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Revista Teias

Print version ISSN 1518-5370On-line version ISSN 1982-0305

Revista Teias vol.23 no.71 Rio de Janeiro Oct./Dec 2022  Epub Feb 28, 2023

https://doi.org/10.12957/teias.2022.70285 

É sobre ser professor(a): poéticas/pruridos de anunciação da formação docente nas políticas curriculares

FORMAÇÃO DOCENTE ANTIRRACISTA, PLURIEPISTÊMICA, DESCOLONIZADORA DE SABERES, INTERSECCIONAL É POSSÍVEL?

ANTI-RACIST, PLURIEPISTEMIC, DECOLONIZING, INTERSECTIONAL TEACHING TRAINING IS IT POSSIBLE?

LA FORMACIÓN DOCENTE ANTIRRACISTA, PLURIEPISTÉMICA, DESCOLONIZADORA, INTERSECCIONAL ¿ES POSIBLE?

1Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB)


Resumo

As reflexões teórico-metodológicas deste artigo são frutos de pesquisa de pós-doutorado em desenvolvimento, cuja pretensão tem sido tanto compreender as recentes licenciaturas de currículo interdisciplinar, intercultural e pluriepistêmico, decorrentes de políticas públicas inclusivas de expansão e interiorização das universidades públicas, quanto articular um currículo possível para Licenciatura Interdisciplinar em Antirracismo, Diversidade e Ecologia Saberes, em solidariedade com sujeitos e sujeitas de territórios educacionais negros e indígenas. A intenção é que, a partir de contextos reais de licenciaturas existentes, seja possível articular currículo para um curso de formação docente que contemple a diversidade étnico-racial, a pluriepistemicidade e práticas antirracistas no currículo, nos fluxos pedagógicos e na gestão dos processos formativos. Para tanto, os protocolos metodológicos têm implicado abertura e escuta, a partir de metodologias decoloniais e colaborativas, com a/os sujeita/os pertencentes a territórios educacionais negros e indígenas, bem como com sujeita/os pertencentes a cursos de licenciaturas interdisciplinares, interculturais, pluriepistêmicos

Palavras-chave: formação docente; currículo decolonial; educação antirracista; pluriepistemicidade; interdisciplinaridade

Abstract

The theoretical-methodological reflections of this article are the result of a post-doctoral research in progress, which aim has been both to understand the recent teaching degrees in interdisciplinary, intercultural and pluriepistemic curriculum. These curriculum are a result from inclusive public policies of expansion and interiorization of public universities, as well as to articulate a possible curriculum for an Interdisciplinary Degree in Anti-racism, Diversity and Ecology Knowledge, in solidarity with individuals from black and indigenous educational territories. The aim is to confirm, based on real contexts of existing degrees, that it is possible to articulate a curriculum for a teacher training course that contemplates ethnicracial diversity, pluriepistemicity and anti-racist practices in pedagogical flows and in the management of training processes. To this end, the methodological protocols have implied openness and listening, based on decolonial and collaborative methodologies, with individuals belonging to black and indigenous educational territories, as well as to teaching degree courses in interdisciplinary, intercultural and pluriepistemic curriculum.

Keywords teacher training; decolonial curriculum; anti-racist education; pluriepistemicity; interdisciplinarity

Resumen

Las reflexiones teórico-metodológicas de este artículo son el resultado de una investigación posdoctoral en desarrollo, cuyo objetivo ha sido tanto comprender las recientes licenciaturas en currículo interdisciplinario, intercultural y pluriepistémico, resultado de políticas públicas inclusivas de expansión e interiorización de las universidades públicas, así como articular un posible currículo para una Licenciatura Interdisciplinaria en Antirracismo, Diversidad y Ecología del Conocimiento, en solidaridad con los sujetos de los territorios educativos negros e indígenas. La intención es que, a partir de contextos reales de carreras existentes, sea posible articular un currículo para un curso de formación docente que contemple la diversidad étnico-racial, la pluriepistemicidad y las prácticas antirracistas en el currículo, en los flujos pedagógicos y en la gestión de procesos de formación. Para eso, los protocolos metodológicos han implicado apertura y escucha, a partir de metodologías decoloniales y colaborativas, con sujetos pertenecientes a los territorios educativos negros e indígenas, así como con sujetos pertenecientes a cursos de formación del profesorado interdisciplinario, intercultural, y pluriepistémica.

Palabras clave formación de profesores; currículum decolonial; educación antirracista; pluriepistemicidad; interdisciplinariedad

EDUCAÇÃO, DESCOLONIZAÇÃO DE SABERES, CURRÍCULO ANTIRRACISTA

O que motiva a discussão deste artigo é a possibilidade de refletir criticamente sobre currículo de formação inicial de professores em perspectiva interdisciplinar, intercultural, antirracista, pluriepistêmica, como resposta à dinâmica do nosso sistema educacional, que tem muito mais reproduzido a colonialidade (de poder, do saber e do ser) do que se comprometido, estruturalmente, com a descolonização de saberes, processos e práticas pedagógicos e sociais, tanto na escola quanto na universidade. Dessa forma, os avanços quanto ao combate à desigualdade étnico-racial no âmbito legislativo e quanto à articulação de políticas públicas inclusivas para a Educação Básica e Educação Superior não têm reverberado no currículo, que segue, a despeito da discussão em torno da decolonialidade, eurocentrado, monoepistêmico, porque marcado pela hipervalorização de uma única epistemicidade universalizada como legítima para a produção de saberes científicos e socialmente válidos.

