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Revista Teias

versión impresa ISSN 1518-5370versión On-line ISSN 1982-0305

Revista Teias vol.23 no.71 Rio de Janeiro oct./dic 2022  Epub 28-Feb-2023

https://doi.org/10.12957/teias.2022.65480 

Artigos de Demanda Contínua

A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DOCENTE E SUA RELAÇÃO COM A PRÁTICA PEDAGÓGICA

THE CONSTRUCTION OF TEACHING IDENTITY AND ITS RELATIONSHIP WITH PEDAGOGICAL PRACTICE

LA CONSTRUCCIÓN DE LA IDENTIDAD DOCENTE Y SU RELACIÓN CON LA PRÁCTICA PEDAGÓGICA

Aline Santos Pereira Rodrigues1 
http://orcid.org/0000-0002-6690-1384; lattes: 2041394039885464

Gabriele Polato Sachinski2 
http://orcid.org/0000-0003-3911-0998; lattes: 5499808382255682

Pura Lúcia Oliver Martins3 
http://orcid.org/0000-0003-0300-8318; lattes: 4606246142841972

1Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUCPR

2Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUCPR

3Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUCPR


Resumo

Considerando as perspectivas apontadas por pesquisadores como Martins (1998) e Tardif (2014), é possível verificar o quão é necessário e importante considerar a prática docente como um dos pilares da formação dos professores e da compreensão da identidade docente. Ao refletirmos sobre a subjetividade dos educadores, reconhecendo-os como sujeitos do conhecimento, vislumbra-se como são efetivadas e desenvolvidas as práticas de ensino no ambiente escolar, tomando como premissa que a pesquisa sobre o ensino deve levar em conta a voz dos professores sobre suas próprias práticas (delineiam-se pesquisas não sobre o ensino e sobre os professores, mas para o ensino e com os professores). Assim, pode-se repensar as relações entre teoria e prática, indo além da concepção de teoria como guia da prática, concebendo a teoria como expressão da prática. A partir de uma reflexão bibliográfica, com abordagem qualitativa, e sob o olhar interpretativo da hermenêutica, o presente estudo tem como questão norteadora a seguinte problemática: as relações estabelecidas durante a práxis pedagógica estão intrinsicamente ligadas à construção da identidade docente? Como objetivo central, busca-se refletir sobre a construção da identidade docente e sua relação com a prática pedagógica.

Palavras-chave: prática docente; identidade; formação profissional

Abstract

Considering the perspectives pointed out by researchers such as Martins (1998) and Tardif (2014), it is possible to verify how necessary and important it is to consider teaching practice as one of the pillars of teacher training and understanding of teaching identity. When we reflect on the subjectivity of educators, recognizing them as subjects of knowledge, it is possible to see how teaching practices are carried out and developed in the school environment, taking as a premise that research on teaching must take into account the voice of teachers on their own practices (research is outlined not on teaching and on teachers, but for teaching and with teachers). In this way, it is possible to rethink the relationship between theory and practice, going beyond the concept of theory as a guide to practice, conceiving theory as an expression of practice. Based on a bibliographical reflection, with a qualitative approach, and under the interpretative gaze of hermeneutics, the present study has as its guiding question the following problem: are the relationships established during pedagogical praxis intrinsically linked to the construction of teaching identity? The central objective is to reflect on the construction of teaching identity and its relationship with pedagogical practice.

Keywords: teaching practice; identity; professional qualification

Resumen

Considerando las perspectivas señaladas por investigadores como Martins (1998) y Tardif (2014), es posible verificar cuán necesario e importante es considerar la práctica docente como uno de los pilares de la formación docente y de la comprensión de la identidad docente. Cuando reflexionamos sobre la subjetividad de los educadores, reconociéndolos como sujetos de saber, es posible ver cómo se realizan y desarrollan las prácticas docentes en el ámbito escolar, teniendo como premisa que la investigación sobre la enseñanza debe tener en cuenta la voz de los docentes. sobre sus propias prácticas (se plantea la investigación no sobre la enseñanza y sobre los docentes, sino para la enseñanza y con los docentes). De esta forma, se puede repensar la relación entre teoría y práctica, superando el concepto de teoría como guía de la práctica, concibiendo la teoría como expresión de la práctica. A partir de una reflexión bibliográfica, con enfoque cualitativo, y bajo la mirada interpretativa de la hermenéutica, el presente estudio tiene como interrogante orientador el siguiente problema: ¿las relaciones que se establecen durante la praxis pedagógica están intrínsecamente ligadas a la construcción de la identidad docente? El objetivo central es reflexionar sobre la construcción de la identidad docente y su relación con la práctica pedagógica.

