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Revista Teias

versão impressa ISSN 1518-5370versão On-line ISSN 1982-0305

Revista Teias vol.23 no.68 Rio de Janeiro jan./mar 2022  Epub 13-Fev-2023

https://doi.org/10.12957/teias.2022.54090 

Artigos de Demanda Contínua

A CONSTITUIÇÃO DA FLEXIBILIDADE COMO ESTRATÉGIAPOLÍTICA NO ENSINO MÉDIO BRASILEIRO

THE CONSTITUTION OF FLEXIBILITY AS A POLITICAL STRATEGY IN THE BRAZILIAN HIGH SCHOOL

LA CONSTITUCIÓN DE LA FLEXIBILIDAD COMO ESTRATEGIA POLÍTICA EN LA ESCUELA SECUNDARIA BRASILEÑA

Daiana Bastos da Silva Santos1 
http://orcid.org/0000-0001-8241-8272; lattes: 2852086038066644

Roberto Rafael Dias da Silva2 
http://orcid.org/0000-0001-6927-3435; lattes: 3180659616699939

1Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) E-mail: daianaa_bs@hotmail.com

2Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) E-mail: robertods@unisinos.br


Resumo

O presente artigo propõe-se a compreender os sentidos de flexibilidade no Ensino Médio brasileiro na última década. Dessa forma, interessa interrogar: Como os sentidos de flexibilidade se apresentam e se articulam na mídia pedagógica impressa pesquisada no Brasil no decorrer da última década? Para tal, elege como materialidade empírica um conjunto de textos e artigos da Revista Pátio: Ensino Médio, Profissional e Tecnológico. Como grade analítica, tomou-se por base o conceito foucaultiano de tecnologia de governo. Como apontamentos gerais, evidencia-se a constituição de uma tríade de sentidos, qual seja: a flexibilidade curricular pautada pela oferta de currículo flexível; a flexibilidade da prática pedagógica na organização do tempo, dos espaços e dos métodos; e a flexibilidade enquanto uma habilidade a ser desenvolvida no e pelo sujeito empreendedor de si, na produção de subjetividades capazes de gerir seu próprio capital de competências.

Palavras-chave: ensino médio; flexibilidade; currículo; mídia impressa

Abstract

This article aims to understand the meanings of flexibility in Brazilian high school in the last decade. Thus, it is interesting to ask: How are the meanings of flexibility presented and articulated in the printed educational media researched in Brazil during the last decade? To this end, it chooses, as empirical materiality, texts and articles from the Pátio Magazine: High School, Professional and Technological. As an analytical grid, it is based on the Foucaultian concept of government technology. As notes, it evidences the constitution of a triad of meanings, namely: curricular flexibility guided by the offer of a flexible curriculum; the flexibility of pedagogical practice in the organization of time, spaces and methods; and flexibility as a skill to be developed in and by the entrepreneurial subject of himself, in the production of subjectivities capable of managing his own competence capital.

Keywords: high school; flexibility; curriculum; print

Resumen

Este artículo tiene como objetivo comprender los significados de la flexibilidad en la escuela secundaria brasileña en la última década. Por lo tanto, es interesante preguntar: ¿cómo se presentan y articulan los significados de flexibilidad en los medios educativos impresos investigados en Brasil durante la última década? Para ello, elige, como materialidad empírica, textos y artículos de la Revista Pátio: Secundaria, Profesional y Tecnológica. Como una cuadrícula analítica, se basa en el concepto foucaultiano de la tecnología gubernamental. Como notas, evidencia la constitución de una tríada de significados, a saber: flexibilidad curricular guiada por la oferta de un currículum flexible; la flexibilidad de la práctica pedagógica en la organización del tiempo, espacios y métodos; y flexibilidad como una habilidad para ser desarrollada en y por el sujeto emprendedor de sí mismo, en la producción de subjetividades capaces de administrar su propio capital de competencias.

Palabras clave: escuela secundaria; flexibilidad; plan de estudios; impresión

INTRODUÇÃO

A sociedade hoje busca meios de destruir os males da rotina com a criação de instituições mais flexíveis. As práticas de flexibilidade, porém, concentram-se mais nas forças que dobram as pessoas.

(SENNETT, 2001, p. 53).

As discussões quanto à dimensão curricular no Ensino Médio brasileiro adquiriram bastante destaque na atualidade. Tal atmosfera é desencadeada, principalmente, pela implementação de políticas curriculares pautadas na proposição da flexibilidade e na centralidade de práticas de individualização dos percursos formativos. Imbuídas de determinadas características próprias da racionalidade neoliberal emerge um conjunto de racionalidades governamentais que orientam os investimentos políticos sobre essa etapa da educação básica e fomentam a produção daquilo que Stephen Ball (2014) aponta como um “currículo neoliberal”. As noções de individualização, de flexibilização e de responsabilização tomam a superfície das pautas sociais deste tempo e se configuram como conceitos ferramentas para a compreensão da constituição da flexibilidade como estratégia política em ação.

