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Revista Teias

versão impressa ISSN 1518-5370versão On-line ISSN 1982-0305

Revista Teias vol.23 no.71 Rio de Janeiro out./dez 2022  Epub 28-Fev-2023

https://doi.org/10.12957/teias.2022.71402 

É sobre ser professor(a): poéticas/pruridos de anunciação da formação docente nas políticas curriculares

É SOBRE SER PROFESSOR(A): poéticas/pruridos de anunciação da formação docente nas políticas curriculares

IT'S ABOUT BEING A TEACHER: poetics/pruritus of announcing teacher training in curriculum policies

SE TRATA DE SER DOCENTE: poética/prurito anunciador de la formación docente en políticas curriculares

Ana Cláudia da Silva Rodrigues1 
http://orcid.org/0000-0001-6621-1861; lattes: 6240637144545401

Carlos Eduardo Ferraço2 
http://orcid.org/0000-0002-4019-591X; lattes: 4231564319302829

1Universidade Federal da Paraíba

2Universidade Federal do Espírito Santo


Resumo

Nos dois últimos anos, durante a pandemia instaurada pela disseminação do vírus que ocasiona a doença Covid-19, vivenciamos as poéticas/pruridos da formação docente de modo mais intenso e em lugares antes inimagináveis. Inicialmente, nossas residências se transformaram em espaços de trabalho e os encontros formativos foram constantemente reinventados. Não mais tínhamos acesso as salas de aula, pátio escolar, corredores, espaços de lazer, banheiros, sons, cheiros, toques, olhares, gargalhadas ao vento, palavrões, gritarias, empurrões. Em meio as ausências de pessoas, sons e toques, coube a nós ressignificar os pruridos e transformá-los em poéticas, como forma de re-existência. Desafiar as políticas curriculares, que mesmo em tempos tão adversos, foram utilizadas para medir, contar, registrar, controlar. Insurgentemente insistimos nas linhas de fuga, desterritorialização e desestratificação como nos apresentam Deleuze e Guattari (1995, p. 11) para recriarmos as nossas atuações. Por isso, este dossiê se propôs a anunciar a alegria como potência de vida, os a-com-te-cimentos, des-dobramentos, (re)construindo sentidos, desentendimentos, (im)possibilidades, (des)encantos, que indagam o currículo, as políticas e o tempo de aprender. É sobre isto, é sobre nós. Destacamos que este texto faz a apresentação dos artigos que compõem a seção temática composta por vinte textos nacionais e dois internacionais que foram submetidos a revista e após aprovação, publicados. Enfatizamos que utilizamos enredamento de temas, categorias, e, às vezes, a perspectiva epistemológica dos autores para aproximar às discussões. Desejamos que possamos ao término da leitura ampliar o debate sobre ser professor(a) e esperançar.

Palavras-chave formação docente; currículo; poéticas; pruridos; políticas curriculares

Abstract

In the last two years, during the pandemic brought about by the spread of the virus that causes the Covid19 disease, we have experienced the poetics/ pruritus of Teacher Training more intensely and in previously unimaginable places. Initially, our residences became workspaces and training meetings were constantly reinvented. We no longer had access to the classrooms, schoolyard, corridors, leisure spaces, bathrooms, sounds, smells, touches, looks, laughter in the wind, swearing, shouting, pushing. In the midst of the absence of people, sounds and touches, it was up to us to reframe the pruritus and transform them into poetics, as a form of re-existence. Challenging curriculum policies, which even in such adverse times, were used to measure, count, register, control. Insurgently, we insist on the lines of flight, deterritorialization and destratification as presented by Deleuze and Guattari (1995, p. 11) in order to recreate our actions. For this reason, this dossier proposes to announce joy as a power of life, the bonding-with-you-cements, developments, (re)constructing meanings, misunderstandings, (im)possibilities, (dis)enchantments, which question the curriculum, policies and time to learn. It's about this, it's about us. We emphasize that this text presents the articles that make up the thematic section composed of twenty national and two international texts that were submitted to the journal and, after approval, published. We emphasize that we use the interweaving of themes, categories, and, sometimes, the epistemological perspective of the authors to approach the discussions. We hope that, at the end of the reading, we can broaden the debate about being a teacher and hope.