Na (contra)versão da colonialidade, movimentos sociais negros e indígenas, da cidade e do campo, movimentos que reivindicam diversidade sexual e de gênero, movimentos sociais de mulheres e de mulheres negras, associações de intelectuais e cientistas comprometidos com a equidade étnico-racial, têm historicamente demandado do sistema educacional a agenda da diferença - racial, étnica, sexual, de gênero, de corpos, de epistemologias, cosmologias e pedagogias - bem como tem desenvolvido relação colaborativa do sistema educacional com territórios, sujeitos e sujeitas subalternizado/as. Nesse contexto, este artigo pretende refletir sobre parâmetros conceituais e metodológicos para a articulação de currículo antirracista e pluriepistêmico na formação docente, trazendo resultados parciais de pesquisa de pós-doutorado1 destinada a compreender as dinâmicas curriculares que envolvem cursos interculturais e pluriepistêmicos, com o intuito de se desenvolver, colaborativamente, prototipagem de organização curricular para uma Licenciatura Interdisciplinar em Antirracismo, Diversidade, Ecologia de Saberes.

A partir de reivindicações dos movimentos sociais negros e indígenas para o enfrentamento ao racismo e para a proposição de políticas públicas inclusivas no campo educacional, criou-se conjuntura favorável para a implementação de uma série de políticas afirmativas nas esferas administrativas federais, estaduais, municipais, bem como nos campos jurídico e legislativo no decorrer das duas últimas décadas. Dentre elas, a Lei n. 10.639/2003, que tornou obrigatório o ensino de História e Cultura Africana e Afro-brasileira nas escolas de educação básica, posteriormente modificada pela Lei n. 11.645/2008, que inclui a obrigatoriedade do Ensino da História e Cultura Indígena; a Lei n. 12.288/2010, que instituiu o Estatuto da Igualdade Racial; a Lei n. 12.711/2012, referente à política de cotas para ingresso na educação superior de estudantes autodeclarados pretos, pardos e indígenas; a Lei n. 12.990/2014, que reserva 20% das vagas oferecidas a candidata/os negra/os nos concursos públicos no âmbito da administração pública federal. Tais aparatos jurídicos promoveram mudanças significativas no contexto universitário brasileiro, sobretudo no que se refere ao perfil estudantil, resultado de políticas de ingresso e permanência nas universidades públicas e privadas.

Em estudo de 2019 destinado a abordar o cenário atual da formação inicial e continuada dos professores brasileiros, elaborado por pesquisadoras que atuam na Fundação Carlos Chagas e participam da Cátedra da Unesco sobre profissionalização docente, é de se notar profunda mudança do perfil étnico-racial do estudante de licenciatura a partir de 2005, com uma inversão da composição majoritariamente branca do segmento estudantil na educação superior, incluindo os cursos de formação docente:

Em 2014, em nove dos 14 cursos de licenciatura avaliados, a representação dos negros é igual ou maior do que 51% dos estudantes. Entre os que têm metade dos alunos pretos e pardos estão pedagogia (50%) e filosofia (49,9). Decididamente a grande maioria dos estudantes dos cursos de licenciatura, excetuando os do campo da arte e a educação física, mudou de cor. Na média, o total de concluintes negros equivale à sua representação na sociedade brasileira, de acordo com o Censo Demográfico de 2010. Outro dado interessante é que os estudantes indígenas, embora em pequenos números, estão presentes em todos os cursos de licenciatura. (GATTI et al., 2019, p. 311)

Paradoxalmente, mesmo diante de segmento estudantil universitário plurirracial, pluriétnico, intercultural, a organização curricular, incluindo os cursos de formação docente, tem permanecido, em linhas gerais, monoepistêmica, disciplinar e eurocentrada. Em relação ao ingresso de estudantes negros e indígenas nas universidades públicas, a política de cotas étnico-raciais e programas como Universidade para Todos (PROUNI, Lei n. 11.096/2005), bem como o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), que proporcionou o surgimento de novos modelos de instituições de ensino superior e de cursos de graduação, parece não ter modificado estruturalmente a monocultura do saber no quadro geral dos cursos universitários no Brasil.

Dessa forma, mostra-se imperioso não só identificar, localizar e analisar princípios de organização curricular de licenciaturas interculturais, abertas a saberes, cosmologias, territórios negrodescendentes e indígenas, como também produzir subsídios teórico-metodológicos para a proposição de currículo pluriepistêmico para a formação docente, possibilitando ensino, pesquisa e gestão da educação a partir de diálogo pluriversal com saberes africanos e indígenas do território nacional e transnacional, com o objetivo de formar educadores com amplo repertório, em termos conceituais, práticos, político-pedagógicos, para o trabalho em perspectiva decolonial, antirracista, interseccional, que tensiona com o epistemicídio, abrindo-se à ecologia de saberes.

