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Revista Teias

versión impresa ISSN 1518-5370versión On-line ISSN 1982-0305

Revista Teias vol.23 no.70 Rio de Janeiro jul./sept 2022  Epub 23-Feb-2023

https://doi.org/10.12957/teias.2022.67438 

História de mulheres e educação: transgressões, resistências e empoderamentos

A ESCRITORA ANILDA LEÃO NO CONTEXTO CULTURAL DE ALAGOAS

THE WRITER ANILDA LEÃO IN THE CULTURAL CONTEXT OF ALAGOAS

LA ESCRITORA ANILDA LEÃO EN EL CONTEXTO CULTURAL DE ALAGOAS

1UFPB/PPGE E-mail: fabianasena@yahoo.com.br

2Professora da Rede Municipal de Ensino de Maceió-AL. UFPB/PPGE E-mail: m.angela19@gmail.com


Resumo

Historicamente a mulher foi vista de acordo com a sua inserção na sociedade local onde estava inserida. No século XIX, a história registrou a participação da mulher no âmbito do trabalho assalariado, o que posteriormente desencadeou movimentos por melhores condições de trabalho, gerando embates entre os que divergiam de opinião quanto aos papéis possíveis à mulher na sociedade. Nesse período, a narrativa desses embates, da defesa ou do rechaço a esses papéis não foi feita por elas, e sim por homens. Homens que teceram as representações do feminino na literatura, nos jornais e em seus poemas. Não obstante, conforme a mudança do cenário estrutural do corpo social na passagem do século XIX para o XX, a mulher conseguiu marcar presença, mesmo sofrendo repressões, nos mesmos espaços dominados pelos considerados doutos. Com base nessas asserções, apresentamos este estudo, orientado pela perspectiva da História Cultural, a fim de buscar, com base nas categorias de representação e de redes de sociabilidade, dar visibilidade à escritora Anilda Leão Moliterno (1923-2012). Essa mulher alagoana que trouxe em seus escritos muito de si, das mazelas sociais e do desafio de ser mulher em uma sociedade tomada pelo machismo. Destarte, a visibilidade que é dada à Anilda Leão no campo da história do feminino, na atualidade, faz com que reconheçamos suas atuações e que ela seja inserida no rol da escrita da história.

Palavras-chave: Anilda Leão; representação; redes de sociabilidades

Abstract

Historically, the woman was seen according to her insertion in the local society where she was inserted. In the 19th century, history recorded the participation of women in the field of paid work, which later triggered movements for better working conditions, generating clashes between those who differed in opinion about the possible roles of women in society. In this period, the narrative of these clashes, of the defense or rejection of these roles was not made by women, but by men. Men who wove the representations of the feminine in literature, in newspapers, and in their poems. Nevertheless, according to the change in the structural scenario of the social body in the passage from the nineteenth to the twentieth century, women managed to mark their presence, even suffering repression, in the same spaces dominated by those considered to be doctors. Based on these assertions, we present this study, guided by the Cultural History perspective, in order to seek, based on the categories of representation and networks of sociability, to give visibility to the writer Anilda Leão Moliterno (1923-2012). This woman from Alagoas, who brought in her writings much of herself, the social ills and the challenge of being a woman in a society taken by machismo. Thus, the visibility that is given to Anilda Leão in the field of women's history, nowadays, makes us recognize her performances and that she is inserted in the roll of history writing.

Keywords: Anilda Leão; representation; networks of sociabilities

Resumen

Históricamente, las mujeres eran vistas en función de su inserción en la sociedad local en la que estaban insertadas. En el siglo XIX, la historia registra la participación de las mujeres en el trabajo remunerado, lo que posteriormente desencadenó movimientos para mejorar las condiciones de trabajo, generando enfrentamientos entre quienes tenían opiniones diferentes sobre el posible papel de las mujeres en la sociedad. En este período, la narración de estos enfrentamientos, de la defensa o el rechazo de estos roles no fue hecha por las mujeres, sino por los hombres. Hombres que tejieron las representaciones de lo femenino en la literatura, en los periódicos y en sus poemas. Sin embargo, de acuerdo con el cambio en el escenario estructural del cuerpo social en el paso del siglo XIX al XX, las mujeres lograron marcar su presencia, incluso sufriendo la represión, en los mismos espacios dominados por los considerados médicos. A partir de estas afirmaciones, presentamos este estudio, guiado por la perspectiva de la Historia Cultural, para buscar, a partir de las categorías de representación y redes de sociabilidad, dar visibilidad a la escritora Anilda Leão Moliterno (1923-2012). Esta mujer de Alagoas que trajo en sus escritos mucho de sí misma, los males sociales y el desafío de ser mujer en una sociedad tomada por el machismo. Por lo tanto, la visibilidad que se le da a Anilda Leão en el campo de la historia de las mujeres, hoy en día, hace que reconozcamos sus actuaciones y que se inserte en el rollo de la escritura de la historia.

Palavras chave: Anilda Leão; representación; redes de sociabilidad

INTRODUÇÃO

A nossa sociedade é marcada pela presença masculina entre as produções intelectuais. A inserção das mulheres, no que tange ao campo da historiografia, tem mostrado a sua ampliação e visibilidade no discurso historiográfico. A escritora britânica Woolf expressa bem essa ausência das vozes femininas na história: “Na verdade, arrisco-me a dizer que Anônimo, que escreveu tantos poemas sem cantá-los, com frequência era uma mulher” (2014, p. 47).

