pelo Estado. As subvenções foram adotadas com mais vigor a partir dessa visão de “liberdade de ensino” que se tornou hegemônica no curso da década de 1870. Algumas escolas católicas não prescindiram dessa alternativa para oferecer escolas primárias a crianças pobres20.

Uma variação interessante, para a educação feminina, foi a Escola Doméstica Nossa Senhora do Amparo, em Petrópolis. Fundada, em 1871, pelo Padre Siqueira, oferecia educação profissionalizante a meninas pobres, órfãs e ingênuas. O Padre Siqueira desenvolveu uma postura nacionalista, provavelmente fortalecida por sua participação na Guerra do Paraguai como Voluntário da Pátria, e formulou um projeto de uma ordem religiosa para o trabalho com esse tipo de escola (SANTO DEUS; SILVA, 2014).

A Escola Doméstica, juntamente com o Colégio de Santa Rosa, dos padres salesianos, em Niterói, fundado em 1883, criaram uma interseção da escolarização de pobres e desvalidos com esse mundo urbano no período pré-abolição. A profissionalização de crianças pobres era comum em instituições asilares devido à condição de orfandade. Essas escolas introduziram uma diversificação nessa perspectiva e seu relativo sucesso se deve a sua relação com a situação social nas qual se inseriram (MARTINS, 2020b). Essa perspectiva de formação profissionalizante esteve presente na primeira década da República, década de 1890, como parte da instrução primária oferecida pelos franciscanos, lazaristas e Irmãs de Santa Catarina com a escola Paroquial de São José, Colégio São Vicente de Paulo e Colégio de Santa Catarina, respectivamente, em Petrópolis, período em que essa cidade foi a capital da Província do Rio de Janeiro.

O tema da caridade começou a assumir um papel ideológico para a oferta de instrução gratuita pela perspectiva da justiça distributiva da filosofia tomista. Segundo essa compreensão, atualizada para o século XIX, a esmola (caridade, amor) estaria tanto na ação de financiar uma obra quanto de realizá-la e, no caso da instrução, no processo de colocar em comum seus saberes (MARTINS, 2019). Essa perspectiva da caridade, ao lado do projeto de self government projetada na Reforma Leôncio de Carvalho, alcançou uma atividade educacional para a escolarização que foi além desse tempo aqui descrito.

A “questão social”, antes da Rerum Novarum (1891), expressou-se em alguns dos projetos educacionais católicos, além da educação profissional. No meio laico, a Sociedade São Vicente de Paulo, conhecida Conferência Vicentina, criou, em 1884, na rua Visconde do Rio Branco, região central da Capital Imperial, uma escola para meninos pobres. De modo semelhante, pouco depois, outra Conferência criou, no morro do Castelo, uma escola do mesmo tipo. Foram nomeadas, respectivamente, Escola São Vicente de Paulo e Escola São Sebastião. (ANACLETO, 2019). Na Província do Rio de Janeiro, comarca de Paraíba do Sul, a Condessa do Rio Novo criou uma irmandade chamada de Nossa Senhora da Piedade. A essa irmandade a Condessa, viúva e sem herdeiros, deixou a maior parte de seus bens, mas deixou a principal fazenda para os escravizados que receberam alforria. Na colônia criada para esses herdeiros, havia duas escolas mantidas pela Irmandade. Os ex-escravizados deviam metade da produção da fazenda à Irmandade. Essa fazenda ficava na atual cidade de Três Rios e a Irmandade tinha sede na cidade de Paraíba do Sul, onde também possuía um educandário mantido pela Casa de Caridade, inicialmente entregue às Damas da Caridade ou Irmãs Vicentinas (INNOCENCIO, 2015). A condessa havia cedido uma casa em Petrópolis para o funcionamento do Colégio Santa Isabel criado e mantido por essas freiras desde 1874.