Palabras clave práctica docente; identidad; formación profesional

INTRODUÇÃO

“É na inconclusão do ser, que se sabe como tal, que se funda a educação como processo permanente” (FREIRE, 2018, p. 57). Essa é uma das citações de Paulo Freire que melhor pode elucidar a importância do constante repensar da prática docente, pois é justamente essa incompletude que permite a crença em uma educação melhor, pautada sempre num processo formativo contínuo. Para Freire, a educação é a chave para que as pessoas se tornem donas da sua própria história. Para tanto, é preciso considerar o ser humano como um sujeito histórico e social, o qual se encontra inserido em uma realidade, que não deve - nem pode - ser ignorada. O que o pedagogo propõe, então, é uma educação reflexiva, transformadora e emancipatória, por meio da qual os agentes envolvidos no processo educativo sejam capazes de refletir sobre seu papel no mundo e sua realidade e, por meio disso, “[...]assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque é capaz de amar. Assumir-se como sujeito porque é capaz de reconhecer-se como objeto” (FREIRE, 2018, p. 42), transformando a si mesmos e ao meio em que vivem.

Tomando como ponto de partida tais reflexões, o presente estudo se configura como uma reflexão bibliográfica com uma abordagem qualitativa, visto que a pesquisa qualitativa oportuniza a construção do conhecimento a partir da perspectiva de que “[...]a situação de pesquisa é concebida mais como um diálogo, em que a sondagem, novos aspectos e suas próprias estimativas encontram o seu lugar” (FLICK, 2013, p. 24). Ademais, verifica-se também o método hermenêutico, uma vez que “[...]a hermenêutica vai propor que todo o conhecimento é necessariamente uma interpretação que o sujeito faz a partir das expressões simbólicas das produções humanas” (SEVERINO, 2007, p. 115). Assim, “[...]o que é verdadeiramente comum a todas as formas da hermenêutica é que o sentido de que se trata de compreender somente se concretiza e se completa na interpretação” (GADAMER, 1997, p. 493). Logo, procura-se apreender o contexto do objeto de estudo; interpretá-lo e estabelecer uma crítica sobre ele.

Ressalta-se como problemática o seguinte questionamento: as relações estabelecidas durante a práxis pedagógica estão intrinsicamente ligadas à construção da identidade docente?

Como objetivo central delineia-se: refletir sobre a construção da identidade docente e sua relação com a prática pedagógica. Como objetivos específicos encontram-se: ponderar sobre a identidade profissional docente e a subjetividade presente em seu processo de desenvolvimento; compreender como o conhecimento pode ser sistematizado em meio a prática docente; apresentar perspectivas acerca da formação docente em um viés complexo permeado por relações coletivas.

Para tanto, busca-se aporte em estudos realizados por grandes estudiosos (TARDIF, 2014; GARCIA, 2009; MARTINS, 1998; NÓVOA, 2008; BEHRENS, 2007; SANTOS, 2005; DUBAR, 2005). A temática acerca da identidade docente tangencia os conceitos de subjetividade, coletividade e complexidade, visto que tais aspectos necessitam fazer parte das discussões sobre a prática docente e principalmente sobre a sua formação, uma vez que um educador reflexivo é uma força inovadora, pois tem autonomia para intervir e transformar a realidade de seus educandos por meio da Educação. Desse modo, portanto, a Educação e a Formação do Professor não são neutras, mas uma atividade política, histórica e social.

A IDENTIDADE PROFISSIONAL DOCENTE E A SUBJETIVIDADE

Tendo em vista a sociedade do conhecimento, que hoje se apresenta como uma teia de complexas relações e infinitas formas de conhecer, aprender, aprofundar e até mesmo ensinar, é necessário entender a multidimensionalidade dos sujeitos e como isso está expresso, especialmente, nos professores e na formação docente deles. Há uma imensa pluralidade nos indivíduos. Da mesma maneira que não se pode conceber o conhecimento como imutável, não se pode afirmar o sujeito como ser estático. Para tanto, é possível identificar várias esferas dentro da identidade dos indivíduos ou até mesmo várias identidades em um único eu. O fato é que quanto mais se aprofunda nas discussões sobre identidade, maiores são as reflexões.