Nesse sentido, tomando como materialidade empírica o conjunto de textos – reportagens, artigos e editoriais da Revista Pátio: Ensino Médio, Profissional e Tecnológico1, abrangendo as publicações desde a sua criação, em 2009, até o primeiro trimestre de 2019, quando sua produção e distribuição foi cancelada, mobilizaremos nossa argumentação para examinar como os sentidos de flexibilidade se apresentam e se articulam no âmbito do Ensino Médio brasileiro, com base nas demandas e pautas sociais que tal artefato midiático coloca em evidência. Por meio de uma análise documental, não se buscou centralizar a investigação nesse periódico, mas sim na sua superfície, procurando problematizar as práticas que visibilizam a constituição de sentidos de flexibilidade na atualidade. O corpus analítico da pesquisa foi composto de 36 textos, entre artigos e reportagens, e 35 editoriais, num total aproximado de 150 páginas. Tais reflexões foram desenvolvidas diante dos seguintes pressupostos teóricos: a flexibilidade como estratégia neoliberal efetivada na articulação entre individualização e responsabilização social como prática do “novo capitalismo” (SENNETT, 2006); e a constituição da escolarização estetizada em diálogo com a “estetização da vida” no contexto do capitalismo artista (LIPOVETSKY; SERROY, 2015).

Para tal, estruturamos a escrita deste artigo em três seções. Na seção intitulada A flexibilidade como estratégia neoliberal e a constituição da escolarização estetizada: um diagnóstico do presente, apresentamos um possível diagnóstico do presente, com fins de compreensão do contexto sociocultural e político em que a discussão está inserida. Ainda, retomamos em parte os estudos de Édouard Claparède (1973) e John Dewey (2007) para compreendermos os movimentos de emergência da centralidade do aluno nos processos educacionais e de (re)emergência das metodologias ativas no âmbito educacional atual. Ademais, essa revitalização das metodologias ativas, no contexto atual, nos parece estar sobre a égide de um novo aspecto social, cultural e capitalista de estetização da vida (LIPOVETSKY; SERROY, 2015). Essa leitura, de modo ampliado, possibilita-nos pensar em um possível processo de estetização pedagógica (SILVA, 2019). Tais teorizações constituem um quadro de leitura educacional atual, de continuidades e descontinuidades, para a reflexão quanto à flexibilidade no Ensino Médio brasileiro.

Na seção seguinte, Ênfases de flexibilidade no Ensino Médio brasileiro: tríade de estratégias políticas em ação, apresentamos e desenvolvemos os três sentidos de flexibilidade no Ensino Médio brasileiro, mapeados no contexto pesquisado, quais sejam: a flexibilidade curricular, a flexibilidade pedagógica e a flexibilidade como uma habilidade a ser desenvolvida no e pelo sujeito empreendedor de si. Tais sentidos foram mobilizados enquanto pautas sociais evidenciadas na materialidade empírica, e apresentam-se como estratégias políticas e contemporâneas que se articulam (e por vezes se desenvolvem) concomitantemente, de forma transversal e não linear. Na última seção, intitulada A flexibilidade: perspectivas conclusivas e continuidades, retomamos as reflexões tecidas até então.

A FLEXIBILIDADE COMO ESTRATÉGIA NEOLIBERAL E A CONSTITUIÇÃO DA ESCOLARIZAÇÃO ESTETIZADA: UM DIAGNÓSTICO DO PRESENTE

O sociólogo norte-americano Richard Sennett (2006) assinala para uma reconfiguração do capitalismo e do modo como os indivíduos estão sendo conduzidos na via da formação permanente. De acordo com o pensador, a passagem de um capitalismo social para um capitalismo contemporâneo provocou diversas mudanças culturais e sociais. Nesse âmbito, narrativas de vidas instáveis e flexíveis tomam o lugar da estabilidade e das narrativas de vidas estáveis; tal movimento suscita uma mudança de ênfase, pois se antes era permitido planejar a longo prazo, na “cultura do novo capitalismo” (SENNETT, 2006), é preciso se adaptar a condições descontínuas.

Nesse contexto, a sociedade passa a projetar suas forças na constituição de novas subjetividades que resultem em sujeitos flexíveis, altamente adaptáveis – ou seja, “[...] uma individualidade voltada para o curto prazo, preocupada com as habilidades potenciais e disposta a abrir mão das experiências passadas” (SENNETT, 2006, p. 14). Ainda, no âmbito da cultura do novo capitalismo, os indivíduos passam a viver constantemente no limite e são impelidos a assumir riscos, independentemente das suas vontades, uma vez que “O risco vai se tornar uma necessidade diária enfrentada pelas massas”. (SENNETT, 2001, p. 94). Ao encontro disso, Beck enfatiza que “o núcleo da consciência do risco não está no presente, e sim no futuro. Na sociedade de risco, o passado deixa de ter força determinante em relação ao presente” (BECK, 2011, p. 40)2.

Ainda, no processo de exacerbada individualização, Beck (2011) refere-se à constituição de um determinado modelo biográfico de distribuição. Em sua perspectiva, o que antes era compreendido como destino coletivo passa a ser compreendido na esfera biográfica e de forma transversal. Em outras palavras, “Dito esquematicamente: as contradições da desigualdade social emergem novamente como contradições entre momentos da vida no interior de uma biografia” (BECK, 2011, p. 139).