O “livre ensino” e a caridade marcaram esse período e são fortes marcas no período seguinte. A divisão aqui foi estabelecida pela mudança de regime na luta contra o governo liberal do Império para a luta contra o Estado laico republicano. No próximo período a ser descrito, houve diminuição de escolas de padres seculares e aumento de escolas de religiosos e a atenção aos pobres se manteve.

O SEGUNDO TEMPO: SEGUNDO MOMENTO

A proclamação da República instaurou uma variação nesse tempo. Porque esse segundo momento temporal é o da separação entre Igreja e Estado. Essa é a principal marca em relação ao período anterior. Antes a Igreja se sentia ameaçada pelos liberais e “ilustrados”. Com a República, foi alijada do governo e do Estado. Do ponto de vista dos projetos de educação nacional, não houve variação, permanecendo o “livre ensino” como “livre oferta”.

O governo do Império não permitia religiosos estrangeiros, a não ser em casos excepcionais, por exemplo, as freiras vicentinas que vieram cuidar da Santa Casa do Rio de Janeiro (1849), os padres capuchinhos que vieram contratados pelo Império para realizar a política de aldear os indígenas (1845). Com a separação, os bispos ultramontanos estavam livres dos imbróglios políticos e burocráticos para atrair as ordens europeias e o crescimento pode ser observado como na tabela abaixo:

Tabela 1 Crescimento do número de escolas por décadas 

Império 1890-1900 1901-1910 1911-1920 1921-1930 Total
1911-1920 140,28%
1901-1910 102,86% 144,29%
1890-1900 212,12% 218,18% 306,06%
Império 173,68% 368,42% 378,95% 531,58%
19 33 70 72 101 295

Fonte: Pesquisa do Centro de Estatística Religiosa e instigações sociais - CECRIS/Associação Nacional de Mantenedoras de Escolas Católicas – ANAMEC (in: MOURA, 2000)

Partindo da última linha da tabela, temos o total de escolas, no país, em cada período indicado no topo da mesma. Assim, às 19 escolas existentes no período imperial foram acrescidas 33 na primeira década da República, 70 na segunda década, 72 na terceira e 101 na quarta, perfazendo um total de 295 escolas criadas no Brasil durante esse período, segundo a pesquisa CECRIS/ANAMEC21. Vinte e nove (29) dessas escolas foram criadas no Rio de Janeiro, compreendido como a cidade e o estado, ou seja, 9,8% do total das escolas criadas22.

As percentagens expressas de baixo para cima representam o acréscimo percentual sucessivo em relação aos períodos expressos na primeira coluna da tabela. Na primeira década da República, houve um incremento de 173,68% no número de escolas existentes no período Imperial. Na segunda década, houve um incremento de 368,42% em relação às escolas existentes no Império e 212,12% em relação à década anterior (1890 a 1900). Todas as escolas descritas pela pesquisa eram mantidas por congregações religiosas em 1996.

Uma análise mais ampliada desse movimento de congregações religiosas estrangeiras para o Brasil, feita por Leonardi e Bittencourt (2019), permite acrescentar várias notas às observações acima. Principalmente a prevalência da participação de ordens femininas (75%) sobre as masculinas (25%)23. Das 657 congregações presentes nos anos da República no Brasil, 15% foram criadas no Brasil. E mesmo após 1930, limite da presente análise, cresceu fortemente até 1980. Maior parte das congregações imigrantes veio da Itália (43%) e da França (17%).

Este tempo das escolas de religiosos é um movimento muito explorado pela história da educação por sua relação com a escolarização das elites. Apesar do aumento das escolas de religiosos, a perspectiva de escolas para pobres não se esgotou no período anterior. Ela manteve suas características ligadas ao movimento sócio-político da educação em sua interface com as questões da Igreja.