O sociólogo Claude Dubar (2005), ao refletir sobre a construção das identidades sociais e profissionais, afirma que, a partir de estudos empíricos diversos, encontram-se formas elementares da identidade profissional, sendo essas ligadas à articulação entre transições objetiva e subjetiva. De maneira panorâmica, considerando a transação subjetiva, tem-se a ideia de (1) continuidade entre a identidade herdada e a identidade visada ou, então, uma (2) ruptura entre a definição e a projeção de si. A transação objetiva, pode condicionar o (3) reconhecimento social ou o (4) não reconhecimento. Percebe-se que os quatro processos identitários típicos contribuem para a noção da complexidade do sujeito, pois o indivíduo não experiencia apenas um desses processos, mas está condicionado a vivenciar quantos forem se apresentando no desenvolvimento da sua identidade profissional, mediante às situações que vão sendo apresentadas ao longo de sua carreira, assim como de suas decisões profissionais.

Dubar (2005, p. 326) explica ainda que “[...]as configurações identitárias típicas, no campo do trabalho, poderiam abstratamente ser associadas a ‘momentos’ privilegiados de uma biografia ideal”. Assim, seque-se: (a) momento da construção da identidade profissional - vinculado à formação inicial; (b) momento da consolidação da identidade - atrelado à inserção e à aquisição progressiva da qualificação; (c) momento do reconhecimento profissional - ligado à responsabilidade adquirida na carreira; e (d) momento de envelhecimento da identidade - referese à passagem progressiva à aposentadoria. É válido ponderar que o estudioso deixa claro que os momentos sequenciados “[...]nunca aparecem reunidos nos diferentes tipos de carreiras profissionais associadas a cada configuração típica” (DUBAR, 2005, p. 326). Assim, os momentos de estruturação da identidade profissional muitas vezes não expressam essa linearidade, não há certezas nessa progressão. Por exemplo, a aquisição de uma qualificação não garante um reconhecimento profissional, podendo ocasionar a ruptura da projeção de si; nesse momento, volta-se às perspectivas das transações objetiva e subjetiva.

Tendo em vista os conceitos delineados, Dubar (2005) apresenta também a ideia de saberes, os quais contribuem para o desenvolvimento da identidade profissional. Pode-se refletir que tais saberes não se caracterizam apenas como aspectos que agem sob a identidade, mas também como aspectos que recebem a influência da profissionalidade: ao passo que o sujeito constrói saberes, ele desenvolve sua própria identidade profissional; esse mesmo indivíduo, ao desenvolver sua identidade, aprofunda seus saberes. Assim, o estudioso elucida quatro saberes: (1) saberes práticos, os quais se vinculam diretamente à experiência do trabalho; (2) saberes profissionais, àqueles que são articulados entre os saberes práticos e os saberes técnicos; (3) saberes de organização, ligados aos saberes práticos e teóricos, associados à uma lógica de responsabilidade profissional; e (4) saberes teóricos, os quais dizem respeito à recapacitação permanente. Além disso, “[...]essas identidades profissionais e sociais, associadas a configurações específicas de saberes, são construídas por meio de processos de socialização cada vez mais diversificados” (DUBAR, 2005, p. 329). Há, a partir do sociólogo, a constante afirmação de que as identidades, em especial as relacionadas ao âmbito profissional, estão em constante movimento e transformação, fazendo com que o sujeito esteja imerso em uma dinâmica constante de (re)construção de si mesmo.

Ao se decidir trilhar o caminho da docência e ao vivenciá-la, os professores de profissão desenvolvem sua própria identidade profissional, a qual se liga às experiências da formação e da prática e está em constante evolução, tornando-se cada vez mais complexa. Garcia (2009, p. 109) afirma que “[...]a identidade profissional docente se constitui como uma interação entre a pessoa e suas experiências individuais e profissionais. A identidade se constrói e se transmite”, assim, podese refletir que a identidade do educador se desenvolve na práxis, no contato com o outro (seja ele colega de profissão ou com os próprios alunos), apresentando-se para o professor como uma junção de suas próprias crenças, opiniões, práticas e, até mesmo, percepções anteriores à jornada como educador, sendo essas comprovadas ou refutadas com as vivências como profissional. “É preciso entender o conceito de identidade docente como uma realidade que evolui e se desenvolve, tanto pessoal como coletivamente. A identidade não é algo que se possua, mas sim algo que se desenvolve durante a vida” (GARCIA, 2009, p. 112).