Tais apontamentos possibilitam refletir sobre o processo de individualização intensificado na sociedade atual, em uma via de mão dupla que afeta, da mesma forma, as condições e as narrativas de vida. Ao tempo em que o sujeito passa a ser responsável por sua própria narrativa de vida – que deve ser flexível e instável –, tal narrativa depende das condições de que esse sujeito dispõe para escolher entre as opções disponíveis. Em suma, “[...] vive-se a própria vida como uma história ainda a ser contada, mas a forma como deve ser tecida a história que se espera contar decide a técnica pela qual o fio da vida é tecido” (BAUMAN, 2008, p. 15). Essa padronização por individualização engendra uma responsabilização social para o indivíduo, de modo a “Afastar a culpa das instituições e dirigi-la para a inadequação do indivíduo ajuda a difundir a raiva potencialmente rompedora” (BAUMAN, 2008, p. 12). A partir dessas ferramentas conceituais, voltamos o nosso olhar para a materialidade analítica.

Nesse contexto, acompanhamos, na atualidade, uma chamada midiática para a adoção de práticas pedagógicas inovadoras pautadas, majoritariamente, em metodologias ativas. Tais metodologias, contemporaneamente, estruturam-se na centralidade do aluno no processo de aprendizagem e sugerem como instrumentos, por exemplo, o método de projetos, apresentando-se enquanto possibilidades de renovação pedagógica para a educação básica brasileira. Ao atribuir centralidade ao aluno, a sua capacidade de aprender e, principalmente, a sua liberdade, “[...] constrói-se um novo perfil formativo como campo de investimento para a escolarização, materializado nas concepções de personalização e flexibilidade” (SILVA, 2018, p. 555). Nesse sentido, nos interessa pensar, enquanto leitura do presente, nas seguintes questões: Qual é a relação da busca por práticas pedagógicas inovadoras com a educação no atual contexto de constituição de uma Base Nacional Comum Curricular brasileira? Quais continuidades e descontinuidades podem ser observadas? E quais as condições de possibilidades para a emergência da aprendizagem pautada na centralidade do estudante e da adoção de metodologias ativas como práticas educacionais?

Desde a primeira metade do século XX observa-se a defesa de práticas pedagógicas centradas no indivíduo. Com isso, salientamos que a centralidade no aluno não é uma inovação do nosso tempo ou da atualidade, e sim uma possível revitalização das metodologias centradas nos estudantes, contempladas anteriormente pela gramática das pedagogias ativas, por meio de pensadores como o psicólogo suíço Édouard Claparède e o filósofo norte-americano John Dewey. Essa revitalização tem um elemento para sua reemergência, entre outras possibilidades de instauração, no contexto da flexibilidade – mais precisamente, no ditame da flexibilização educacional. Tanto Claparède (1973) como Dewey (2007) colocam o aluno como elemento central nos processos de aprendizagem, num processo voltado para as individualidades. Atribuem aos conceitos de aptidão, interesse e experiência os eixos para o desenvolvimento de uma pedagogia diferenciada ou para uma pedagogia democrática, respectivamente. Assim, “[...] essas lógicas perfazem a escolarização contemporânea, tanto pela opção de metodologias ativas baseadas em soluções didáticas inovadoras, quanto pela seleção dos conhecimentos escolares, dimensionadas no âmbito de uma personalização dos percursos formativos” (SILVA, 2018, p. 560), porém com outra roupagem.

Dessa forma, problematizamos um possível deslocamento no que tange à organização curricular no âmbito da escola nova no Brasil, na primeira metade do século XX: o cenário em que o centro está pautado no aluno por meio da aptidão, da experiência e do interesse dá lugar, na contemporaneidade, a uma organização pautada numa aprendizagem estilizada, para além de flexibilizada, em que o aluno ainda se encontra no centro do processo, mas o objetivo, para além dos já abordados na esfera econômica, inscreve-se no âmbito estético. Nesse cenário, os pensadores franceses Gilles Lipovetsky e Jean Serroy (2015) problematizam como o mercado e a arte pela estética, na hipermodernidade, coadunam com a produção em massa – e, ao mesmo tempo, personalizada – de produtos estéticos que representam o prazer estético da originalidade: “[...] uma quantidade crescente de produtos entra na era da padronização de massa, da estética à la carte, comandada pelos gostos pessoais do consumidor” (LIPOVETSKY; SERROY, 2015, p. 230).

Como processo central da estetização do mundo, os pensadores descrevem a instituição de um capitalismo artista como o novo modelo socioeconômico: “o capitalismo artista tem de característico o fato de criar valor econômico por meio do valor estético e experimental: ele afirma-se como um sistema conceptor, produtor e distribuidor de prazeres, de sensações, de encantamento” (LIPOVETSKY; SERROY, 2015, p. 34). Esse capitalismo produz e é produzido em um cenário de exacerbada fluidez estética, em que o olhar para o sensível perpassa a economia como um todo e no qual aspectos privilegiados da lógica do consumo passam a ser a experiência sensível, o simbólico, o prazer, o afetivo.