Se compararmos a primeira com a segunda Pastoral Coletiva dos Bispos do Brasil, de 1890 e 1900, respectivamente (PASTORAL, 1890, in: RODRIGUES, 1981), é possível perceber um movimento distinto da Igreja nessa primeira década da República. Enquanto na primeira pastoral a análise ensejada pelo seu redator, D. Antônio Macedo Costa24, bispo do Pará, fazia uma regressão histórica àquilo que marcaria uma “perseguição” à Igreja no Brasil e propunha aproveitar aquilo que chamou de “liberdade da Igreja” para realizar o projeto a qual ela estava destinada; a Pastoral de 1900, lavrada por D. Silvério Gomes Pimenta, bispo de Mariana-MG, trazia uma visão escatológica da separação Igreja-Estado como sinal de tempos sombrios para a nação. A reorganização da Igreja foi lenta, pois passou por uma reestruturação interna. Não esteve à parte das questões educacionais, mas só teve força no plano nacional, a partir de 1920 com D. Leme.

Em 1899, os bispos da América Latina estiveram reunidos em Roma para o Concílio Plenário Latino Americano e de lá trouxeram referências para a reorganização da Igreja em suas respectivas jurisdições (LEONARDI; BITTENCOURT, 2016). Para o plano educacional indicava a criação de escolas primárias nas paróquias, secundárias nas sedes episcopais e uma universidade católica em cada país. A criação das escolas paroquiais, ao lado das escolas das congregações, também marcou esse período. As primeiras destinadas aos pobres e as segundas à elite. As primeiras para combater as escolas públicas e as segundas para combater as escolas protestantes. Leonardi (2019) marcou geograficamente, na cidade do Rio de Janeiro, a localização dessas escolas próximas às elites a quem serviam. O plano do Concílio Plenário gerou atitudes radicais dentro da Igreja como a proibição de matrícula das crianças católicas em escola chamadas a-católicas como as protestantes, espíritas, maçônicas e também as públicas, uma vez que o Estado não era mais católico.

As escolas de irmandades leigas continuaram a existir e a nascer, pois se manteve intacta a política educacional do “livre ensino” apesar da mudança de regime. É o caso da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito. Embora seu Compromisso contivesse a criação de uma escola para os irmãos desde 1843, em 1883, a mesa discutiu sua criação estabelecendo para ela um estatuto (CUNHA, 2004). Contudo, não há evidências de seu funcionamento antes de 1900. Essa Irmandade deveria oferecer escolarização para filhos de seus irmãos e mais ligada às questões do pós-escravidão do que às questões da Igreja (PEREIRA, 2020).

Apesar da separação do Estado, paulatinamente, alguns religiosos foram se aproximando da República, do mesmo modo que a elite cafeeira retornou às esferas do poder central. Essa aproximação não foi efetiva, mas significativa, do plano simbólico, e pode ser vista na atuação dos franciscanos em Petrópolis e na aproximação da Ordem com os republicanos ligados a Porciúncula, especialmente Alberto Torres (MARTINS, 2020a). O mesmo pode-se observar entre os salesianos de Niterói por seu envolvimento na Revolta da Armada cedendo as dependências do Colégio para hospital de campanha e distribuição de gêneros à população afetada pelos bombardeios (AZZI, 1983). Atuavam como era proposto pelo Padre Júlio Maria ao observar as orientações de Leão XIII aos franceses para dizer que não importava o regime, mas que as leis e os governantes fossem católicos (MARTINS, 2013). O próprio Papa Leão XIII (1894, p. 1) orientou aos bispos brasileiros aproveitar a “liberdade de ensino” na formação de padres.

No movimento de escolas para pobres também entrou em questão a causa operária. Além de profissionalização oferecida em escolas e asilos católicos, houve atuação sobre movimentos operários com escolas noturnas voltadas para os trabalhadores, sob a influência da Encíclica Rerum Novarum, de 1891. Exemplos são os franciscanos em Petrópolis (INSTITUIÇÃO útil, 1897), a Paróquia de Nossa Senhora da Glória, bairro da Glória no Rio de Janeiro (ESCOLA Parochial, 1905) e da paróquia de São João Batista da Lagoa, no bairro Botafogo, com um patronato e escolas noturnas, além de outras iniciativas não escolares (REUNIÃO de operários, 1919).