Keywords teacher education; curriculum; poetic; pruritus; curricular policies

Resumen

En los últimos dos años, durante la pandemia provocada por la propagación del virus que provoca la enfermedad Covid-19, hemos vivido la poética/prurito de la Formación del Profesorado con más intensidad y en lugares antes inimaginables. En un principio, nuestras residencias se convirtieron en espacios de trabajo y los encuentros de formación se reinventaban constantemente. Ya no teníamos acceso a las aulas, al patio de la escuela, a los pasillos, a los espacios de esparcimiento, a los baños, a los sonidos, olores, caricias, miradas, risas al viento, palabrotas, gritos, empujones. En medio de la ausencia de personas, sonidos y caricias, nos tocó a nosotros replantear los pruritos y transformarlos en poéticas, como una forma de re-existencia. Políticas curriculares desafiantes, que aun en tiempos tan adversos, sirvieron para medir, contar, registrar, controlar. Insurgentes, insistimos en las líneas de fuga, desterritorialización y desestratificación tal como las presentan Deleuze y Guattari (1995, p. 11) para recrear nuestras acciones. Por eso, este dossier se propone anunciar la alegría como fuerza de vida, los vínculos-contigo-cementos, desarrollos, (re)construcción de significados, malentendidos, (im)posibilidades, (des)encantos, que cuestionan el currículo, políticas y tiempo para aprender. Se trata de esto, se trata de nosotros. Destacamos que este texto presenta los artículos que componen la sección temática compuesta por veinte textos nacionales y dos internacionales que fueron sometidos a la revista y, tras su aprobación, publicados. Destacamos que utilizamos el entrecruzamiento de temas, categorías y, en ocasiones, la perspectiva epistemológica de los autores para abordar las discusiones. Esperamos que, al final de la lectura, podamos ampliar el debate sobre ser maestro y esperanza.

Palabras clave formación docente; currículum; poético; prurito; políticas curriculares

INTRODUÇÃO

Para Deleuze, só há pensamento quando algum tipo de força nos arranca do lugar, nos atravessa. Como defende o filósofo, no mundo há alguma coisa que nos violenta a pensar. Essa alguma coisa é o objeto de um encontro fundamental, como o que tivemos com a diversidade de textos que foram submetidos à seção temática que tem como título É sobre ser professor(a): poéticas/pruridos de anunciação da formação docente nas políticas curriculares.

Como proposto, o referido tema diz respeito às políticas educacionais das últimas décadas e como estas políticas foram produzidas a partir da influência de organismos multilaterais, permeadas com concepções privatistas, regulatórias e conservadoras e, ainda, com retrocessos concernentes às questões referentes ao financiamento, à avaliação, à gestão, ao currículo e à formação de professores.

Compreendemos que a formação é parte de um projeto político que pressupõe relações de poder-saber que precisam ser repensadas, sobretudo nas práticas epistemicidas que violam a cultura e o lugar do outro nos processos de decisão curricular. O currículo transpõe os marcos regulatórios de uma política de formação engendrada na lógica racional tecnicista pautada em evidências culturais internacionais, recorrentes na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (RODRIGUES, ALBINO, HONORATO, 2021). Corroboramos Süssekind (2019, p. 93) quando afirma que este modo de produzir conhecimentos anula “[...] a pluralidade do mundo e a diferença ontológica que nos torna humanidade”, criando um ser humano empresarial e polivalente, com pressupostos voltados para uma educação neoconservadora.

Justificamos a importância de conhecer estratégias criadas por docentes, silenciadas durante a elaboração de políticas, e que contribuem para suas (re)existências a partir de práticas mais humanas em seus cotidianos escolares. Sinalizamos que compreendemos (re)existência como possibilidade de (re)criação de versões autênticas, contextualizadas, que refletem necessidades formativas dos sujeitos e se contrapõem às imposições normativas instituídas pelos órgãos que orientam a educação no Brasil.