Nessa perspectiva, ser original ultrapassa os objetivos da fabricação de subjetividades flexíveis, resilientes, adaptáveis, típicas do neossujeito. Um processo não anula o outro, mas ambos fornecem elementos substanciais para a consolidação do movimento de constituição da flexibilidade no Ensino Médio brasileiro, que se instaura como proposta estruturante do currículo e de suas práticas, na via de uma estetização pedagógica. A respeito disso, Silva salienta que, “Em termos contextuais, talvez estejamos diante da emergência de um novo arranjo capitalista, no qual as questões da estética, do design e da inovação são potencializadas, inclusive em termos de novas tecnologias pedagógicas” (SILVA, 2019, p. 116).

Ao atentar para as formulações conceituais produzidas atualmente no campo educacional, dois movimentos se tornam recorrentes. O primeiro diz respeito à inserção do saber econômico na Educação, que se estrutura na tríade da flexibilização, da individualização e da responsabilização. Esses processos pautam-se: 1) na busca pela formação de sujeitos flexíveis e resilientes; 2) na intensa singularização dos processos, levando a uma exacerbada individualização do sujeito; e 3) na intensificação de pautas ligadas à responsabilização social, transferida para a esfera do individual. O segundo movimento dá conta da (e inscreve-se na) condição sociocultural, em que tudo se torna passível de design. Trata-se de uma estetização da vida em todo o seu âmbito.

Na esteira desse cenário, acompanhamos, no Brasil, a implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Tal documento propõe uma política curricular de reformulação, com enfoque propositivo na flexibilidade, modificando a organização curricular do Ensino Médio, última etapa da educação básica. Concomitantemente à homologação da BNCC para o Ensino Médio (2018), destacamos a promulgação das novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM). Nesse contexto, “sob a égide das condições políticas do capitalismo contemporâneo, pode-se notar um amplo campo discursivo que situa os currículos escolares no interior de novas gramáticas políticas e pedagógicas” (SILVA, 2016, p. 679). Essas novas gramáticas perpassam a proposta do novo Ensino Médio, que passaria, então, a representar um novo percurso para a formação escolar de qualidade.

ÊNFASES DE FLEXIBILIDADE NO ENSINO MÉDIO BRASILEIRO: TRÍADE DE ESTRATÉGIAS POLÍTICAS EM AÇÃO

Diante do exercício contextual realizado até então, do mapeamento da constituição contemporânea do ditame da flexibilidade no Ensino Médio no Brasil no material pesquisado, foi possível situá-la na emergência da cultura do novo capitalismo (SENNETT, 2001). Dessa forma, passamos a descrever os sentidos que a flexibilidade adquire enquanto tecnologia política de governo. De acordo com Rose (2001, p. 38), “A tecnologia refere-se, neste caso, a qualquer agenciamento ou qualquer conjunto estruturado por uma racionalidade prática e governado por um objetivo mais ou menos consciente”. Ainda, entendemos que o conceito de tecnologia de governo implica um processo de condução de condutas, e para pensar a flexibilidade enquanto uma tecnologia, a compreendemos enquanto uma tecnologia política que passa a operar diante de estratégias que propiciam, por sua vez, uma economia política. A partir desses apontamentos, apresentamos os três sentidos de flexibilidade no Ensino Médio brasileiro, evidenciados no periódico pesquisado e mapeados no processo analítico, quais sejam: a flexibilidade curricular, a flexibilidade da prática pedagógica e a flexibilidade enquanto uma habilidade a ser desenvolvida no e pelo sujeito contemporâneo.

O sentido de flexibilidade curricular apresenta-se na demanda de um currículo flexível, ofertado como uma espécie de cardápio variado e atraente, constituído por caminhos formativos mais adequados às expectativas dos jovens com experiências de aprendizagens personalizadas, e que possibilite aos estudantes fazerem escolhas ao longo da vida escolar. Diante dessas condições, os jovens brasileiros são chamados a posicionarem as suas escolhas quanto ao seu percurso formativo, não somente pela iniciativa de tal ação, e/ou pela responsabilização social de suas escolhas, mas imbricados no mandato do desempenho. Han (2017) aponta para uma mudança de paradigma da sociedade disciplinar, conceito desenvolvido por Foucault, uma sociedade de negatividade, para a sociedade do desempenho, uma sociedade de positividade, de maximização da produtividade. Tal mudança de ênfase, como destaca Han (2017), do registro social e inconsciente do dever para o poder, potencializa a máxima do desempenho como algo a ser alcançado pelos sujeitos em todas as esferas da sua vida e como responsabilidade das escolhas feitas ao longo da vida pelo indivíduo.

Tal prerrogativa do desempenho é evidenciada na materialidade investigada. A reportagem Cardápio Variado nas Escolas Mineiras, que compõe o escopo editorial Momento de Inovação, no ano de 2009, relata a experiência do Estado de Minas Gerais, que adotou como organização curricular para o Ensino Médio a divisão em áreas a partir do 2º ano.