Como adotamos a temporalização via história da educação, então marcamos a variação estabelecida pela mudança instaurada pela República, ou seja, a separação entre a Igreja e Estado. Já se vem colocando, na historiografia do período, a continuidade do modelo de política pública de educação nessa transição. Isso significa dizer que não há uma mudança do projeto educacional público entre a política do final do Império e o início da República.

O TERCEIRO TEMPO

Há um terceiro tempo, explorado aqui pela marcação de seu início para a compreensão da mudança do tempo anterior. Esse tempo foi marcado pela ideia de educação como direito social e ficou formalizado na Constituição de 1934. A educação não era mais uma questão pertencente à Igreja ou à sociedade como previa o espírito liberal do século XIX estendido até a Primeira República, embora esse pensamento persistisse. Este movimento tornou-se significativo na década de 1920 com os as reformas da educação nos estados. A consecução da “modernidade em educação” como é conhecida, está imbricada com a pedagogia nova e um movimento de publicistas que teve seu ápice no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova no Brasil, de 1932 (ROCHA, 2019). Tomando como um tempo logo, estamos ainda imbricados nele e em sua realização. Os tempos da escola católica entre 1854 e 1934 marcam um tempo longo, uma temporalidade histórica, o Manifesto marca um novo tempo longo, uma nova temporalidade histórica25.

A marca pedagógica desse novo tempo foi a substituição de valores chamados de “metafísicos” (como os valores religiosos, por exemplo), por valores advindos das ciências: os fundamentos da educação (história, sociologia, filosofia e psicologia) e as técnicas didáticas em sintonia com o desenvolvimento social, econômico e político projetado.

A maior e mais polêmica marca desse tempo foi o protagonismo do Estado na educação. Já com as primeiras reformas do movimento de 1930, liderado por Vargas, organizou-se um sistema unificado de ensino no qual a União Federal assumiu um protagonismo inexistente, até então, no ordenamento legal e educacional do país. Assim, essa “modernidade” implica em uma escola pública (na formulação de políticas, organização escolar e seu financiamento), obrigatória (para a frequência pelos estudantes e na imposição de matrícula e frequência das mesmas a seus pais) e gratuita, porque financiada com recursos públicos estatais, constitucionalmente vinculados. A única proposta do Manifesto não incorporada foi o da escola única, muito combatida pela Igreja Católica.

É possível fazer temporalizações no interior desse tempo longo que nos liga do presente à Constituição de 1934. E o mesmo com a escolarização católica. Mas para o momento, basta mostrar a transição. A Igreja foi a principal crítica ao movimento publicista. Também atuou em seu favor e desfavor. Enquanto crescia os debates em torno da necessidade de alcance do ensino público e sua universalização, os católicos mantiveram foco na defesa do ensino religioso nessas escolas. Essa demonstração de força, muitas vezes criticada na academia, merece ser olhada como um suspiro, afinal o projeto publicista, mesmo com todos os problemas historicamente conhecidos, com avanços e retrocessos, tornou-se o foco principal das políticas educacionais, até mesmo incorporando as escolas privadas à sua estrutura pelo princípio da escola única.

A Carta Pastoral de D. Leme aos diocesanos de Pernambuco, de 1916, quando se mudou do Rio de Janeiro, onde era auxiliar do Cardeal Arcoverde, para o Recife, é considerada um marco axial na história da Igreja Católica no Brasil, sobretudo na sua relação com o Estado. A tônica dessa carta está na educação católica (tomado no sentido lato, ou seja, não no sentido escolar apenas) e na necessidade de educação do povo católico na doutrina da Igreja. Para ele era necessário atuar junto às elites e ao povo em geral, não apenas nas escolas e nas igrejas, mas em todos os meios disponíveis para isso (MARTINS, 2017).