Consideram-se licenciaturas pluriepistêmicas aquelas que rompem com determinada linearidade eurocentrada na organização curricular, nos processos pedagógicos e de gestão, nas escolhas metodológicas em ensino, pesquisa e extensão, articulando seus espaços, saberes e tempos com as dinâmicas e os sujeitos dos territórios educacionais onde o curso se desenvolve ou com os quais ele se relaciona. Nesse rol de cursos, incluem-se as dezenas de licenciaturas indígenas e de educação do campo existentes no país, bem como a única Licenciatura Interdisciplinar em Estudos Africanos e Afro-brasileiros (UFMA) e em Educação Escolar Quilombola (UEMA), ambas no estado do Maranhão.

A perspectiva metodológica adotada é colaborativa, aberta ao diálogo com sujeitos que participam desses cursos, na condição de docentes, estudantes, lideranças e intelectuais negra/os e indígenas. Dessa forma, propõe-se identificar e compreender currículos de formação docente inicial pluriepistêmico, multirreferencialmente territorializados, através dos sujeitos e sujeitas que atuam e vivenciam tais licenciaturas. Embora a pesquisa também inclua a análise do currículo, através dos Projetos Pedagógicos de Curso e de Sessões de Escuta2, neste artigo nos deteremos a analisar os resultados de uma das ações metodológicas desenvolvidas durante a pesquisa, a saber o Colóquio das Licenciaturas Interdisciplinares, Interculturais, Pluriepistêmicas, Interseccionais, realizado com profissionais docentes e estudantes que atuam nessas modalidades de curso de formação docente inicial.

Acompanhando essa abordagem socialmente referenciada, as bases teórico-metodológicas que suleiam as ações da pesquisa aqui apresentadas são a ecologia de saberes, na perspectiva decolonial de Santos (2006); o sentido que Catherine Walsh (2017) confere às pedagogias decoloniais, enquanto práticas insurgentes de resistir e (re)existir (contra)colonialmente3; o antirracismo em perspectiva interseccional, assumindo o racismo como articulador das relações sociais no Brasil, por isso mesmo em diálogo (in)tenso com as demais diferenças, índices de desigualdade social: identidades sexuais e de gênero; deficiências; pobreza; corpos, corpas, faixa etária, entre outras.

Na intenção de se fazer pesquisa descolonizando saberes e práticas, este artigo não somente traz a experimentação da possibilidade de troca pluriepistêmica com sujeitos e sujeitas que participam dessas modalidades de curso, como também assume a decolonialidade enquanto diretriz metodológica; a participação, inclusão e tradução (intercultural e pluriepistêmica) como modos de construir coletivamente saberes significativos para a pesquisa em curso e para o/as diversa/os sujeitos e sujeitas dos territórios educacionais participantes desta construção colaborativa de saberes decoloniais.

O QUE FUNDAMENTA UM CURRÍCULO ANTIRRACISTA E DESCOLONIZADOR DE SABERES E PRÁTICAS?

Na medida em que a educação escolar no Brasil tem sido um dos principais espaços da socialização de discursos reguladores sobre os corpos indígenas e negros (GOMES, 2017), repensar a formação docente sob parâmetros emancipatórios no que diz respeito à etnodiversidade, interracialidade e pluriepistemicidade significa em-sinar (MACHADO, 2013), ou seja, colocar professores em formação na sina de epistemologias afro-indígenas pluriversais, que possibilitam ao educador se aventurar na produção de saberes e práticas decoloniais e descolonizadoras, a partir de pedagogias que surgem do lastro do vivido, da memória - individual e coletiva - de territórios indígenas e negros.

Dessa forma, o contexto histórico-social brasileiro, atravessado pela colonialidade e pela necropolítica, reivindica inovação decolonial em propostas de cursos de graduação para formação de professores, pois, se nosso sistema educacional tem reproduzido a violência epistêmica do racismo, apesar dos avanços político-sociais apresentados na seção anterior, ainda está por se articular enquanto política pública na universidade brasileira programas de formação docente que, em qualquer área do conhecimento, rompam com a monocultura do saber e articulem políticas de formação de professores que considerem a pluriepistemicidade enquanto princípio organizador de currículos, práticas e gestão de processos na formação docente inicial, através do diálogo epistêmico com os saberes africanos e indígenas do território nacional e transnacional.

Os principais objetivos ao descrever ações metodológicas colaborativas e decoloniais desenvolvidas na pesquisa aqui apresentada são investigar determinada produção de saberes que tensiona a geopolítica do conhecimento eurocentrado a partir da hegemonia da racionalidade científica, bem como transformar em práticas determinado paradigma epistêmico que contempla formas de conhecimento cuja racionalidade tem sido historicamente (so)negada em nome da ciência (MIGNOLO, 2006; SANTOS, 2006), quando se propõe a articular princípios curriculares para Licenciatura Interdisciplinar em Antirracismo, Diversidade, Ecologia de Saberes.