A partir disso, é possível se aprofundar e estabelecer ligações entre a identidade profissional do professor e aspectos da subjetividade que estão presentes nela. O educador já não é mais apenas um transmissor do conhecimento, uma simples peça no sistema educacional; em toda a sua complexidade e em meio a sua formação, o professor precisa ter espaço para ponderar sobre sua visão acerca da realidade escolar em que leciona, por exemplo, uma vez que “[...]o desenvolvimento da identidade acontece no terreno do intersubjetivo e se caracteriza como um processo evolutivo, um processo de interpretação de si mesmo como pessoa dentro de um determinado contexto” (GARCIA, 2009, p. 112). Sabendo da presença da subjetividade na identidade do educador e dessa última como produto em constante evolução na formação docente, pode-se vislumbrar os professores como sujeitos do conhecimento. Neste momento, cabe ressaltar que se entende, na reflexão aqui proposta, a formação de professores como algo que permeia toda a vida do profissional, englobando desde a sua formação inicial até a continuada, tendo como um dos aspectos centrais a reflexão sobre a prática, visto que “[...]na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática” (FREIRE, 20181, p. 40).

Tardif (2014) reflete sobre os professores como sujeitos do conhecimento. O autor aborda a questão do conhecimento dos professores: dos saberes, do saber-fazer, das competências e das habilidades que servem de base ao trabalho dos docentes. Há uma significativa conexão entre o que traz Tardif (2014) e Garcia (2009). Se a identidade docente é construída na práxis, o educador é levado a construir suas próprias visões sobre o meio (atreladas às já vivenciadas em outras esferas sociais), portanto, é um processo coletivo que reflete no individual e vice-versa; em meio a esse processo, há o aflorar da subjetividade do educador no momento em que desenvolve suas experiências e reflete criticamente sobre elas. Desse modo, há o emergir do conhecimento dos professores, conhecimentos esses que estão totalmente ligados à prática e à formação. Não há como afirmar um momento exato para que todos esses aspectos se iniciem, não há um start para cada uma das etapas, simplesmente porque elas estão imbricadas umas nas outras, é um fluxo contínuo que faz da formação dos professores algo complexo e muito marcante.

Ao discutir sobre as relações entre a subjetividade dos professores e a questão dos saberes e da prática docente, Tardif (2014, p. 228) afirma que "[...]os professores de profissão possuem saberes específicos que são mobilizados, utilizados e produzidos por eles no âmbito de suas tarefas cotidianas [...] em seu trabalho cotidiano com os alunos, são eles [educadores] os principais atores e mediadores da cultura e dos saberes escolares”. Em meio à prática, e desenvolvendo sua identidade profissional, os educadores estimulam o conhecimento e são agentes dele.

A partir disso, há três consequências, listadas pelo estudioso. A primeira delas diz respeito à subjetividade dos professores e às pesquisas sobre o ensino. O autor defende a necessidade de entender que o docente não é apenas um objeto de pesquisa, e sim sujeito que possui saberes específicos ao seu trabalho, detentor de um saber-fazer construído na e pela prática durante sua formação. Entender esse aspecto e aplicá-lo no universo acadêmico é um grande avanço. Não se faz pesquisa sobre professores, mas sim com os professores. Compreender os docentes como integrantes ativos em uma pesquisa é respeitar a identidade profissional deles. Tendo isso em vista, reflete-se sobre o fato de que um professor de profissão “[...]é um ator no sentido forte do termo, isto é, um sujeito que assume sua prática a partir dos significados que ele mesmo lhe dá, um sujeito que possui conhecimentos e um saber-fazer provenientes de sua própria atividade e a partir dos quais ele a estrutura e a orienta” (TARDIF, 2014, p. 230). O estudioso segue explicando que, na América do Norte e na Europa, os trabalhos que consideram a subjetividade dos professores estão ligados a três grandes orientações teóricas: "[...]a primeira privilegia uma visão cognitiva da subjetividade; a segunda, uma visão existencial; a terceira, uma visão social. Essas diferentes concepções mostram que a questão da subjetividade é rica e complexa, e pode ser estudada através de enfoques variados" (TARDIF, 2014, p. 234). O autor afirma que, apesar das diferenças existentes entre essas três orientações teóricas, tais concepções reforçam que:

[...] em toda atividade profissional, é imprescindível levar em consideração os pontos de vista dos práticos, pois são eles realmente o polo ativo de seu próprio trabalho, e é a partir e através de suas próprias experiências, tanto pessoais quanto profissionais, que constroem seus saberes, assimilam novos conhecimentos e competências e desenvolvem novas práticas e estratégias de ação (TARDIF, 2014, p. 234).