Esse projeto passou à efetividade a partir de 1921, quando de seu retorno como Arcebispo Auxiliar do Rio de Janeiro. Além da atuação direta na política, D. Leme criou o Centro Dom Vital com Jackson de Figueiredo e, em 1940, a fundação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Também deve-se observar uma obra muito interessante que foi as Escolas Populares Cardeal Arcoverde, criadas no ensejo de comemorar os 50 anos de sacerdócio do primeiro Cardeal da América Latina, D. Arcoverde, em 1924. O projeto inicial era construir 50 escolas, mas ultrapassou a marca de 70 feitas. Algumas delas foram longevas e existiram por mais de 10 anos.

Espacialmente, as Escolas Cardeal Arcoverde estavam presentes em todas as regiões da capital federal e muito próximas das escolas públicas. Eram escolas primárias e gratuitas. Possuíam uma mantenedora que recebia donativos para o pagamento de professores, aluguel e material. Havia escolas mantidas por congregações religiosas, por particulares e, principalmente, por paróquias. Eram coordenadas por uma comissão central da Confederação Católica, criada por D. Leme, uma espécie de antecessora da Ação Católica criada pela Igreja anos depois (MARTINS; LEONARDI, No prelo). As Escolas Cardeal Arcoverde eram uma resposta de D. Leme às discussões sobre a universalização da escola pública para o povo. A partir daí, com o Movimento de 1930, a Igreja retomou sua união com o Estado em novas bases.

Sob a liderança de D. Leme, enfim é possível falar sobre um projeto de educação católica com o fim de intervir na sociedade e na cultura nacional. As escolas particulares dos religiosos vão dominar o território, interiorizando-se, sobretudo nos estados do sul e sudeste do Brasil, processo sempre mais vigoroso até a década de 1950. As ordens estrangeiras foram as principais colaboradoras no projeto ultramontano da Igreja no Brasil. No entanto, só é possível entender a ação política estrita de D. Leme, observando a influência da filosofia tradicionalista no projeto dos ultramontanos. Isso abre uma frente importante de compreensão. No entanto, a partir da Ação Católica o viés pastoral da Igreja também começou a se modificar, já seria um novo tempo para ela.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Há um tempo maior da educação brasileira compreendendo o Segundo Império e a Primeira República. Ele marca uma dialética entre o controle estatal da educação escolar e a liberdade de ensino. É todo esse tempo aqui descrito, dividido em períodos menores. Essa temporalização é um aproximar de lupa na tentativa de ver mais de perto a atividade humana em seu cotidiano, na sua existência dos indivíduos em sociedade.

Esse tempo público é um tempo baseado na cronologia, fundada nos eventos cósmicos, mas a percepção que fazemos desse tempo não é rígida. Dessa formulação fazem parte a memória, a história e o esquecimento. Uma vez determinados alguns critérios para a pesquisa, como exige a ciência, sob a guarda da Academia, é possível olhar aqui e ali, vasculhar os cantos, fazer redução fenomenológica e buscar compreender os caminhos dialéticos da mudança desse tempo público e estabelecer nele, no tempo histórico, as temporalidades indicativas dos projetos em disputa por horizontes que foram realizados ou não. Procuramos compreender as tradições que o fizeram e sob os quais padecemos ou agimos para mudar, tendo a vista sobre nossa geração pretérita e futura.

Partindo ao meio esse tempo da educação brasileira aqui referenciada (1854-1934), temos o Altar unido ao Trono, expressão já bastante celebrada. Nele se inscreveu um conflito entre ambos em ritmo e afastamento acelerado e contundente. A definitiva separação entre o Altar e o Trono opôs a Igreja ao Estado, anteriormente opunha-se Igreja e governo. Neste tempo, a oposição era, de um lado, a Igreja ultramontana, e de outro, o governo liberal e o Estado laico. No interior da Igreja, um discurso de “restauração” dos laços entre a Igreja e o Estado, e mesmo com a sociedade, pretendeu unir a Igreja ao Povo, e teve em Júlio Maria um ideólogo de primeira hora, mas que só se concretizou com D. Leme, nesse período que não foi submetido à análise.