Nesse sentido, este artigo concebe a educação como um exercício policêntrico, intercultural, etnodiversificado, interracial, interseccional, dialogando com construções teóricocríticas articuladas aos debates do Sul Global, no âmbito da colonialidade do poder, do saber, do ser (MALDONADO-TORRES, 2018), bem como no das pedagogias insurgentes, decoloniais (WALSH, 2017), em perspectiva antirracista (GOMES, 2017).

A partir da mesma inflexão (contra)colonial, os termos decolonial, decolonialidade, descolonização, pós-coloniais, apesar das variações conceituais entre eles, congregam epistemologicamente uma disposição de enfrentamento das relações coloniais de poder, que constituem o capitalismo moderno de modelo ocidental-europeu desde pelo menos o século XVI, sustentadas pela classificação e domínio étnico-racial das sociedades colonizadas, bem como pela criação de uma subjetividade responsável por formalizar um modo de produzir conhecimento de orientação eurocêntrica, que se hegemoniza como a única possível, tornando-se, portanto, um dispositivo de poder e de reprodução da colonialidade. (QUIJANO, 2010; SANTOS, 2010; GOMES, 2017; GROSFOGUEL, 2010; MALDONADO-TORRES, 2010)

Por isso, trabalha-se nesta pesquisa em perspectiva teórico-prática, a partir de concepções e pedagogias dos estudos decoloniais. Assim, as noções de ecologia de saberes, tradução intercultural são compreendidas como metáfora do encontro desierarquizado de saberes e epistemes diversas, a ser promovido entre os territórios educacionais colocados em diálogo para a elaboração de práticas em perspectiva pluriepistêmica, interdisciplinar e afro-indígena pluriversal.

Além desse viés, os estudos em torno de currículo e de pedagogias decoloniais têm avançado em termos metodológicos na articulação de diálogo e tradução intercultural. Já pluriversalidade epistêmica é aqui utilizada em diálogo com as reflexões de Walter Mignolo (2006), quando propõe outro paradigma para a produção de saberes, que dê conta de formas de conhecimento historicamente subalternizadas em sociedades construídas a partir do colonialismo europeu moderno. Renato Noguera (2012) também tensiona com o epistemicídio, quando, empenhado em (re)pensar a filosofia africana através de abordagem nomeada afroperspectivista, concebe a educação como um exercício policêntrico, intercultural e perspectivista. Guardadas as especificidades de cada autor, suas construções teórico-críticas dialogam com discussões do Sul Global que (co)relacionam (de)colonialidade e educação.

O que nomeio de pluriepistemicidade implica, na perspectiva de Boaventura de Sousa Santos, de Nilma Lino Gomes, entre outra/os que têm pensado a decolonialidade no campo da educação, praticar a desierarquização de distintos saberes, cosmologias, epistemologias, pedagogias dentro das instituições educacionais, possibilitando perspectiva curricular e prática que tensione com o eurocentrismo, abrindo-se a outras dimensões epistêmicas, historicamente silenciadas no meio acadêmico. Na trilha das reflexões téoricas de Foucault (1987), episteme se performa enquanto condições discursivas que constituem uma epistemologia, ou seja, o conjunto das relações epistemológicas entre as ciências humanas. A proposta foucaultiana de narrar a história das ciências humanas através de perspectiva descentralizada e descontínua não só levou à compreensão do homem como problema para o saber humano desde o século XVI europeu, como sobretudo tem possibilitado o delineamento epistemológico de humanidades que não se restringem ao parâmetro europeu-ocidental, princípio teórico-metodológico donde provém, em tensão, o termo (pluri)epistemicidade.

Nesse sentido, as discussões deste artigo incluem investigação da articulação pluriepistêmica de saberes em licenciaturas existentes e discussão de princípios teórico-práticos para elaboração de protótipo curricular de licenciatura que enfrente o racismo epistêmico, implicando discussão de arranjos curriculares na formação docente comprometidos a criar protocolos decoloniais que articulam percursos formativos com territórios educacionais tradicionalmente subalternizados na universidade de base epistemológica eurocentrada. Assim, as teorias e pedagogias decoloniais se encontram na tessitura de metodologias que estabelecem diálogo e tradução intercultural, conforme será demonstrado a partir do debate estabelecido pelo Colóquio das Licenciaturas Interdisciplinares, Interculturais, Pluriepistêmicas, Interseccionais.

Cabe também elucidar que currículo aqui é compreendido não somente como discurso que seleciona, organiza e (con)forma conhecimentos no campo da educação, mas também como narrativas que traduzem e tensionam saberes, práticas e modelos societários ou civilizacionais. Afinal o currículo, por se traduzir no registro de uma seleção e nas práticas dela decorrentes, implica também sujeitos e sujeitas que a praticam, espaços e tempos em que ele se realiza, territórios geopolíticos, epistemológicos, cosmológicos, pedagógicos, identitários em disputa (ARROYO, 2013), nas narrativas e práticas curriculares hegemônicas ou contra-hegemônicas.

