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Revista Teias

versión impresa ISSN 1518-5370versión On-line ISSN 1982-0305

Revista Teias vol.23 no.71 Rio de Janeiro oct./dic 2022  Epub 28-Feb-2023

https://doi.org/10.12957/teias.2022.70283 

É sobre ser professor(a): poéticas/pruridos de anunciação da formação docente nas políticas curriculares

AYOLUWA, A ALEGRIA DE NOSSO POVO: o livro Olhos d’Água, um fermento para formação antirracista

AYOLUWA, THE HAPPINESS OF OUR PEOPLE: the book Olhos D’água, a yeast for antiracist educationAbstract

AYOLUWA, LA ALEGRIA DE NUESTRA GENTE: el libro Olhos d’Água, una levadura para la formación antirracista

Flávia Paola Félix Meira1 
http://orcid.org/0000-0002-5851-3090; lattes: 7834711666289705

Julvan Moreira de Oliveira2 
http://orcid.org/0000-0003-1815-6268; lattes: 0381026342612680

1Universidade Federal de Juiz de Fora

2Universidade Federal de Juiz de Fora


Resumo

O presente trabalho propõe refletir sobre as possibilidades da implementação das Diretrizes Curriculares da Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (DCNERER) na formação inicial e continuada de professores, a partir do livro Olhos d’Água, de Conceição Evaristo, como recurso didático. A escolha da autora foi inspirada nas reflexões e incômodos apresentados por Anzaldúa (2000) em, “Falando em línguas: uma carta para as mulheres escritoras do terceiro mundo”, um texto que convida as mulheres de cor do terceiro mundo a escreverem, expondo as dificuldades e atravessamentos neste caminhar, funcionando como uma estratégia também de libertação. A proposta consiste em identificar como algumas recomendações e objetivos presentes nas DCNERER, que pleiteia sobre a construção de um currículo mais plural e diverso, podem ser abordadas a partir do livro Olhos d’Água como recurso didático em sala de aula ou em processos de formação de professores, criando espaços seguros de fala e de reflexões críticas. Como encaminhamentos, reforçamos e endossamos que, para a construção de um currículo que consiga abarcar o que as DCNERER propõem, é preciso permitir que vozes como a de Conceição Evaristo ecoem e anunciem, ocupando lugares dos grandes chamados cânones, combatendo o epistemicídio e contracolonizando este território de poder e disputa, seja no ensino superior, ou na educação básica.

Palavras-chave: currículo; formação docente; DCNERER

Abstract

This work aims at reflecting on the possibilities of applying the Teaching Afro-Brazilian History and Culture and the National Curriculum Guidelines for Ethnic-Racial Relations Education (DCNERER) in both initial and continuing teacher education from the use of Conceição Evaristo’s book, Olhos d’Água, as a didactic resource. We chose this author based on the reflections and troubles presented by Anzaldúa (2000) in her paper titled “Falando em línguas: uma carta para as mulheres escritoras do terceiro mundo”, which invites black women to write so that they can show their difficulties and burdens along the writing process as a strategy of deliverance. Our proposal consists of identifying how some goals and recommendations in the DCNERER, which claim for the construction of a more plural and diverse curriculum, can be approached from the use of the book Olhos d’Água as a didactic resource in the classroom or in teacher education programmes, creating thus a space for healthy debates and critical reflections. In order to build a curriculum that can embrace what the DCNERER suggests, it is necessary to allow the voices like Conceição Evaristo’s echo and announce their existence, occupying those places of the so-called canon works, fighting against the epistemicide and counter-colonizing such territory of power and dispute, be it either in higher education or in basic education.

Keywords: curriculum; teacher education; DCNERER

Resumen

El presente trabajo propone una reflexión sobre las posibilidades de implementación de las Directrices del Currículo para la Educación de las Relaciones Étnico-Raciales y para la Enseñanza de la Historia y Cultura Afrobrasileña y Africana (DCNERER) en la formación inicial y continua de profesores, a partir del libro Olhos d’Água, de Conceição Evaristo, como recurso didáctico. La elección de la autora se inspiró en la reflexiones y molestias presentadas por Anzaldúa (2000) en “Hablando en lenguas: una carta a los Escritoras del Tercer Mundo”, un texto que invita a las mujeres de color de esa región a escritura, exponiendo las dificultades y cruces de este camino, funcionando como estrategia de liberación. La propuesta es identificar cómo algunas recomendaciones y objetivos presentes en la DCNERER, que aboga por la construcción de una sociedad más plural y diversa, puede ser abordada desde el libro Olhos d’Água como recurso didáctico en el aula o en los procesos de formación docente, generando espacios seguros de palabra y reflexión crítica. Como referentes, reforzamos y avalamos que para la construcción de un currículo capaz de abarcar lo que propone la DCNERER, es necesario permitir que voces como la de Conceição Evaristo hace eco y anuncia, ocupando lugares de los grandes llamados canónigos, combatiendo epistémicamente y "contracolonizando" este territorio de poder y disputa, ya sea en la enseñanza de educación superior o en la educación básica.