Nessa direção, defendemos que o contexto neoconservador, com disputas intensas pelo modelo societário e de formação humana, enseja uma visão de conhecimento delimitado, encaixotado e conservador, levando-nos a assumir que dúvidas, tensões, inquietações, contradições e pulsações de saberes-fazeres fazem da errância a fonte de vivificação do cenário onde se instituem práticas curriculares como práticas de autonomia, de democracia e de liberdade coletivamente construídas, ou seja, é sobre ser professor e descostumes que os textos a seguir se propõem a discutir.

Textos que, coletivamente, se instituem como possibilidades de resistência aos tempos cafetinos que temos vivido nos últimos anos. Tempos de obscuridades, cinismos, necropolíticas e guerras que produziram, continuamente, mais marginalizados e diaspóricos, mas em que, graças às múltiplas forças sorrateiras de resistência e de luta, a democracia se fez, mais uma vez, prevalecer com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva.

ANUNCIAÇÕES SOBRE SER PROFESSOR(A)

Nesse contexto de esperança política, abrimos a seção temática com o texto Ayolwa, a alegria de nosso povo: o livro Olhos d’Água, um fermento para a formação antirracista, da autoria de Flávia Paola Félix Meira e Julvan Moreira de Oliveira que nos convocam a refletir sobre as possibilidades da implementação das Diretrizes Curriculares da Educação das Relações ÉtnicoRaciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (DCNERER) na formação inicial e continuada de professores, a partir do livro Olhos d´Água, de Conceição Evaristo, como recurso didático.

A seguir, o texto de Tiago Amaral Sales, intitulado Quando o cartógrafo vai a campo: travessias e poéticas de um jovem professor, problematiza os trajetos percorridos entre o fim do doutorado e o (re)começo na docência no ensino básico, forjando escritas poéticas de uma docência-pesquisavida e(m) educação.

Também Davina Marques e Antonio Carlos Rodrigues de Amorim nos convocam a resistir com o texto Entre pensamentos sobre pesquisa e extensão, des-dobramentos curriculares, ao problematizarem, teórica e experimentalmente, projetos de pesquisa e extensão na escola pública, bem como seus des-dobramentos curriculares. Projetos esses relacionados à história e à cultura indígena, afro-brasileira e africana de língua portuguesa que destacam potências singulares no campo educacional e nos estudos sobre currículos.

Na continuação das problematizações evocados pela temática da seção, Márcea Andrade Sales, Maria Inez S. S. Carvalho e Maria Roseli G. B. de Sá apresentam o texto O a-com-tecer do currículo em um curso de especialização para professores em exercício, que se caracteriza como um relato crítico-reflexivo a partir da experiência curricular em um curso de especialização realizado no município de Irecê, Bahia, de modo a qualificar professores da rede de ensino. As autoras abandonam a ideia de aplicação/execução de um currículo pensado a priori, um currículodocumento, para apostarem na dimensão das atualizações de possibilidades, daquilo que a-comtece nos movimentos de um currículo-práxis.

Fabiana de Lima Peixoto, no texto Formação docente antirracista, pluriepistêmica, descolonizadora de saberes, interseccional é possível?, dedicou-se tanto a compreender as recentes licenciaturas de currículo interdisciplinar, intercultural e pluriepistêmico, decorrentes de políticas públicas inclusivas de expansão e interiorização das universidades públicas, quanto a articular um currículo possível para a Licenciatura Interdisciplinar em Antirracismo, Diversidade e Ecologia de Saberes, em solidariedade com sujeitos/as de territórios educacionais negros e indígenas. O estudo sinaliza para que os cursos de formação docente existentes contemplem a diversidade étnico-racial, a pluriepistemicidade e práticas antirracistas no currículo, nos fluxos pedagógicos e na gestão dos processos formativos.

Em seguida, Reinaldo Oliveira Menezes e Hellen Cristina Picanço Simas, com o texto Formação de professores indígenas no movimento da inclusão escolar no contexto amazônico amazonense, dedicam-se a analisar se há, nos projetos pedagógicos de Cursos de Formação de Professores Indígenas das Instituições Públicas de Ensino Superior do Estado do Amazonas, discussão sobre inclusão escolar de pessoas com deficiências, alertando ser preciso pensar uma política de educação especial intercultural, principalmente ouvindo os/as professores/as; os/as gestores/as; a comunidade indígena e a família.