Para a complexa tarefa de descolonizar o currículo de cursos de formação docente a partir do antirracismo e da pluriepistemicidade, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das relações étnico-raciais, ensino de história e cultura africana e afro-brasileira (Parecer CNE 003/2004), para a Educação Escolar Indígena (CNE 13/2012), para a Educação Escolar Quilombola (CNE 16/2012) e o texto da consulta para o atendimento da Educação do Campo (CNE/CEB 23/2007) indicam caminhos possíveis, não só para a articulação de currículo decolonial, mas também para articular fluxos pluriepistêmicos e antirracistas nos processos pedagógicos, de gestão e administrativos.

Nesse sentido, o Parecer do CNE com diretrizes para a Educação das Relações Étnicoraciais (CNE 003/2004), que teve a professora Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva como relatora, mostra-se exemplar, por ter sido o primeiro documento oficial com perspectiva antirracista, descolonizadora de saberes no âmbito da educação, e por seu texto ter sido fruto de debate com a sociedade civil, com o movimento negro, com educadora/es e intelectuais antirracistas. O texto deste documento, embora tenha sido construído a partir das especificidades da população negra e da produção de conhecimentos acumulados pelo movimento negro e por intelectuais negros e negras, se abre para o diálogo com as especificidades dos povos indígenas, também compreendidos socialmente a partir da subalternidade étnico-racial na história social brasileira. O diálogo entre essas duas matrizes culturais, cosmológicas e epistemológicas é compreendido como um dos caminhos possíveis para a descolonização do currículo, dos saberes e das práticas na formação docente, conforme será possível demonstrar a partir das reflexões críticas desenvolvidas no Colóquio das Licenciaturas Interdisciplinares, Interculturais, Pluriepistêmicas, Interseccionais, descrito na seção a seguir.

COLÓQUIO DAS LICENCIATURAS INTERDISCIPLINARES, INTERCULTURAIS, PLURIEPISTÊMICAS, INTERSECCIONAIS

Como um recurso possível para a compreensão da organização curricular e das dinâmicas pedagógicas, de gestão, relacionadas ao ingresso e permanência discente de licenciaturas interculturais no território brasileiro, foi articulado o Colóquio das Licenciaturas Interdisciplinares, Interculturais, Pluriepistêmicas, Interseccionais4, para promover debate entre docentes, estudantes e gestores de Licenciaturas Interculturais Indígenas, Quilombolas, de Educação do Campo e com foco na produção de conhecimentos africanos e afro-brasileiros, no âmbito do currículo, da integração com o território sociocultural, de estratégias pedagógicas e de gestão dos processos. O evento pretendeu tanto avaliar o estado da arte desses cursos no Brasil quanto incentivar a articulação de redes interinstitucionais que potencializem tais modalidades de formação docente. A metodologia do Colóquio foi participativa, composto por atividades promotoras de debates sobre questões que envolvem tais licenciaturas, culminando em plenária final.

A inspiração para o formato do Colóquio foi o modelo aberto e democrático do Fórum Social Mundial, de caráter participativo às múltiplas forças políticas da sociedade civil, aberto ao amplo debate e à articulação de políticas públicas. Obviamente, pelas condições materiais e físicas disponíveis na pesquisa, o encontro aqui apresentado foi composto por cursos que, ao serem convidados, aderiram à proposta. Embora, em termos quantitativos, representem uma pequena parcela das licenciaturas interculturais e pluriepistêmicas, foi possível estabelecer diálogo com as quatro principais modalidades de curso de currículo pluriepistêmico e aberto ao diálogo com os territórios onde se inserem: Licenciaturas em Educação Escolar Indígena, em Educação Escolar Quilombola, em Estudos Africanos e Afro-brasileiros; em Educação do Campo.

Participaram do Colóquio Licenciaturas Interculturais Indígenas dos estados de Santa Catarina, Piauí, Rio de Janeiro, Amazonas, São Paulo. Com relação à Licenciatura em Educação do Campo, houve a presença de cursos do Distrito Federal, Paraná, São Paulo, Pernambuco. Participaram do Colóquio também a coordenadora e estudantes da primeira e até o presente momento única Licenciatura em Educação Quilombola do território brasileiro, localizado no estado do Maranhão, bem como pesquisadores e gestores públicos de educação quilombola do estado da Bahia. Compuseram também o rol de cursos presentes no Colóquio docentes e estudantes da Licenciatura Interdisciplinar em Estudos Africanos e Afro-brasileiros, do estado do Maranhão, experiência única de modalidade curricular para a formação docente no Brasil, que materializa princípios das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (Parecer CNE 003/2004).

