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Revista Teias

versión impresa ISSN 1518-5370versión On-line ISSN 1982-0305

Revista Teias vol.23 no.69 Rio de Janeiro abr./jun 2022  Epub 28-Feb-2023

https://doi.org/10.12957/teias.2022.65962 

Migração e refúgio: desafios educativos entre desigualdades e diferenças

MIGRAÇÃO CHINESA EM GOVERNADOR VALADARES-MG: “primeira onda” e os desafios de deixar o país de origem em situações de conflito

CHINESE MIGRATION IN GOVERNADOR VALADARES-MG: “first wave” and the challenges of leaving the country of origin in conflict situations

MIGRACIÓN CHINA EN GOVERNADOR VALADARES-MG: “primera ola” y los desafíos de dejar el país de origen en situaciones de conflicto

Franco Dani Araújo e Pinto1 
http://orcid.org/0000-0002-6556-9113; lattes: 6353244738777051

Carmen Silvia de Moraes Rial2 
http://orcid.org/0000-0001-7478-0917; lattes: 4874148638654662

Sueli Siqueira3 
http://orcid.org/0000-0002-1802-4751; lattes: 7291049182118911

1Universidade Vale do Rio Doce (Univale)

2Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

3Universidade Vale do Rio Doce (Univale)


Resumo

Governador Valadares, no leste de Minas Gerais, é conhecida como uma cidade de cultura emigratória, em especial para os Estados Unidos. Este artigo, no entanto, apresenta uma vertente que evidencia o outro lado desse fenômeno, que é o da presença de estrangeiros na cidade mineira. A pesquisa aqui apresentada é um recorte da tese de doutoramento em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que analisa a migração de chineses para o território de Governador Valadares, a partir das narrativas dos próprios imigrantes com base em suas experiências e trajetórias. A etnografia foi o método de pesquisa escolhido e a técnica de coleta de dados adotada foi a de entrevista de história oral. Neste artigo são apresentadas as duas grandes ondas migratórias de chineses para o Brasil e para Governador Valadares - a primeira, entre as décadas de 1950 e 1970; e a segunda, a partir da década de 1990. Para atender a proposta temática desta edição, optou-se por voltar as atenções para os chineses que migraram para a cidade mineira durante a chamada primeira grande onda, devido às suas particularidades. Nesse sentido, a pesquisa revela que entre os primeiros chineses que chegaram em Governador Valadares, os fatores que os levaram a deixar o país de origem estavam geralmente relacionados a contextos de guerra e conflitos políticos. Assim, para alguns, deixar a terra natal não era uma opção ou parte de um projeto previamente elaborado, mas uma alternativa de sobrevivência.

Palavras-chave: Migração Chinesa; Governador Valadares; Ondas Migratórias Chinesas; Redes Sociais Migratórias.

Abstract

Governador Valadares, in the east of Minas Gerais, is known as a city of emigration culture, especially to the United States. This article, however, presents an aspect that highlights the other side of this phenomenon, which is the presence of foreigners in this city of Minas Gerais. The research presented here is an excerpt from the doctoral thesis in Human Sciences by the Federal University of Santa Catarina (UFSC), which analyzes the migration of Chinese people to the territory of Governador Valadares, from the narratives of the own immigrants based on their experiences and trajectories. Ethnography was the chosen research method and the data collection technique adopted was the oral history interview. This article presents the two great migratory waves of Chinese people to Brazil and to Governador Valadares - the first, between the 1950s and 1970s; and the second, from the 1990s. To meet the thematic proposal of this edition, it was decided to turn attention to the Chinese who migrated to the city of Minas during the call known as the first great wave, due to their particularities. In this sense, the research reveals that among the first Chinese who arrived in Governador Valadares, the factors that led them to leave their country of origin were generally related to contexts of war and political conflicts. Thus, for some leaving their homeland was not an option or part of a previously designed project, but an alternative for survival.

Keywords: Chinese Migration; Governador Valadares; Chinese Migratory Waves; Migratory Social Networks.

Resumen

Governador Valadares, en el este de Minas Gerais, es conocida como una ciudad de cultura emigratoria, especialmente para los Estados Unidos (EE.UU.). Este artículo, sin embargo, presenta una vertiente que destaca el otro lado de este fenómeno, que es el de la presencia de extranjeros en la ciudad de Minas Gerais. La investigación aquí presentada es un recorte de la tesis de doctorado en Ciencias Humanas de la Universidad Federal de Santa Catarina (UFSC), que analiza la migración de chinos al territorio de Governador Valadares, a partir de las narrativas de los propios inmigrantes basadas en sus experiencias y trayectorias. La etnografía fue el método de investigación elegido y la técnica de recolección de datos adoptada fue la entrevista de historia oral. Este artículo presenta las dos grandes olas migratorias de chinos a Brasil y a Governador Valadares - la primera, entre las décadas de 1950 y 1970; y la segunda, a partir de la década de 1990. Para atender la propuesta temática de esta edición, se decidió volver la atención hacia los chinos que emigraron (migraron) a la ciudad de Minas Gerais durante la denominada primera gran ola, debido a sus particularidades. En este sentido, la investigación revela que entre los primeros chinos que llegaron a Governador Valadares, los factores que los llevaron a dejar su país de origen estaban generalmente relacionados con contextos de guerra y conflictos políticos. Así, para algunos, salir de su tierra natal no era una opción ni parte de un proyecto previamente elaborado, sino una alternativa de supervivencia.