Na esteira das referidas problematizações propostas pela seção temática, Mônica de Oliveira Costa, Caroline Barroncas de Oliveira e Mônica Silva Aikawa problematizam a proposta formativa presente na Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica no texto BNC - formação e cuidado de si: a (im)possibilidade de professorar. As referidas autoras o fazem a partir do conceito foucaultiano de cuidado de si, destacando modos de recusa e (de)formação docente. Aventam a necessidade de uma forma-ação que suscite deslocamentos, mobilizações, desnaturalizações de coisas cristalizadas por gerações, falas e gestos visíveis e automatizados sobre o ser professor e o ato de professorar no ensino superior.

Joelma dos Santos Rocha Trancoso, Juliana Melo Rodrigues Lucas e Antônio Henrique Pinto, com o texto Formação de professores: (re)construindo sentidos e fazeres na educação para as relações étnico-raciais, se dedicaram a compreender a produção de sentidos e desdobramentos no contexto de sala de aula de professores concluintes do curso Educação para as Relações Étnico-Raciais na rede municipal de ensino da Serra: promovendo a diversidade na escola, voltado para a valorização das diferenças, a partir das Leis n. 10.639/2003 e n. 11.645/2008 e, ainda, tendo como aposta um currículo decolonial crítico. Os autores destacam a importância da formação que aposta nos educadores enquanto sujeitos ativos do processo e a potência desses profissionais como agentes transformadores, que fomentam o desenvolvimento pessoal e social de crianças/estudantes, numa ótica sociocultural.

Ricardo Scofano e Thiago Ranniery, no texto Desentendimento na política curricular: um problema de sentido, desenvolveram um exercício de poder imaginar a política curricular de uma rede pública municipal de educação em seu quadrante notoriamente afetivo e sensível, entendendo-a como uma coreografia de afecções e expressões entre corpos de diferentes naturezas, sinalizando que a política de currículo se manifesta como um espaço-tempo de convergência e derrame da diferença.

Denise Moura Guerra e Roberto Sidnei Macedo, no escrito intitulado Chrysalis e tempos de paixões tristes: trans-formação e reexistência docente no PRP/UFBA, explicitam como o Programa Residência Pedagógica (PRP/UFBA) implica coletivos e instituições educacionais com os quais desenvolve o trabalho de formação e nos quais professoras/es (re)criam possibilidades outras de experienciar projetos institucionais de formação com experiências autorais de aprendizagem. Além disso, o estudo realça práticas formacionais progressistas, bem como argumenta em prol de ações autorizantes e generativas, destacando reexistências docentes nas quais emerge um evidente protagonismo de coletivos de professoras/es, transgredindo e ressignificando políticas de currículo e de formação docente marcadas pelo anacronismo e pelo instrumentalismo excludentes.

Késsia Mileny de Paulo Moura e Sérgio Roberto Kieling Franco, em O despertar para a docência como profissão: o que revelam as narrativas autobiográficas digitais, investigam a escolha da profissão docente por dois estudantes de pedagogia de uma universidade pública do Nordeste brasileiro, utilizando a produção, pelos participantes, de narrativa autobiográfica em formato audiovisual, como instrumento de geração e de análise de dados, adentrando-se nas trajetórias de vida relatadas por esses estudantes, que contam seus encontros com a docência. Encontros que os despertaram para a profissão docente nos interstícios da vida, nas situações, lugares e, principalmente, com pessoas (professores) que passaram e marcaram suas trajetórias.

O texto (Des)encantos da docência na pandemia e a alegria como potência de vida, de autoria de Rogério Machado Rosa, Marta Corrêa de Moraes e Simone Vieira de Souza, problematiza os encontros realizados no projeto Acolhe PIBID, que promoveu grupos de atenção psicossocial em Educação e Saúde para professoras e demais trabalhadoras de uma escola estadual da Grande Florianópolis, durante a pandemia da Covid-19. Essa experiência, produzida com estudantes do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) do curso de Pedagogia da UFSC, buscou atender a demanda de escuta e diálogo sobre aflições da/na docência durante a pandemia, produzindo redes de cuidado e proteção e afirmando a alegria como potência de vida.