Devido às experiências únicas da Licenciatura em Estudos Africanos e Afro-brasileiros (LISEAFRO) e da Licenciatura em Educação Quilombola (LIEQ), vale refletir sobre as especificidades de ambos os cursos. A LISEAFRO, segundo apresentação do coordenador do curso e dos debates estabelecidos durante o Colóquio com outra/os docentes do curso, inicia em 2015, a partir da articulação de pesquisadores da UFMA comprometidos com a educação para as relações étnico-raciais, com o objetivo de formar docentes para os anos finais do ensino fundamental e para o ensino médio na grande área das Ciências Humanas, com condições de articular processos político-pedagógicos para a implementação das Leis n. 10.639/2003 e n. 11.645/2008 nas secretarias municipais e estaduais de educação. Para isso, articula currículo de viés interdisciplinar que valoriza a diversidade étnico-racial, a história da África, da cultura e das artes afro-brasileiras, bem como as epistemologias do sul, a história colonial e a decolonialidade, através de articulação com territórios afro-indígenas maranhenses e com universidades africanas, com as quais ações de pesquisa, ensino e extensão são desenvolvidas em conjunto. O currículo dessa licenciatura, para dar conta da perspectiva interdisciplinar como articuladora dos processos de ensino-aprendizagem, se organiza através de quatro eixos interdisciplinares, a partir dos quais em um ano letivo todas as disciplinas interagem: 1º ano - Literatura Africana e da Diáspora; 2º ano - Cinema Africano e da Diáspora; 3º ano - Grandes Pensadores Africanos e da Diáspora; 4º ano - Políticas Antirracistas no Mundo. Além disso, seus processos pedagógicos são marcados por atividades de campo (em territórios locais e do continente africano); atividades extensionistas dentro e fora da universidade e parcerias intelectuais, de pesquisadores colaboradores externos à UFMA, que participam do cotidiano formativo por meio de palestras, conferências, participação em pesquisas e trabalhos de campo. A partir de parceria institucional da LISEAFRO com a Secretaria de Educação do Governo do Estado do Maranhão, o curso promove mobilidade acadêmica internacional, com visitas de campo a países africanos (Cabo Verde, Moçambique).

Já a novíssima LIEQ, iniciada no primeiro semestre de 2022, se encontra em meio à articulação do seu currículo, dos processos pedagógicos e de gestão de um curso criado para a formação docente para os anos iniciais da educação básica. O projeto dessa licenciatura foi articulado coletivamente pelo Programa de Formação Docente para atender a diversidade étnica do Maranhão (PROETNOS/UEMA), a partir também da experiência institucional de interiorização dessa universidade estadual, que possui a tradição de levar cursos, sobretudo de licenciatura, para municípios que não dispõem de estrutura física da universidade. O PROETNOS atua em duas principais frentes: as Licenciaturas Interculturais para a Educação Básica Indígena e a Licenciatura em Educação Quilombola. Esse curso de licenciatura se fez possível institucionalmente a partir de parceria estabelecida entre a UEMA e a Secretaria Extraordinária de Igualdade Racial do Estado do Maranhão. Ou seja, a universidade e o estado do Maranhão têm respondido com esses cursos de formação docente a demandas de movimentos indígenas por mais vagas na universidade e ao papel histórico das comunidades quilombolas naquele estado.

A partir dessa conjuntura, o projeto pedagógico da LIEQ foi tecido através da escuta de lideranças do movimento quilombola do Maranhão, incluindo docentes e estudantes. Durante o ano de 2021, através de encontros virtuais e de visita ao município de São Bento, com expressiva população quilombola, foi estabelecido amplo debate acerca do território onde deveria acontecer o novo curso de formação docente. Por isso, a LIEQ está situada no campus de São Bento da UEMA, para atender à população quilombola da Baixada Maranhense, garantindo-lhes formação específica e diferenciada, de acordo com o que preconizam as Diretrizes Curriculares Nacionais e Estaduais para a Educação Quilombola. Trata-se de um curso de modalidade especial, funcionando com aulas em dois dias da semana e ainda sem um quadro fixo de professores. Em harmonia com a metodologia colaborativa utilizada na articulação do projeto pedagógico do curso, a LIEQ incentiva a docência de lideranças políticas, estabelecendo o diálogo de saberes acadêmicos com os saberes produzidos pelos movimentos sociais nos territórios quilombolas. O currículo é composto por disciplinas voltadas para a história e os saberes produzidos nos territórios quilombolas, incluindo suas lutas políticas por direitos humanos. Há, também, no elenco de disciplinas, diálogo com a história e saberes dos povos indígenas.

