SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.23 número69CARRERA PSICOSOCIAL DE REFUGIADAS CON EDUCACIÓN SUPERIOR: reconstrucción de identidad y trabajoRENÉ DESCARTES: su contribución a la ciencia moderna y el impacto de sus ideas en la educación índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Compartir


Revista Teias

versión impresa ISSN 1518-5370versión On-line ISSN 1982-0305

Revista Teias vol.23 no.69 Rio de Janeiro abr./jun 2022  Epub 28-Feb-2023

https://doi.org/10.12957/teias.2022.61029 

Artigos de Demanda Contínua

HERANÇAS AFRICANAS EM IPOJUCA/PE: das configurações raciais aos desafios sociais

AFRICAN HERITAGES IN IPOJUCA/PE: from racial configurations to social challenges

PATRIMONIOS AFRICANOS EN IPOJUCA/PE: de configuraciones raciales a desafíos sociales

José Édson dos Santos Júnior1 
http://orcid.org/0000-0002-1355-7890; lattes: 9942573371693121

Adlene Silva Arantes2 
http://orcid.org/0000-0002-7007-0237; lattes: 0093014121449327

1Afiliação institucional

2Universidade de Pernambuco-UPE


Resumo

O artigo é fruto de pesquisa desenvolvida no âmbito do Programa de Pós-graduação em Educação da UPE. Como foco temático, apresentou-se aspectos sócio-históricos e idiossincrasias que evidenciam as relações da cidade de Ipojuca, e das microrregiões de Suape e Litoral Sul pernambucano com as culturas africanas, refletindo sobre ancestralidades e pertencimento racial a partir dos elementos locais apresentados. O estudo revela materialidade para o desenvolvimento do trabalho pedagógico com a Lei 10.639/03 de acordo com as heranças africanas que a cidade possui em variadas perspectivas. Quanto à metodologia, utilizou-se a pesquisa etnográfica, buscando fazer uma análise historiográfica da trajetória da população negra local que como resultado prático da pesquisa, encontra justificativas para uma política pública de cunho sócio racial.

Palavras-chave: relações étnico-raciais; identidade negra; políticas públicas.

Abstract

The article is the result of research developed within the scope of the Graduate Program in Education at UPE. As a thematic focus, socio-historical aspects and idiosyncrasies were presented that show the relations of the city of Ipojuca, and the micro-regions of Suape and the South Coast of Pernambuco with African cultures, reflecting on ancestry and racial belonging from the local elements presented. The study reveals materiality for the development of pedagogical work with Law 10.639/03 according to the African heritage that the city has in different perspectives. As for the methodology, ethnographic research was used, seeking to make a historiographical analysis of the trajectory of the local black population that, as a practical result of the research, finds justifications for a public policy of a socio-racial nature.

Keywords: ethnic-racial relations; black identity; public policy.

Resumen

El artículo es el resultado de una investigación desarrollada en el ámbito del Programa de Posgrado en Educación de la UPE. Como eje temático, se presentaron aspectos sociohistóricos e idiosincrasias que muestran las relaciones de la ciudad de Ipojuca y las microrregiones de Suape y el Litoral Sur de Pernambuco con las culturas africanas, reflexionando sobre la ascendencia y la pertenencia racial a partir de los elementos locales. presentado. El estudio revela materialidad para el desarrollo del trabajo pedagógico con la Ley 10.639/03 según la herencia africana que tiene la ciudad en diferentes perspectivas. En cuanto a la metodología, se utilizó la investigación etnográfica, buscando hacer un análisis historiográfico de la trayectoria de la población negra local que, como resultado práctico de la investigación, encuentre justificaciones para una política pública de carácter socio-racial.

Palabras clave relaciones étnico-raciales; identidad negra; políticas públicas.

INTRODUÇÃO

O presente artigo faz parte das investigações desenvolvidas entre 2017 e 2019 na elaboração da nossa Pesquisa de Mestrado intitulada “Políticas educacionais voltadas para as relações étnicoraciais no município de Ipojuca/PE: um estudo das relações identitárias e afirmativas em uma escola do distrito de Camela” que se deu no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação da UPE - Universidade de Pernambuco. O estudo busca, dentre outros objetivos, apresentar contextualizações históricas possibilitadoras de um trabalho pedagógico com a Lei 10.639/03 de forma abrangente, contemplando aspectos locais e globais, que fundamentam a prática pedagógica cotidiana de acordo com as heranças africanas que a cidade de Ipojuca/PE apresenta em variadas perspectivas.

A proposta é apresentar convergências entre aspectos que comprovam a ligação histórica da cidade de Ipojuca, no Litoral Sul pernambucano, com o continente africano e a historiografia afro-brasileira. A reunião dessas particularidades tem como propósito congregar elementos, fazendo a população local perceber o grandioso desafio que é construir o presente e projetar o futuro a partir do reconhecimento da ancestralidade negra.

Nesse sentido, os dados apresentados propõem uma reflexão sobre a realidade atual, traçando paralelos sobre a perpetuação secular das formas de relações estabelecidas, evidenciando o agravamento das estruturas sociais em sua flagrante proporção desigual, além do sistemático alijamento das populações negras que invariavelmente ocupam a base da pirâmide social da cidade.