A segunda consequência se refere às relações entre teoria e prática. O autor explica que a ideia delineada é oposta à concepção tradicional, a qual vê o educador como um simples aplicador de teorias produzidas nos centros universitários. É uma ilusão pensar que se pode produzir "[...]teorias sem práticas, conhecimento sem ações, saberes sem enraizamento em atores em sua subjetividade" (TARDIF, 2014, p. 236). A práxis reflete a subjetividade e se nutre dela, ao passo que a subjetividade está presente na identidade docente também. Sabendo que a identidade profissional é um “[...]fenômeno relacional” (GARCIA, 2009, p. 112), pode-se inferir que as relações ocorrem na prática e que ela será expressa, como aponta Martins (1998), na teoria. Novamente, tem-se interconexões complexas e fecundas para a formação docente. Por fim, a terceira consequência apontada pelo autor se desmembra em uma reflexão sobre práticas, políticas e formação de professores propriamente dita. Neste momento, entre diversas ponderações, reiterase a necessidade de considerar os professores como sujeitos do conhecimento, não como cobaias ou estatísticas de uma produção universitária. Além disso, reconhecer a subjetividade (e considerar a identidade profissional também) é dar voz aos educadores e ouvi-los. “Os professores só serão reconhecidos como sujeitos do conhecimento quando lhes concedermos [...] o status de verdadeiros atores, e não o de simples técnicos ou de executores das reformas da educação concebidas com base numa lógica burocrática “[...]top and down’” (TARDIF, 2014, p. 243). Considerando tais reflexões, interconexões e pluralidades, é necessário pontuar ainda que, na formação docente, o educador que está aberto a dialogar com outro colega de profissão, a fim de ambos compartilharem experiências, oferece a si mesmo a oportunidade de aprofundar a sua própria prática e oferece ao outro o espaço para ir além também.

O CONHECIMENTO SISTEMATIZADO A PARTIR DA PRÁTICA DOCENTE

Durante muitos anos, teoria e prática têm sido vistas como momentos distintos, quando, na verdade, elas são indissociáveis. Nos últimos anos, estudiosos da área da Educação (MARTINS, 1998; SIQUEIRA, MESSIAS, 2008; NÓVOA, 2008) têm voltado um olhar mais cuidadoso para essa relação, valorizando a vivência e os saberes que emergem da prática dos professores.

A esse respeito, Martins (1998, p. 144) busca “[...]verificar a relação entre as sistematizações teóricas da área da didática com o contexto histórico em que são produzidos”, apontando alguns marcos históricos - da Didática Magna de Comênio até os movimentos sindicais brasileiros da década de 1980 - que influenciaram diretamente a práxis pedagógica e a forma de se conceber a didática, demonstrando que as novas formas de organizações sociais têm implicações nas práticas sociais e pedagógicas.

Mais especificamente nas décadas de 1970 e 1980, a Professora elucida sobre “[...]a luta por maior participação nas decisões da escola [...] destacando a dimensão política do ato pedagógico (1985/1988); [...] a organização do trabalho na escola (1989/1993); processo de produção e sistematização coletivas do conhecimento (1994…)” (MARTINS, 1998, p. 163). O que se percebe, portanto, é que há sim uma estreita relação entre a didática prática e as transformações sociais, sendo que essas últimas “[...]não permitem mais o comportamento autoritário e impositivo na relação pedagógica”. Dessa maneira:

Os professores fazem tentativas de alterar as relações sociais estabelecidas [...] ocorrem tentativas de planejamentos coletivos e há uma preocupação de se levantar o que os alunos já sabem e trazem de sua realidade existencial. Os professores passam a discutir a importância do próprio local de trabalho como espaço de luta; questionam a postura usual de esperar soluções exteriores [...]. A formação do professor é questionada por eles: há que se fazer essa formação no próprio local de trabalho e com a participação de todos os agentes envolvidos. (MARTINS, 1998, p. 163).