Palabras clave Migración China; Governador Valadares; Olas Migratorias Chinas; Redes Sociales Migratorias.

INTRODUÇÃO

Governador Valadares fica localizada no Vale do Rio Doce, região leste de Minas Gerais, a cerca de 320 quilômetros da capital Belo Horizonte. Com seus mais de 280 mil habitantes1, historicamente é conhecida como uma cidade de cultura emigratória, fenômeno iniciado ainda na década de 1960, com a ida de um grupo de estudantes para os Estados Unidos.

Há décadas, pesquisadores, entre os quais Sueli Siqueira, Gláucia de Oliveira Assis e Maxine Margolis, estudam o fenômeno da migração de moradores de Governador Valadares para os Estados Unidos. Enquanto os olhares dos estudiosos da migração e da mídia permaneciam cada vez mais atentos a essa relação quase simbiótica entre a cidade mineira e os Estados Unidos, outro fenômeno, esse indicando um caminho inverso, estava se consolidando no município de maneira sutil: a chegada de chineses em território mineiro.

Verificou-se, ao longo da pesquisa, que o fenômeno migratório vinha ocorrendo na cidade há alguns anos; décadas, se forem consideradas as primeiras famílias de chineses que chegaram em Governador Valadares entre o final dos anos 1950 e início dos anos 1960. Nos anos 1970, com a chegada da família Chang, essa rede social migratória ganha força e torna-se um fator fundamental para a entrada de outras famílias na cidade, principalmente a partir dos anos 1990, quando ocorre uma reconfiguração do comércio na região central com a abertura não só de pastelarias chinesas, mas também outros ramos de atuação, como lojas de bicicletas motorizadas e de produtos eletrônicos importados.

Apesar das evidências da presença chinesa em Governador Valadares, até então esse tema não havia sido pesquisado. Uma questão relevante do estudo foi a possibilidade de estudar esse fenômeno ao propor um debate sobre a experiência migratória de chineses para a (e na) cidade mineira. E as histórias são muitas e os contextos distintos. Alguns chineses foram para o Brasil fugindo de conflitos políticos ou de contextos de guerra; outros, com finalidade de investir em alguma atividade comercial ou estudar.

A iniciativa da pesquisa com os chineses surgiu em 2018, durante um trabalho de campo em Governador Valadares, numa proposta de observação participante. A visita ocorreu no Mercado Municipal, na região central da cidade, onde estão situados alguns estabelecimentos comerciais administrados por chineses. Em conversa informal, eles compartilharam informações sobre a experiência migratória e sobre os laços afetivos com o país de origem. As imbricações dos elementos que surgiram dessas conversas, mesmo que ainda iniciais, foram o ponto de partida para a definição do objeto de pesquisa da tese. Entre esses elementos, destaca-se neste artigo aquilo que motivou as migrações de chineses para o Brasil e para Governador Valadares, em ambas as ondas.

Entre as contribuições esperadas com este estudo ressalta-se a relevância do tema no contexto da mobilidade humana no mundo atualmente. A sociedade, de uma forma geral, entrou no século XXI com conflitos relacionados a essa temática social e, compreender os diversos aspectos que envolvem um território marcado por movimentos migratórios, seja de saída ou entrada, é relevante não só para compreensão das muitas variáveis componentes da questão, como, também, subsidiar políticas públicas que minimizem seus efeitos deletérios.

O fenômeno migratório de chineses para Governador Valadares também se apresenta como um recorte da história da cidade, e por isso a relevância em compreendê-lo e registrá-lo, como ressalta o historiador Raphael Samuel (1989/1990, p. 220), que reafirma a importância da pesquisa regional e local por aproximar o pesquisador do seu objeto de estudo. Desta forma, segundo ele, o que se conta e o que se narra incorpora-se aos fenômenos históricos regionais e locais.

Neste artigo, as atenções estão voltadas para os chineses que migraram para Governador Valadares durante a chamada primeira grande onda migratória, entre as décadas de 1950 e 1970, pelas suas particularidades, considerando a proposta temática desta edição. As entrevistas realizadas abrangeram também filhos dos primeiros imigrantes chineses, o que inclui os que nasceram na China e chegaram ao Brasil ainda na infância e os que nasceram em Valadares, além de outras pessoas que tivessem relação com o tema da pesquisa.