A mudança da temporalidade faz mudar o modelo da instituição escolar católica. Isso não foi deliberado, mas foi se constituindo de modo a responder ou, no caso católico, a reagir, aos confrontos escolhidos por ela em sua atuação. Assim, como há um tempo da história da educação pública no Brasil, há um tempo da Igreja no Brasil. No caso da Igreja, todo esse tempo é o tempo da construção ultramontana. Priorizamos para este estudo o tempo da educação pública.

Por fim, os tempos não são puros já que a humanidade não é estática. Um modelo escolar ou de escolarização traz em si mesmo o gérmen de sua transformação, a sua contradição. O modelo escolar hegemônico do terceiro tempo esteve presente nos tempos anteriores. Assim como os modelos anteriores não acabaram nos tempos posteriores.

A importância da temporalização, criada sobre o calendário, na perspectiva do tempo histórico, para contribuição à ciência histórica, é identificar mais de perto os mecanismos da nossa história e nos permitir agir nesse presente e pôr em marcha o futuro que queremos, sem utopias (no sentido de lugar algum), mas forjado na nossa herança. Esse agir não é absoluto, mas contido na relação entre passado e futuro, dentro do qual, os homens criam e padecem nas estruturas sociais e históricas construídas. Ao historiador, permite a armação da intriga que ele transforma em narração.

1A simultaneidade do tempo social retirou a história da exclusiva sucessão, ou seja, da sua linearidade, para uma assimetria entre passado e presente. Sendo anti-sucessão, os eventos sociais têm reversibilidade e interdependência. Essa ideia vem dos Annales e se refere, também, à simultaneidade de gerações que implica a existência de um tempo anônimo, pois ultrapassa as relações interpessoais. (RICOEUR, 2010).

2Esse tempo axial não é absoluto, é eleito pelo pesquisador historiador. Qualquer instante é candidato a momento axial. (RICOEUR, 2010).

3Do ponto de vista do tempo social, não se deve levar em conta apenas o tempo crônico de uma existência média da vida biológica dos indivíduos. Os contemporâneos têm idades diferentes e o ponto central é seu encontro num tempo presente. Isso justifica a colocação do termo “conflito de gerações”. Uma geração nova não é necessariamente progressista em relação à anterior, de modo que o historiador estará mais atento aos aspectos qualitativos que aos quantitativos do tempo. Além disso, a relação entre os contemporâneos pode ser indireta e torna-se uma mediação entre a sina individual e o tempo público da história. Mas os contemporâneos fazem a mediação entre os reinos dos antecessores e dos predecessores, pois somente no presente o passado pode legar algo ao futuro, quando os antecessores não encontrarão os predecessores senão por recursos da memória. Isso estabelece uma relação não-biológica, mas simbólica, na ideia de sequência de gerações.

4A referência a sucessão de laços geracionais passa pela tipologia ideal proposta por Weber. Ricoeur (2010) a coloca na perspectiva fenomenológica de Alfred Shultz.

5O tradicionalismo foi uma filosofia reacionária à revoluções liberais da Europa e repercutiu no Brasil através de pensadores católicos franceses. Empresta aos ultramontanos um discurso político. Esses últimos são os defensores de uma política eclesial na qual se reforça os laços hierárquicos da Igreja e sua centralização na figura do papado em contraposição aos regalistas, defensores de uma Igreja ligada aos Estados Nacionais.

6Duas observações neste texto colocam a capital do país na sequência de experiências executadas antes na província do Rio de Janeiro: a reforma do ensino de Couto Ferraz, em 1849, e a adoção da “liberdade de ensino” em 1869. Ilmar Mattos (1987) afirma que a província do Rio de Janeiro, foi um laboratório para os políticos Saquaremas, responsáveis pela gestão que ajudou a consolidar o Estado Nacional brasileiro.

7Há uma questão bastante intrigante destacada por Ricoeur (2010, t. III, p, 205.) na discussão do vestígio: o ter passado e o ser passado. O passado passou, mas o vestígio permaneceu. “O vestígio é um efeito-signo”.