Sobre o método utilizado, realizou-se uma pesquisa qualitativa com viés etnográfico a partir do levantamento teórico das principais conexões que a cidade de Ipojuca carrega com a história e cultura africana e afro-brasileira. Nesse sentido buscamos investigar, materializar e evidenciar os principais achados teóricos capazes de fundamentar práticas pedagógicas voltadas para as relações étnico-raciais e de modo amplo um olhar mais atento da população envolvida para com os aspectos da identidade ancestral negra. Pois de acordo com Rockwell (2009), trabalhar com etnografia é documentar o não-documentado da realidade social. Dessa forma procuramos reunir os indicadores da memória ancestral negra na localidade pesquisada, fundamentando assim o entendimento de que o poder público local dispõe de recursos congruentes para o desenvolvimento a médio prazo de uma política educacional voltada para as relações étnico-raciais centrada na aplicação da lei 10.639/03.

CONTEXTO HISTÓRICO - ESCRAVIZAÇÃO NO BRASIL

Estima-se que, no período de 1550 até 1850, aproximadamente 11 milhões de pessoas oriundas de diversas nações e etnias africanas foram capturadas, negociadas/compradas e trazidas em condições desumanizadas, haja vista que o processo de escravização já iniciava com a gradual retirada da categoria humana ainda em terra africana. O Brasil foi o território que mais recebeu a presença de africanos nas Américas - por isso a forte conexão nacional com o continente africano - e o país onde mais tempo a escravização durou. E, evidentemente por isso, as raízes históricas das desigualdades sociais entre povos e a própria incidência do racismo estrutural no país:

Os números não são precisos, mas estima-se que entre o século XVI e meados do século XIX, mais de 11 milhões de homens, mulheres e crianças africanos foram transportados para as Américas. Esse número não inclui os que não conseguiram sobreviver ao processo violento de captura na África e aos rigores da grande travessia atlântica. A maioria dos cativos, cerca de 4 milhões, desembarcou em portos do Brasil. Por isso, nenhuma outra região americana esteve tão ligada ao continente africano por meio do tráfico como o Brasil. O dramático deslocamento forçado, por mais de três séculos, uniu para sempre o Brasil à África. (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p. 40)

Incorporar a noção de que os africanos transportados na rota atlântica vinham de locais variados do grande Continente africano é estrategicamente necessário, pois já desconstrói a imagem equivocada da África como unidade. Isso é fundamental para a compreensão correta das raízes do Brasil, que recebeu as mais diversas variedades de rituais, línguas e heranças históricas provenientes de muitos povos que, por vezes, eram iguais em alguns quesitos e bastante diferentes em muitos outros, conforme podemos ver na Figura 01, que apresenta as áreas onde os escravos eram adquiridos, a cultura a qual eles pertenciam e o país atual correspondente à antiga área (MUNANGA, 2009)

Fonte: Munanga (2009, p. 13)

Figura 01 Quadro ilustrativo de áreas, culturas e territórios 

As rotas de distribuição também eram diversificadas e seguiam logísticas que melhor atendessem às necessidades das elites escravocratas, confirmando que os escravizados vinham de locais variados do continente africano como se vê na Figura 02:

Fonte: Munanga (2009, p. 13)

Figura 02 Mapa da rota do tráfico transatlântico 

Conforme podemos atestar, o estado de Pernambuco foi abastecido em sua maioria de angolanos pertencentes à etnia Banto. É nesse contexto que identificamos a primeira ocorrência de destaque local para a fundamentação das reflexões aqui apresentadas.

O município de Ipojuca1, no século XIX, era destaque tanto pela produção de cana de açúcar e pau-brasil, quanto pelo estratégico Porto Rico, por onde escoavam os produtos para o mundo inteiro e aportava todo tipo de navio, inclusive os tumbeiros, transportando a mão de obra escravizada:

O plantio de cana-de açúcar- foi a primeira grande atividade comercial, após a extração do pau Brasil, implantada pelos portugueses no Brasil. A utilização de mão de obra africana inicia-se a partir dessa atividade, em que a jornada de trabalho, nas lavouras, passava das 15 horas diárias. (GENNARI, 2008 apudSOUZA, 2012, p. 60)

A relação de Pernambuco com a cana de açúcar é histórica e ainda duradoura. Fato evidenciado pelas dezenas de usinas que movimentam a economia local. No município de Ipojuca não é diferente, haja vista que essa conexão é expressa nas insígnias da cidade como uma demonstração de sua histórica pujança canavieira.

PORTO DOS ESCRAVIZADOS

Importante situar que, já no século XIX, no contexto global, eclodiam diversos movimentos abolicionistas que requisitavam o fim da utilização da mão de obra escravizada e uma transição gradual para o trabalho remunerado, pois, naquele momento, já havia uma movimentação preliminar da revolução industrial que, mais tarde, modificaria radicalmente o modo de produção e vida do mundo inteiro.

É nesse cenário que a Inglaterra estabelece tratados e leis visando pôr fim, não só ao tráfico negreiro, como à própria escravização. O Brasil, nação já independente e mantenedora do ciclo escravista, se compromete na teoria a cumprir as determinações. Contudo, na prática, o que se configura é a continuidade sistemática e dissimulada daquele processo. Surgindo daí a conhecida expressão pra inglês ver2.

Posto isso, as estratégias para a manutenção do tráfico negreiro aumentavam à medida que as fiscalizações marítimas e portuárias britânicas fechavam o cerco. Em Ipojuca, o já citado Porto Rico era um dos locais clandestinos de desembarque de africanos, mais especificamente, de Angola. Como tática para burlar o controle, os transportadores enchiam a superfície dos navios com engradados de galinhas d’angola, para astuciosamente disfarçar a real carga de angolanos escravizados alojados no subsolo da embarcação.