As duas modalidades de licenciaturas pluriepistêmicas mais antigas no cenário nacional - Educação do Campo e Educação Intercultural Indígena - também trouxeram ao Colóquio ampla gama de reflexão crítica acerca tanto do contexto de implementação de tais cursos quanto das potencialidades e desafios desse tipo de educação diferenciada. A luta pela oficialização da educação escolar indígena no Brasil remonta às décadas de 1980 e 1990 do século XX, demandando formação de professores indígenas a partir da valorização da interculturalidade e da dignificação de territórios indígenas, na medida em que a formação implica atuação como educador tanto na escola indígena quanto nas comunidades, através da articulação de projetos comunitários e do auxílio às lideranças indígenas, por exemplo. As licenciaturas em Educação Indígena que participaram do Colóquio também tiveram seus projetos pedagógicos construídos a partir da escuta dos povos indígenas, caso da Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica, que atende sobretudo à população kaigang, tendo construído terminalidades formativas (línguas indígenas, direitos indígenas, gestão ambiental) e períodos pedagógicos estabelecidos de acordo com as demandas desses povos e territórios.

Similar às articulações para as Licenciaturas Interculturais Indígenas, os processos de organização das Licenciaturas em Educação do Campo também se dão de forma colaborativa e articulada à produção de saberes e demandas sociais das populações do campo, historicamente excluídas dos processos educativos. Discussões desde a década de 1990, vinculadas a programas em torno da reforma agrária e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, levaram à articulação política nacional para a educação do campo, que avançou bastante na primeira década dos anos 2000, com a ampliação no território nacional dessa modalidade de licenciatura, a partir de arranjos curriculares inovadores, em termos de organização dos processos pedagógicos integrados às dinâmicas sociais e aos ciclos dos territórios, traduzindo-se em práticas da pedagogia da alternância, por exemplo, que recompõe espaços e tempos institucionais para a integração dos saberes aos territórios.

Os problemas que envolvem as modalidades formativas das Licenciaturas Interculturais Indígenas e de Educação do Campo implicam ingresso e permanência estudantil, com a necessidade de processos seletivos específicos e políticas institucionais que garantam a permanência dos estudantes indígenas e do campo; a importância de articulações interinstitucionais, através de parcerias com secretarias estaduais e municipais de educação, com escolas, instituições culturais e territórios de povos tradicionais; a atuação pedagógica do corpo docente em dissonância com princípios interculturais, interdisciplinares, abertos ao território.

Como pôde ser demonstrado, todas as modalidades de licenciatura participantes do Colóquio disputam em seus currículos um projeto de sociedade, desafiando o modelo civilizacional hegemônico de base eurocêntrica e colonial, que suprime memórias, saberes, histórias, epistemologias e cosmologias das populações negras, indígenas e do campo. Os processos de organização e gestão de tais cursos demonstram que dinâmicas pedagógicas abertas à territorialização da formação docente, a qual se amplia para além dos conhecimentos acadêmicos hegemônicos, dos tempos pré-estabelecidos internamente pelos estabelecimentos educacionais e dos limites do espaço físico da universidade, criam novos protocolos no campo da educação ainda compreendidos como específicos da chamada educação diferenciada. Tal encapsulamento acadêmico estabelece também, nessas comunidades universitárias, processos permanentes de embates institucionais para a garantia da continuidade de tais percursos formativos. Os docentes, gestores e estudantes que participaram do Colóquio reconheceram a importância desse encontro acadêmico e se reconheceram nos desafios para implementação e continuidade de tais cursos, incluindo questões relacionadas ao currículo territorializado, ao ingresso e permanência estudantil; ao perfil e inserção do egresso no sistema educacional; à gestão universitária que acompanhe a descolonização de saberes e práticas dos cursos; à pesquisa e extensão; aos processos pedagógicos catalisadores de (des)aprendizagens coloniais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS?

Na medida em que a pesquisa-ação apresentada neste artigo ainda está em curso e implica outra ação metodológica colaborativa - as Sessões de Escuta -, a qual certamente será tratada em novos trabalhos sobre a pesquisa aqui apresentada, as reflexões críticas estão em processo de construção e (re)construção. No entanto, o debate estabelecido no Colóquio das Licenciaturas Interdisciplinares, Interculturais, Pluriepistêmicas, Interseccionais permite o levantamento de questões concernentes a modalidades diferenciadas de formação docente, bem como o delineamento de princípios teórico-metodológicos fundantes para a articulação de protótipo curricular para uma Licenciatura Interdisciplinar em Antirracismo, Diversidade, Ecologia de Saberes.

Os cursos que participaram do Colóquio apresentado neste artigo são ainda exceção no cenário universitário brasileiro, já que nosso modelo hegemônico de Licenciatura implica áreas de conhecimento e disciplinaridade curricular, incluindo protocolos disciplinares para ensino, pesquisa e extensão, para práticas de gestão e administração dos cursos. Além disso, em linhas gerais, são cursos monoculturais e monoepistêmicos. Daí decorre a importância de conhecer as questões implicadas na implementação e na continuidade de licenciaturas interculturais, pluriepistêmicas, multirreferencialmente territorializadas. O debate travado durante o Colóquio também possibilitou aprofundar a discussão em torno da organização curricular de uma licenciatura antirracista, pluriepistêmica, não como educação diferenciada, mas enquanto percurso formativo para que todo(a) e qualquer professor(a) construa repertório para o trabalho político-pedagógico em perspectiva decolonial, antirracista, pluriepistêmica, intercultural, interseccional.