8Para citar os mais consultados: O Apostolo, A Cruz e A União, Jornal do Brasil, Gazeta de Petrópolis, A Imprensa, O Paiz, Diário do Rio de Janeiro, Correio Mercantil, Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro (Almanaque Laemmert), Gazeta de Notícias, Diário de Notícias, Cidade do Rio, Correio da Manhã e Jornal do Commercio.

9A intriga permite à narrativa uma obra de síntese. Ela reúne uma ação completa e, numa unidade temporal, objetivos, causas e acasos (RICOEUR, 2010, t. II, p.2).

10Essa reforma denota a introdução de uma nova relação entre a experiência do presente e a expectativa do futuro. Portanto, uma variação da temporalidade histórica (RICOEUR, 2010, t. III, p. 366) para o tema da educação pública no Brasil. Tradição, espaço de experiência e horizonte de expectativa é o trinômio sob o qual Ricoeur (2010), apoiado em Koselleck, coloca as relações entre passado, presente e futuro, respectivamente. Essa filosofia da história permite ao historiador perceber essas relações estabelecidas nos projetos investigados.

11Aqui há outra marcação da variação dialética entre experiência e expectativa para a temporalidade histórica da Igreja Católica no Brasil., nos mesmos termos aludidos na nota anterior. No entanto, balizamo-nos primeiramente pela história da educação.

12Em 1832 o Papa Gregório XVI já havia feito interdições ao liberalismo na encíclica Mirari-vos. Esse conclamava especificamente a que os bispos se unissem ao papa.

13Observando a construção da cidadania na Inglaterra, Marshall (1867) apresentou três estruturas que compuseram o direito naquele país: a cidadania vista sob o direito civil, o direito político e o direito social. Eles se consolidam nessa ordem. No Brasil, Carvalho (2015) observou não haver uma ordem semelhante, mas um movimento de idas e vindas, nas quais direitos foram criados para compensar outros supressos, como é o caso dos direitos sociais a partir de 1930, consolidados no mesmo tempo em que direitos políticos e direitos civis eram violados. Assim, podemos dizer que não existiu um direito social à educação no período aqui estudado, como revelam os estudos da história da educação no Brasil.

14

Em Braudel há uma escala de tempos breves, médios e longos colocados em termos quantitativos em sua ligação com o calendário e análises métricas. Não é essa a opção aqui. Ricoeur (2007, p. 220) fez uma abordagem das escalas e as apontou como livre escolha do historiador e dispostas conforme os temas e ênfases escolhidas. Isso explica as abordagens da micro-história, por exemplo; elas são colocadas em escala menores, seja de tempo, espaço ou tema. Essa prática não visa a encontrar os mesmos encadeamentos da macro-história, mas encontrar conexões que passam despercebidas nesta, portanto não mera redução métrica de escala já que não se vê as mesmas coisas.

Neste texto, o uso da expressão “tempo menor” e “tempo maior” não estabelece, entre eles, exclusões ou métrica; o tempo menor é uma variação, uma temporalidade recortada de um tempo maior que o abarca, portanto uma mudança de escala no interior de um mapa. O tempo curto em Ricoeur é onde o evento marca uma variação na narração e sua duração vai além do mero cronológico, pois é abarcado pelo tempo longo, no caso, a história de longa duração. O evento não é apenas factual, portanto, mas marcado pela narração e pela intriga (RICOEUR, 2010).

15Em Marques (1870, p. 507) é possível confrontar o currículo do Seminário Menor Nossa Senhora das Mercês, da diocese do Maranhão e a inclusão de latim e francês no seminário maior de Santo Antônio em meados do século XIX (também citado em Neris, 2011, p. 28). Selingardi (2007, p. 162) discorreu sobre o Seminário de Nossa Senhora da Boa Morte da Diocese de Mariana, Minas Gerais. Especificamente, ele apontou os reflexos da instituição na sociedade, dentre eles, a aplicação dos egressos no ensino escolar. O regulamento do Seminário de Pernambuco, por D. Azeredo Coutinho (1798, p 12) além dos estudos humanísticos, incluía cursos de ciências e geometria. O Seminário de Olinda, sob o regulamento de Azeredo Coutinho, teve grande impacto na formação de intelectuais brasileiros no século XIX. Coelho (2016, p.145) apresentou um aspecto geral do currículo do Seminário de São Paulo em 1832.