Ao chegar ao destino, os comerciantes anunciavam: “Tem galinha nova no Porto!” e esse era o código para os compradores, senhores de engenho, entenderem que a mão de obra escravizada, que eles aguardavam, já estava ali, pronta para ser discretamente negociada e distribuída para os engenhos de Ipojuca e dos demais municípios do Litoral Sul pernambucano. Foi dessa forma que a rotina de Porto Rico deu origem ao nome da atual Praia de Porto de Galinhas.

Os africanos desembarcados no Porto Rico foram distribuídos para executarem trabalhos forçados em toda a extensão da região do litoral pernambucano e regiões adjacentes. Nesse aspecto, é importante considerar que a escravização foi uma instituição usada tradicionalmente por muitas culturas ao longo da História.

Em se tratando de África, muitos dos conflitos tribais decretavam aos vencidos a condição de submissão em relação aos vencedores. Há ocorrências de diversas formas de sujeição grupal e individual na história da África moderna. O que em parte foi aproveitado pelos invasores europeus que, ao usar a lógica do dividir para enfraquecer, incentivavam mais conflitos e, com isso, obtinham mais opções para a captura e comercialização dos derrotados.

E, nessa lógica, a escravização negra foi sendo gradualmente ampliada pela necessidade crescente de se atender às demandas das relações mercantis da época. Esse processo foi sustentado pelas instituições que formavam o país e que comungavam da ideia de naturalidade em relação à sistemática.

Os escravizados, por sua vez, e ao contrário do que muitas narrativas oficiais hegemônicas contam, resistiram de todas as formas a essa condição. Não são poucas as ocorrências de sabotagem da produção de açúcar, assassinatos de feitores e capitães do mato e até mesmo do suicídio como forma de protesto:

As sociedades escravistas nas Américas foram marcadas pela rebeldia escrava. Onde quer que o trabalho escravo tenha existido, senhores e governantes foram regularmente surpreendidos com a resistência escrava. No Brasil, tal resistência assumiu diversas formas. A desobediência sistemática, a lentidão na execução das tarefas, a sabotagem da produção e as fugas individuais ou coletivas foram algumas delas. Fugir sempre fazia parte dos planos dos escravos (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p. 118)

Sobre as fugas como ações de resistência mais institucionalizadas, Schwarcz e Gomes (2018, p. 35) complementa afirmando que: “Já os escravizados, sempre que puderam, fugiram, se amotinaram e negaram sua condição de cativos. Nas cidades, as evasões foram abundantemente noticiadas por meio de anúncios, cotidianamente publicados nos jornais”.

Nesse contexto os anúncios veiculados em jornais, conforme demonstrado na Figura 06, eram a forma que os proprietários mantinham suas redes de informação para tentar reaver os fugitivos:

Fonte: Freyre (1979, p. 75)

Figura 04 Anúncio em jornal 

Como consequência direta da fuga dos escravizados das fazendas, tem-se a ocorrência de aglomerados de fugitivos que buscavam refúgio em matas fechadas de difícil acesso aos feitores e capitães do mato que eram incumbidos pela (re)captura do fugidio. De acordo com Schwarcz e Gomes (2018):

Outros escravos procuravam fugir para locais mais distantes, formando vilas e microssociedades de fugitivos, que ficaram conhecidas no Brasil como quilombos ou mocambos, palavras de origens (bantu). Desde o século XVI há notícias de fugitivos dos engenhos e da formação dessas comunidades. (2018, p. 35)

Esses ajuntamentos deram origem a uma dinâmica que modificaria radicalmente a história dos negros na conjuntura brasileira até os dias atuais: o movimento quilombola. Moura (1993) nos traz a definição oficial de Quilombo, nome dado pela coroa portuguesa a esse agregado, e dá também observações adicionais:

Quilombo era, segundo definição do rei de Portugal, em resposta à consulta do Conselho Ultramarino, datada de 2 de dezembro de 1740, “toda habitação de negros fugidos que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados nem se achem pilões neles.” Dessa forma, no Brasil, como em outras partes da América onde existiu o escravismo moderno, esses ajuntamentos proliferaram como sinal de protesto negro escravo às condições desumanas e alienadas a que estavam sujeitos. (1993, p. 11)

Importante salientar que, conforme transcrição acima, o termo quilombo foi cunhado pela coroa portuguesa. O termo utilizado pelos negros para definir aqueles espaços era mocambo ou cerca. De um modo geral, eram espaços cuja forma de organização variava muito, mas, a princípio, os fugitivos se concentravam e se organizavam para atacar viajantes e vilas na busca por mantimentos, armas e munições; libertar escravos e fortalecer o grupo.

Além desse conceito tradicional de quilombo, que acabou ganhando vasto espaço na literatura a partir do binômio fuga/resistência, destacamos as variadas possibilidades de ajuntamentos protagonizados por populações cativas ou libertas numa perspectiva de relação com a terra a partir dos conceitos de identidade e território.

Essa consideração é importante no aprimoramento da concepção que se tem sobre os quilombos, pois amplia não só a visão de como as populações negras da época estabeleciam as diversas relações sociais e territoriais, como também expande as possibilidades de entendimento para aplicações mais justas nas políticas de reconhecimento de terra das comunidades remanescentes de quilombos nos tempos atuais, conforme veremos adiante.

QUILOMBO(S) DOS PALMARES

O quilombo dos Palmares foi um conglomerado de mocambos ou cercas, cujo poder central estava situado na chamada Cerca real dos Macacos, localizada na Serra da Barriga, atual município de União dos Palmares/AL, onde residiram as principais lideranças do quilombo: Ganga Zumba dos Palmares, sua mãe, a princesa congolesa Aqualtune e seu sobrinho, Zumbi dos Palmares, maior representação do movimento negro moderno.