Tal protótipo curricular, que na pesquisa se coloca como um exercício criativo da descolonização de saberes, se propõe contemplar perspectiva decolonial pluriversal. Sobretudo se coloca enquanto currículo comprometido em dignificar saberes negro-diaspóricos e indígenas, que passam a ser os fundamentos da dinâmica curricular. Essa abordagem inclui alguns princípios orientadores do currículo proposto, a saber: a) radicalidade da escuta (de sujeitos e sujeitas de territórios negros e indígenas, de lideranças de movimentos sociais, de intelectuais) enquanto metodologia articuladora do currículo e dos processos político-pedagógicos do curso; b) pluriversalidade de saberes africanos, afro-brasileiros, dos povos originários, das comunidades africanas e indígenas tradicionais, de movimentos políticos indígenas, de movimentos políticos negros; c) enfrentamento da colonialidade (do saber, do ser, de poder); d) enfrentamento do racismo epistêmico; e) organização dos processos por meio de coletivos de aprendizagem de corpo inteiro, incorporando territórios, cosmologias africanas e indígenas, rompendo com a lógica dual, (euro)centrada na razão, de produzir saberes no meio acadêmico, inclusive nos cursos de formação docente.

Pela discussão crítica elaborada até aqui na pesquisa, é possível levantar também alguns eixos temáticos orientadores da organização do currículo, tais como: a) a dimensão da cura à colonialidade, aos genocídios e às pilhagens dela decorrentes; b) a história Amefricana dos negros em diáspora; c) a história dos povos originários desde antes do espólio colonial; d) a dimensão do vivido na educação, da escrevivência na formação docente; e) Ciências Ubuntu e da Terra: redes de produção científica africana, afro-brasileira e indígena; f) Cosmologias e Epistemologias Negrodiaspóricas e Indígenas; g) Pedagogias e Ensinagens dos povos negro-africanos e indígenas.

Tais elaborações são ainda experimentações decoloniais no que diz respeito ao cenário brasileiro de formação docente. Quem sabe, em conjuntura política e institucional mais favorável ao avanço de práticas emancipatórias na educação, avancemos na disputa por narrativas curriculares que traduzam modelos civilizacionais (contra)coloniais, pluriepistêmicos? Trabalhamos nesta pesquisa para isso, o que esperamos tenha sido demonstrado no decorrer das discussões deste artigo.

1A pesquisa de pós-doutorado que dá subsídios a este artigo está sendo realizada em um programa de estudos avançados que abriga pesquisadores pós-doc por coletivos temáticos, dentre eles o coletivo de pesquisadores Antirracismo, Diversidade, Ecologia de Saberes. Por isso, as ações metodológicas apresentadas foram realizadas com outra/os pesquisadora/es do referido coletivo. É importante enfatizar, no entanto, que o plano de trabalho proposto já previa as ações que serão descritas e que as reflexões críticas aqui levantadas remontam não só a textos anteriores meus quanto à prática docente em cursos de licenciaturas interdisciplinares em uma universidade pública brasileira.

2As Sessões de Escuta foram pensadas nesta pesquisa para abrir o diálogo com intelectuais, cientistas, artistas, professores, lideranças, estudantes, mestres das tradições negrodescententes e indígenas que produzem, atuam ou circulam por saberes e práticas a serem articulados no currículo da licenciatura proposta. Até o presente momento 4 Sessões foram realizadas com discussões em torno de temas significativos, tratados em perspectiva decolonial e integradora de saberes e práticas. 3

3Termo utilizado pelo intelectual e escritor quilombola Antônio Bispo dos Santos como uma resposta de matrizes culturais negras e indígenas ao modelo de sociedade monocultural, monoepistêmico, eurocêntrico.

4O referido Colóquio foi realizado em junho de 2022 mediado por tecnologia digital, aproveitando a experiência da educação híbrida acumulada no período de afastamento social devido à pandemia de COVID-19. A maior parte de suas seções foram abertas à participação de público, com transmissão pelo Youtube. A sessão dos Grupos de Discussão, para debate mais aprofundamento em torno de questões referentes às dinâmicas de tais cursos foi fechado à participação do público mais amplo e também mediado pela tecnologia digital. Abaixo estão disponibilizados os links com as sessões públicas do Colóquio: 1) Mesa de Abertura do Colóquio https://www.youtube.com/watch?v=luXVOsDQsa0&t=4088s; 2) Cirandas de Pesquisadores (a) Educação das Relações Étnico-raciais e Saberes Negrodescendentes https://www.youtube.com/watch?v=p88cjJVcc2g&t=1s%5C); (b) Educação Quilombola https://youtu.be/U4NvQuoMlKE); (c) Educação Indígena https://youtu.be/4tMvSb6rWcY; (d) Educação do Campo https://youtu.be/WFLTfz1FVhs; 3) Plenária Final https://youtu.be/Aj7y5o-M8o4.

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Recebido: 1 de Setembro de 2022; Aceito: 1 de Novembro de 2022

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