Kacia Neto de Oliveira, Maria Aparecida Oliveira de Carvalho e Maria Ione Feitoza Dolzane, com o texto O cenário pandêmico e suas implicações na educação básica: uma análise da experiência do Amazonas no ensino remoto, buscaram identificar desafios do ensino remoto no desenvolvimento da função da escola, bem como da continuidade e/ou descontinuidade dos processos pedagógicos por ela desenvolvidos, evidenciando como os estudantes, docentes e gestão escolar da rede estadual envolvidos desenvolveram estratégias pedagógicas que pudessem, de alguma forma, alcançar os cerca de 415.000 estudantes matriculados na rede estadual de ensino.

Na esteira das discussões étnico-raciais, Tiago Soares Marques e Deivison Moacir Cezar de Campos trazem o texto Branquitude e formação de professores de História nas diretrizes curriculares nacionais, analisando como a branquitude se inscreve nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de professores e, em particular, na formação de professores de História. O estudo esboça que as atuais diretrizes não contribuem para a problematização da branquitude como estrutura de poder e, ainda, da História como instrumento desse poder, enfatizando a necessidade de maior aprofundamento e articulação com a educação das relações étnico-raciais para uma efetiva mudança da realidade social.

Camilla Rubim de Assis e Márcio Antônio Raiol Santo, no texto O impacto das políticas curriculares na formação docente e a quebra da autonomia do(a) educador(a): uma análise crítica à luz da perspectiva freireana, analisaram criticamente o ser professor/a no contexto atual da formação e do trabalho docente, com o objetivo de compreender, com base em Paulo Freire, de que forma a autonomia docente pode ser influenciada ou até mesmo subvertida pelas políticas curriculares, tomando-se como exemplo a implantação da Base Nacional Comum Curricular para a Educação Básica (BNCC) e a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNC-Formação). O estudo acena para as possibilidades de transgressões, de ousadias, de resistências a partir de recontextualizações e reinterpretações das políticas curriculares, visando ao fortalecimento da atuação do/a professor/a da educação básica e ao resgate de sua identidade e autonomia em um cenário cada vez mais desafiador.

Geuciane Felipe Guerim Fernandes e Estéfani Dutra Ramos, ao refletirem acerca de algumas particularidades Sobre ser professor na educação infantil: caminhos, concepções e perspectivas, delinearam, também, algumas discussões necessárias à formação de professores/as que atuam na educação infantil, nos convocando a pensar as concepções de atendimento às crianças ao longo da história, bem como suas influências na formação e atuação de professores/as até os dias de hoje, enfatizando a necessidade de um processo formativo que envolva reflexão e ação, no qual se constitui a práxis docente.

Em continuação às problematizações propostas pela seção temática, Isabel Cristina Hentz e Juares da Silva Thiesen apresentam o texto O lugar docente na política curricular: um debate a partir dos Institutos Federais, identificando, no âmbito de diferentes tradições teóricas que tratam do currículo, espaços de atuação de professores/as na produção de políticas curriculares, trazendo para a discussão o modo como os Institutos Federais organizam suas (micro)políticas curriculares, e situando a participação de seus docentes. Além disso, o estudo destaca a teoria da resistência e abordagens pós-críticas como aquelas que parecem oferecer referenciais com maior ênfase no protagonismo do trabalho docente na política curricular.

O texto Política curricular do novo ensino médio: tecnologias da governamentalidade neoliberal, da autoria de Gonçalves de Oliveira Dourado e Shirlei Rezende Sale, tematiza como as tecnologias da governamentalidade neoliberal se movimentam em função do controle das práticas docentes mostrando, inclusive, que políticas educacionais funcionam como mecanismos dessa governamentalidade e que esses mecanismos produzem aceitabilidade entre indivíduos quando algumas táticas são acionadas. O estudo foi pautado pelo pensamento do filósofo Michel Foucault, mostrando que o funcionamento desses mecanismos de governo está atrelado ao campo jurídico, de modo que se elabora todo um conjunto alinhado de normativas, oficializando o discurso neoliberal no campo da educação.