16Não serão listados esses colégios para não ir além da indicação do sentido observado na participação da Igreja na escolarização do período. A comparação como feita no Laemmert não é possível por se tratar de publicações diversas.

17O Relatório do Estado da Instrução Primaria e Secundaria, de 1855, computou a existência de 68 escolas particulares no Município Neutro, sendo 40 de instrução primária e 28 de instrução primária e secundária sendo 16 para meninos e 12 para meninas. As escolas masculinas tinham quase o dobro de alunos por escola em relação às femininas (CAMARA, 1856, p. 26).

18Seria importante um estudo sobre o Colégio São Bento para averiguar uma variação nessa escola por ser uma ordem religiosa, no entanto, as pesquisas por expressões na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional não retornam referências. Na busca por outros temas, não raro, encontra-se matérias sobre o Colégio. Não há trabalhos significativos sobre esse Colégio gratuito, fundado em 1858 pelos monges beneditinos do Rio de Janeiro.

19

“A Assembleia Legislativa e o governo da província, sempre solícitos pelos progressos da instrução primária, tem ultimamente tomado medidas de grande alcance; declarou livre o ensino particular, criou escolas para um e outro sexo em todas aquelas freguesias, que não as tinham e instituiu as escolas particulares subvencionadas. Destes atos, já começam alguns a dar importantes resultados outros apresentá-lo-ão mais tarde.

A publicação da lei n. 1470 seguiu-se a abertura de 40 estabelecimentos particulares de instrução, de que temos notícias, ainda que não circunstanciada a respeito de todos eles [...]” (SILVA, 1870, p. 10).

20A Escola da Irmandade de N. S. da Conceição na Lagoa, mantida com subvenção, foi fechada em 1871 e o governo passou a subvencionar a Escola de N. S. de Copacabana (PASHE, 2014, pp.91-92). A ideia de subvenção foi muito defendida pelos bispos: a partir da República, exigiam contrapartida para os católicos na distribuição das verbas, para a educação sob o argumento de que o Brasil era uma nação católica e a maioria do povo merecia.

21Essa pesquisa tem um limite em relação aos estudos que dão origem a esse ensaio: ela se baseia nas escolas existentes em 1996 e naquelas que responderam à pesquisa. Verifica-se facilmente a ausência de escolas importantes na listagem apresentada e não constam as escolas extintas.

22São Paulo, com 56 escolas (19%) e Rio Grande do Sul com 71 escolas (24,1%) foram os estados com maior número de fundações no período indicado na tabela 1. Minas Gerais, 37 escolas (12,5%), Rio de Janeiro 24 escolas (9,8%) as restantes 101 escolas (34,6%) espalhadas pelos outros estados. São 223 escolas (75,4%) no eixo sul-sudeste (34,2% e 41,4%, respectivamente).

23Não é correto concluir que houvesse oferta maior de vagas para o público feminino. Apenas indica mais escolas mantidas por freiras do que mantidas por padres.

24D. Macedo Costa morreu logo após o início da República, em 1891, já nomeado Primaz do Brasil. Não assumiu, efetivamente, a liderança que possuía com apoio do papado e dos bispos brasileiros.

25 Ricoeur (2010, t. III, p. 358) trata o tempo novo como um dos elementos para a compreensão da dialética entre o espaço de experiência e o horizonte de expectativa. Uma nova qualidade do tempo indica que há uma nova relação com o futuro, por isso esse tempo é declarado como novo.

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Recebido: 00 de Setembro de 2020; Aceito: 00 de Março de 2021

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