Tabela 1 Cardápio Variado nas Escolas Mineiras 

No 1º ano, a grade inclui as matérias obrigatórias conforme a legislação para o ensino médio. No 2º ano, podem ser ensinadas até 10 disciplinas, e as turmas são divididas em duas áreas: ciências humanas e naturais, ambas incluindo português, matemática, história e geografia. Os alunos com 70% ou mais de aproveitamento em todas as matérias do 1º ano podem escolher a área em que vão estudar no período seguinte; os outros são encaminhados pela escola para a área em que tiverem mais dificuldade. No 3º ano, os estudantes escolhem seu caminho, independentemente do seu desempenho.

Fonte: Revista Pátio Ensino Médio, nº 2, 2009, p. 42-43, grifo nosso.

Dessa forma, o que pode se destacar é que o desempenho é um critério privilegiado pelo modelo curricular adotado pelo Estado e está presente como aspecto central na proposta. No primeiro momento, o desempenho é elemento determinante para a possibilidade de escolha quanto ao percurso formativo, em que se configura quase como prêmio, bonificação e/ou recompensa dada ao estudante que obteve um bom rendimento. Em um segundo momento, deixa de ser prerrogativa e passa a operar como um coadjuvante, pois mesmo que não se obtenha o desempenho esperado, ainda é possível ao estudante personalizar o seu currículo. Ainda, o desempenho só deixa de ser condição para a possibilidade de escolha no ano final do curso, em que a individualização e a responsabilização social pela escolha do seu percurso formativo parecem adquirir ênfase maior. Logo, o discurso da flexibilidade intensifica processos de individualização e responsabilização, mas o que pode ser colocado em suspeita é que a flexibilidade curricular ganha tônus e coaduna com a perspectiva de fabricação do “sujeito do desempenho” na atualidade, dialogando ainda com as demandas atuais do mercado. Assim, a prerrogativa atual, “[...] na realidade, não é o excesso de responsabilidade e iniciativa, mas o imperativo do desempenho como um novo mandato da sociedade pós-moderna do trabalho” (HAN, 2017, p. 27, grifos do original).

Ainda, na materialidade pesquisada, destaca-se uma edição inteira em 2012, que discute a questão do ensino da Matemática no Ensino Médio. A publicação pedagógica apresenta como destaque de capa o artigo intitulado O currículo de matemática e a flexibilidade de caminhos formativos.

Tabela 2 Flexibilidade Curricular 

Não sendo todos os alunos de ensino médio iguais, nem almejando carreiras iguais, seria razoável uma formação matemática diferenciada. [...] A escola igual para todos e com inúmeras disciplinas faz com que se crie o aluno entediado e o perdido. [...] A escola com percursos formativos flexíveis e de qualidade depende de uma transformação da cultura escolar.

Fonte: Revista Pátio Ensino Médio, nº 13, 2012, p. 11-12, grifo nosso.

Nota-se que o discurso da flexibilidade está associado à individualização do processo formativo, diante de propostas diversificadas. As expressões flexibilidade de caminhos formativos, flexibilidade de percursos formativos, currículo ofertado como cardápio variado, formação diferenciada, currículos diversos, ensino motivador, possibilidade de escolha e projeto de vida compõem a gramática em torno da flexibilização curricular no Ensino Médio, no material pesquisado. Diante disso, podemos supor que a flexibilidade no sentido curricular se constitui enquanto estratégia política de governo.

Bauman (2008) enfatiza que se a premissa de que para planejar o futuro era necessário controlar o presente regulou por muito tempo as relações sociais quanto ao progresso, estendendo-se a todos os âmbitos da vida, na atualidade, podemos supor que a ênfase se deslocou, e “[...] o que importa agora é o controle individual sobre o próprio presente” (BAUMAN, 2008, p. 147). As recentes políticas curriculares destinadas ao Ensino Médio parecem obedecer a essa lógica, fomentando o que Silva (2019) nomeia como dispositivos de customização curricular. Tais dispositivos atuam na esfera do individual, potencializando mecanismos para que cada estudante defina seu caminho formativo, “[...] tornando-o flexível personalizável e criativo” (SILVA, 2017, p. 19), enquanto projeto de vida, e se responsabilize quanto às consequências dessa escolha. Dessa forma, a conduta dos indivíduos torna-se alvo privilegiado das estratégias de governo

Tais percepções, aparentemente focadas nas individualidades no que tange à flexibilidade curricular, também estavam, conforme apontam as materialidades, estritamente vinculadas à produção do sentido de flexibilidade da prática pedagógica no contexto do deslocamento da ênfase do ensino para a aprendizagem e na égide de uma estetização pedagógica (SILVA, 2019). O sentido de flexibilidade da prática pedagógica (estetizada) refere-se à organização do tempo escolar, da prática pedagógica, da flexibilidade no método de ensinar, que passam a ser pautados em metodologias ativas. Tal perspectiva fomenta processos de estetização pedagógica, em consonância com o conceito de estetização do mundo, em que “O domínio do estilo e da emoção se converte ao regime ‘híper’ [...]” (LIPOVETSKY; SERROY, 2015, p. 27-28, grifos do original).