Um fato pouco esmiuçado pela historiografia tradicional é a grande extensão territorial do quilombo dos Palmares que abrangia os estados de Alagoas e o Litoral Sul de Pernambuco, conforme podemos atestar:

Espalhados por uma área bem vasta da capitania de Pernambuco, principalmente na então comarca de Alagoas, divididos em 12 cidadelas (mocambos), quais sejam, Subupira, Dambrapanga, Andalaquituche, Santo Amaro, Osenga, Zumbi, Acotirene, Tabocas, Osenga, Amaro, Aqualtune e Cerca Real dos Macacos, atual Serra da Barriga, a República Palmarina compreendia uma área extensa que ia de Ipojuca, no Cabo de Santo Agostinho, em Pernambuco, até Penedo, em Alagoas. (INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL, 2017, p. 31)

Isso reforça o protagonismo da região aqui apresentada como elo fundamental na compreensão da trajetória dos escravizados no Nordeste e no estabelecimento social da população negra local.

Ademais, cabe destacar que no período de domínio de Ganga Zumba, que reinou em Palmares entre 1670 e 1678, o governo de Pernambuco ofereceu um acordo diplomático de rendição aos quilombolas, convidando Ganga Zumba e seus conselheiros a irem até o palácio do governo tratar da resolução que, dentre outros acordos, estabelecia que os quilombolas se mudariam para uma terra reconhecida pelo estado, onde todos poderiam viver livremente e manter suas atividades de forma legal - o chamado Vale do Cocaú - e em troca não deveriam aceitar mais escravizados fugidos das fazendas ou incentivar os constantes revides. Esse vale do Cocaú é identificado como o atual distrito de Cucaú no município de Rio Formoso/PE, distante 86 km da capital Recife e 31 km de Ipojuca.

REMANESCENTES DE QUILOMBOS3

Todo o movimento quilombola surgido a partir do sentimento de revolta gerado pelas condições desumanas da escravidão marcaram profundamente o curso da História do Brasil. E, nas últimas décadas, isso tem se refletido com mais força no debate nacional. Desde o processo de redemocratização, diversos coletivos que contribuíram no soerguimento histórico dos princípios progressistas do país têm lutado por seu devido espaço e protagonismo.

A partir disso, surgem pautas pleiteadas pela população negra que nos últimos anos se transformaram em legislações de diversas frentes. Nesse contexto, o reconhecimento das terras remanescentes de quilombos é um dos grandes desafios, pois muitas vezes envolve o embate com o interesse capital da terra protagonizado por grupos hegemônicos.

O legado deixado pela população quilombola no período escravocrata resistiu com o passar dos anos. Diversos quilombos, formados em sua maioria em áreas rurais, permaneceram como área de moradia das populações descendentes de escravizados. Fato que pode ser atestado pelas evidências históricas e ratificado por características como grande concentração de população negra no local, memórias de ascendentes escravizados, reprodução moderna do modo de vida dos antigos quilombos.

Na nova conceituação de quilombo, portanto, devemos substituir fuga e isolamento por resistência e autonomia (…) uma autonomia que possibilitou a formação de um campesinato negro ainda durante a escravidão (…). A transição da condição de escravo para camponês livre é o que caracteriza o quilombo, independente das estratégias utilizadas para alcançar essa condição [fuga, negociação com senhores, herança entre outras] (ANDRADE; TRECCANI, 1999 apudARRUTI, 2008, p. 101)

Nesse sentido, fortaleceram-se as discussões e investigações por terras e populações descendentes de quilombos e, consequentemente, a luta por um reconhecimento governamental, que veio a princípio no documento da Constituição Federal de 1988 onde se lê no artigo 68: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”4.

Sendo regimentado pelo Decreto 4.887, de 20 de novembro de 2003, em seu Artigo 2, que amplia a gama de comunidades que seriam, por este dispositivo, consideradas como remanescentes de quilombos:

Art. 2o Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida.”

“§ 2o São terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos as utilizadas para a garantia de sua reprodução física, social, econômica e cultural.5

Nesse sentido, fortaleceram-se as discussões e investigações por terras e populações descendentes de quilombos e, consequentemente, a luta por um reconhecimento governamental, que veio a princípio no documento da Constituição Federal de 1988 onde se lê no artigo 68: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”.

Sendo regimentado pelo Decreto 4.887, de 20 de novembro de 2003, em seu Artigo 2, que amplia a gama de comunidades que seriam, por este dispositivo, consideradas como remanescentes de quilombos:

A política de reconhecimento e certificação das terras quilombolas vêm sendo aperfeiçoada desde então, e é muito importante, pois além de garantir o título definitivo da terra, assegura às populações: apoio jurídico no acesso a políticas públicas, como educação e saúde, com construções de escolas e postos de saúde voltados às necessidades específicas da comunidade; além de acesso direto a programas do governo federal.