Optou-se pela história oral como metodologia, a qual permitiu a produção de maior parte do diário de campo, mesmo que remotamente, em função da pandemia decorrente da COVID192. Segundo o historiador inglês Alistair Thomson (2002) e a socióloga Alice Beatriz da Silva Gordo Lang (2015), a história oral é uma metodologia qualitativa de pesquisa muito utilizada nos estudos sobre migrações, tanto como fonte principal, quanto fonte complementar, porque permite ao pesquisador extrair do entrevistado detalhes e particularidades que geralmente documentos oficiais não podem fornecer.

Foi aplicada, ainda, a técnica de amostragem bola de neve, por meio da qual um entrevistado indica outro (s). Ao todo, foram entrevistadas 12 (doze) pessoas, entre as quais chineses, brasileiros descendentes de chineses (sino-brasileiros) e pessoas sem relação de parentesco com os grupos étnicos chineses em Governador Valadares, mas que de alguma forma contribuíram para a pesquisa com seus relatos. As entrevistas com membros das primeiras famílias sino-brasileiras - ou seja, cidadãos brasileiros com ascendentes chineses ou pessoas nascidas na China radicadas no Brasil - mesmo que de forma remota, ajudaram não somente a compreender quando a rede migratória chinesa iniciou na cidade mineira, mas também como ela se mantém.

MIGRAÇÕES: O QUE AS MOTIVAM?

Nas últimas décadas, muitas teorias migratórias têm sido estudadas e estão presentes no campo da economia, da antropologia, da demografia, da geografia, da sociologia, entre outras áreas do conhecimento. De certa forma, elas tentam explicar as motivações de quem deixa seu país para migrar, temporariamente ou permanentemente. Porém, não se trata de um tema autonomizado numa área isoladamente, como defendem os pesquisadores Caroline B. Brettell e James F. Hollifield (2000). Para estes, não se migra por um só motivo.

Entender o motivo de as migrações internacionais ocorrerem não é algo tão simples. Não se trata apenas da decisão de deixar o país de origem, mas o contexto por trás disso e todo o processo (e pessoas) envolvidos. Um dos conceitos que melhor define essa temática, e que tem sido recorrentemente citado em pesquisas sobre migrações, é o de Stephen Castles e Mark J. Miller, autores da edição de 2003 de “The age of migration international: population, movements in modern world”. Para eles, a migração internacional não pode ser entendida apenas como uma simples ação individual pela qual uma pessoa decide migrar em busca de melhores oportunidades de vida, deixar sua terra natal e suas raízes.

O migrante não pode ser visto simplesmente como alguém que rapidamente assimila sua nova condição de vida no país de destino, como se houvesse uma ruptura quase que instantânea com seu passado, sua gente e sua cultura. Ao contrário, a migração e a permanência em terras estrangeiras são um processo de longo prazo que terão consequências para o resto da vida do migrante e afetará suas futuras gerações (CASTLES; MILLER, 2003).

Para Brettell e Hollifield (2000), pensar no fenômeno migratório nos leva a considerar uma dimensão maior, independente da sociedade de origem e a sociedade de destino. Segundo eles, isso vale para questão demográfica (que influencia a dimensão das populações de origem e de destino); econômica (cujos fatores de expulsão, de onde se sai, e atração, para onde se vai, podem provocar mudanças); política (com relação às restrições de liberdade coletiva e individual, aplicadas a quem pretende ultrapassar a fronteira, questões como políticas de migração etc.); psicológica (no sentido do envolvimento do migrante no processo de tomada de decisão e as consequências emocionais dessa decisão); sociológica (que envolve tanto a estrutura social, como o sistema cultural do lugar de origem e de destino); entre outros fatores.

Nesse sentido, identificamos na pesquisa com os chineses em Governador Valadares diferentes fatores. Entre as décadas de 1950 e 1970 um dos fatores que mais motivou a migração para o Brasil foi de natureza política, pois em 1949, o Partido Comunista assumiu o controle da China continental, impondo um sistema de governo no país e regras rígidas no controle migratório. Os posicionamentos políticos do Partido Comunista resultaram em muitos conflitos armados em seu território. A pesquisa confirma isso, pois verificamos que alguns dos primeiros chineses que migraram para a cidade mineira deixaram a terra natal receosos com o futuro do país e para fugir de eventuais guerras e outros tipos de conflitos políticos.

A partir da década de 1990, os estudos diaspóricos aos quais recorremos e os próprios relatos de alguns de nossos entrevistados, confirmam que as histórias migratórias contemporâneas de chineses para o Brasil estão mais relacionadas a fatores econômicos, por exemplo. As teorias migratórias que destacam os fatores econômicos e de mercado e que tratam os fatores motivadores como escolhas individuais e economicistas (fatores financeiros) são as mais recorrentes nos estudos sobre o tema, e têm Massey (1993) como um de seus expoentes. No campo das humanidades e das ciências sociais pesquisadores, como Sales (1999), Sasaki e Assis (2000), e Siqueira (2009), não desprezam a motivação econômica como um fator relevante na decisão de migrar, no entanto, defendem que esse fenômeno estaria mais relacionado a aspectos sociológicos do que econômicos.