Como já mencionado, atualmente, podemos observar, no âmbito educacional, uma retórica que centraliza o estudante nos processos de aprendizagens. Tal fato é evidenciado, também, nas produções contemporâneas (POPKEWITZ, 2009; NOGUERA-RAMÌREZ, 2011), que enfatizam a passagem da sociedade da instrução para a sociedade da aprendizagem. A aprendizagem adquire ênfase central sendo que tal premissa passa a ser materializada nas políticas educacionais curriculares. Esse discurso pedagógico com foco na aprendizagem é evidenciado na materialidade empírica analisada.

Tabela 3 Novo currículo, nova abordagem pedagógica 

Torna-se imprescindível que todos compreendam que deverá ocorrer uma ruptura no que se entende por modelo de ensinoaprendizagem, dado que haverá maior flexibilidade na concepção do itinerário formativo. Isso significa que tanto gestores e coordenadores quanto docentes e discentes devem entender que aplicar um novo currículo pode requerer uma nova abordagem pedagógica, sem entrar no âmbito da utilização ou não de novas tecnologias em sala de aula.

Fonte: Revista Pátio: Ensino Médio, Profissional e Tecnológico, n. 28, mar./maio 2016, p. 38, grifo nosso.

O excerto em questão aponta para a necessidade de uma ruptura histórica na compreensão de ensino-aprendizagem. Além disso, destaca que, para a inserção de um novo currículo, “uma nova abordagem pedagógica” deve ser adotada. Dessa forma, o que podemos supor diante das análises é o seguinte: o que está em desenvolvimento contemporaneamente é um processo de revitalização das metodologias da segunda metade do século XX. Para sustentação de tal argumento, pontuamos algumas aproximações e distanciamentos de ambos os processos. Enquanto observamos, atualmente, o esmaecimento do ensino e a ênfase na aprendizagem, em que se propõe uma dissociação entre ambos, tal prerrogativa não era propagada na literatura anterior a segunda metade do século XX Além disso, o papel que o professor ocupa nos discursos pedagógicos atuais também não é o mesmo. Se na literatura da metade do século XX conseguimos destacar a importância do professor como aquele que ensina e conduz, tal figura, contemporaneamente, é (re)contextualizada como aquele que media, que observa, que acompanha, posicionando-o quase como um espectador.

Outro fator a ser considerado é que, enquanto a instituição escolar era central na perspectiva de Claparède (1973) e Dewey (2007) – uma escola sob medida, como um laboratório, e uma escola como um espaço de experiência e extensão da vida em sociedade, respectivamente – , no contexto hodierno da sociedade de aprendizagem, amplia-se a ideia de espaços de aprendizagens, em processos cada vez mais individualizados, e a escola perde, então, o status de instituição social e central capaz de formar sujeitos para a vida em sociedade. A noção da aprendizagem por toda vida reforça a ideia de que é preciso ultrapassar os limites da escolarização, considerando, conforme o material de análise aponta, que a sala de aula não estaria mais só na escola.

Tabela 4 A sala de aula não está mais só na escola 

Flexibilidade, aliás, parece ser essencial para manter o interesse dessa geração. O Colégio Pueri Domus, na zona sul de São Paulo, descobriu isso e soube ouvir o que os alunos buscavam para despertar engajamento. No início de junho, a direção contratou dois especialistas em YouTube para comandar o PueriVideoLab, um laboratório para que os alunos aprendam a gravar, roteirizar, produzir e editar vídeos para a internet. A ideia é que depois eles descubram formas de aplicar o conhecimento adquirido nas disciplinas tradicionais. ‘Percebemos que, mais do que receber tudo passivamente do professor, o aluno quer participar da criação do próprio conhecimento’” conta um dos idealizadores do projeto, o educador Luiz Magalhães, diretor do Sistema Educacional Brasileiro (SEB), grupo de instituições do qual o colégio faz parte. ‘A sala de aula não está mais só na escola; ela está em todos os lugares e não tem paredes’, esclarece.

Fonte: Revista Pátio: Ensino Médio, Profissional e Tecnológico, n. 27, set./nov., 2015, p. 30, grifo nosso.

Como podemos evidenciar, a busca por metodologias ativas, diferenciadas, individualizadas e tidas como inovadoras que sejam, ao mesmo tempo, atrativas para os estudantes e, como descreve a própria literatura atual, que promovam o engajamento, torna-se contumaz. Essas metodologias são dispostas como um meio para se alcançar a excelência e o bom desempenho na perspectiva da (re)construção de uma nova escola capaz de, então, reproduzir respostas aos anseios da juventude atual.