Essa ideia da necessidade de se formar professores no próprio ambiente de trabalho, ou seja, na própria escola, é também destacada por Siqueira e Messias (2008, p. 379), quando afirmam que é preciso considerar os docentes como:

[...] pessoas que experienciam suas próprias vidas também no contexto das instituições escolares e que, justamente por isso, também aí se subjetivam, construindo sua maneira de ser e de ser professor junto com outros (professores, funcionários, alunos, pais e familiares destes; enfim a comunidade interna e externa à escola).

Ou seja, o que esses profissionais destacam é a importância de se formar professores na escola e não apenas para a escola, pois apenas a prática docente permite ao professor construir a sua didática própria, seus caminhos metodológicos, gerenciar conflitos, superar dificuldades, transcender a teoria e, principalmente, construir e ressignificar seus saberes de profissão. Posto isso, corrobora-se a afirmação de Nóvoa (2009, p. 4) de que “[...]é na escola e no diálogo com os outros professores que se aprende a profissão. O registo das práticas, a reflexão sobre o trabalho e o exercício da avaliação são elementos centrais para o aperfeiçoamento e a inovação. São estas rotinas que fazem avançar a profissão”. Diante dessas discussões, tanto a Professora Martins (1998) quanto o Professor Nóvoa (2009) propõem alguns princípios para a construção de uma Didática Prática e de uma Profissionalidade docente, respectivamente - as quais serão elucidadas brevemente a seguir.

A Didática Prática - Martins (1998)

Durante anos de sua vida dedicados à Educação, a Professora Pura Oliver Martins (1998) desenvolveu o que ela chama de Didática Prática, elencando para tal quatro princípios fundamentais. O primeiro deles diz respeito à “[...]concepção de conhecimento que tem a prática como elemento básico”, no qual a estudiosa reflete sobre a necessidade de se dar voz ao professor de profissão, na medida em que “[...]ao se trabalhar com os professores problematizando e analisando suas práticas, está se produzindo um novo conhecimento. Esse novo conhecimento não vai se constituir num guia da ação prática, mas apontará possíveis formas de novas práticas” (MARTINS, 1998, p. 166). A segunda questão é a pesquisa-ensino, cuja função é “[...]criar condições e preparar o futuro professor e/ou professores em serviço, para que eles, no próprio processo de trabalho, passem a criar, a produzir novos conhecimentos” (MARTINS, 1998, p. 166). Sobre isso, a autora destaca acerca da importância das relações sociais para a produção de novos conhecimentos sistematizados coletivamente.

O terceiro princípio abordado por Martins (1998) é a mudança das relações individuais para as relações sociais, coletivas e solidárias, de modo que se valorize a prática dos alunos como centro do processo de ensino-aprendizagem, bem como se amplie a participação dos alunos e professores nas tomadas de decisões que dizem respeito ao processo pedagógico, uma vez que, dessa maneira, “[...]o parâmetro passa a ser, não o conteúdo, mas a relação, a forma como se realiza essa situação prática” (MARTINS, 1998, p. 168).

Por fim, a última questão é a relação complexa entre conteúdo e forma, na qual “[...]a teoria vai expressar a ação prática dos sujeitos. Ou seja, são as formas de agir que vão determinar as formas de pensar dos homens, as teorias, os conteúdos” (MARTINS, 1998, p. 169). Portanto, as teorias passam a ser fruto da ação prática que se realiza nas relações e instituições sociais. Em síntese, há uma nova forma de entendimento da relação conteúdo-prática, que:

[...] passa a ser entendida num contexto de causalidade complexa [...], ou seja, um problema prático, tomado como ponto de partida para o ensino, não se constitui numa causa única que provoca um efeito único previsível, mas abre um campo enorme de possíveis resultados, pressupondo novas relações professor-aluno, professor-professor, novas relações organizacionais dentro da escola, novas relações diante do conhecimento (MARTINS, 1998, p. 169).

Em resumo, percebe-se que a autora constantemente retoma a importância da prática - não apenas individual de cada docente, mas principalmente as práticas coletivas, advindas de relações coletivas, sejam elas professor-professor, professor-aluno, professor-conteúdo, professorcomunidade etc. - para a formulação de teorias e de novos caminhos metodológicos para a práxis pedagógica, reiterando, pois, a ideia de que a teoria é a expressão da prática, e não o seu guia.