Muito do que é visto nas narrativas do feminino no século XIX foi produzido para colocá-las como sombras do masculino. Perrot (1989, p. 10) revela que os escriturários da história desse período – exemplificamente, “[...] administradores, policiais, juízes e padres, contadores da ordem pública – deixam bem poucos registros que digam respeito às mulheres, categoria indistinta, destinada ao silêncio” e, quando o fazem, rotulam as mulheres como “[...] mulheres vociferantes, megeras, a partir do momento em que abrem a boca, histéricas no momento em que gesticulam.” (PERROT, 1989, p. 10).

A mulher da cidade do século XIX (vista também como um espaço sexuado), principalmente mulheres burguesas, era apresentada como ornamento, disciplinada pela moda, codificada pela aparência, atitudes e vestimentas, com o intento de realçar a situação econômica do marido. Em situação oposta, Perrot (1989, p. 10) destaca que não se faziam referências às mulheres do povo. Segundo a estudiosa, “[...] só se falava delas quando seus murmúrios inquietavam no caso do pão caro, quando provocam algazarras contra os comerciantes ou contra os proprietários, quando ameaçam subverter com sua violência um cortejo de grevistas”. A força do discurso masculino na representação da mulher é tenazmente expressiva, por isso é necessário conhecer e dar voz à recente história das mulheres, ressignificar essas narrativas e ampliar a fala do feminino nos escritos acadêmicos e “[...] libertar a história. Libertar a história das amarras das metanarrativas modernas, falocêntricas” (COLLING, 2004, p. 31).

Na direção do não silenciamento, este trabalho tem como propósito dar visibilidade à escritora alagoana Anilda Leão que, (apesar e) diante de uma sociedade marcadamente masculina em termos de destaque e de “escritores” da história, ganhou os espaços públicos local e nacional. Mas quem foi Anilda Leão? Qual foi a sua contribuição na cena cultural do estado de Alagoas? Quais foram seus escritos? Que representação de mulher ela teve para a sua região? Embora reconheçamos que Anilda Leão não tenha exercido atividades no cenário educacional, entendemos uma relação intrínseca entre cultura e educação, por considerarmos esta última como parte da primeira. Se tomamos a cultura como resultado da inventividade humana, essa só existe porque há o ser humano – a educação faz parte de todo esse processo como elemento de transmissão de valores, de crenças, de regras, de limites, de desejos e devires. Para Geertz (1978, p. 28), “A cultura é um sistema simbólico, característica fundamental e comum da humanidade de atribuir, de forma sistemática, racional e estruturada, significados e sentidos às coisas do mundo”.

Devemos destacar a representação do feminino que está marcada pelas diferentes formas de inscrição cultural presentes nos discursos e nas imagens que são projetadas pela cultura no mundo social. Para refletir sobre as questões aqui postas e justificarmos nosso interesse na persona de Anilda Leão, cercamo-nos de vestígios deixados sobre a sua biobibliografia, a exemplo de sites, fotografias (de arquivos pessoais), poemas, revistas (meio físico e digital) e jornais. Com esse interesse e para compreendermos como se constituiu a visibilidade da mulher Anilda Leão diante do escopo da cultura alagoana, apoiar-nos-emos na categoria Redes de Sociabilidades, de Jean-François Sirinelli (2003) e Norberto Bobbio (1997), a qual permite perceber como se estabelecem as estruturas sociais de determinados grupos intelectuais.

DADOS BIOGRÁFICOS DE ANILDA LEÃO

Filha de Joaquim de Barros Leão e de Georgina de Barros Leão, Anilda Leão nasceu no dia 15 de julho de 1923, na cidade de Maceió. Seu pai foi comerciante e líder de grupos de sua categoria de trabalho. Atuou como membro do Conselho Fiscal do PRODUBAN (Banco da Produção do Estado de Alagoas) e como secretário do Jornal de Alagoas durante alguns anos. Também foi membro do Rotary Clube de Alagoas e de várias instituições beneficentes; foi também praticante da filosofia kardecista. Joaquim de Barros Leão foi prefeito de Maceió durante 15 meses, durante o governo de Arnon de Mello. Um dado interessante a se observar que não há menção sobre a sua mãe nos registros sobre Anilda Leão (TICINELLI, 2016; ALMEIDA, 2017).

Quando criança, Anilda Leão realizou seu estudo primário no Colégio Imaculada Conceição, rede privada, localizada no bairro de Pajuçara. O ginásio foi iniciado no Liceu Alagoano1 e finalizado na Escola Técnica Federal de Alagoas, ainda na década de 40, onde se formou em Ciências Contábeis. No Conservatório Alagoano de Música, ela estudou música, declamação, oratória, dicção, canto oral e lírico. (TICINELLI, 2016; ALMEIDA, 2017).

Durante a fase estudantil, Anilda Leão publicou seu primeiro poema aos 13 anos de idade, cuja temática era a criança abandonada. Atuou como colaboradora das revistas Caetés e Mocidade, assim como da coluna dominical do Jornal de Alagoas e Gazeta de Alagoas. Já em 1950, quando a Federação Alagoana pelo Progresso Feminino organizou um evento, Anilda Leão se apresentou como cantora e se integrou de forma ativa na instituição. Ainda participou, em junho de 1963, em Moscou, do Congresso Mundial de Mulheres, representando a referida Federação. No ano de 1990, tornou-se presidente da instituição. (TICINELLI, 2016; ALMEIDA, 2017).

Na figura abaixo, Anilda encontra-se ao centro, com luvas pretas, com a mão esquerda na barriga e segurando uma bolsa branca.

Fonte: Arquivo do cineasta Joaquim Alves.

Figura 1 Anilda Leão em sua viagem a Moscou. 

A autora de Riacho Seco também foi membro da Associação Alagoana de Imprensa (AAI), integrou o Centro da Mulher Alagoana, o Conselho Estadual de Mulheres e também fez parte da Fundação Teotônio Vilela.

Casou-se aos 30 anos de idade, em 1953, com o poeta, jornalista e escritor Carlos Moliterno, com quem tem dois filhos, e passou a ser Anilda Leão Moliterno. O casamento durou por 45 anos. Seu marido faleceu em 1998, aos 86 anos e deixou um legado de dois livros de poesias, intitulados Desencontro e A Ilha, e um ensaio antológico sob o título de Notas Sobre Poesia Moderna em Alagoas. Também foi autor da letra do hino de Maceió, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas (IHGAL) e diretor-presidente da Imprensa Oficial Graciliano Ramos. Teve seis mandatos consecutivos para presidir a Academia Alagoana de Letras (ALL). (TICINELLI, 2016; ALMEIDA, 2017).

Anilda também fez parte da AAL, na qual ocupou a cadeira 26, após o falecimento da poetisa, professora e funcionária pública Eunice Lavenére,2. Foi membro associada do IHGAL -empossada em 15-03-1999, ocupando a cadeira 7. A autora de Poemas marcados e suas coautoras, Solange Lages Chalita, Cândida Palmeira e Maria José Palmeira, ficaram responsáveis pelas relações públicas do Grupo Literário Alagoano (criado em 1974), no biênio de 1982-84, sob presidência de Ilza Espírito Santo Porto (presidente) e Heloísa Gusmão Medeiros, 1a. vice-presidente. (TICINELLI, 2016; ALMEIDA, 2017).

Concomitantemente à trajetória profissional de seu marido, Anilda Leão construiu a sua. Em 1961, incentivada por Carlos Moliterno, ela publicou o livro de poemas Chão de Pedras. Por meio da coletânea de contos intitulada de Riacho Seco,3 recebeu o Prêmio Graciliano Ramos da Academia Alagoana de Letras, em 1973. Nesse mesmo ano, começou a se dedicar à carreira de atriz. Assim, teve participações nos seriados Lampião e Maria Bonita e Órfãos da Terra (1970) e nos filmes Bye Bye Brasil, Memórias do Cárcere (1984) e Deus é brasileiro (2002), além de “Tana’s Take” (1987), do pernambucano Almir Guilhermino, e outras produções locais. No teatro, interpretou papéis destacados nas peças Bossa Nordeste e Onde canta o sabiá, além de fazer a personagem Clarabela na peça A farsa da Boa Preguiça (1961), de Ariano Suassuna. Também atuou nos longas-metragens Calabouço (1976), Guenzo (1982) – uma adaptação do conto “A Prisão de J. Carmo Gomes”, do livro Insônia, de Graciliano Ramos –, Mordaça (1975), Ouça o silêncio (1998) e Sacrossaque (1977) – película que trata de roubos e comércios clandestinos de imagens.

Em 1978, tornou-se diretora do Departamento de Assuntos Culturais, órgão vinculado à Secretaria de Educação e Cultura do Estado de Alagoas, o equivalente, hoje, ao cargo de Secretário de Cultura. Durante sua carreira de vasta produção literária, publicou, no gênero poesia: Chão de Pedras (1961), Chuvas de Verão (1974), Poemas Marcados (1978), Círculo Mágico (e outros nem tanto) (1993). No gênero conto, publicou Riacho Seco (1980). No gênero crônicas, escreveu Olhos Convexos (1989) e, no gênero memórias, Eu em trânsito (2003). Em razão da sua produção e do seu trabalho artístico, Anilda Leão foi reconhecida em Alagoas por meio das Comendas: Mário Guimarães, da Câmara Municipal de Maceió; Nise da Silveira, do Governo do Estado de Alagoas; Graciliano Ramos, da Câmara Municipal de Maceió; a Ordem do Mérito dos Palmares, do Governo do Estado; e a Comenda Teotônio Vilela, da Fundação Teotônio Vilela. Também recebeu o Diploma do Mérito Cultural, da União Brasileira dos Escritores.

No dia 6 de janeiro de 2012, Anilda Leão faleceu aos 88 anos, em Maceió, deixando um legado para a história cultural de Maceió. A sua fortuna crítica é vasta, conforme a lista abaixo:

ALVES, Ivia Iracema; BRANDÃO, Izael. Retratos à margem: antologia de escritoras das Alagoas e Bahia (1900-1950). Maceió: EDUFAL, 2002. AYRES, Francisco Rogers Cavalcanti. Balé folclórico de Alagoas: 37 anos de história e os processos criativos na espetacularidade folclórica alagoana. (Dissertação de Mestrado em Artes Cênicas). Universidade Federal de Alagoas, 2014. BARROS, Francisco Reinaldo Amorim de. (Org). ABC das Alagoas - Dicionário biobibliográfico, histórico e geográfico de Alagoas. Tomo I (A-F). Vol. 62-A. Brasília: Edições do Senado Federal, 2005. Disponível no link. (Acessado em 29.4.2016). BRANDÃO, Izabel de Fatima de Oliveira. Anilda Leão, o feminismo e o IGHAL. Jornal Tribuna, Maceió, 1999.

COELHO, Nelly Novaes. Dicionário crítico de escritoras brasileiras: 1711-2001. São Paulo: Escrituras, 2002.

GAZETA. Uma brava mulher, exemplo de vida e luta. in: Gazeta de Alagoas - caderno Opinião, 10 de jan de 2012. Disponível no link. (acessado em 29.4.2016).

GUIMARÃES, Benilda Melo; LIMA, Carlito; BOMFIM, Edilma. (org). O Conto das Alagoas. 1ª ed., Maceió: Bagaço, 2007.

GUIMARÃES, Benilda Melo; LIMA, Carlito; BOMFIM, Edilma. (org). A Poesia das Alagoas. 1ª ed., Maceió: Bagaço, 2007.

GUIMARÃES, Benilda Melo. A identidade feminina nos contos "A virgem" Marina, pura e humilde" de Anilda Leão. (Monografia de Especialização em Literatura Brasileira e Língua Portuguesa). Centro Universitário Cesmac, 2009. LEÃO, Anilda. Eu, polêmica? [Entrevista concedida à Janayna Ávila]. Gazeta de Alagoas. Maceió, 28 out. 2007. Caderno B, p. B-1, B-2, B-3, B-5 e B-7. MAIA, Ricardo. Anilda na contramão da modernidade: Uma leitura crítica do livro Eu em Trânsito, de Anilda Leão. In: Portal Escritores, 2012. Disponível no link. (acessado em 29.4.2016).

MAJELLA, Geraldo de. Anilda Leão e o livro perdido. in: MajellaBlog, 4 de março de 2012. Disponível no link. (acessado em 29.4.2016).

MORAES, Maria Heloisa Melo de (org.). Poesia Alagoana hoje: ensaios. Maceió: EDUFAL, 2007.

NOGUEIRA, Ricardo. Presa Anilda Leão como comunista. in: Gazeta de Alagoas, 3 de mar de 2012. Disponível no link. (acessado em 29.4.2016). RAMALHO, Joaquim; GOMES, Jurandir (direção). Almanaque de Alagoas. Maceió, 1952.

ROCHA, Jose Maria Tenório. Anilda Leão, em obra multifacetada. O Jornal de Maceió, Maceió- Al, p. 1-4, 2003.

SANTANA, Ana Lúcia Rodrigues de. A representação estética da miséria humana: algumas reflexões sobre o conto Submundo, de Anilda Leão Moliterno. (Monografia de Especialização em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira). Universidade Cidade de São Paulo, UNICID, 2001.

SANTOS, Silvana Maria de Barros. A relação entre introspecção e a solidão como representantes sociais e afetivos na crônica “Os olhos convexos” de Anilda Leão e na história da civilização. A relação entre a introspecção e a solidão como representantes sociais e afetivos na crônica “Os olhos convexos” de Anilda Leão e na história da civilização. Maceió/Al, p. 23 - 30, 12 maio 2008.

SILVA, Enaura Quixabeira Rosa e.; BOMFIM, Edilma Acioli (org.). Dicionário mulheres de Alagoas ontem e hoje. Maceió: EDUFAL, 2007, 456 p.

VILELA, Arriete. Anilda Leão: intensa e autêntica. In: Gazeta de Alagoas, caderno Saber, edição 3 de março de 2012. Disponível no link. (Acessado em 29.4.2016). (TEMPLO CULTURAL DELFOS, 2022. Disponível em: http://www.elfikurten.com.br/2016/04/anilda-leao.html) (SIC).

UMA BREVE NOTA SOBRE OS TEXTOS DE ANILDA LEÃO

A partir das produções literárias de Anilda Leão, nos gêneros: Poesia: Chão de Pedras, de 1961, A solidão de que Marilyn falava..., de 1962, Chuvas de Verão, de 1974, Poemas marcados, de 1978; do gênero Contos: Círculo Mágico (e outros nem tanto), de 1993, Riacho Seco, de 1980, Conto Número 3, de 1963; gênero crônicas: Olhos Convexos, de 1989; e do gênero Memórias: Eu em Trânsito (2003), trazemos dois poemas e um conto aleatórios, em razão dos limites que este trabalho aqui tem e, assim, ilustrar a sua escrita.

À procura da infância

Procuro ouvir na voz do vento

o eco perdido da minha infância.

E no riso franco das criancinhas

eu vislumbro o meu riso antigo.

Procuro nas ruas desertas e silenciosas,

o canto alegre das cirandas

e as minhas correrias do tempo recuado.

Dentro daquela avenida asfaltada,

onde rolam automóveis de luxo,

eu busco a minha ruazinha feia e pobre.

Procuro ver nas bonecas de hoje,

tão lindas, de tranças sedosas,

a bonequinha de trapo que eu embalei nos meus braços.

Procuro encontrar no rosto das neocomungantes

traços de minha inocência

e a primeira emoção daquela que ficou no tempo.

Procuro descobrir, desesperada,

na face ingênua das crianças

a minha pureza perdida.

Procuro em vão, pois não encontrarei jamais

vestígios da minha infância feliz,

que os anos guardaram no seu abismo.

LEÃO, Anilda. Chão de pedras. Maceió: Caetés, 1961.

Poema da idade perdida

E pensar que já tive dezoito anos,

que já vivi de sonhos,

que já teci ilusões...

E pensar que já suspirei de amores,

que já sorri despreocupada e feliz

que vibrei com o primeiro beijo...

E pensar que os meus cabelos

já foram fartos e negros;

que no meu rosto havia reflexos de luz,

e no meu corpo, juventude e pujança...

E pensar que a minha boca

era fresca e sadia,

e a minha voz cristalina e pura...

E pensar que possuí um coração

que se alvoroça à-toa

e batia descompassado só em avistar um vulto querido...

..........................................................

Ah, pensar em tudo isto,

e descobrir agora estes cabelos brancos,

estas rugas morando no meu rosto,

este cansaço me alquebrando o corpo,

esta voz que já nem reconheço mais,

e este coração cansado e sofrido!

Ah, pensar em tudo isto

e não poder voltar atrás!...

LEÃO, Anilda. Chão de pedras. Maceió: Caetés, 1961.

Para atentarmos a uma breve análise dos poemas acima, precisamos considerar a forma, métrica, tema, cenário e personagem. Além disso, também precisamos verificar/analisar a linguagem, o imaginário, o estilo e o contexto dos poemas para entendê-los.

Nestes poemas, verificamos que os textos são coesos, com palavras simples, de modo que foram construídos com frases de ordem direta (sujeito, verbo e complemento). Não tiveram a construção fiel da poesia, pois não têm métrica, rimas. As estrofes dos poemas, são, costumeiramente, formadas por um grupo de versos com a mesma medida, dando rima e ritmo. Observando os dois poemas acima, vemos que apenas no segundo há divisão, formando-se duas estrofes. Sabemos que há poesias cuja construção de estrofes não é conduzida por rígidas regras, logo nem sempre resultando em um mesmo número de versos, medidas ou promovendo rimas.

Atentando agora para outros elementos, como tema, cenário e personagem, o eu lírico está presente em ambos os poemas. Ainda que a Anilda Leão use a primeira pessoa do singular nas duas produções acima, não significa que ela esteja falando de si mesma –nem sempre os poemas são autobiográficos nem precisam, necessariamente, adotar ou esboçar um tom confessional.

Comparando- se, portanto, as duas obras entre si, é possível identificar, no primeiro poema, um eu lírico saudosista que quer voltar a uma infância feliz e ingênua; no segundo, um eu lírico que expressa sua insatisfação com o tempo, comparação do corpo. Ambos podem até se complementar.

Esses dois poemas foram publicados quando a autora tinha 38 anos. Embora saibamos que, na década de 60, uma mulher poderia ser considerada “uma senhora”, não podemos afirmar que Anilda Leão estava com saudades da sua infância e que o peso da idade estava lhe causando desconforto. São duas situações na vida de qualquer sujeito que se põe a olhar para trás, a fixar sua memória em alguns momentos marcantes e refletir.

O tema central que se apresenta ao leitor é o tempo. Tempo da infância, tempo da juventude. Tempo que passou e não volta mais. A autora reconhece a determinação do tempo “Procuro em vão, pois não encontrarei jamais / vestígios da minha infância feliz, / que os anos guardaram no seu abismo”; “Ah, pensar em tudo isto / e não poder voltar atrás!”. Ainda nos dois poemas, Anilda Leão apresenta o tempo por meio de contraste. No primeiro, o contraste se apresenta por meio dos objetos e situações: “Procuro nas ruas desertas e silenciosas, / o canto alegre das cirandas”. O deserto e silencioso se colocam opostos à alegria das cirandas, do barulho. E em: “Dentro daquela avenida asfaltada, onde rolam automóveis de luxo, / eu busco a minha ruazinha feia e pobre. / Procuro ver nas bonecas de hoje, / tão lindas, de tranças sedosas, a bonequinha de trapo que eu embalei nos meus braços”. O asfalto e automóveis de luxo se opõem a rua feia e pobre. Assim como lindas, de tranças sedosas se contrapõe a trapo. Essas oposições dão a ideia de melhor e pior. O ontem se apresenta como melhor do que o hoje. Um passado longínquo se mostra vivo na memória porque ela procura: Procuro ouvir na voz do vento / Procuro ver nas bonecas de hoje, / Procuro encontrar no rosto das neocomungantes / Procuro descobrir, desesperada, / Procuro em vão.

Já, no segundo poema, o contraste se faz presente por meio de duas partes. Na primeira, a autora ressalta os adjetivos da juventude e no segundo os da velhice: Já foram fartos e negros / que no meu rosto havia reflexos de luz, / e no meu corpo, juventude e pujança... / E pensar que minha boca / era fresca e sadia / e a minha voz cristalina e pura; descobrir agora estes cabelos brancos, / estas rugas morando no meu rosto, / este cansaço me alquebrando o corpo, / esta voz que já nem reconheço mais, / e este coração cansado e sofrido! Aqui o tom é de lamento, em razão dos opostos estarem visíveis. O corpo é testemunho do tempo que passou e não volta mais.

O conto a seguir, intitulado Mãe Maria, foi publicado em 1948, na Mocidade, revista para a juventude estudiosa, cuja redação era do Colégio Guido de FontGalland, localizado na Rua Dr. José Bento Júnior, 56 – Maceió, Alagoas.

Partindo para o texto em conto, seu tema é a inocência de uma criança que se depara com a ausência de um ente querido, e seu primeiro contato com a morte. Anilda Leão apresenta um eu lírico infantil. Essa criança mostra laços afetivos com uma mulher que cuidou dela, uma mulher negra, conforme se comprova na descrição “...junte suas mãos tão pretas quanto boas...”. A interpretação possível é de que a mulher fosse uma doméstica que auxiliava nas tarefas de casa e no cuidado da criança, pois ela chamava a menina de Iaiasinha.

Fonte: Revista Mocidade (1948).

Figura 2 Conto Mãe Maria 

A criança do conto “Mãe Maria” é apegada a ela; é a pessoa que a protege dos perigos da infância, como o escuro, o bicho papão. Ao se ver sozinha no quarto, a criança vai em busca de sua Mãe Maria e a encontra morta em outro cômodo. De um sentimento de raiva por ser sido deixada sozinha, a criança sente pena por Mãe Maria estar “sentindo frio”. Nesse momento ela estava morta. A interpretação da criança, por ignorar o que era a morte, era achar que Maria estava com frio e a cobre com seu casaquinho. A partir desse momento, a realidade cai no seu colo: a morte existe e leva embora as pessoas que amamos. Maria “foi morar no céu”, como assim lhe disseram. A inocência infantil é testada nesse conto, porque, a partir daí, aparecem os “homens maus” e levam Maria para o caixão, levam-na embora para sempre.

O conto traz a relação afetuosa entre a criança e a mulher que cuida dela. Percebe-se que, em nenhum momento, a mãe ou o pai aparecem; sua inferência é, entretanto, possível, mas não comprovada pela passagem “disseram-me então que você ia para o céu”. A forma verbal, no entanto, mostra uma distância emocional entre a menina e os que lhe disseram do destino de Maria, uma distância que destoa da conexão da criança com Mãe Maria.

A partir da morte, a vida da criança é permeada por “desgostos”, “anseios” e “mágoas”, enfatizando a transição e, mais uma vez, o passar do tempo nos textos de Anilda Leão. No conto, a transição é embasada na perda da inocência para a dura realidade da vida, com seus medos, suas frustrações.

Percebe-se, então, que os três textos de Anilda, apresentados acima, utilizam o mesmo mote – o tempo –, tratando-o a cada vez de uma maneira diferente: o passado, o futuro e a perda da inocência.

OUTRA BREVE NOTA SOBRE ANILDA LEÃO NO CENÁRIO CINEMATOGRÁFICO

Ao tomarmos as produções fílmicas como agentes históricos, intentamos compreender as práticas e representações culturais. No caso deste trabalho, buscamos a presença e/ou a circulação de Anilda Leão no teatro e no cinema, já que, além das atividades de escrita, Anilda Leão mostrou seu lado artístico por meio dessas artes. Os filmes alagoanos e nacionais colocam essa artista em outra condição de mulher, a de várias facetas. Assim, a registramos em algumas produções cinematográficas, na tentativa de compreender Anilda Leão na cena cultural.

Atuou em peças teatrais no amadorismo local e também como figurante; teve uma breve atuação como atriz no filme Memória do Cárcere (1984),4 dirigido por Nelson Pereira dos Santos. Em Bye Bye Brasil (1980), de Carlos Diegues, ela aparece apenas como espectadora de cinema, à esquerda do Prefeito da cidade de Murici, conforme ilustra a Figura 3 abaixo:

Fonte: Bye Bye Brasil (1980).

Figura 3 Anilda Leão no filme Bye Bye Brasil 

No filme, Memórias do cárcere, Anilda interpretou a professora Albertina. No drama, ela se dirige aos personagens Graciliano Ramos e à esposa do então diretor da Instrução Pública de Alagoas, Heloisa Ramos, (interpretada por Glória Pires) com as seguintes falas: “Por que proibiu o hino nacional?”, “Comunista!” e “Que Deus os proteja”.

A Figura 4, a seguir, apresenta as duas mulheres no filme.

Fonte: Filme Memórias do Cárcere (1984).

Figura 4 Anilda interpretando a professora Albertina 

Já o longa-metragem Calabouço teve, além do apoio de Anilda Leão também o Carlos Moliterno. Na época, ela ocupava a direção do Departamento de Assuntos Culturais da Secretaria de Educação e Cultura. Segundo Barros (2010, p. 43), tanto o filme quanto o próprio cineasta Joaquim Alves5 “desabaram nas masmorras da inexperiência e da falta de planejamento” – o autor e cineasta associa essa queda ao anseio de fulano de tal em conseguir mais uma premiação, situação semelhante à ocorrida em 1975, no II Festival Nacional de Curitiba, com Severino, O Homem que Jantou o Filho, quando também não se obtivera o êxito logrado.

De acordo com Elenildo Barros (2010, p.44), no filme Mordaça, Anilda Leão “interpreta uma mulher dominada por visões e sonhos eróticos, com rapazes a lhe rondar a cama. Em meio a esses sonhos e visões, surge a figura de um padre paramentado lhe chamando a atenção”. O filme é envolvido por “desejo e repressão, um filme calcado nas imagens, sem diálogos ou narrações, apenas pontuado por uma trilha musical” (2010, p.44). Esta produção foi inscrita no festival Super-8, na jornada de Salvador, mas foi censurado.

Em 1978, o cineasta José Márcio Passos (o mesmo diretor de A Ilha, filme vencedor do III Festival de Cinema Brasileiro de Penedo, de 1977, baseado no livro de mesmo nome) adaptou para o cinema o conto homônimo, de Anilda Leão, intitulado Alívio (esse conto foi publicado em Riacho Seco, na página 51) juntamente com o filme Meu Nome é Miss Paripueira – ambos ocuparam espaço no IV Festival de Penedo. Essa produção fílmica documentou a “exótica e folclórica figura de Dona Ambrosina, uma das mais ricas personagens da galeria de tipos humanos e populares de Maceió” (BARROS, 2010, p. 59), obtendo, assim, o prêmio de segundo lugar no evento.

A presença de Anilda Leão no cinema, por meio de figuração ou de personagens pequenos, ainda que curta, demonstra que ela demarcou seu lugar no cenário cultural de Alagoas, como uma mulher que fez jus às atividades que desempenhou nos diversos espaços da cidade de Maceió.

ANILDA LEÃO E SUAS REDES DE SOCIABILIDADES

As atividades aqui apresentadas ao longo deste texto evidenciam que Anilda Leão esteve imensa no meio intelectual. Para atuar nos espaços mencionados, ela se cercou de figuras da elite intelectual local e nacional, a começar por seu pai, que enveredou pelo campo da política (1940-50) e, posteriormente, por seu esposo, que já estava no cenário editorial. De acordo com Sirinelli (2003, p. 248), esse meio intelectual “[...] constitui, ao menos para seu núcleo central, um ‘pequeno mundo estreito’, onde os laços se atam, por exemplo, em torno da redação de uma revista ou do meio editorial de uma editora”.

Os lugares ocupados por Anilda permitiram o seu desenvolvimento como contista, poetisa, atriz e gestora cultural, os quais lhe permitiram demonstrar suas visões políticas e feministas. Esses espaços corroboraram, de outro modo, o movimento de suas ideias, as quais comungavam com boa parte dos intelectuais das suas redes de sociabilidade. Abaixo, há duas imagens que expressam o que Sirinelli (2003, p. 250) chama de “[...] atração e amizade”, entre esses pares do campo intelectual; duas relações que “[...] interpenetram o afetivo e o ideológico” (p. 252).

Estão presentes na figura 5, da direita para esquerda: Teotônio Vilela (de costas e camisa listrada), Fernanda Amado, Luiza Ramos Amado (casada com James Amado), Anilda Leão (em pé), Carlos Moliterno (sentado perto de Anilda), Adalberon Cavalcanti (recuado), Ricardo Ramos (com cigarro na mão) e James Amado. Na figura 6, da direita para esquerda: Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Jorge Amado, Anilda Leão, Alfredo Machado (dono da Editora Record) Heloisa Medeiros Ramos, Teotônio Vilela e, por último, Rubem Braga.

Fonte: Arquivo pessoal de Carlos Alberto Moliterno.

Figuras 5 e 6 Encontro de intelectuais na casa de Teotônio Vilela. 

Anilda Leão fez parte da geração de mulheres que ousaram em seus escritos e em suas manifestações artísticas, tal como no cinema. A sua atuação nesses campos rendeu um valioso capital cultural. O seu objetivo era usar esses espaços para manifestar a sua crítica social, como ela mesma declarou na obra Eu em trânsito (2003): “Não quero tribunas de assembleias ou câmaras, enquanto eu tiver um cantinho de jornal para escrever”. Ela fez parte de um grupo de jovens mulheres burguesas local, porém tinha sua alma direcionada para o que era marginal, algo percebido em suas produções literárias e artísticas. Como acentua Chartier (2002, p. 56) a respeito da escrita do intelectual: “[...] a relação do texto com o real constrói-se de acordo com modelos discursivos e recortes intelectuais próprios a cada situação de escritura”.

Os seus escritos são voltados para suas vivências, memórias, mas também para as leituras do repertório literário dos seus pares, intelectuais que estavam presentes nas mesmas produções, editoras, universidades, secretarias de editoriais de revistas (esta última na revista maceioense Feira Literária (1962-63), da qual o seu esposo era, na época, secretário. Outrossim, manteve uma forte ligação com a família do escritor Graciliano Ramos, por meio de Heloísa (esposa) e Ricardo (filho), cineastas e donos de editoras.

Evidentemente, o reconhecimento dessa mulher feminista, mãe de família, atriz e escritora não estava limitado apenas ao seu círculo intelectual e dos seus partidos (movimentos/ideias) mas também pelas ações exercidas e suas tomadas de decisões diante de um cenário local e nacional, que ela nomeava de preconceituoso e reacionário. Seria Anilda uma integrante da “alta intelligentsia” alagoana? Em suas narrativas e até seus mais de 80 anos, essa mulher se apresentou, autêntica e irrefutavelmente original, cuja especialidade, mesmo inserida em um meio privilegiado, foi debater o social, o político, o cultural.

Fontes: Arquivo pessoal de Carlos Alberto Moliterno e o portal www.cadaminuto.com.br. Acesso em: 16 mai. 2022.

Figuras 7, 8 e 9 Anilda Leão em distintos momentos da sua vida 

As fotos acima expressam três fases da vida da escritora alagoana. Na primeira foto, está a Anilda em seus anos de estudante do conservatório Alagoano de Música, anos 50. A segunda foto ela está no Departamento de Assuntos Culturais (DAC), anos 80. E por último, Anilda com os seus mais de 86 anos.

Ainda assim, Anilda Leão, por meio da sua rede de sociabilidade, teve apoio e prestígio, em razão das condições favoráveis originadas por um contorno social específico. Como partícipe das suas múltiplas redes de sociabilidade (familiares, amizade e a imprensa), ela se colocava em contato com o mundo, no qual possibilitava criar uma sensibilidade e sua visão de mundo (GOMES, 2009). Embora reconheçamos que, possivelmente, as relações de Anilda Leão entre os seus pares e, em particular aqueles que detinham o poder, não tenham sido sempre pacífica (BOBBIO, 1997), ela buscou estratégias na luta pela sua legitimação em meio a microclimas, tensões e clivagens.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo da história, as mulheres foram (e continuam sendo discriminadas), sofriam (e ainda sofrem) violências físicas e mentais, de seus companheiros e da sociedade em si. Muitas continuam submissas aos mandatários e se sentem inferiores frente às representações do masculino. Diante das imposições enfrentavam (e permanecem enfrentando) dias difíceis porque não podiam fazer (e ainda não fazem) suas escolhas. Pelas pistas trazidas aqui, observamos que não cabe generalizar essa visão, pois, a partir das produções de Anilda Leão, constatamos que esta foi uma mulher que fez suas escolhas e encontrou apoio no marido e no pai. Muito possivelmente deve ter encontrado dificuldades para permanecer no lugar que buscou, mas, conforme os dados apresentados, ela soube subverter a ordem imposta pela sociedade machista.

Anilda Leão viveu durante uma época marcada pelas transformações no cenário socioeconômico, período em que, embora ainda se vissem fortes traços fortes do patriarcalismo, a proliferação de ações feministas teve impulso marcante. E ela se construiu nessa ambiguidade, tornando-se uma mulher que se destacou no cenário alagoano, participando ativamente das questões que envolviam cada vez mais o ser mulher. Uma dessas participações se deu ativamente na Federação Alagoana pelo Progresso Feminino, a partir da década de 50.

As fontes apresentadas para trazer Anilda Leão à tona foram capturadas na internet, onde há registros sobre ela e dela, dando pistas ao pesquisador para aprofundar sobre essa pessoa histórica. Tais fontes nos permitem perceber as suas redes de sociabilidades no trânsito das intelectualidades nas décadas finais do século XIX e no primeiro decênio do século XX. As fontes disponíveis nas redes do seu filho Carlos Alberto Moliterno mostram, por meio dos comentários das pessoas que conviveram e trabalharam com Anilda, como ela foi uma mulher imensa em tudo o que fez e se propôs a fazer. Os impressos (livros e jornais) também permitiram tais observações. Pequenas notas biográficas aludem à figura da mulher como sujeito histórico que registrou em contos, poesias e na arte cênica o seu posicionamento repleto de afeto, romantismo/sensualidade e humanidade.

Mediante a divulgação de pesquisa sobre mulheres nas últimas décadas no Brasil e no mundo, demos visibilidade a uma breve história de Anilda Leão, figura de expressiva representação nas Alagoas, em razão das diversas atividades que exerceu no âmbito cultural, da poesia, do conto, teatro, cinema, jornal e na gestão. Para tanto, aqui buscamos nos aproximar dessa mulher que ainda não tem estudos acadêmicos. Seus escritos merecem um aprofundamento por ter realizado, em diferentes fases de sua vida, possibilitando avançar no debate acerca das representações históricas da mulher no ocidente, com vistas ao fortalecimento da produção de conhecimento da recente história das mulheres e do esforço de descolonização da voz feminina.

1O Liceu Alagoano foi fundado em 1849, por meio de uma lei assinada pelo então presidente da província de Alagoas, Coronel Antônio Nunes de Aguiar, na cidade de Maceió. As aulas começaram em julho de 1849, porém, após 12 anos de funcionamento, o Liceu foi fechado. Em 1863, foi decretada sua reabertura; em fevereiro de 1864, as aulas foram reiniciadas e permanecem até hoje.

2Teve poemas publicados nos jornais: A Gazeta de Alagoas, A Notícia, O Semeador, O Diário do Povo, O Jornal de Penedo e Jornal de Alagoas. Também nas revistas: O Natal, Mocidade, Grupo Americanista de Intelectuais e Artistas, esta última do Uruguai.

3O conto Riacho Seco é inspirado em vivências (memórias) da sua infância e adolescência, durante as passagens na fazenda do seu avô, localizada em União dos Palmares, Alagoas. Nesse conto, ela traz um pouco da cultura e geografia alagoana, como a estação Barra do Canhoto, das festas de Nossa Senhora de Lourdes e a Casa Grande do seu avô, localizada no pé da Serra da Barriga.

4Filme vencedor do Prêmio da Crítica Internacional no Festival de Cannes, em 1984.

5Joaquim Alves de Oliveira Neto (1950), nasceu em São José da Laje, Alagoas. Produtor cultural, jornalista, professor, cineasta e artista plástico.

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Recebido: Maio de 2022; Aceito: Junho de 2022

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