A região do Litoral Sul de Pernambuco, por estar localizada no raio geográfico do antigo conglomerado da República de Palmares, possui algumas comunidades remanescentes de quilombos conforme apresentado na Tabela 01:

Tabela 01 Levantamento das comunidades remanescentes de quilombos do Litoral Sul 

REGIÃO UF MUNICÍPIO
CÓDIGO DO IBGE DENOMINAÇÃO
DA
COMUNIDADE

PROCESSO
FCP
DATA DA
ABERTURA
DO
PROCESSO
Nordeste PE Ipojuca 2607208 Ilha de Mercês 01420.009274
/2016-51
21/09/2016
Nordeste PE Rio Formoso 2611903 Engenho Siqueira 01420.000361
/2005-91
08/03/2005
Nordeste PE Rio Formoso 2611903 Povoado Demanda 01420.009355
/2017-32
05/03/2018
Nordeste PE Cabo de Sto. Agostinho 2602902 Onze Negras 01420.000377
/2005-01
07/03/2005
Nordeste PE Cabo de Sto. Agostinho 2602902 Engenho Trapiche 01420.003179
/2005-91
20/12/2005

Fonte: Fundação Cultural Palmares (2019)

Engenho Siqueira e Povoado Demanda6

A luta pelo reconhecimento da Comunidade Quilombola do Engenho Siqueira, localizada no Município de Rio Formoso, se deu através do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, através de parcerias com a Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), aprofundando os estudos e investigações. Nesse mesmo período (entre 1997 a 2000), ampliou-se a parceria com a inclusão de historiadores do INCRA. A partir de então, iniciou-se uma corrida em busca de informações sobre o reconhecimento do Engenho Siqueira como Comunidade Quilombola.

A princípio, existem algumas versões para justificar o reconhecimento:

Primeira possibilidade: O nome Rio Formoso, é originado a partir do nome do rio antes denominado Ioboguassú, que quer dizer Grande Rio Verde, dá nome ao Engenho Rio Formoso, na segunda metade do século XVI. Com a expansão do mercado consumidor de cana-de-açúcar na Europa, e consequente aumento do plantio de cana-de-açúcar no Brasil, o transporte dos produtos e também dos escravos que vinham da África e se dava por rios e mares e teve local nos portos de Rio Formoso, pelo Rio dos Passos e pela Praia dos Carneiros. Aqui descarregavam e levavam a cavalo para Recife. De uma dessas cargas que transportavam escravos, alguns destes conseguiram fugir e se refugiaram em Siqueira (…)

Segunda possibilidade: Ganga Zumba, tio de Zumbi dos Palmares, depois das discordâncias quanto à condução das lutas no Quilombo do Palmares e sua relação com o Governo, veio à Cucaú, povoado à época, para negociar a rendição de Palmares, ganhando em troca terras nesta região. Nestas idas e vindas entre Recife e Cucaú, Ganga Zumba e sua comitiva, teriam passado pelo Engenho Siqueira. (…)

Terceira possibilidade: Aqui, trata-se das características no que diz respeito aos aspectos culturais, tradições herdadas, costumes herdados e diferenciados se comparados com a região da Mata pernambucana. Uma das características visíveis é que parte da população de Siqueira, principalmente os que moram na localidade ou bairro, denominada de Demanda, têm um jeito diferente de falar, que embora não se constitua num dialeto, os caracteriza não se assemelhando à forma de falar do restante da região. (ARAÚJO, 2011, p. 74-75)

Onze Negras e Engenho Trapiche7

A associação quilombola Onze Negras fica situada a 35 quilômetros do Recife, no município de Cabo de Santo Agostinho, nas propriedades do Engenho Trapiche. A comunidade recebeu vários nomes ao longo do tempo: Burrama, Pista Preta e, por fim, Onze Negras. Homenagem ao time de futebol Onze Negros constituído majoritariamente por atletas negros e, também, às mulheres da comunidade:

A origem da comunidade remonta à vocação histórica de Pernambuco para o cultivo da cana de açúcar, produto importante na economia do Estado até os dias atuais, quando, na década de 1940, algumas famílias migraram para a região com o intuito de trabalhar nas terras da Usina Bom Jesus, no Engenho Trapiche. Apesar do trabalho na lavoura ser sazonal, a necessidade de trabalhadores domésticos justificava a permanência de algumas famílias nas terras da Usina, e “com o passar dos anos, as famílias que residiam na região se casaram entre si, originando três grandes famílias” que descendiam de ex escravos da região. (BEHAR, 2015, p. 7-8)

Ilha de Mercês

A comunidade está situada no entorno do Complexo Industrial Portuário Governador Eraldo Gueiros (CIPS), conhecido como Porto de Suape, no município de Ipojuca, e, similarmente à comunidade Onze Negras, trava uma guerra de narrativas com o Complexo para prevalecer quem se instalou primeiro nas terras e, portanto, quem é legitimamente proprietário.

Os moradores são descendentes da população que originariamente ocupava o já extinto Engenho Salgado e outros engenhos na cidade de Ipojuca. Prova disso é que concentraram seu modo de vida numa relação de dependência direta com a natureza ali existente: rio, manguezal e atividades de agricultura.

Atualmente a comunidade tem sofrido com os modos de produção não sustentáveis das indústrias que prejudicam o ecossistema e afetam diretamente as famílias que dele sobrevivem. Além da ação de milícias8 que tentam de todas as formas intimidar e até expulsar os moradores.