Soraya Cunha Couto Vital e Sonia da Cunha Urt, no texto que tem como título BNCC e as competências socioemocionais: uma análise crítica às propostas de formação continuada, discutem a formação continuada de professores sustentada pelos fundamentos da BNCC - a teoria das competências e das habilidades, a partir do olhar da Psicologia Histórico-Cultural. A análise salienta que, para favorecer a leitura da realidade pelos professores, é preciso uma formação consistente, que revele e estabeleça relações dialéticas entre desenvolvimento e aprendizagem, cognição e afetividade, constituindo, dessa forma, um contraponto ao determinismo emocional de ser, fazer e existir ou voltar a existir no corpus do contexto escolar.

Para finalizar as valiosas contribuições propostas à seção temática, Ramona Graciela Alves de Melo Kappi e Darlize Teixeira Mello apresentam o texto O tempo de aprender e os embates políticos e conceituais, no qual analisam embates políticos e conceituais do curso de formação continuada do programa Tempo de Aprender, tendo como pano de fundo a Política Nacional de Alfabetização (PNA), buscando problematizar a retomada da instrução fônica como única forma de alfabetizar.

CONSIDERAÇÕES

O texto teve como objetivo apresentar os artigos que compõem a seção temática da Revista Teias intitulada É sobre ser professor(a): poéticas/pruridos de anunciação da formação docente nas políticas curriculares. O tema central discutido - a docência - reveste-se de novas significações a partir das adversidades políticas, sociais, econômicas e de saúde de que a categoria profissional foi acometida nos últimos anos no Brasil. Os autores, a partir da proposição, trouxeram para o debate pesquisas que versaram sobre formação antirracista, travessias poéticas, pesquisa-extensão, descolonização, branquitude, formação de professores indígenas, (im)possibilidade de professorar, sentidos e fazeres da educação antirracista, trans-formação e resistência docente, além de análise sobre pruridos das políticas curriculares para a educação infantil, para o novo ensino médio, educação profissional, BNCC, e, ainda, a quebra da autonomia docente a partir da perspectiva freiriana.

Encerramos, informando que foram submetidos mais de 50 textos; destes, 20 nacionais e 1 internacional foram aprovados para publicação e estão disponíveis para leituras, encontros, consultas, análises, concordâncias e discordâncias. Enfatizamos que utilizamos o enredamento de temas, categorias e, algumas vezes, a perspectiva epistemológica, para aproximar as discussões dos autores. Desejamos, enfim, que possam, ao término da leitura, ampliar o debate sobre ser professor(a) e esperançar, afinal a primavera chegou em 30 de outubro de 2022 e, conforme nos convida Buarque (1987), “Talvez num tempo da delicadeza” que se aproxima, seja possível “Sonhar e a cantar, sem lei nem Rei!” (SUASSUNA, 2021).

REFERÊNCIAS

BUARQUE, Chico. Todo o sentimento. Disco Francisco, 1987. [ Links ]

DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs (Capitalismo e Esquizofrenia). v. 1. 1. ed. Trad. Aurélio Guerra Neto e Célia Pinto Costa Editora. São Paulo: Ed. 34, 1995. [ Links ]

RODRIGUES, Ana Cláudia da Silva; ALBINO, Ângela Cristina Alves; HONORATO, Rafael Sousa Ferreira. Disputas curriculares em torno da formação inicial e continuada no Brasil: anunciações políticas das entidades científicas. p. 1486-1505. Currículo sem Fronteiras, v. 21, n. 3, set./dez. 2021. [ Links ]

SUASSUNA, Ariano. A infância. Disponível em https://livroerrante.blogspot.com/2021/06/ainfancia-ariano-suassuna.html. Acesso em 22 nov. 2022. [ Links ]

SÜSSEKIND, Maria Luísa. A BNCC e o novo Ensino Médio: reformas arrogantes, indolentes e malévolas. p. 91-107. Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 13, n. 25, jan./mai. 2019. Disponível em https://doi.org/10.22420/rde.v13i25.980. [ Links ]

Recebido: 1 de Outubro de 2022; Aceito: 1 de Novembro de 2022

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