Um desses aspectos sociológicos é o das redes sociais. Segundo a teoria das redes, a existência de um fluxo migratório contribui para que uma rede social se estabeleça. “Nessa rede estão laços, conexões com a origem e/ou com o destino, por meio do parentesco, das amizades, comunidades etc.” Isso faz com que o risco migratório seja diminuído. E “com a diminuição dos riscos e das incertezas, os custos de migrar diminuem e consequentemente o retorno esperado aumenta” (PINTO, 2016, p. 57). A teoria das redes foi importante para compreender a migração chinesa para o Brasil e para Governador Valadares, tanto na primeira quanto na segunda onda, mesmo que em contextos históricos completamente distintos, como veremos mais adiante.

Segundo Siqueira (2009, p. 47) a teoria das redes se apresenta com um “instrumento fundamental para a compreensão da forma como os fluxos migratórios são estabelecidos e mantidos, tendo em vista que ligam os dois lugares, o de origem e o de destino”. Mais do que isso, trata-se da ideia de construir um conjunto de relações sociais que ultrapassam as fronteiras nacionais e criam um singular campo social. Assim, a teoria das redes sociais emerge como uma análise alternativa e complementar às perspectivas economicistas.

AS ONDAS MIGRATÓRIAS CHINESAS

Em Chinese diasporas: a social history of global migration, o historiador norte-americano Steven B. Miles (2020) traça um panorama da migração chinesa do século XVI até a contemporaneidade. Segundo o autor, embora os chineses tenham se aventurado durante séculos no exterior, a presença deles no fenômeno migratório se tornou mais marcante entre os anos 1.500 e 1.740. Porém, esse fluxo migratório ocorria mais internamente do que externamente, ou seja, dentro do território chinês, impulsionado, principalmente, pelo que ele chama de diásporas comerciais.

Entre os anos 1740 e 1840, ocorre o que Miles (2020) chama de “migração na idade próspera”, marcada por deslocamentos chineses pelos mares da Ásia e viagens ao longo de rotas estabelecidas. A China vivia um período de expansão territorial durante a Dinastia Qing, o que lhe permitiu também uma expansão sem precedentes da rede comercial para além de suas fronteiras. Nessa época, houve uma expansão significativa no comércio das fronteiras chinesas.

O período que vai de 1840 a 1937 é chamado por Miles (2020) de “Era da migração em massa”. Um período tumultuado politicamente, marcado por conflitos armados internos, como a Guerra Civil Taiping (1851-1864); e invasões estrangeiras, como a Guerra do Ópio (1839-1842 e 1856-1860), entre os impérios britânico e Qing; e terminando com a invasão japonesa à China, a chamada Segunda Guerra Sino-Japonesa, que marcou o início da Segunda Guerra Mundial (19371945). Esse período testemunhou a queda da última dinastia imperial chinesa e a origem do moderno estado-nação chinês. Os recorrentes conflitos armados na China, que Miles (2020) chama de “agitação doméstica” (p. 91), impulsionaram a migração chinesa para o exterior, principalmente para a Austrália, África, Américas e Europa, que recebiam muitos desses chineses na condição de refugiados.

Após o fim da Segunda Guerra Mundial, uma guerra civil estourou na China entre dois partidos políticos rivais, o Partido Nacionalista Chinês (PNC) e o Partido Comunista Chinês (PCC). Este último saiu vitorioso quando seu líder, Mao Zedong, declarou a fundação da República Popular da China, em 1º de outubro de 1949. Os remanescentes do PNC recuaram para Taiwan, onde o partido continuou a governar a chamada República da China até os dias atuais. Assim, temos a China continental, de regime comunista, e a República da China, em Taiwan, que tem sistema de governo independente do da parte continental; jurisdição e moeda próprias; autonomia diplomática; e reconhecimento internacional como país independente.

Segundo Miles (2020), a insurgência do regime comunista na China continental, e diante das incertezas e iminências de novos conflitos entre os dois territórios, a partir do final dos anos 1940 um número cada vez maior de chineses migrava para outros países, muitos deles em navios clandestinos, devido à restritiva política migratória imposta pelo governo comunista. As comunidades chinesas foram se multiplicando e ganhando membros cada vez mais ativos, principalmente na Europa e nas Américas. Em alguns casos, muitas dessas comunidades e grupos étnicos foram se integrando às sociedades anfitriãs.

Sobre a presença de chineses no Brasil, segundo o analista internacional Douglas de Toledo Piza (2013, p. 197) ela é antiga, pois em 2012 comemorou-se o bicentenário do provável ano de chegada de um grupo de chineses no Rio de Janeiro, então capital do Brasil, levados ao país especialmente para o cultivo do chá no Jardim Botânico da capital carioca a pedido da Corte portuguesa. A ideia, segundo o historiador Jeffrey Lesser (2001), era introduzir no Brasil a cultura do chá, e os chineses eram referência mundial nesse tipo de cultivo.