As tensões enfrentadas pela Ilha de Mercês são partilhadas por boa parte das comunidades que lutam pelo reconhecimento Brasil a fora, como confirma Souza (2012):

As comunidades remanescentes de quilombos em todo o Brasil vivem uma situação de desigualdade socioeconômica e de espoliação de direitos que são assegurados pela Constituição. Na prática, sua titulação de terras - o último passo do processo de reconhecimento - esbarra em preconceitos e interesses que conflitam com os seus de terem a demarcação de suas terras garantidas. A maioria desses conflitos surge por motivos fundiários e/ou interesses econômicos nas regiões em que se situam os quilombolas. Com isso, essas populações acabam sofrendo toda sorte de discriminação sociocultural e (ainda) dominação econômica e política (…) (SOUZA, 2012, p. 96-97)

O movimento por direito e reconhecimento das comunidades remanescentes de quilombos no Litoral Sul é legítimo, conforme os processos históricos aqui abordados, e é extremamente necessário no intuito de dar fluidez às memórias e tradições envolvidas na construção das identidades locais. Além de servirem como referência a outras comunidades que estão em processo de autodeclaração quilombolas e irão passar pelas mesmas etapas de reconstrução de suas histórias até a obtenção da certificação governamental.

A ÁFRICA E OS BAOBÁS

Quem estuda a cultura africana percebe a estreita ligação que existe entre os povos e a natureza de uma forma geral. Não à toa, o continente apresenta uma exuberante variedade de elementos em sua fauna e flora. O respeito e a sintonia com a natureza é algo arraigado ao modo de vida e é manifestado, dentre outras formas, pela relação com as ancestralidades e os cultos religiosos. Nesse contexto, o baobá ocupa lugar de destaque, porque é a árvore que melhor representa os povos africanos em seu aspecto social, cultural e vital.

Os baobás possuem características que nenhuma outra árvore tem: são milenares, vivendo de três a seis mil anos. Uma espécie adulta é considerada a árvore que tem o tronco mais grosso do mundo, podendo alcançar 30 metros de diâmetros. Sua madeira é excelente para a produção de alguns instrumentos musicais. Possui enorme capacidade de resistência a mudanças climáticas, podendo acumular cerca de 120 mil litros de água em seu tronco para suportar os períodos de estiagem. Suas folhas, frutos e sementes são nutritivos, medicinais e servem de alimentos, tanto para animais nativos, quanto às populações das aldeias. Não à toa, o baobá é chamado de árvore da vida, pois tudo nele é aproveitado. Chegando inclusive a figurar como marco essencial nos estudos históricos e geográficos que ajudam a desvelar aspectos gerais dos hábitos das comunidades africanas conforme afirma Ross (2008 apudSANTOS, 2016),

Devido ao seu tamanho e longevidade, baobás são marcos importantes na planície de savana seca do Senegal, que geralmente não tem outros tipos de marcadores geográficos naturais, como montanhas ou rios. Alguns baobás antigos são verdadeiros marcos históricos em que antecedem assentamentos humanos como registrado em histórias orais. Sua presença na terra tem sido permanente e eles têm nomes próprios. (ROSS, 2008 apudSANTOS, 2016, p. 110)

Além dos aspectos materiais, os africanos possuem uma relação metafísica coma a árvore, pois, para alguns povos, os galhos dos baobás representam os espíritos dos ancestrais das comunidades, por isso, inclusive, que a árvore exerce um papel sacro, sendo cultuada como instrumento de conexão do mundo sobrenatural ao mundo material.

Diante de tanta importância, o baobá é reconhecidamente símbolo dos povos africanos, pois há uma relação de incorporação de valores entre os povos e a árvore. E, nesse sentido, se assemelham em todo processo vital de resistência, préstimo e respeito mútuo. De modo que, quando as gerações desaparecem fisicamente, os baobás se mantêm num processo de reminiscência e articulação entre passado e presente.

BAOBÁS EM IPOJUCA

No Brasil, há centenas de baobás seculares. A presença da árvore em solo brasileiro remonta ao período escravocrata quando da chegada dos africanos que, supostamente, traziam sementes durante o trajeto. Os locais onde as árvores se encontram atualmente ajudam a compreender um pouco o mapa das rotas escravocratas.

O município de Ipojuca possui relação ímpar com os baobás, são 25 espalhados pelos quatro cantos da cidade. Desse número, existem 4 de grande porte com mais de 200 anos. Dois deles situados em locais já destacados pela conexão identitária negra.

O Baobá de Porto de Galinhas possui mais de 300 anos e está localizada na emblemática praia de Porto de Galinhas, por onde desembarcavam os escravizados chegados dos navios negreiros como já foi observado. Já o da comunidade quilombola Ilha de Mercês tem mais de 300 anos e é símbolo do fortalecimento da população na resistência aos constantes ataques ambientais e ameaças pessoais sofridas. Enquanto o de Nossa Senhora do Ó é considerado o mais alto do Brasil com mais de 20 metros de altura e o 4° em largura medindo 15,5m. Sendo também um dos mais velhos com aproximadamente 400 anos. E, por fim, o da Fazenda Gameleira tem mais de 200 anos e hoje se encontra numa área pertencente a um empreendimento hoteleiro também no entorno de Porto de Galinhas.

Toda essa riqueza histórica e a sintonia da cidade com a África por meio dos baobás foi regulamentada através da Lei municipal de n° 1500, criada em 2008, instituindo a árvore como símbolo do município e tombando todos os espécimes existentes em solo ipojucano:

Art. 1° - Fica declarada árvore-símbolo do Município do Ipojuca a espécie denominada Adasonia Digítata, popularmente conhecida por Baobá.

Art. 2° - Fica instituída a "Semana Municipal do Baobá", a ser comemorada, anualmente, na primeira semana do mês de agosto.

Art." 3° - As comemorações de caráter cívico-cultural e popular serão organizadas pelas secretarias municipais: Secretaria de Educação; Secretaria de Turismo, Cultura e Esportes e Secretaria de Agricultura, através de Comissão Especial designada, anualmente, pelos respectivos titulares, para tal fim.