A profissionalidade docente - Nóvoa (2009)

De acordo com o Professor, para se desenvolver a profissionalidade docente é necessário se considerar cinco disposições (nas palavras do próprio autor), sendo a primeira delas o conhecimento. Para Nóvoa (2009, p. 3) é imprescindível que o professor conheça e domine o conteúdo que irá ensinar, mas é essencial, também, que este construa “[...]práticas docentes que conduzam os alunos à aprendizagem”.

A segunda colocação de Nóvoa (2009, p. 3) diz respeito à cultura profissional. Segundo ele, “[...]ser professor é compreender os sentidos da instituição escolar, integrar-se numa profissão, aprender com os colegas mais experientes. É na escola e no diálogo com os outros professores que se aprende a profissão”. De maneira simplória, só se aprende a ser professor, sendo-o, no dia a dia, na superação dos desafios que surgem com o exercício da docência.

O terceiro preceito é o do tato pedagógico, ou seja, a capacidade de se ensinar aquilo que se pretende. Para tanto, é necessário muito mais que o mero domínio desse conteúdo, é preciso saber formas de fazer com que o aluno se interesse por ele, que queira entendê-lo (NÓVOA, 2009) - e, para isso, o professor precisará usar de artimanhas que transcendem as teorias ensinadas nos cursos de formação inicial, mas que são desenvolvidas diariamente, no exercício da profissão e no contato com o outro.

A penúltima questão apontada pelo Professor é o trabalho em equipe. Nesse ponto, Nóvoa (2009) e Martins (1998) parecem entrar em um consenso na medida em que ressaltam a importância das relações coletivas entre todos os agentes envolvidos no processo de ensino-aprendizagem, a fim de uma construção mais coletiva e colaborativa dos conhecimentos didáticos. Por fim, a última disposição elencada pelo autor é o compromisso social, ao qual “[....]podemos chamar-lhe diferentes nomes, mas todos convergem no sentido dos princípios, dos valores, da inclusão social, da diversidade cultural” (NÓVOA, 2009, p. 3). Em outras palavras, educar é um ato de amor que obrigará, muitas vezes, o professor a ir além do ambiente escolar para ajudar um aluno a ultrapassar barreiras que lhe foram impostas externamente.

Uma formação docente complexa em meio a um ambiente de relações coletivas

Considerando as perspectivas de Behrens (2007), há, em meio a várias reflexões que a autora propõe, a discussão acerca do paradigma conservador e do paradigma da complexidade na formação de professores. Antes de focalizar nesses dois tópicos, a estudiosa explica que o conceito de paradigma se relaciona às concepções que os docentes apresentam sobre visão de mundo, de sociedade, de homem e da própria prática pedagógica; entender os paradigmas da educação é compreender também o tempo histórico em que cada um se expressa a partir dos paradigmas da ciência. Segundo Behrens (2007), o paradigma conservador na formação docente se vincula às ideias de treinamento e de capacitação. Tendo em vista uma abordagem enciclopédica na docência, tem-se o preparo para ser professor focalizado no domínio do conteúdo que o educador deve ter.

O treinamento seria, então, uma formação para uma competência técnica, a qual traz consigo o aceitar e o se conformar. Aceita-se a formação que se é recebida e se conforma que ela é a mais adequada. A capacitação, por sua vez, objetiva acompanhar e qualificar para a repetição de tarefas. É tida como uma proposta de atualização dos profissionais, habilitando-os para um determinado manejo ou técnica, visando à eficiência e à eficácia do desenvolvimento de atividades.

Em um outro viés, o paradigma da complexidade traz a concepção de uma formação contínua dos professores, considerando uma visão crítica, reflexiva e transformadora. Essa nova visão, segundo a autora, propõe a rearticulação entre as partes, a preparação profissional para conviver com o incerto na Sociedade da Informação, a superação do modelar e do conformar. Pretende-se uma reflexão na e para a ação, tendo em mente a consciência crítica e reflexiva. Uma formação focada no processo e não no produto. Behrens (2007) explica que há quatro fases no aprender a ser professor: o pré-treino, a fase de formação inicial, a fase de iniciação e a fase de formação permanente.