Mas é no século XX que ocorrem as duas principais ondas migratórias de chineses para o Brasil, segundo Piza (2013), sendo uma entre as décadas de 1950 e 1970, e outra a partir da segunda metade da década de 1990. Sobre a primeira grande onda,

Os muitos chineses que compõem a primeira onda migratória ao Brasil decidem deixar a China em decorrência da emergência do comunismo de Mao Zedong ao poder, em 1949. Inicialmente vindos da própria China, nos dois anos em que as portas do país ainda não haviam sido fechadas, e depois desde Taiwan ou de outros países do Sudeste Asiático e da África, têm como principal destino a cidade de São Paulo. Isso revela a importância das redes sociais de acolhida, evidenciando o trabalho de acolhimento realizado, por exemplo, pela Missão Católica Chinesa no Brasil, o que incluía conforto psicológico, facilidades para obtenção de moradia e de emprego e até mesmo assistência jurídica sobre a regularização da situação de estrangeiros. [...] o grande fluxo migratório do começo da década de 1950 perdurou por mais de duas décadas, e ao longo deste período outras cidades do país, como Curitiba e Recife passaram a receber chineses, frequentemente vindos de São Paulo (PIZA, 2013, p. 198-199).

Além de São Paulo, ainda nessa primeira onda migratória, segundo o autor, uma outra cidade brasileira que recebeu muitos imigrantes chineses, principalmente a partir da década de 1970, foi Foz do Iguaçu, assim como sua cidade-gêmea, Ciudad del Leste, no Paraguai, motivados, de acordo com Piza (2013, p. 199), “pela própria motivação comercial da cidade paraguaia”. Nesse ponto, passamos a tratar do que Piza (2013) chama de segunda onda migratória:

A segunda grande onda migratória de chineses ao Brasil, desde meados dos anos 1990 para cá, ocorre em decorrência do momento inicial de reabertura política que reativa as migrações diretamente desde a China. É fruto das transformações estruturais econômicas, políticas e sociais daquele país na era Deng Xiaoping. Há uma diversificação das províncias de origem, não mais fortemente concentradas no sudeste do país. Muitos dos imigrantes desta onda encontram no comércio a forma de sustento, e as próprias migrações adquirem o sentido de busca por oportunidades econômicas (PIZA, 2013, p. 200).

Segundo Piza (2013, p. 200), “o caráter aventureiro dessas migrações” de chineses para o Brasil e as dificuldades de oportunidades comerciais encontradas por muitos deles em São Paulo, fez com que muitos emigrassem novamente para outras cidades do país. Se considerarmos somente a região de Governador Valadares, podemos propor a subdivisão da primeira grande onda migratória em dois momentos: o primeiro no final da década de 1950 e início da década de 1960, com a chegada dos primeiros chineses na cidade; e o segundo momento, na década de 1970, com a chegada de uma família de taiwaneses. Isso não só representa o início da migração chinesa em Valadares, como, principalmente, a consolidação de uma importante rede social que abriria portas para a entrada de outros chineses na cidade mineira décadas depois.

INÍCIO DA MIGRAÇÃO CHINESA EM GOVERNADOR VALADARES

Segundo pesquisa do historiador Haruf Espíndola (2000), demográfica e economicamente os anos 1940 e 1950 foram muito prósperos para Governador Valadares. Nesse período a cidade já contava com a estação ferroviária da Estrada de Ferro Vitória-Minas; foi construída a rodovia Rio-Bahia (BR-116); houve na cidade intensificação de algumas atividades econômicas, como extração de lenha e fabricação de carvão, empreendimentos no ramo madeireiro, produção cafeeira, empreendimentos industriais, agricultura de subsistência e comercial, pecuária, siderurgia e carvoaria, indústria da madeira, e extração e beneficiamento da mica. É nesse contexto que chegam na cidade mineira os primeiros chineses.

Uma narrativa que se repete entre as histórias dos imigrantes chineses da primeira grande onda é a motivação para deixar o país de origem. Como vimos, já nos anos 1940, com a instauração do regime comunista da China continental, muitos chineses migraram para Taiwan e para outros países. Embarcações clandestinas - devido à política migratória restritiva imposta pelo Partido Comunista chinês - eram um recurso usual, como veremos em alguns dos relatos3 a seguir. Não à toa, o início dos anos 1950 coincide com o início da primeira grande onda migratória de chineses para o Brasil. Como ressalta Pizza (2013), São Paulo era um dos principais destinos. Dali, muitos chineses deslocavam para outras regiões do país.

Nesse contexto, e atraído pelo cenário econômico favorável de Governador Valadares, na segunda metade dos anos 1950 desembarca na cidade o chinês Lau Kam Wing, o “Sr. Lau”, natural de Taishan, no sudoeste da província de Guangdong, na República Popular da China. Ainda muito novo migrou para São Paulo. Aos 30 anos, aproximadamente, já era sócio de uma empresa de importação e exportação. O ciclo da mica atraiu o Sr. Lau para Governador Valadares, onde ele abriu uma filial da importadora, alugando um galpão no centro da cidade para estocagem, tratamento e beneficiamento do mineral, que era quase todo exportado para Estados Unidos e Europa para municiar a indústria bélica. Ele morou na cidade mineira até os anos 1970, já num cenário de declínio do ciclo da mica, quando foi embora sem dar muitas explicações. A família não sabe qual o paradeiro dele. Lau deixou em Governador Valadares a esposa, “Marta” Misaka Takatu, descendente de japoneses e hoje com quase 90 anos, e seis filhos, entre os quais Suelly Lau, a mais velha entre as mulheres, e quem nos contou a história do pai em Valadares.