Como uma possível leitura social desse cenário, Lipovetsky e Serroy (2015) destacam o desenvolvimento do que nomeiam capitalismo artista, em que “[...] as questões do design e do estilo tornam-se imperativos econômicos estendidos a diferentes âmbitos sociais” (SILVA, 2018, p. 553). Os pesquisadores enfatizam que a era hipermoderna do capitalismo – desencadeada, no mínimo, nas últimas três décadas (da financeirização, da desregulamentação e da planetarização) –, também é a que está marcada por outra espécie de inflação, qual seja, “a inflação estética”. Dessa forma, os autores fazem referência à constituição de um “modo de produção estético”:

Os imperativos do estilo, da beleza, do espetáculo adquiriram tamanha importância nos mercados de consumo, transformaram a tal ponto a elaboração dos objetos e dos serviços, as formas da comunicação, da distribuição e do consumo, que se torna difícil não reconhecer o advento de um verdadeiro ‘modo de produção estético’ que hoje alcançou a maioridade. (LIPOVETSKY; SERROY, 2015, p. 40, grifos no original).

Esse contexto de estetização da vida permite, diante da leitura dos deslocamentos, no âmbito educacional, apontar para um possível desenvolvimento em curso: um processo de “estetização pedagógica” (SILVA, 2019). As estratégias mercantis “invadem”, também, o campo educacional, redimensionando o que se entende, entre outros aspectos, por prática pedagógica, espaços e tempos escolares. Assim, também os alunos são convocados a estetizarem seus modos de aprendizagem, e a escola e a prática pedagógica, para além de qualquer outra função ou centralidade, devem estar conectadas, em primeiro lugar, com a lógica da estética e do design – em outras palavras, serem originais e inovadoras. Outro ponto a ser destacado é o de que a escola, para além de inovar na prática pedagógica, precisa se reconfigurar enquanto espaço que, mais do que fomentar conhecimento, proporcione o engajamento dos alunos, inove nas suas práticas pedagógicas e atenda ao chamado da tecnologia como um instrumento para reestruturar tempos e espaços, tornando-se uma escola dos sonhos: ela deve propiciar a felicidade dos alunos.

Tabela 5 Escola dos sonhos 

Na escola dos sonhos, segundo os entrevistados, é permitido usar a tecnologia em qualquer lugar, e não apenas no laboratório de informática. Nesse lugar, os alunos aprendem conhecimentos ligados à tecnologia e também utilizam recursos educacionais tecnológicos, como pesquisas na internet. Games e robótica ainda não aparecem como um desejo urgente dos jovens, mas estão presentes quando imaginam uma escola inovadora e capaz de torná-los mais felizes.

Fonte: Revista Pátio: Ensino Médio, Profissional e Tecnológico, n. 31, dez. 2016/fev. 2017, p. 35, grifo nosso.

Para além dessas tecnologias, a reconfiguração do tempo escolar se apresenta como uma prerrogativa; ele deve ser remodelado na configuração atual para um novo tempo, um tempo escolar mais flexível e alinhado com a perspectiva de centralidade do aluno. Ainda, tanto a prática pedagógica como o tempo escolar devem obedecer a outra lógica, mais alinhada ao contexto social do desenvolvimento de um regime artista do capitalismo. Assim, “[...] a atividade estética do capitalismo se tornou estrutural e exponencial” (LIPOVETSKY; SERROY, 2015, p. 41). Em outras palavras, tal lógica econômica, ao se estender aos demais âmbitos da vida social – dentre eles, a Educação – , insere novos elementos, tais como a originalidade e a performatividade, em processos cada vez mais individualizados e na busca por um tempo cada vez mais flexibilizado.

Nesse sentido, constata-se “[...] uma centralidade de soluções didáticas ancoradas em dispositivos de estetização pedagógica, capazes de promover inovação e interatividade” (SILVA, 2019, p. 122). A gestão da aprendizagem passa, no âmbito da flexibilidade, a ser gestada para além da personalização e individualização do percurso formativo, a ser compreendida dentro de uma produção estética pedagógica, em desenvolvimento no Ensino Médio brasileiro.

Ainda, entendendo a flexibilidade como uma tecnologia que engendra estratégias enquanto diferentes sentidos, os quais se desenham e operam de forma transversal, ressaltamos o desenvolvimento da flexibilidade enquanto uma habilidade a ser desenvolvida no e pelo sujeito contemporâneo. Assim, o sujeito contemporâneo é chamado a gerir seu capital de competências, o que se configura em um terceiro sentido mapeado no processo de análise. Esse capital é exigido do sujeito como característica do sujeito empreendedor e como característica do desempenho, conformando uma figura subjetiva desejada no contexto atual.

A habilidade é descrita em políticas curriculares recentes voltadas à etapa do Ensino Médio, mais especificamente na BNCC, como um dos conhecimentos mobilizados por uma competência, e está disposta como “práticas cognitivas e socioemocionais” (BRASIL, 2018, p. 8). Dessa forma, o sujeito está condicionado ao desenvolvimento e à articulação de diversas competências para formar seu capital humano e, especificamente, ter a habilidade de ser flexível para gerenciar esse capital. Contudo, é desejável (e necessário), diante de uma reforma educacional tal como se propõe a Reforma do Ensino Médio brasileiro, por exemplo, investir nas capacidades interiores e subjetivas. Reformas como a do novo Ensino Médio, “Para isso, estabelecem uma série de regulamentações, mobilizam discursos e tecnologias (como o currículo, a didática, modalidades de organização e gestão escolar etc.), tornando a alma e as e as capacidades humanas objetos de disputa e governo” (GARCIA, 2010, p. 446). É esperado, entre outros aspectos, conforme evidenciado no material pesquisado, que o sujeito conheça suas próprias potencialidades e fragilidades.