O NEGRO EM IPOJUCA HOJE

Diante dos dados apresentados, e da configuração de Pernambuco no Brasil colônia em seu aspecto escravocrata, percebe-se uma notória predominância do fenótipo negro no município. Contrastando, em certa medida, com o censo de 2010, em que apenas 8% da população local se autodeclarou preta e 63% parda. Ainda que, para o movimento negro, a classificação de pretos e pardos ajude no somatório geral da população negra, esses dados devem ser refletidos à luz do processo de negação histórica do sujeito negro conforme reflete Silva (2010):

A denominação pardo vai gerar uma série da mal entendidos acerca da abordagem étnico/racial no Brasil, a ponto da difundida afirmação no senso comum de que “aqui somos todos miscigenados”, uma premissa reducionista porque a miscigenação não está num lócus específico, mas é constituinte do ser humano distribuído em todos os continentes do planeta. (2010, p. 173)

Nesse sentido destacamos que cidade do Ipojuca, em consonância com as configurações sócio raciais do Brasil, apresenta as contradições de uma pirâmide cuja base é essencialmente negra e o topo é composto pelos poucos não negros.

Particularizando as reflexões para o campo da educação, nossa atuação pedagógica, ao longo de dez anos na rede municipal de ensino, enseja conclusões sobre como a ausência de uma política educacional voltada para as relações étnico-raciais e o cumprimento efetivo da Lei 10.639/03 tem aumentado o distanciamento dos profissionais da educação desse debate.

A ausência dessa discussão de forma estruturada nos projetos pedagógicos da rede de ensino leva à ausência de uma atuação didática dos profissionais com a temática, o que é refletido na ponta, através da visível falta de sintonia do estudante ipojucano com os referenciais negros de sua localidade.

REFLEXÕES

Após quase duas décadas da criação da lei 10.639/03 que institui o ensino de História africana e afro-brasileira nas escolas, as dificuldades para a execução de uma prática pedagógica verdadeiramente comprometida com uma educação antirracista e plural ainda esbarram nas mesmas dificuldades, sendo as principais: formação docente, adequação curricular e fomento governamental.

Durante as abordagens para o desenvolvimento da pesquisa de mestrado citada, os docentes de uma escola do município de Ipojuca foram ouvidos em encontros formativos propostos no âmbito das ações do projeto. As principais causas apresentadas pelo grupo para a ausência de um trabalho pedagógico contínuo de fortalecimento das identidades negras eram a dificuldade de levar a discussão para a sala de aula de forma pertinente e contextualizada e a escassez de materiais didáticos com as temáticas.

Ao fazer o levantamento historiográfico de elementos que atestam os caminhos cruzados da cidade de Ipojuca com a diáspora negra transatlântica e a cultura afro-brasileira, ensejamos apresentar a riqueza material da localidade que ainda precisa ser melhor explorada pelo poder público e pela população local como um todo.

Nesse sentido, ainda no período de pesquisa e execução do projeto, buscamos apresentar essa base histórica para a contextualização das práticas docentes voltadas para o ensino da cultura africana e afro-brasileira. Com isso pretendemos produzir uma série de sequências didáticas (algumas delas já experimentadas em sala pelos docentes citados) acompanhadas desses estudos teóricos e assim formar um produção com roteiros pedagógicos diversificados para as disciplinas escolares em que o ponto de partida serão as evidências históricas que elevam as memórias da cidade como local de destaque para a compreensão da trajetória do povo negro em Pernambuco. A exemplo da atividade a seguir:

Figura 05 Atividade pedagógica 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante dos dados e das reflexões desenvolvidas, reafirma-se a importância do território tratado no entendimento da historiografia negra. Ipojuca, por seu destaque, constitui uma peça importante de um grande quebra cabeça que é o entendimento geral da condição dos afrobrasileiros Essa constatação traz obrigações desafiadoras aos pesquisadores e educadores na conversão desse rico acervo em conhecimento didático-científico capaz de engajar a comunidade na luta pela superação das violências às quais os negros são submetidos, principalmente no que se refere ao apagamento das raízes identitárias.

Nesse contexto, entende-se que qualquer mudança de paradigma eficaz passa pela educação, pois, através dela, conseguiremos formar gerações conscientemente aptas a combater a herança racista deixada pelo passado escravocrata e projetar um futuro menos desigual. Assim, a institucionalização de uma política educacional amparada na Lei 10.639/03 e forjada na História local se faz essencial e urgente.

A proposição do diálogo com os agentes pedagógicos é o ponto de partida para que as mudanças pretendidas ganhem corpo através de parceria com outras instituições da esfera pública e particular. A sociedade ipojucana precisa fazer parte desse debate, refletindo e viabilizando uma agenda mais ampla que contemple todos os segmentos sociais, através de uma política pública, um estatuto ou outras ações que visem à diminuição das desigualdades sociais e raciais a curto, médio e longo prazo, com a implementação de uma política de resgate da consciência identitária e da valorização da matriz afro-brasileira.

1A origem do seu nome vem do tupi guarani Iapajuque, que significa Água Escura. Administrativamente, o município é formado pelo distrito sede e pelos povoados de Camela, Nossa Senhora do Ó, Porto de Galinhas, Praia do Touquinho e Suape. Disponível em: http://www.fajolca.edu.br/util.histipojuca.php. Acesso em: dez. 2018.