O segundo chinês a migrar para Valadares não quis conceder entrevista. Chegamos até ele por intermédio de uma outra família de chineses. As informações que obtivemos sobre esse imigrante, que aqui vamos chamar pelo pseudônimo de Roberto, é de que ele não gosta de falar do passado, muito menos do contexto de sua vinda para o Brasil. Obtivemos o contato telefônico de uma filha desse chinês, e ela nos contou algumas coisas sobre a passagem do pai por Governador Valadares. Na época, em meados de 2021, Roberto tinha 87 anos. Segundo a filha, ele chegou ao Brasil na década de 1950, ainda adolescente, num navio vindo da China. Desembarcou em São Paulo e ficou morando na casa de outros chineses que já estavam há mais tempo no país. Foi para Governador Valadares, onde trabalhou com pedras semipreciosas e no comércio madeireiro, e nos anos 1960 mudou-se para Linhares, no Espírito Santo, onde se casou. A filha de Roberto disse que o pai não costuma conversar sobre sua chegada ao Brasil nem com a família, motivo pelo qual ela também não sabia muito mais do que aquilo que nos informou.

Sze Chung Yip, o Sr. Shi, e a esposa dele, Sze Sun Kun, a Dona Suá, nasceram no Vietnã, mas ambos são descendentes de famílias chinesas. Os dois países são vizinhos e dividem parte da bacia hidrográfica costeira do mar da China Meridional. O Sr. Shi migrou para o Brasil na segunda metade dos anos 1950. Nessa época, o Vietnã estava se recuperando do desgaste da Guerra da Indochina (1946-1954), contra a França, e que resultou na morte de mais de 500 mil pessoas. Ao mesmo tempo, o país estava diante de um iminente conflito com os Estados Unidos, que apoiou a França na Guerra da Indochina, enquanto o Vietnã foi apoiado pela China e pela então União Soviética. Esse conflito viria a ser conhecido como Guerra do Vietnã (1955-1975).

Foi nesse cenário de incertezas que o Sr. Shi e a Dona Suá receberam um convite de migrar para o Brasil, convite que partiu de um tio chinês que morava em São Paulo, mas que tinha negócios ligados à mineração em Minas Gerais. Sr. Shi migrou primeiro, em 1958, com apenas 26 anos. Na época, ele e a esposa, casados desde 1954, já tinham um filho de dois anos. Dona Suá estava grávida. Logo que o marido viajou para o Brasil, ela, temendo a guerra, fugiu de barco com o filho mais velho para Hong Kong. Lá, deu à luz uma menina. Depois de desembarcar em São Paulo, Shi foi para a região de Governador Valadares trabalhar com o tio no ramo da mineração. Na cidade, conheceu outros chineses que lá já estavam morando, como o Sr. Lau, e se estabeleceu, trabalhando como mascate até conseguir juntar dinheiro para ajudar a custear a viagem da esposa e dos dois filhos. Anos depois, tornou-se sócio de um alemão, dono de uma refrigeradora. O alemão foi embora e ele ficou com a outra metade da empresa.

Dona Suá foi para o Brasil em 1962. Desembarcou em São Paulo e de lá foi para Governador Valadares, onde o casal teve mais três filhas, que ainda moram na cidade mineira. Atualmente, elas administram a rede de refrigeradoras, que tem duas lojas na região central da cidade. Sr. Shi e Dona Suá faleceram no final dos anos 2000, com 76 e 72 anos, respectivamente, e estão sepultados em Governador Valadares. Foi de Sze Siu Ping, que no Brasil adotaria o prenome “Salpen”, filha mais velha do casal Sze e que migrou com a mãe em 1962, o relato da trajetória imigrante de sua família para o Brasil e, também, o relato mais emblemático no que diz respeito às motivações para deixar o país de origem. Ao lembrar do sofrimento da mãe, que ao entrar naquele navio, contrariando a própria vontade, abandonara uma rede familiar e de amizades consolidadas, ela disse: “Você não foge do seu país entrando num barco precário com a sua família por escolha, é a única opção”.

Salpen lembra que em 1982 os pais, já financeiramente estabilizados e bem adaptados socialmente em Governador Valadares, decidiram fazer uma viagem ao Vietnã. Seria a primeira depois de mais de três décadas.