Tabela 6 Conhecer as fragilidades e potencialidades 

A pessoa precisa conhecer suas próprias potencialidades e fragilidades para decidir o que precisa aprender em seguida: talvez escolher o próximo trabalho tendo como base o que ele vai ensinar, e não o que ele vai pagar. O número de pessoas que, por desejo ou por necessidade, encontra-se em tal posição está aumentando consideravelmente – e elas precisam de maleabilidade, desenvoltura e flexibilidade para lidar bem com isso.

Fonte: Revista Pátio: Ensino Médio, Profissional e Tecnológico, n. 9, jun./ago. 2011, p. 43, grifo nosso.

Ademais, outro aspecto a ser considerado é o de que, no âmbito do neoliberalismo, a lógica da concorrência se intensifica e novas estratégias de competição se colocam para o mercado de trabalho. Tais preceitos extravasam a lógica empresarial e se inserem como exigências de formação no campo educacional. Assim, subjetividades necessárias vão se moldando às demandas econômico-sociais e uma nova máxima se impõe: a da gestão do capital de recursos humanos.

Dessa forma, compreendemos que tais sentidos operam e se articulam como estratégias por vezes concomitantemente, atuando tanto no âmbito curricular e na prática pedagógica, quanto na constituição de subjetividades, o que insere a flexibilidade no Ensino Médio enquanto uma tecnologia política no contexto brasileiro e a eleva a status privilegiado, posicionando-a como um ditame para a educação hodiernamente.

A FLEXIBILIDADE: PERSPECTIVAS CONCLUSIVAS E CONTINUIDADES

A flexibilidade curricular está vinculada, na materialidade empírica, à possibilidade de ofertar um currículo como um cardápio variado e atraente no contexto da individualização (BAUMAN, 2008) e da “sociedade do desempenho” (HAN, 2017). Diante disso, os estudantes brasileiros são convocados a assumir a responsabilidade social de escolher seus percursos formativos. Para além dessas questões, foi possível, durante o processo de análise, refletir sobre o quanto a individualização extrema acaba, segundo Beck (2011), por padronizar ao individualizar, uma vez que os currículos ofertados aos estudantes, ditos como inovadores e personalizáveis, são cada vez mais individualizados e, também, cada vez mais padronizados.

A flexibilidade da prática pedagógica apresenta-se como uma demanda de reconfiguração da prática pedagógica, do tempo escolar e do método de ensino, que passa a ser posicionado no desenvolvimento da “estetização pedagógica” (SILVA, 2019) em diálogo com a leitura social contemporânea de constituição da “estetização da vida” (LIPOVETSKY; SERROY, 2015). Tal processo é pautado pela adoção de metodologias ativas, em que tecnologias individualizadas e estetizadas passam a compor os instrumentos pedagógicos desejáveis ao professor do século XXI. Aliás, adotar uma prática pedagógica inovadora passa a ser, também, um novo imperativo econômico para a Educação. Nesse contexto, destaca-se o deslocamento da “sociedade da instrução” para a “sociedade da aprendizagem” (POPKEWITZ, 2009; NOGUERA-RAMÌREZ, 2011), em que a centralidade está no estudante e a partir da qual há uma dissociação entre ensinoaprendizagem.

Ainda, a flexibilidade enquanto uma habilidade a ser desenvolvida no e pelo sujeito contemporâneo apresenta-se como demanda para o gerenciamento do capital das competências que o sujeito empreendedor deve constituir. Além disso, tal perspectiva responde a demandas do mercado de trabalho e é fomentada no âmbito da “sociedade individualizada” (BAUMAN, 2008), propiciando a produção de subjetividades flexíveis.

Cabe salientar que o delineamento dos três sentidos de flexibilidade demonstra, mais especificamente, que tanto o foco do currículo como o foco da prática pedagógica pautados no âmbito da flexibilização podem contribuir para um possível deslocamento das discussões curriculares, principalmente no que se refere ao conhecimento escolar.

1A Revista Pátio: Ensino Médio, Profissional e Tecnológico foi uma publicação da editora Grupo A e seu foco editorial era voltado para o Ensino Médio. De acordo com o editorial da primeira publicação, em 2009, a revista tinha como fim possibilitar o debate entre todos os envolvidos com essa etapa da educação básica. Teve tiragem trimestral e segmentada, voltada para professores, educadores e interessados na Educação como um todo.

2O autor enfatiza dois sentidos para o termo “risco”: o primeiro se refere às leis da probabilidade, em que tudo é mensurável e calculável; o segundo sentido concerne a incertezas não quantificáveis. A partir de tais categorias, o autor sustenta a sua teorização associada ao segundo sentido do termo, ou seja, atrelado “a riscos que não podem ser mensurados”, no “sentido de incertezas fabricadas” (BECK, 2006, p. 5).

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Recebido: Agosto de 2020; Aceito: Dezembro de 2021

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