2A Lei Feijó, em 1831, imposta pela Inglaterra e acordada pelo Brasil, declarava livres os africanos desembarcados em portos brasileiros desde aquele ano. Mas o sentimento geral era de que a lei não seria cumprida, fazendo circular pela Corte, inclusive na Câmara dos Deputados, o comentário de que o Regente Feijó fizera uma lei só "para inglês ver".

3“Utilizado oficialmente na Constituição brasileira desde 1988, o termo ‘remanescentes das comunidades de quilombo’ foi transformado numa definição abrangente e ao mesmo tempo operacional no sentido do reconhecimento dos direitos sobre a posse da terra e a cidadania.” (GOMES, 2018, p. 373 apudSCHWARCZ; GOMES, 2018)

4BRASIL. Constituição Federal, 1988.

5BRASIL. Decreto n. 4.887, de 20 de novembro de 2003.

6A comunidade Povoado Demanda por ter sido certificada recentemente (março de 2018) ainda está com seu histórico atrelado ao Engenho Siqueira, haja vista também que até antes da certificação a localidade era uma espécie de bairro da comunidade Siqueira.

7Apesar de situadas no mesmo espaço geográfico e possuir o mesmo contexto histórico, a comunidade Engenho Trapiche é institucionalmente independente tal qual a comunidade Demanda em relação à Siqueira.

8FOLHA DE PERNAMBUCO. Moradores da Ilha de Mercês recorrem ao arcebispo contra milícia que atuaria em Suape. Disponível em: <https://www.folhape.com.br/noticias/noticias/cotidiano/2017/MORADORES-ILHAMERCES-RECORREM-ARCEBISPO-CONTRA-MILICIA-QUE-ATUARIA-SUAPE.aspx. Acesso em: 02 de fev. de 2020.

REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE, Wlamyra; FRAGA FILHO, Walter. Uma história do negro no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Cultural Palmares - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 2006. [ Links ]

ARAÚJO, Marli Gondim de. A comunidade remanescente de quilombo do Engenho Siqueira: conhecimento tradicional e potencialidade da agroecologia na zona da mata pernambucana. UFPE: Recife, 2011. [ Links ]

ARRUTI, José Maurício. Quilombos. In: PINHO, Osmundo (org.). Raça: Perspectivas Antropológicas. Salvador/Bahia: ABA, Ed. Unicamp, EDUFBA, 2008. [ Links ]

BEHAR, Beatriz Hochmann. “Que tal a gente dar o nome de Onze Negras?”: o papel das narrativas na inserção política e cultural da Comunidade Quilombola Onze Negras. UFF: Rio de janeiro, 2015. [ Links ]

BRANCO, Alice. Baobá: Propriedades e curiosidades dessa árvore tão majestosa. 2017. Disponível em: <https://www.greenme.com.br/informar-se/biodiversidade/5131-baoba>. Acesso em: 30 de maio de 2019. [ Links ]

FÓRUM AFRO PE. Comunidade Quilombola de Onze Negras. 2012. Disponível em: <http://forumafrope.blogspot.com/2012/04/onze-negras-comunidade-quilombola-de.html>. Acesso em: 30 de maio de 2018. [ Links ]

FREYRE, Gilberto. O escravo nos anúncios de jornais brasileiros no século XIX. São Paulo, Ed. Nacional, 1979. [ Links ]

INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Dossiê de Candidatura da Serra da Barriga, Parte Mais Alcantilada - Quilombo dos Palmares a PATRIMÔNIO CULTURAL DO MERCOSUL. Tradução Fidelity Translations LTDA. São Carlos: Editora Cubo, 2017. [ Links ]

MOURA, Clóvis. Quilombos: resistência ao escravismo. São Paulo: Editora Ática, 1993. [ Links ]

MUNANGA, Kabengele. Origens africanas do Brasil contemporâneo: histórias, línguas, culturas e civilizações. São Paulo: Global, 2009. [ Links ]

PALMARES. GOV. Certidões expedidas às comunidades remanescentes de quilombos (CRQs). 2018. Disponível em: <http://www.palmares.gov.br/sites/mapa/crqs-estados/crqs-pe-13052019.pdf>. Acesso em: 30 de maio de 2018. [ Links ]

ROCKWELL, E. La experiência etnográfica: historia y cultura en los processos educativos. Buenos Aires: Paidós, 2009. [ Links ]

SANTOS, Fernando Batista dos. Igi oṣè no reino de obaràyí: Uma etnografia acerca da presença do baobá no Ilê axé opô aganju, Bahia. Recife: UFPE, 2016. 283 f. [ Links ]

SANTOS JÚNIOR, J. E. (2019). Políticas educacionais voltadas para as relações étnico raciais no município de Ipojuca/PE: um estudo das relações identitárias e afirmativas em uma escola do distrito de Camela. [Dissertação de Mestrado, Universidade de Pernambuco, Campus Mata Norte]. [ Links ]

SCHWARCZ, Lilian M.; GOMES, Flávio. Dicionário da Escravidão e Liberdade (orgs.). São Paulo: Companhia das Letras, 2018. [ Links ]

SILVA, Delma Josefa da. Expressões de identidade do alunado afrodescendente. IN: SANTIAGO, Elite; SILVA, Dela; SILVA, Claudilene (orgs.). In: Educação, Escolarização e Identidade Negra: 10 anos de pesquisa sobre relações raciais no PPGE/UFPE. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2010. [ Links ]

SOUZA, Laura Olivieri Carneiro de. Quilombos: Identidade e História. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012. [ Links ]

Recebido: 1 de Julho de 2021; Aceito: 1 de Maio de 2022

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado.