SOBRE ENSAIAR PELO MEIO

Este estudo toma relevo com vistas a atentar para o campo da representação discente (RD) no âmbito da pós-graduação. Justifica-se pelo fato de essa atividade permear um dos tantos percursos possíveis para pesquisadores e pesquisadoras que habitam¹ o universo formativo da pósgraduação no território brasileiro.

Esse nível de ensino prevê uma formação acadêmica e profissional voltada a indivíduos já habilitados em algum curso de graduação. A pós-graduação pode ter direcionamento lato sensu² (como os cursos de especialização e de aperfeiçoamento) e stricto sensu (como os cursos de mestrado e doutorado, os quais visam desenvolver a carreira profissional no ambiente acadêmico e/ou da pesquisa).

A RD, dentro de Instituições de Ensino Superior (IES), é operada por estudantes que, ao serem escolhidos/as e/ou votados/as por colegas para participarem da comissão colegiada do programa ao qual estão vinculados/as, assumem a representação discente e passam a mediar as demandas e os interesses desse grupo no colegiado. Assim, ao atuarem como membros da comissão colegiada, participam das temáticas em debate e, inclusive, das decisões tomadas pelo referido órgão.

Trata-se, portanto, de uma conjectura que interpela boa parte das pesquisadoras e dos pesquisadores no Brasil, isto é, dos/das discentes de especialização, mestrado e doutorado, independentemente da especificidade de suas pesquisas. Nesse cenário, a RD abarca desde o gesto de escuta sobre as demandas dos/das demais estudantes a serem levadas às reuniões da comissão colegiada até decisões que envolvem o andamento curricular e avaliativo do programa de pósgraduação no que concerne à pesquisa, ao ensino e a outros tantos aspectos emergentes.

Com base nisso, a problemática geral que permeia este estudo é a seguinte: como a RD se insere no contexto da pós-graduação no território brasileiro? Para abordar tal questão, esta escrita se apoia na metodologia ensaística (^{LARROSA, 2003}), em um chamado que nos convoca a configurar “[...] uma figura do caminho da exploração, do caminho que se abre ao tempo em que se caminha” (^{LARROSA, 2003}, p. 112). Acerca do ensaio, consideramos que:

O ensaísta problematiza a escrita cada vez que escreve, e problematiza a leitura cada vez que lê, ou melhor, é alguém para quem a leitura e a escrita são, entre outras coisas, lugares de experiência, ou melhor ainda, é alguém que está aprendendo a escrever cada vez que escreve, e aprendendo a ler cada vez que lê: alguém que ensaia a própria escrita cada vez que escreve e que ensaia as próprias modalidades de leitura cada vez que lê (^{LARROSA, 2003}, p. 108).

Com esses preceitos metodológicos, vamos dando corpo à escrita como lugar de experiências, muitas das quais também foram vividas durante o exercício da RD em um programa de pós-graduação e perpassam por diversos questionamentos e problematizações ante a IES. Para tanto, voltamos a atenção ao campo da RD no contexto brasileiro, por meio da mobilização de uma revisão bibliográfica de caráter qualitativo (^{ANDRÉ, 2013}), que se costura, neste artigo, com relatos de experiências que tivemos a chance de vivenciar na RD. Assim, a experiência é sobrejustaposta (^{MOSSI, 2017}) às mais variadas intensidades, assim como a diferentes delineamentos e vozes, que permeiam o/a estudante que se dedica à RD.

Dessa maneira, ao produzir esta escrita, abraçamos os fluxos e as intensidades que perpassam o exercício de estar à espreita (^{DELEUZE; PARNET, 1988}). Em meio aos acontecimentos da vida e a uma escrita que se ensaia, realizamos escolhas que marcaram nossas trajetórias e utilizamos fragmentos e imagens que consideramos potencializadores para serem relacionados e pensados como pontos de dispersão acerca da experiência de estar na RD. Sobre as imagens em composição com o texto, comungamos com ^{Mossi (2017)} quando menciona que

Imagens estão sempre no meio, não têm ponto de chegada nem de partida, nem origem nem finalidade fixas, somente uma atmosfera onde matérias não formadas e moléculas microscópicas ganham consistência e velocidade, possibilitando afectos diversos, emanando efeitos incorporais (^{MOSSI, 2017}, p. 188).

Tomamos, portanto, a escrita ensaística e as imagens como um exercício pulsante de vida, com aberturas e contágios provindos dos mundos e coletivos móveis que nos habitam. Assim, ao entender a RD como um modo de gestão e de habitar percursos formativos que se encontram fora das disciplinas curriculares dos cursos, pensamos nessa vivência como um processo-chave para nossa formação no âmbito da pós-graduação. Diante disso,

Escrevemos para transbordar, fazer esgotar as palavras, fazer sobrar para recolher as “sobras” e movimentar. Pintar outro céu e estar à espreita de acontecimentos, criar escrita, compor com linhas e intensidades da vida que nos atravessa, as miudezas, o que se passa despercebido, o que jogamos “fora”, o que lhe tiramos o valor, valor do juízo, comercial, moral (^{NUÑEZ, 2021}, p. 07).

Entre as muitas possibilidades de caminhos com que nos deparamos para produzir este ensaio, ao estarmos atentas a este plano movente de escrita, encontramos forças e amparo desdobrando as palavras no campo das filosofias da diferença. Tal campo figura como um desfazerse que, concomitantemente, inventa(-se), isto é, como um fluxo de paragem e movimento que permite produzir algumas aberturas para pensar e viver os processos com os quais estamos implicados/as, com base em nossa própria descontinuidade.

Assim, compreendendo a RD como um processo-chave é que nos colocamos a ensaiar. Cabe ressaltar, ainda, que este ensaio abraça distintas formas de expressão, a exemplo das imagens. Para isso, produzimos espaços intensivos de criação de imagens-ensaios que nos ajudam a compor com o presente fazer escritural.

A REPRESENTAÇÃO DISCENTE NO BRASIL

[...] ao entender representações como posicionamento, estou convencido de que o termo evoca valorações e, por vezes, julgamentos embasados em relações e práticas sociais que, em sua constante mutabilidade, contribuem para a repetição e/ou ressignificação de discursos (^{KAWACHI, 2015}, p. 36).

Inspiradas no que escreve ^{Kawachi (2015)}, neste estudo percebemos a representação como uma prática social, que ocorre em distintos contextos particulares dos universos territoriais e, portanto, é operacionalizada por meio de múltiplas práticas e discursos. A RD, no âmbito das IES, aparece vinculada à necessidade de participação dos/das estudantes, como o caso dos/das discentes em nível de pós-graduação, em órgãos de caráter colegiado. Essa participação se encontra relacionada à possibilidade de fala em momentos de diálogo, bem como de voto sobre questões burocráticas que circundam as decisões acadêmicas de diferentes cursos. Além disso, tal participação propicia aproximação e cultivo de vínculos entre estudantes de distintas áreas, o que corrobora para a mobilização de uma ação de representação mais coerente com as perspectivas e os interesses dos/das estudantes.

Em termos legais, a RD ganha relevo quando é assegurada na Constituição Federal de 1988, mais precisamente em seu artigo 206, inciso VI, que aponta para a “[...] gestão democrática do ensino público, na forma da lei” (BRASIL, 1988). O referido artigo aparece conjuntamente com alguns outros princípios que dizem respeito ao ensino ministrado nas IES, conjecturando uma multiplicidade de elementos que circundam o tema em questão. Nesse cenário, podemos pensar que à legislação educacional cabe

[...] produzir sensações legais que atendam, sobretudo, a vontade geral em detrimento aos interesses de particulares. É sobre as bandeiras da liberdade e igualdade que as forças da legislação devem operar para, deste modo, conservar seu poder de regulamentação da vida. As leis, portanto, estabelecem as condições de existência da própria sociedade civil (^{AQUINO; CORAZZA, 2009}, p. 55).

Entendemos, assim, que os cursos e programas vinculados às IES dão corpo a um modus operandi que coloca em fluxo processos de seleção e andamento das representações discentes. Em alguns cursos, existe mais de um/a representante discente e, em outros, apenas um/a - o que diz respeito aos acordos e movimentos produzidos pelos coletivos estudantis em cada curso (nos diferentes níveis e modalidades), bem como ao diálogo com o corpo docente envolvido em cada caso.

Ao contemplarmos esses pontos a respeito da legislação que assegura a RD nas instituições, discutimos a seguir a experiência de vivenciar a RD em um curso de pós-graduação em Educação, de maneira que possamos pensar esse processo como um platô dentro de toda a engrenagem que compele os cursos de formação de pesquisadoras e pesquisadores, no âmbito do mestrado e doutorado. A RD, no âmbito da pós-graduação, está permanentemente relacionada com o que ^{Rigue e Amestoy (2021)} denominam neoliberalização da escolarização e, também, das pesquisas em educação e ensino, pela via de uma série de avaliações que reduzem os processos avaliativos dos programas à produção de conceitos numéricos, corroborando para uma desestabilização intensa, que alimenta o corte de bolsas de fomento a pesquisas e, ao mesmo tempo, fragiliza o comprometimento com a qualidade das investigações.

Nesse contexto, a múltipla articulação que tem colocado em movimento um ideário neoliberal aparece combinada com “[...] um interesse pela invisibilização das potências das pesquisas em Ciências Sociais e Humanas” (^{RIGUE; AMESTOY, 2021}, p. 17), deixando de lado a chance de colocar em fluxo “[...] o pensamento e de acionar um tensionamento ativo e vivo envolvendo questões que emergem de um pesquisar cuidadoso e atento para o que aparece e pede passagem [...]” (^{RIGUE; AMESTOY, 2021}, p. 18). Portanto, é nessa conjuntura que o presente fazer escritural se modula, colocando-se à espreita para pensar o campo da RD no Brasil.

REPRESENTAÇÃO DISCENTE: UM ENCONTRO COM O GESTAR?

Nosso tensionamento acerca dos movimentos vivenciados durante o exercício de RD aponta linhas referentes à possibilidade de pensá-la como parte de uma multiplicidade que, ao mesmo tempo que amplia suas conexões, muda de natureza em meio ao exercício de operar essa representação:

É uma multiplicidade que comporta muitos termos heterogêneos, e que estabelece ligações, relações entre eles, através das épocas, dos sexos, dos reinos - naturezas diferentes. [...] O que é importante não são nunca as filiações, mas as alianças e as ligas; não são os hereditários, os descendentes, mas os contágios, as epidemias, o vento (DELEUZE; PARNET, 1998, p. 56-57).

Nesse sentido, enunciamos a RD como um processo de gerir, isto é, como um plano atravessado por heterogêneos das mais variadas linhas de intensidades que interpelam os/as estudantes e docentes de um curso, assim como as diferentes e variadas IES. Desse modo, relacionamos a RD a um exercício de gestão no que diz respeito às atividades, às organicidades e a todos os demais acontecimentos que a atravessam. Por isso, consideramos que a RD pode ser pensada como um movimento de gestão e de gestar, ou seja, como um processo de singularização que se atualiza em nós à medida que participamos de reuniões colegiadas, assembleias discentes, organizações de diferentes reuniões e eventos, compartilhamento de ideias, escutas e muitas situações que permeiam o gesto de estar RD em um curso de pós-graduação. Assim, ao encontro das palavras de Suely ^{Rolnik (1993)} acerca desses processos que nos permeiam com as mais distintas intensidades durante nossa formação, assim como durante nossa vida, entendemos que,

Ao longo de nossa existência inteira e em cada uma das dimensões de que ela vai se compondo, vivemos mergulhados em toda espécie de ambiente, não só humano. Proponho que consideremos o que se passa em cada um destes ambientes, e não apenas no plano visível, o mais óbvio, mas também do invisível, igualmente real, embora menos óbvio. Pois bem, no visível há uma relação entre eu e um ou vários outros (como disse, não só humanos), unidades separáveis e independentes; mas no invisível o que há é uma textura (ontológica) que vai se fazendo dos fluxos que constituem nossa composição atual, conectando-se com outros fluxos somando-se e esboçando outras composições. Tais composições, a partir de um certo limiar, geram em nós estados inéditos, inteiramente estranhos em relação a aquilo de que é feita a consistência subjetiva da nossa atual figura (^{ROLNIK, 1993}, p. 02).

Dessa forma, podemos considerar que o lugar de RD pode ser tomado como um conector, configurando meio de passagem entre fluxos e demandas educacionais e saberes, bem como entre movimentos de subjetivação/sujeito e os tantos fluidos de poder que atravessam essa atividade no contexto formativo das IES. Alguns, conforme aponta o estudo de Gilles ^{Deleuze (1988)}, atravessam-nos aumentando nossa potência criativa e intuitiva, outros nos constrangem na nossa potência e naquilo que podemos: “Quando alguma coisa é estabelecida entre séries heterogêneas, toda sorte de consequências flui no sistema. Alguma coisa ‘passa’ entre as bordas; estouram acontecimentos, fulguram fenômenos do tipo relâmpago ou raio” (^{DELEUZE, 1988}, p. 198).

Trata-se de múltiplos movimentos que atravessam um fazer com dimensionamento de gestão, porém essa gestão não se encontra em uma ordem de um suposto privilégio de estar nesse cargo de representação dentro de um prisma gerencialista neoliberal, até porque os movimentos de atuação possíveis estão atrelados ao meio e não diretamente à posição de poder e/ou do trabalho realizado. Além disso, a/o estudante que atua na RD se encontra nesse percurso de atuação por, no máximo, um ano letivo, estando, portanto, de passagem nessa travessia de RD. No entanto, compreendemos que tal transitoriedade a que nos referimos não se limita a uma situação passageira: não aludimos à noção de transitoriedade como algo que passará, mas como os modos de vida que foram e são alterados, a exemplo dos modos de aprender e ensinar que já não podem voltar incólumes ao que eram antes.

Dessa maneira, podemos considerar a RD como uma atividade que ocupa um espaço/tempo de transitoriedade, implicando a necessidade de uma habitação que esteja disposta a se (re)inventar constantemente, justamente por se tratar de uma atividade que flui na relação entre os pares, em suas múltiplas especificidades. Ademais, no contexto da pós-graduação, a RD acontece de modo concomitante com o desenvolvimento de estudos e pesquisas, o que lhe confere um multiverso de conhecimentos e práticas que acontecem na medida em que ao estar na representação nos colocamos à espreita para aprender com os processos.

Assim, atividades realizadas por quem representa os/as estudantes não podem ser reduzidas a questões de organicidade gerencialista do/s curso/s; ao contrário, devem ser entendidas como um processo no qual:

[...] seguir não é o mesmo que reproduzir, e nunca se segue a fim de reproduzir. implica a permanência de um ponto de vista fixo, exterior ao reproduzido: ver fluir, estando na margem. Mas seguir é coisa diferente [...]. Somos de fato forçados a seguir quando estamos à procura das ‘singularidades’ de uma matéria ou material e não tentando descobrir uma forma; [...] quando nos engajamos na variação contínua das variáveis, em vez de extrair delas constantes (^{DELEUZE; GUATTARI, 1997}, p. 39).

Por isso, habitar a RD condiciona experimentar uma vivência cognitiva e corporal no universo dos cursos e das relações humanas que ali se engendram. Trata-se de uma experimentação viva que abre a possibilidade de entrar em contato com todas as nuances de gestão e organicidade dos cursos, não só no âmbito operacional que aí se inscreve, mas também em todas as dimensões não ditas (que escapam do discurso) que habitam a vivência nesses contextos, isto é, em toda a formação que acontece nos espaços externos e internos que integram a capacitação constitutiva de quem está no universo da pós-graduação.

Afastamo-nos, assim, da ideia de que, ao vivenciarmos a RD, nossa formação ou experiência na pós-graduação evolui ante outras experiências. Consideramos essa vivência como uma habitação-chave no contexto da pós-graduação que está para além do bem e do mal ou do certo e do errado.

Decisões múltiplas ocorrem no campo da RD, o que demanda dos/das representantes certo protagonismo para conseguir, de fato, operar de modo significativo e efetivo nos órgãos colegiados. Faz-se necessária, portanto, uma ampliação de repertório no âmbito da vivência do/da discente no contexto das instituições, visualizando de forma mais concreta o modus operandi que está no entorno da organicidade dos cursos.

Toda representação carrega consigo uma perspectiva e, por conseguinte, não é neutra. Ela carrega noções de verdade que embasam os enunciados, os discursos e as decisões (^{HALL, 1997}). No caso da RD, quando se leva para os espaços colegiados e para as reuniões algum posicionamento dos/das discentes, levam-se as delimitações e os encaminhamentos estabelecidos por esse grupo. Contudo, o/a interlocutor/a, quando fala, dialoga e apresenta argumentos, traz um pouco de si mesmo/a nesse fazer discursivo:

[...] representações constituem discursos - entre outros elementos - porque o discurso, reforçando discussões prévias, é compreendido como uma prática de representação do mundo, da realidade, como uma prática de significação. Ou seja, as representações, nossas verdades, existem somente em meio a práticas discursivas (^{KAWACHI, 2015}, p. 36).

Em alguns momentos, a RD é convidada a compor com discursos homogêneos, reprodutores e culturalmente aceitos (^{KAWACHI, 2015}) nas instâncias que habitam o universo de representação. Há uma tradição e cultura acadêmica que antecede a presença dos/das estudantes no âmbito da RD, fato que, por vezes, fagocita diferentes perspectivas e possibilidades de compreensão e interlocução na tomada de decisões dos cursos, mantendo discursos hegemônicos e normalmente aceitos em detrimento de outros que estão por vir.

A noção de conversação que mobilizamos aqui - do ponto de vista dos/das discentes - parte da possibilidade de aparecimento e expressão de diferentes relações de forças operantes, que deem vazão a horizontes de compreensão que podem se fazer distintos e destoantes, originando um diálogo empreendido como passagem de fluxos de entendimento que não corroborem com nenhum tipo de totalização e/ou homogeneização. Trata-se, assim, de uma abertura à conversação que toma relevo à medida que os encontros e os ambientes de convivência se fazem vivos, conjecturando o fortalecimento das capacidades humanas de se estar junto vivendo o processo formativo. Habitar a RD demanda reconhecer-se atuando enquanto se vive e conversa com o(s) outro(s), em meio a rastros de vida e de coabitação.

Nessa perspectiva, é possível conjuntamente implementar diferentes práticas quando se está habitando esse território de RD. Para tanto, é importante constituir um coletivo que, de modo comunitário e comum, acompanhe as ânsias e necessidades discentes e que, contagiado por questões de intensidade comum, estabeleça um espaço vivo, ativo e cativo de pensamentos e tensionamentos que viabilizem buscar estratégias e soluções concernentes a problemáticas que estão no seu entorno.

Nessa ótica, é indispensável que esse coletivo que fornece subsídio para o andamento das ações da RD compactue com “[...] a saúde a partir do encontro” (^{OLIVEIRA; CORRÊA, 2020}, p. 19) e das relações interpessoais que ali estão em fluxo. São diferentes perspectivas de linguagem, de cultura, de leitura e de habitação do mundo que estão no entorno de um coletivo de discentes nos cursos acadêmicos - diversos prismas que olham para as questões que emergem no cotidiano das instituições e, por vezes, constituem distintas nuances e intensidades para pensar problemáticas equivalentes.

Contudo, o modo como se experimenta esse território coletivo e comunitário precisa estabelecer uma relação saudável, ética e potente para com os/as discentes envolvidos/as. É necessário fortalecer estratégias de cooperação mútua entre as partes, de modo a respeitar as particularidades e singularidades e, ao mesmo tempo, operar na RD constituindo a valoração das narrações que estão no entorno do fazer da representação que se situa em uma figura representativa, mas não se resume nem se conclui nela. Faz-se necessário, assim,

[...] instalar-se sobre um estrato, experimentar as oportunidades que ele nos oferece, buscar aí um lugar favorável, eventuais movimentos de desterritorialização, linhas de fuga possíveis, vivenciá-las, assegurar aqui e ali conjunções de fluxos, experimentar segmento por segmento dos contínuos de intensidades, ter sempre um pequeno pedaço de uma nova terra (^{DELEUZE; GUATTARI, 1996}, p. 27).

É um desafio extremamente complexo movimentar todas as compreensões que estão no cerne de um fazer de RD, já que se trata de uma dimensão das diferentes relações humanas que surgem em meio à vida e dos diferentes prismas de se pensar os fatos, os saberes e os acontecimentos. Portanto, apostamos, a partir das vivências que já mobilizamos no campo da RD, que a potência desse fazer passa pela aproximação com as intensidades múltiplas dos corpos que habitam os cursos, bem como pela abertura de uma conversa atenta e cuidadosa para com aqueles e aquelas que se permitem experimentar essa vivência coletiva e cooperativa de RD como parte do processo formativo, experimentando linhas e tecendo fluxos. Trata-se, portanto, de

Querer desenvolver uma qualidade de atenção - inquietude de si. Habitar a vida. Olhar e sentir as forças (ativas e inativas) que nos interpelam, nos colocando a deslizar sob as fronteiras, encontrando respiros, debruçando-nos pelas bordas, criando e brincando pelas superfícies (^{RIGUE; DALMASO, 2020}, p. 140).

Habitar a RD é um convite a compor e experimentar com os modus operandi dos cursos nas IES, assim como com suas interculturalidades, especificidades e problemáticas. Ao mesmo tempo, é experimentar-se enquanto habitante desse terreno de RD, desenvolvendo uma qualidade da atenção (^{RIGUE; DALMASO, 2020}) aos processos, encaminhamentos e engendramentos que se tramam no âmbito dos cursos e, ao mesmo tempo, das relações interpessoais que se personificam nesses universos específicos e característicos de habitação formativa.

A vivência, nessa especificidade, abre uma série de compreensões formativas que não poderiam ser produzidas distantes dessa experimentação altiva. Portanto, estar vivendo a RD é um leque que se abre para compreender o universo da gestão nos cursos acadêmicos e dos desafios que estão no entorno das relações humanas que fluem no ato de se estar na RD, bem como um elemento que apresenta o/a discente do curso a outro ângulo de pensar como acontecem os encaminhamentos, as decisões e os processos formativos e burocráticos no âmbito do percurso de pós-graduação.

A tomada de decisões na RD é, desse modo, convocada a ser produzida em um embate de forças permanente e em uma necessidade de estar junto com os/as discentes, percebendo suas perspectivas, suas nuances e seus anseios, com vistas a estar nos locais de tomada de decisão, contemplando as óticas presentes em argumentos e votações acerca de temáticas em fluxo nas comissões colegiadas e inaugurando, a cada movimento e fluxo, a possibilidade de novos e inusitados prismas de compreensão e entendimento. São presenças novas, novos territórios e inéditos viáveis que produzem aprendizagens diferentes no âmbito dos contextos em que se estabelecem os encontros e as conversações da RD.

TECENDO CONSIDERAÇÕES

Neste estudo ensaístico (^{LARROSA, 2003}), fomos convocadas a desenvolver uma escritarastro que aponta para fragmentos de vivências e experimentações possíveis ao habitar a RD. Costuramos um movimento de pensar que dimensiona os fazeres e as compreensões que estão no entorno da RD nas IES, especificamente nos cursos de pós-graduação, experiências que, após seu término provisório, continuam em nós como marcas: “[...] uma vez posta em circuito, uma marca continua viva, quer dizer, ela continua a existir como exigência de criação que pode eventualmente ser reativada a qualquer momento” (^{ROLNIK, 1993}, p.03). Isso ocorre também com as imagensensaios que, ao serem colocadas em circulação, continuam vivas como

[...] Potências de olhares estrangeiros, capturas de coisas que estão em nós [...] compondo moradas provisórias que se fazem existir no momento do encontro com olhares outros, ocupando assim, espaços inventados no entre, estando atravessadas, justapostas, fazendo existir o que nos inquieta, abrindo espaços e múltiplas relações para quem se depara com elas (^{NUÑEZ, 2020}, p. 75).

As imagens-ensaios encontram-se sempre no entre, sem início ou final definidos e sem serem subordinadas ao texto. Imagens-ensaios são substâncias de experimentações e de vivências.

Fonte: Marcela Bautista ^{Nuñez (2021)}.

Figura 1 Uma representação discente que germina potências. 

Abordamos, neste estudo ensaístico, uma vivência que corrobora com a formação de pesquisadoras e pesquisadores que assumem essa responsabilidade de habitar a RD nos contextos de formação universitária, constituindo uma ampliação tanto do repertório profissional, principalmente em se tratando da própria formação, quanto do campo da gestão. São lugares em que as vivências produzem marcas e reverberam em outros tempos e contextos, mantendo as memórias vivas e pulsantes, de modo que, “[...] vivendo sob contornos instáveis e à espreita do que nos acontece, nos tornamos receptivos às intensidades que por vezes nos arrebatam, que nos empurram a lugares desconhecidos, onde experimentamos outras paisagens de nós mesmos” (^{NUÑEZ, 2021}, p. 04). Além disso, experimentar a RD dentro das IES constitui uma forma de cultivar uma noção de saúde pela via dos encontros (^{OLIVEIRA; CORRÊA, 2020}), percebendo cada movimento que ocorre no cerne da RD como oportunidade de uma aprendizagem viva, ética, pulsante e atenta ao que pode ser atualizado à medida que se vive, afeta e é afetado.

São poucos os estudos que localizamos durante o desenvolvimento desta investigação e que, de modo direto, ocupam-se do campo da RD nos cursos de pós-graduação. Portanto, emerge desta experiência a necessidade de apropriações quanto à temática, tendo em vista sua relação estreita com a constituição do processo formativo de pesquisadoras e pesquisadores que habitam esse território no Brasil. Emerge, igualmente, a importância dessas atividades nas IES, em especial na pós-graduação, pois, se esses espaços existem atualmente, foram contingenciados por diferentes movimentos e empreendimentos de forças dos/das estudantes que, outrora, dedicaram-se a ocupar os espaços dessa natureza no âmbito dos cursos acadêmicos.