Palabras clave: currículo; formación docente; DCNERER

FERMENTANDO O PÃO

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africanas (DCNERER, BRASIL, 2013) foram publicadas em 2004, em decorrência da Lei n. 10.639 (BRASIL, 2003) que tornou obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira na Educação Básica. As DCNERER é um documento robusto que, além da obrigatoriedade do tema na formação dos professores e na educação básica, é composto por orientações que buscam apoiar a luta antirracista no país, por meio do fortalecimento da identidade negra, as políticas de reparação e de ações afirmativas.

Diante da demanda que o documento apresenta, destacamos a importância de repensar prioritariamente a formação docente. Assim, no âmbito da formação inicial, a reformulação curricular torna-se um dos encaminhamentos principais para a inserção das DCNERER, onde além de proporcionar acesso ao conteúdo, precisa também abordar sobre os desafios e atravessamentos que estão em relevo neste debate, uma vez que o racismo é uma das ferramentas estruturantes da desigualdade e violência da nossa sociedade, causando danos psicossociais e emocionais, que resultam em dores e doenças psíquicas (KILOMBA, 2019; BENTO; 2002; PIEDADE 2017; FANON, 2008). Fanon (2005, p. 285-357) identificou uma série de “distúrbios mentais” em razão da colonização.

Além disso, os discursos sobre as relações étnico-raciais passam por diferentes vertentes teóricas, tornando-se complexo o debate sobre a superação do racismo. Oliveira (2010, p. 90-135), ao realizar um “trajeto de estudos sobre o negro no Brasil”, aponta para quatro vertentes no Brasil. A primeira, com base teórica no evolucionismo social, preconiza a inferioridade do negro e do indígena frente ao branco, abordando a categoria “negro” como “expressão de raça”, no sentido biológico. A segunda, com base funcionalista e/ou culturalista, compreende a inexistência do preconceito étnico-racial, defendendo que no Brasil há uma “democracia racial”, em que negros, brancos e indígenas, “expressões de cultura”, convivem de forma harmoniosa, gerando uma identidade nacional mestiça. A terceira, subordinando a questão étnico-racial à questão econômicosocial, defende que o preconceito contra negros e indígenas se deve ao fato da maioria desses serem pobres, por pertencerem às classes sociais mais baixas. Por fim, aponta que raça é determinante nas relações sociais, abordará as produções culturais negras, seja no campo das religiões de matrizes africanas, seja nas lutas de resistência ou mesmo da identidade.

Ao considerarmos a terceira vertente apontada acima, o debate recai sobre a classe social, em que não só se elimina a questão étnico-racial da discussão, mas o branco também não se vê racializado e muita das vezes define quem é o outro, no seu lugar de ser, poder e saber.

Na verdade, o legado da escravidão para o branco é um assunto que o país não quer discutir, pois os brancos saíram da escravidão com uma herança simbólica e concreta extremamente positiva, fruto da apropriação do trabalho de quatro séculos de outro grupo. Há benefícios concretos e simbólicos em se evitar caracterizar o lugar ocupado pelo branco na história da Brasil. Este silêncio e cegueira permitem não prestar contas, não compensar, não indenizar os negros: no final das contas, são interesses econômicos em jogo (BENTO, 2002, p. 3).

As estratégias de voltar o debate para as desigualdades de classe e não raça, desvela também o medo branco em reconhecer o seu lugar de privilégio. Lembrando que o termo raça aqui utilizado, refere-se a um conceito social e político e não biológico (MUNANGA, 2003). Ainda assim, a mentalidade colonizadora a qual estrutura os Institutos de Ensino Superior (IES) dificulta essa abordagem, o que demanda a abertura para que novas epistemologias, mestres e sujeitos tenham espaço neste território.

Segundo Carvalho (2020, p. 85-86), nossas universidades foram chocadas por uma versão francófona, por uma elite branca europeia que se misturou com uma elite branca colonial e excludente, levando-nos a incorporar como uma universidade europeia funciona e mesmo passado os anos, as diversas ações, políticas públicas, reorganizações e, mais recentemente, a expansão pelo Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais - REUNI, o tema da descolonização do espaço e do currículo é pouco debatido. Dessa forma, uma vez que toda política curricular é fruto de uma produção cultural e de seleção de saberes torna-se urgente realizar o que Bispo do Santos (2019, p. 27) chamou de contra-colonização, transfluir, fazendo alianças com os indígenas, quilombolas, povos de terreiro etc., com os denominados os “outros”, uma vez que as universidades são as chocadeiras do ovo do colonialismo, sendo preciso fazer estes ovos chocarem. Arroyo (2014) chama atenção aos novos sujeitos e as novas pedagogias, que devem confrontar as pedagogias gestadas no padrão de ser e poder que, silenciaram e alocaram negros, indígenas, quilombolas, favelados etc. em lugares subalternizados. Cabendo então as IES, o desafio da decolonialidade, na constituição do ser - tempo e espaço, poder - estrutura e cultura e saber - objetividade e metodologia (TORRES, 2020).