Meu pai sempre foi mais adaptável, gostava do Brasil. Minha mãe era mais rígida em tudo, com os filhos e com ela mesma. E pelo que entendia, ela veio não por vontade própria e sim por necessidade. O marido estava no Brasil e ela estava sozinha em Hong Kong com dois filhos. Tanto que ela não fazia questão de aprender o português. E a frase preferida dela era: ‘Na China não é assim’, com a comida, costumes, cultura, tradição... Achava que aqui [no Brasil] as coisas eram mais permissíveis, na família, na educação dos filhos, no governo. Quando eles voltaram para o Vietnam, eles encontram um país totalmente destruído, pósguerra. A mãe e o irmão mais velho [de Dona Suá], que era o esteio da família, tinham morrido de diabetes por falta de tratamento adequados. Os irmãos que sobreviveram estavam fora do país, na Inglaterra, Alemanha, Estados Unidos, Taiwan etc. A antiga capital do Vietnam, Ho Chi Minh, era uma cidade próspera quando ela morava lá, antes da guerra. Quando ela voltou, encontrou uma cidade destruída, pobre, sem infraestrutura. Não tinha mais a família, a cultura, a tradição. Acho que foi a pior decepção da vida dela. Depois que ela voltou dessa viagem, ela deu uma guinada na vida dela. [...] foi viver a vida e não de lembranças (Salpen Sze, 2021).

Depois dessa dolorosa experiência, Dona Suá decidiu aprender o português, entrando para um curso noturno de alfabetização em Governador Valadares. A partir daí, se tornou uma pessoa mais sociável, segundo relatos de Salpen. A língua, inclusive, era um recurso de integração na sociedade de acolhimento. Ao longo da pesquisa foi possível identificar uma prática comum entre alguns dos primeiros chineses em Governador Valadares, que era ensinar mandarim. E eles faziam isso oferecendo aulas particulares, ao mesmo tempo que procuravam aperfeiçoar a língua portuguesa no território de destino. A maioria deles, quando chegou na cidade mineira, já havia estudado em escolas brasileiras no período que moraram em São Paulo-SP.

Dona Suá Sze era grande amiga de um outro chinês que chegou em Governador Valadares nos anos 1960. Wu Ro-Shi, o Sr. Wu, nasceu em Hong Kong, veio para o Brasil ainda na adolescência, acompanhado de um irmão de criação. Os dois desembarcaram de navio em São Paulo. O pai dele havia morrido na guerra e a mãe continuou residindo na China, sozinha, pois Wu era filho único. Anos depois, ela viria a falecer longe da companhia do filho. No país de origem já não havia tantas perspectivas em função dos constantes conflitos promovidos pelo governo comunista chinês. Foi instruído pela própria família a migrar para o Brasil, onde já havia uma rede estruturada.

Ele estudou em São Paulo e com aproximadamente 25 anos começou a trabalhar no setor madeireiro. Foi assim que foi parar em Governador Valadares, onde havia indústrias madeireiras. Wu chegou na cidade no início dos anos 1960. Estava voltando de uma viagem de trabalho em Linhares, no Espírito Santo, quando desembarcou em Governador Valadares. Na cidade ele conheceu Conceição Reis, que meses depois viria a ser sua esposa. Como não tem WhatsApp, ela foi uma das poucas pessoas com quem conversamos presencialmente e por meio de quem ficamos sabendo da presença de outros chineses na cidade na década de 1960. O casal teve duas filhas. Com a morte da mãe, em Hong Kong, e do irmão de criação, em São Paulo, num curto espaço de tempo, a saúde de Wu debilitou. Ele faleceu em fevereiro de 1978, aos 42 anos.

Uma das famílias chinesas mais tradicionais de Governador Valadares é a família Chang. Atualmente, os Chang são proprietários de uma loja numa região privilegiada do centro da cidade, a Casa Chang, que vende desde pequenas peças de decoração feitas com pedras semipreciosas a motocicletas de baixa cilindrada. Os primeiros imigrantes desta família chegaram em Governador Valadares na segunda metade dos anos 1970, já no final da primeira grande onda migratória.

“Luís” Chang Shuan Ming chegou ao Brasil em 1º de maio de 1975, aos 8 anos de idade. Ele nos relatou que à época, juntamente com os pais Chang An Chun e Chang Yea Chun Yuan, e mais três irmãos, além dos tios paternos, deixou Taiwan. Quando Chang foi para o Brasil com a família, a China continental queria retomar o controle de Taiwan. Na época, segundo relatos da família, era “moda” migrar para o Brasil, onde já tinha várias famílias taiwanesas. Mas o que estava por trás dessa motivação de migrar era o cenário de conflito entre a China continental e Taiwan. Uma iminente guerra entre os dois territórios fez com que muitos taiwaneses deixassem a ilha com destino ao Brasil.

Os tempos eram difíceis no Brasil, que vivia um período de ditadura militar. Além disso, os pais e tios de Luís Chang não conseguiram emprego fixo, pois havia muitos imigrantes chineses na capital paulista nessa época. Para sustentar a família, eles trabalharam de mascate, vendendo roupas, chinelos e bolsas de casa em casa. Em alguns casos, pequenos grupos de chineses viajavam por várias cidades vendendo esses acessórios. Foi o que aconteceu no caso da família Chang. O pai de Luís, Sr. Chang An Chun, percorreu várias cidades do interior paulista como vendedor itinerante. Depois seguiu para Minas Gerais até chegar em Governador Valadares, no dia 30 de janeiro.

Inicialmente, o objetivo era chegar em Recife (PE), onde havia uma comunidade chinesa crescente. Em Governador Valadares, O Sr. Chang ficou sabendo que havia chineses residindo na cidade. Ele foi acolhido pela família Sze. Em 1976, o restante da família Chang se mudou para o município mineiro.

No final dos anos 1980, Luís Chang voltou para Taiwan, porém, com propósito de retornar a Governador Valadares. Ele ficou lá por cinco anos e conheceu e se casou com “Márcia” Sung Jui Hsiang. Acompanhado da esposa, Chang voltou para o Brasil em 1993 e, três anos depois, tendo estabelecido residência fixa em Governador Valadares, Márcia deu à luz trigêmeos. Luís Chang é, sem dúvida, um importante personagem dessa rede, um elo entre diferentes gerações de imigrantes. Isso se deve a vários fatores, como conhecer Valadares há tanto tempo, o que lhe permite ser uma espécie de anfitrião para os imigrantes chineses que chegaram - e ainda chegam - na cidade ao longo da segunda onda migratória, e, principalmente, pelo fato de dominar o idioma de seu país de origem. É Luís, por exemplo, quem dá referências da cidade mineira para os imigrantes chineses recém-chegados e é quem os ajuda na parte burocrática na hora de providenciar e orientar sobre a documentação de registro migratório a ser entregue no Departamento de Polícia Federal (DPF).

Ao longo da pesquisa, identificamos uma situação comum entre os chineses que migraram para Governador Valadares ao longo da primeira grande onda. Tanto o Sr. Lau, ainda nos anos 1950, quanto a família Sze e o Sr. Wu, nos anos 1960, e o Sr. Chang, pai de Luís, já nos anos 1970, não tinham capital ou qualificação profissional quando chegaram ao Brasil. Eles deixaram seus países ainda muito novos, devido a conflitos de guerra ou por questões sociopolíticas, geralmente contra a própria vontade. Porém, o que estava diante deles era a oportunidade de uma vida melhor no país de destino. O que evidencia que o processo migratório, independente da motivação, não é simples em si, consideradas todas as suas implicações. Existem muitos desafios, como a cultura, o idioma, a comida, a legislação e o contexto sociopolítico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conhecer a história da migração chinesa em Governador Valadares era importante e necessário. E, desde o início, a motivação maior estava na possibilidade de contribuir, de alguma forma, para que, assim como aconteceu com tantos outros estrangeiros, esse grupo étnico também tivesse suas trajetórias na cidade registradas. E com o tempo, ficou evidente que isso era importante para as famílias desses chineses também. Foi quando se iniciou o esboço das questões norteadoras da pesquisa. Todo o material coletado, e que contribuiu para a criação de um importante banco de dados, foi fundamental para identificar alguns dos primeiros chineses que se estabeleceram em Governador Valadares entre os anos 1950 e 1970, período da primeira grande onda migratória.

A pesquisa possibilitou identificar a ocorrência de duas grandes ondas migratórias de chineses para o Brasil e seus reflexos em Governador Valadares e suas particularidades. Considerando o recorte proposto, verificou-se que entre os primeiros chineses que chegaram na cidade mineira os fatores motivadores estavam geralmente relacionados a contextos de guerra e conflitos políticos. Para muitos desses primeiros imigrantes, como exemplificado no relato de Salpen Sze sobre a mãe, Dona Suá, deixar o país de origem não era, necessariamente, uma entre tantas opções ou parte de um projeto migratório previamente elaborado, mas sim uma alternativa de sobrevivência para muitas famílias. E isso foi possível devido à existência de redes formadas por grupos étnicos chineses em países como o Brasil.

As narrativas coletadas, somadas às contribuições teóricas, reforçam que o processo migratório, independente da motivação, não é simples em si, consideradas todas as suas implicações. Isso, porque existem muitos desafios: cultura, idioma, comida, legislação, contexto sociopolítico, entre outras coisas. O estudo evidenciou que quando alguém deixa seu país de origem para se realocar em outro, possivelmente manterá os laços com a terra natal. Porém, independente disso, ele está geograficamente longe de casa e das pessoas queridas. Nesse aspecto, o papel da sociedade de acolhimento é fundamental, não somente para a assimilação desse imigrante, mas para reduzir os constrangimentos e facilitar sua integração à sociedade local.

1Dados do ano de 2020 fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), disponíveis em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/governador-valadares/panorama.

3Todos os entrevistados citados nesta pesquisa autorizaram, por escrito, o uso de seus depoimentos ou documentos e fotografias cedidos por eles.

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Recebido: 1 de Março de 2022; Aceito: 1 de Maio de 2022

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