A fim de auxiliar no rompimento dessa estrutura, fortificada pelo chamado pacto da branquitude (BENTO, 2002), recorremos a Grada Kilomba (2019), que reflete sobre o percurso da conscientização coletiva quanto as práticas racistas e seus possíveis embates. As etapas desse percurso refletem os mecanismos de defesa dos brancos no processo de se colocar para escuta aos não-brancos, aqui identificados como negros (embora haja também os indígenas ou povos originários), sendo a soma de pretos e pardos, que segundo Munanga (1999) são agrupados em destaque no discurso a fim de fortalecer uma necessidade política e identitária. Todos estes mecanismos de defesa, se bem identificamos, podem contribuir nas possíveis implicações no processo da formação docente, como para as ações de envolvimento da comunidade no que tange às DCNERER, sendo este dividido nas seguintes etapas: negação, vergonha, culpa, reconhecimento e reparação.

Em sua obra, “Memórias da Plantação”, Kilomba inicia fazendo referência a máscara de flandres, mecanismo de violência, utilizado como forma de punição e silenciamento, por meio da figura de mulher escravizada Anastácia. De acordo com a autora, a nossa boca é nosso símbolo de resistência, onde nos alimentamos e falamos, é o que anuncia, e ao nos calar, simboliza das mais violentas formas de desumanização, inviabilizando que o negro possa ter o que seria do homem branco, como se este fosse seu único desejo e vontade (2019, p. 33-34). Fanon (2008) traz uma contribuição sobre este fato, ao abordar sobre a zona do não ser que, segundo o autor, o homem negro não desfruta desse mergulho ao verdadeiro inferno, onde pode ressurgir, permanecendo o querer em ser branco, seu único destino, fortalecendo o que Kilomba denomina etapa de negação, a primeira a ser rompida. Ao negarmos o racismo, contribuímos em aprovar o lugar do negro naquele que quer “roubar” o que é do branco, na prática é semelhante a frases como - não somos racistas.

No campo da educação, ações e discursos que corroboram com a negação são muitos naturalizados, impactando exclusivamente na defesa e construção de políticas públicas de reparação, como as ações afirmativas, particularmente a políticas de cotas etc., que deveria ter passado por uma reavaliação no ano de 2022, como preconizava a Lei nº 12.711 (BRASIL, 2012). De acordo com o Relatório da “Pesquisa sobre a implementação da política de cotas raciais nas universidades federais”, desenvolvida pela Associação Brasileira de Pesquisadores Negros e o Grupo de Trabalho de Políticas Etnorraciais da Defensoria Pública da União (ABPN, 2022), que propôs o monitoramento da Lei 12.711, é possível apontar avanços, mas também os desafios que estão postos antes e após a inserção da Lei. Entre os indicadores, o relatório traz o número de heteroidentificação, processo de análise quanto a autodeclaração com bases fenotípica, recusadas entre os anos de 2016-2021, pelas Universidades respondentes de 4,5%, um número que, de acordo com o relatório pode estar atrelado a não realização da banca devido a adoção gradual do processo. Este indicador confirma a urgência da revisão dos currículos e práticas docentes, uma vez que o trabalho de autodeclaração corrobora no reconhecimento da identidade.

Em seguida, atravessamos as etapas de culpa e vergonha, que atesta o discurso que todos somos humanos, fortalecendo a ideia de unidade, nação, universalista, mono, dificultando o debate sobre as diversidades, a diferença e a identidade. Neste caso, o lugar do outro ainda predomina as visões binárias e hierárquicas. De acordo com Silva (2014, p. 83), “questionar a identidade e a diferença como relações de poder significa problematizar os binarismos em torno dos quais elas se organizam”. Na perspectiva da educação das relações étnico-raciais, as DCNERER chamam atenção quanto a complexidade que envolve a construção da identidade negra em nosso país e o quanto o negro, no lugar de outro, foi colocado como no lugar de desvalorização (BRASIL, 2013, p. 89).

Já na etapa da vergonha, o branco começa a perceber e reconhecer seus privilégios, se vendo de forma racializada, o que não é comum quando se aborda o debate sobre pessoas brancas, pois “evitar focalizar o branco é evitar discutir diferentes dimensões do privilégio” (BENTO, 2002, p. 3). Este processo de reconhecimento de privilégio é um dos mais relevantes quando pensamos em políticas de apoio na luta antirracista, desembocando para as etapas seguintes de reconhecimento e reparação. Munanga (2009) também discorre sobre as várias estratégias utilizadas a fim de apagar a identidade negra e o reconhecimento de sua negritude, e que de alguma forma dificulta também o trabalho dentro do ambiente escolar, que ele denomina de assimilação da cultura do branco. Essas vão desde as formas utilizadas no embranquecimento, em destaque passando pelo cabelo e forma de se vestir, ligados diretamente ao corpo e as formas de se falar e se relacionar que passam a ser referências para a população negra como ideais.

Por fim, percebemos o quanto a consciência racial e o fortalecimento da identidade negra são condições essenciais para a implementação das DCNERER, lidando positivamente com elas, seja na formação inicial, continuada ou na educação básica, demandando planejamento, tempo e trabalho (BRASIL, 2013, p. 91). E como forma de contribuir neste processo, inspiramos nas provocações e incômodos trazidos por Anzaldúa em “Falando em línguas: uma carta para as mulheres escritoras do terceiro mundo” (2000). Nele, a autora aborda sobre os privilégios brancos e a invisibilidade das mulheres de cor na literatura, como são rotuladas e a relevância de priorizar suas próprias escritas.

Por que sou levada a escrever? Porque a escrita me salva da complacência que me amedronta. Porque não tenho escolha. Porque devo manter vivo o espírito de minha revolta e a mim mesma também. Porque o mundo que crio na escrita compensa o que o mundo real não me dá (...). Não é no papel que você cria, mas no interior, nas vísceras e nos tecidos vivos, chamo isso de escrita orgânica (...). Eu digo, mulher mágica, se esvazie. Choque você mesma com novas formas de perceber o mundo, choque seus leitores da mesma maneira. Acabe com os ruídos dentro da cabeça deles (ANZALDÚA, 2000, p. 229-235).

Além de Anzaldúa (2000), outras autoras também contribuem sobre a importância do falar, escrever e ouvir como estratégia de resistência e luta, entre elas, bell hooks (2019, p. 38-39) que nos fala sobre a transição do silêncio para fala, sendo um desafio de cura e de vida nova, nos tornando sujeitos, Audre Lorde, abordando a questão da raiva como fala, onde seja por dela ou da linguagem, é preciso externá-la, transformando em ação, mesmo que venha carregada de medo e perigo. “Meus silêncios não me protegeram. Seu silêncio não vai proteger você (...) E é claro que tenho medo, porque transformar do silêncio em linguagem e em ação é um ato de revelação individual, algo que parece estar sempre carregado de perigo” (2020, p. 53). Spivack (2010) contribui significativamente para pensarmos sobre quem fala e quando fala, a partir do lugar do subalterno e onde ele é colocado no discurso do ocidente, quem sabe e como fala desse outro. E entre outras tantas outras, anunciamos, trazemos e ouvimos, Evaristo (2017) que faz da escrita como ferramenta de luta e de busca de justiça: “[...] nós não escrevemos para adormecer a casa-grande, pelo contrário, é para acordá-los dos seus sonos injustos” (EVARISTO, 2018).

Assim, buscamos a partir do livro Olhos D´água de Conceição Evaristo, como recurso pedagógico, criar espaços que oportunizem fortalecer o reconhecimento da identidade negra e o acesso à História Africana e Afro-Brasileira junto a estudantes do Ensino Médio da educação básica e como possibilidade de problematizar alternativas inserções do tema no currículo e formação docente, territórios estes de disputa de espaço e poder (ARROYO, 2013; SILVA, 1999). Cintra (2019, p. 234), também corrobora sobre os desafios que estão postos para o estudante do Ensino Médio em destaque a juventude negra, fomentado pelo silenciamento de sua história, anulamento da estética negra, os estereótipos negativos etc.

A PROPOSTA DA PRÁTICA: A ALEGRIA DO NOSSO POVO

O livro Olhos D´água, que ficou em terceira posição em contos do prêmio Jabuti em 2015, é formado por quinze contos, a maioria narrados na terceira pessoa, trazendo histórias de mulheres e jovens negros periféricos, que mesmo diante de situações de conflitos, dores e muita dificuldade, apontam caminhos de luta e resistência, com destaque para uma valorização da comunidade, das ações coletivas, ancestralidade, família etc. Evaristo (2017), ao longo das cento e poucas páginas, nos convida a ocupar o lugar de fronteira da formação, da sala de aula - o entre-lugar - “[...] fornecendo um terreno para a elaboração de estratégias de subjetivação - singular ou coletiva” (BHABHA, 2013, p. 20) e transformar narrativas do cotidiano, da população negra periférica como lugar de enunciação, de reexistir e insurgência, olhar de frente no estranhamento, não comum, mergulhando no lugar de não ser (FANON, 2018), mesmo diante do medo que a possibilidade da escrita também nos coloca (LORDE, 2020). “Escrever é perigoso porque temos medo do que a escrita revela: os medos, as raivas, a força de uma mulher sobre opressão tripla ou quádrupla. Porém, neste ato reside nossa sobrevivência, porque uma mulher que escreve tem poder. E mulher com poder é temida” (ANZALDÚA, 2000, p. 234).

Ainda sobre o escrever, no conto “A gente combinamos de não morrer”, presente no livro, Bica, uma das personagens, escreve: “[...] escrever funciona para mim como febre incontrolável’ (EVARISTO, 2017, p. 107). No trecho, Bica explica que adora escrever, que adorava ver as palavras dependuradas no varal das linhas, e em parte dele, Bica narra sobre um episódio envolvendo a escrita quando tinha oito anos:

Um dia na escola, com meus sete ou oito anos, a professora passou um exercício. Era o de dividir as palavras em sílabas e partir daí formar novas palavras. Eu já estava de saco cheio (...). Para desconcertar a moça, pedi para ir ao quadro escrever as que eu tinha formado. Escrevi pó, zueira, maconha. E fui escrevendo mais e mais. Craque, tiro, comando leste, oeste, norte, sul vermelho e verde também. Na verdade, naquele momento, eu já estava arrependida e queria voltar para o meu lugar. Se é que tenho algum (EVARISTO, 2017, p. 108).

Ao encerrar a frase com, “se é que tenho algum”, algum lugar em sala, na escola, nos leva a indagar sobre que lugar estamos possibilitando, construindo para nossa juventude negra, tanto na escola, como fora dela, o quanto estamos encorajando a escrever/falar. Diante de políticas curriculares ainda conservadoras, muitas das vezes ambíguas e ausentes de sentidos, que interferem e amparam a prática docente, prevalecendo o valor de troca e não de uso, não sendo capazes de construir sujeitos globais e locais em luta contra desigualdades (LOPES, 2004), como possibilitar que as várias e vários Bicas se sintam sujeitos e parte destes territórios, que falem/gritem, e que suas vozes possam soar, fazendo surgir outros corpos, outras narrativas.

O nome, Ayoluwa, a alegria do nosso povo, que abre nosso texto, veio do título de um dos contos do livro com o mesmo nome. Escrito em primeira pessoa, o conto narra sobre o desânimo dos mais velhos em viver, das dificuldades e falta de esperança, se encontrando em um estado de verdadeiro banzo que, em um segundo momento são contagiados pela esperança ao saber, por meio de Bamidele, a mais jovem da comunidade que anuncia que teria um filho, assim “[...] todos engravidaram da criança nossa”, é hora de esperançar (EVARISTO, 2017, p. 113). O enredo, protagonizados por uma comunidade negra, em sua maioria com nomes de origem africana, demonstra o quanto a possibilidade de uma nova vida, faz renascer a esperança.

Ayoluwa, alegria do nosso povo, continua entre nós, ela veio não com a promessa da salvação, mas também não veio para morrer na cruz. Não digo que esse mundo desconsertado já se acertou. Mas Ayoluwa, alegria de nosso povo e sua mãe, Bamidele, a esperança, continuam fermentando o pão nosso de cada dia. E, quando a dor vem encostar-se a nós, enquanto um olho chora, o outro espia o tempo procurando a solução (EVARISTO, 2017, p. 114).

Neste caminhar, acreditamos que combater o racismo na educação é uma das formas de proporcionar a alegria do nosso povo, fermentando esperança em nossa juventude negra, possibilitando espaços para debates quanto ao gênero, raça e classe de forma intersecional, emancipatório, transformadores, bem como de reflexão sobre a experiência de ser jovem negro no Brasil.

E tanto no currículo, como na formação docente, inserir o tema da educação das relações étnico-raciais, demanda ainda lidar com o racismo que a colonialidade engendrou nestes territórios. E como o tema, historicamente não transita ou ocupa estes espaços, haja vista a história da construção dos IES no país (CARVALHO, 2020) a inserção aborda campos de forças ainda maiores. Corroborando com essa problematização, Goodson (1990), disserta sobre os desafios da construção de uma disciplina acadêmica, segundo o autor, o fato de um tema já existir dentro da proposta curricular, ainda que de forma optativa, faz com que a rota no interior da grade curricular seja menos contestada, dolorosa e prolongada. Porém, no caso do tema das DCNERER, que muitas das vezes não ocupam estes espaços, a inserção terá obstáculos muito maiores. Abrindo um parêntese, aqui referenciamos como possibilidade de disciplina, mas é importante destacar que a Resolução nº 01/2004 (BRASIL, 2013) que normatiza a obrigatoriedade do tema no ensino superior não define como este precise ser realizado.

Um segundo desafio, é sobre preparo e segurança que os docentes precisam para abordar os temas, uma vez que perpassa o campo das subjetividades, de expor privilégios, questionando o acordo tácito entre os brancos em não se reconhecerem como parte responsável pelas desigualdades raciais no Brasil. Neste caso, é preciso que se evite a improvisação, para que não se tenha efeito contrário e fortaleça ainda mais o racismo em uma perspectiva diferencialista ou assimilacionista (MCLAREN, 1997; GONÇALVES; SILVA 1998).

Para reeducar as relações étnico-raciais, no Brasil, é necessário fazer emergir dores e medos que têm sido gerados (...). Para obter êxito, a escola e seus professores não podem improvisar. Têm que desfazer mentalidades racistas e discriminatórias secular, superando o etnocentrismo europeu, reestruturando relações étnico-raciais e sociais, desalienando processos pedagógicos (BRASIL, 2013, p. 87-88).

Dessa forma, na busca de garantir que o trabalho proposto tenha o melhor êxito, antes de iniciarmos a leitura dos contos, diante dos possíveis atravessamentos que possam surgir, metodologicamente nos aproximamos de Sousa (2015) realizando um preparatório, com uma sondagem sobre o que os estudantes sabem em relação a autora, que em cem por cento dos casos realizados é desconhecida. Nesta oportunidade, instigamos a reflexão sobre a visibilidade de autoras negras, as formas de apagamento histórico, a memória como ferramenta de poder e a subalternização do outro, culminando no conceito de epistemicídio - genocídio da episteme - que funcionou e “funciona como ferramenta de subalternização e marginalizar práticas e grupos sociais, sendo considerado como um dos grandes crimes contra humanidade” (SANTOS, 1994, p. 283).

Em paralelo, refletindo sobre a ação do escrever, aprofundamos nos assuntos que permeiam a sociedade, utilizando como estratégia a história dos próprios jovens, uma vez que recorrer ao seu cotidiano possibilita que o estudante se veja como sujeito nos processos e nas ações.

Neste momento surgem pautas como a relação de trabalho, familiar, acessos, educação medos e angústias etc. Olhar e falar de nossas histórias, contribuiu significativamente para construção de nossa identidade que, segundo Munanga (2009) corrobora para reconhecer a própria negritude, como também escrever sobre ela, chamado por Anzaldúa (2000) de ato de sobrevivência, o que mais uma vez justifica, levar os nossos Olhos D’ água - nossas emoções - para a sala de aula.

Em seguida, partimos para a leitura dos contos, onde os estudantes de forma individual ou em dupla recebem um conto para mergulho na leitura durante uma ou duas semanas e que tenham tempo para a experienciar, e ser tocado de alguma forma (LARROSA, 2016). Após a leitura, é feita a apresentação em sala, da forma que desejarem, narram a história para o restante da sala. Neste relato, deve conter: o tema principal, local onde acontece, quem são os personagens, qual sua identidade e seus nomes, de que forma eles contribuem para pensar nossa construção histórica, onde essas narrativas se encontram em nosso cotidiano, quais os vieses que ela permite descontruir etc., em relação a raça e gênero e como ela permite tornar esses personagens sujeitos de suas histórias.

Na expectativa de inspirar na atividade, fazemos em sala de aula o mesmo exercício. De forma coletiva é feita a leitura de um dos contos, que geralmente é o conto Maria. O conto narra a história de uma mulher chamada Maria, negra, periférica, empregada doméstica e mãe solo, que sai do trabalho e entra em um ônibus de volta para casa. Durante o trajeto, o ônibus é assaltado por um homem que foi companheiro de Maria. No final, somente Maria não é assaltada, o que leva os outros passageiros a agredi-la até a morte. Na maioria dos casos, após a leitura, o sentimento é de indignação e revolta, que após assentados segue para as possibilidades de debate emergirem. Destaca-se a violência contra a mulher, qual a cor de quem ocupa o lugar do trabalho doméstico em nossa sociedade, se a mulher fosse branca será que a reação das pessoas no ônibus seria a mesma, onde estão as diversas Marias em nossa sociedade, o maternar solo etc. Ao final, problematizamos sobre quais os caminhos que podemos seguir na construção de uma sociedade mais justa e emancipatória e em que a educação pode contribuir.

OLHOS D’ÁGUA, UM CURRÍCULO PODEROSO

Young, no texto, “Para que servem as escolas”, aborda sobre a diferença entre conhecimento poderoso e conhecimento dos poderosos, o que ressalta sobre ser o currículo o lugar do conhecimento que não seja comum aos estudantes, a sua vivência.

O conhecimento dos poderosos é definido por quem detém o conhecimento. Historicamente e mesmo hoje em dia, quando pensamos na distribuição do acesso à universidade, aqueles com maior poder na sociedade são os que têm acesso a certos tipos de conhecimento; é a esse que eu chamo de conhecimento dos poderosos. É compreensível que muitos críticos sociais do conhecimento escolar equiparem o conhecimento escolar e o currículo ao conhecimento dos poderosos” (2007, p. 1294).

Zanardi (2013, p. 13), incomodado com a afirmação de Young, propõe refletir sobre o conhecimento a partir de bases de contextualização freirianas, de forma que este conhecimento dito poderoso dialogue com o contexto, possibilitando empoderamento do estudante. “O currículo, portanto, deve perceber que para a Leitura da Palavra é indispensável a Leitura do Mundo e constituir-se a partir da teoria e da experiência”. Concomitante a isso, podemos afirmar que as escrevivências de Evaristo nos convidam a leitura do mundo por meio da palavra, ambas se imbricam, levando a práxis - ação/reflexão - a radicalizar-se, buscando soluções adequadas para seus contextos (FREIRE, 2020).

No conto que abre e que também dá nome ao livro, “Olhos D’água”, Evaristo narra de forma carinhosa a busca da lembrança sobre a cor dos olhos de sua mãe, trazendo como referência os Orixás, na figura de mamãe Oxum, lembranças do cuidar e das dificuldades da maternidade negra. Reverenciar e escrever sobre os nossos mais velhos é uma forma também de construção de nossa identidade, são nossas histórias. É fazer o movimento Sankofa, símbolo Adinkra da comunidade Akan africana que, representado por um pássaro com ovo na boca, não se esquece de olhar para trás, para onde veio, para voar, para seguir. “Olhos D’água” inicia assim, um convite para voar, remetendo sobre quem somos, de onde viemos, sobre lugares que ocupamos e transitamos, sobre as fronteiras que cruzamos. É possibilidade de encontro, que além de construção de identidades são encontros com novas representações, fronteiras enunciativas e híbridas.

Evaristo (2017) escreve de forma potente e dura, e ao mesmo tempo também traz doçura e leveza, quiçá conforto, permitindo que existimos em suas palavras. Seu livro destoa quanto a representação comum dos grandes cânones da literatura, literalmente incomodando a “casa grande”. Dessa forma, devido a vastidão de possibilidades que os contos nos apresentam, cada um com sua singularidade, trouxemos dois temas que podem contribuir com o objetivo proposto, sendo: História Africana e Afro-Brasileira e a construção da identidade negra. Lembrando que ambos os temas são densos e não se esgotam apenas a partir da leitura de Evaristo.

A abordagem quanto a História africana e afro brasileira na formação dos professores como em sala de aula, assevera ser uma das propostas mais espessas quando se fala na inserção da Lei 10.639, motivado tanto pelo apagamento da história no percurso da formação docente como na urgência da desconstrução de uma África pobre e faminta, apresentada de forma colonial e estereotipada. Concomitante a isso, Carlos Moore descreve sobre essa preocupação e os desafios que podem emergir

A obrigatoriedade do ensino da África nas redes de ensino no Brasil confronta o universo docente brasileiro com o desafio de disseminar, para o conjunto da sua população, num curto espaço de tempo, uma gama de conhecimentos multidisciplinares sobre o mundo africano. Aprofundar e divulgar o conhecimento sobre os povos, culturas e civilizações do continente africano, antes durante e depois da grande tragédia dos tráficos negreiros transaariano, do mar Vermelho, do oceano Índico (árabe-muçulmano) e do oceano Atlântico (europeu), e sobre a subsequente colonização direta desse continente pelo Ocidente a partir do século XIX, são tarefas de grande envergadura (MOORE, 2008, p. 158).

Diante da provocação, compreendemos que é fundante que os currículos enderecem e oportunizem que o corpo pedagógico e docente, promovam mesmo neste espaço curto de tempo, o acesso e possibilidade de conhecer uma nova África. Nesse sentido, Evaristo (2017) nos presenteia com nomes africanos, a presença da ancestralidade, história oral, natureza e formas de bem-viver em seus contos, que são opostos ao mundo moderno ocidental, trazendo significados profundos e dialógicos. Conhecer novas formas de escritas e nomes coaduna com o que Bispo dos Santos aborda sobre a força de se nominar algo. Segundo o autor, uma das coisas que o colonizador fez, foi dar nome para coisas e para nós, palavras vazias, uma vez que nossas palavras são vivas e cheias de significados.

Só que nós, que somos integrados com a vida, aproveitamos e colocamos vida nessa palavra. E então chega um tempo que essa palavra nos serve, porque cria força, porque ela nos move, anda com a gente. Nossa ancestralidade entra nessa palavra e a movimenta a nosso favor (2019, p. 25).

Alguns dos exemplos presentes no livro são os contos Ayoluwa, já referenciado aqui no texto e Luamanda, que possibilita questionar a cultura patriarcal e refletir sobre as várias representações e identidades femininas, além da lua, representando a natureza, surgindo várias vezes na narrativa representando este feminino e nossa mulheridade. São diversas as mulheres representadas no mesmo conto: “Luamanda, avó, mãe, amiga, companheira, amante, alma-menina no tempo” (EVARISTO, 2017, p. 63).

Utilizar a língua e palavras de origem africana na prática em sala de aula, além de proporcionar o conhecimento desse povo, aponta resistência a língua da supremacia branca/colonizadora, possibilitando intervir nessas fronteiras. “A mudança no modo de pensar sobre a língua e sobre como usamos necessariamente altera o modo como sabemos o que sabemos” (2017, hooks, p. 231).

Já a identidade negra, conforme prevê as DCNERER, pode ser considerada um dos processos mais complexos em abordar, uma vez que nossa sociedade é fruto da mestiçagem e das micro e macro violências que a população negra sofreu e sofre. De uma forma geral, todos os contos nos possibilitam refletir sobre, em destaque quanto as mulheres negras. O referencial teórico que apoiamos em pensar identidade negra é Munanga, que chama atenção ao caráter cultural que é dado ao tema e pode ser cooptado para o discurso diferencialista dentro de uma proposta multicultural. O autor defende a importância da política “[...] no sentido de tomada de consciência de sua condição de um segmento étnico-racial excluído da participação na sociedade que contribui economicamente, com trabalho gratuito como escravo e culturalmente em todos os tempos na história” (MUNANGA, 2006, p. 23) e que a “[...] recuperação dessa identidade começa pela aceitação dos atributos físicos de sua negritude antes de atingir os atributos culturais, mentais etc.” (MUNANGA, 2009, p. 19). A corporalidade seria a primeira aceitação para essa construção de definir quem eu sou? Quem é negro. Segundo Oliveira, que disserta sobre o pensamento de Munanga, “[...] a corporalidade é a identificação do eu consigo mesmo tão único e tão original que faz igualmente a pessoa ser única, incomparável e inigualável, ainda que necessite da coletividade como fator constitutivo da condição de pessoa” (2011, p. 9).

Em consonância disso, destacamos as várias mulheres negras em Evaristo, que emergem cheia de significados e histórias, mesmo que a violência também surja em muitas delas como ocorreu em Maria, mas que também problematiza sobre afeto e o maternar como cuidado, como por exemplo no conto “Maria” - “[...] será que os meninos iriam gostar de melão” (EVARISTO, 2017, p. 40), mas também como esperançar e ancestralidade em Ayoluwa, retomando o milagre da vida. Anzaldúa, também chama atenção sobre ser mulher de cor e não sairmos de nossa pele, “é preciso uma enorme energia e coragem para não aquiescer, para não render a uma definição de feminismo que torna a maioria de nós invisíveis” (2000, p. 231).

Evaristo aponta que a mulher negra é mais que um corpo sexualizado, é fraqueza e força ao mesmo tempo, é mãe, filha, avó, irmã etc., tomada de sonhos, desejos e esperança. É mulher que pensa, organiza e constrói. É Bica, Ana Davenga, Maria, Duzu-Querença etc., sendo diversas, que em suas “próprias terras”1, narram suas histórias e problematizam sobre seus direitos e condições, é sobre ser e poder.

ENCAMINHAMENTOS: ABRAÇANDO A MUDANÇA

Ao debater sobre o ensino em um mundo multicultural, hooks (2017) afirma que é preciso criar um sentimento de comunidade para construir uma pedagogia transformadora, além de reconhecermos as fronteiras de como o conhecimento é partilhado. Maria Conceição Evaristo de Brito, nascida em Belo Horizonte, professora, Doutora e escritora de diversos livros como Olhos D’água, Ponciá Vicêncio, Insubmissas Lágrimas de mulheres, Beco da Memória, não só escreve, ela emociona, ela depõe sobre a sua vida, e as diversas vidas e formas de lidar. Evaristo (2016) é um convite para abraçarmos as mudanças na busca e luta de construção de currículos antirracistas e emancipatório. Devemos concordar que após quase vinte anos da Lei 10.639 e as DCNERER (BRASIL, 2013) tivemos avanços significativos, tanto no formato de pensar o currículo da formação docente, como práticas pedagógicas, muito motivadas pela participação ativa do Movimento Negro (GOMES, 2017). Porém, há de se concordar que é preciso ampliar estes espaços para que novas epistemologias sejam inseridas e apresentadas, uma vez que este lugar ainda persiste como um espaço de poder e disputa. A proposta é que as cartas - Leis, normativos, orientações - endereçadas as mulheres e homens do terceiro mundo, cheguem ao destino - currículos, práticas etc. - sem atravessamentos, violações, que sejam lidas e relidas, levando o subalterno a falar, a re(existir).

1Oyèrónkẹ Oyěwùmí. Mulheres sem terra. In: A invenção das mulheres: construindo um sentido africano para os discursos ocidentais de gênero, busca refletir sobre o impacto da perda deste espaço em consonância com os direitos das mulheres africanas no período colonial.

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Recebido: 1 de Setembro de 2022; Aceito: 1 de Novembro de 2022

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