A formação de professores, no paradigma da complexidade, abarca toda a carreira docente (todas as fases, portanto), sendo contínua, progressiva e ampla. Garcia (1999) também discute sobre a temática da formação de docentes. Entre inúmeras reflexões, o autor explica que, para ele, a formação de educadores é uma área de conhecimento e investigação que focaliza o estudo dos processos com os quais os professores aprendem e desenvolvem a sua competência profissional. O estudioso destaca oito princípios subjacentes a essa formação, sendo eles: a concepção da formação de professores como um contínuo (compreender que a formação inicial é a primeira fase de um longo e diferenciado processo); a necessidade de integrar a formação de professores em processos de mudança, inovação e desenvolvimento curricular; a relação dos processos de formação de professores com o desenvolvimento organizacional da escola; a necessária integração entre a formação de professores em relação aos conteúdos propriamente acadêmicos e disciplinares e a formação pedagógica dos professores; a necessidade e importância da integração teoria-prática na formação de professores; o isomorfismo entre a formação recebida pelo professor e o tipo de educação que posteriormente lhe será pedido que desenvolva; o princípio da individualização como elemento integrante de qualquer programa de formação de professores (aprender a ensinar não deve ser um processo homogêneo para todos os indivíduos); e, por último, a oportunidade dos professores de questionarem as próprias crenças e práticas institucionais.

Também no âmbito da discussão sobre a importância da criticidade e da reflexão, há ponderações de Alarcão (2001). Entre diversos aspectos abordados, a estudiosa explica que, por analogia ao conceito de professor reflexivo, ela desenvolve a noção de escola reflexiva, sendo esse espaço uma organização aprendente, a qual qualifica tanto aqueles que estudam quanto os que ensinam. Para a autora, somente a escola que se interroga sobre si mesma está passível de transformação, atingindo níveis de uma instituição autônoma, responsável, autonomizante e educadora. A instituição escolar deve envolver todos os membros no processo reflexivo e reconhecer o valor da aprendizagem que resulta para eles. Tal organização educativa, nesses moldes, está aberta à comunidade exterior, mas atenta à comunidade interior. Compreende-se as situações antes de agir, dando ênfase no diálogo e na contextualização. Alarcão (2001) adverte, ainda, que caso se deseje mudar a escola, torná-la reflexiva, deve-se assumi-la como um organismo vivo, dinâmico, que se desenvolve em interação. Uma escola assim realizada desenvolve criticidade sobre o presente e se projeta no futuro, não é um ambiente estanque, é um local de transformação na e para a reflexão.

Considerando a construção da identidade profissional dos professores em meio a sua formação docente, bem como o princípio da teoria como expressão da prática, perspectivas pontuadas anteriormente, é possível verificar outro aspecto significativo relacionado a essa discussão: o ambiente pedagógico e suas infinitas possibilidades de relações coletivas. Se a identidade docente possui caráter relacional e a prática é o momento em que se desenvolvem essas trocas de experiências e construções de saberes, pode-se afirmar que a coletividade é fundamental nesse processo. Tardif (2014, p. 244) afirma sobre a necessidade de uma “[...]unidade da profissão docente do pré-escolar à universidade”, a fim de que os próprios educadores admitam seus pares como profissionais competentes que podem dividir vivências e multiplicar saberes. Um professor que não está aberto ao diálogo, à coletividade, acabará por estagnar em suas próprias verdades, não sabendo mais se elas já não estão obsoletas.

Freire (2018, p. 26) convida a refletir sobre os inúmeros benefícios que a verdadeira práxis traz para a formação do educador: “[...]quando vivemos a autenticidade exigida pela prática de ensinar-aprender, participamos de uma experiência total, diretiva, política, ideológica, gnosiológica, pedagógica, estética e ética”. Aprende-se a ser professor compartilhando saberes com outros professores, aceitando outros docentes como sujeitos do conhecimento e se assumindo como um também. Além da partilha entre professores, a prática na formação docente requer contato ativo com os educandos. Ao compreender a pluralidade da própria identidade profissional, o professor aceita também as multidimensionalidades dos próprios estudantes, essa concepção vai ao encontro das perspectivas do Professor Oder José dos Santos (2005). Esse estudioso adverte que cada sujeito pode ser considerado “[...]como um conjunto de práticas sociais que se repartem em diferentes instituições” (SANTOS, 2005, p. 21). Pode-se aludir à seguinte imagem: o ser humano, para compor sua unidade individualizada e única, é formado por fragmentos constituídos em sociedade, ele é múltiplo em si mesmo. Essa fragmentação traz à tona, em vários momentos, contradições e antagonismos, contudo, em sua total complexidade, o indivíduo se organiza no seu chamado sistema ideológico particular. A respeito disso, o autor explica que:

[...] seria um sistema porque todos os elementos da representação - as palavras, os conceitos, imagens, etc. - relacionam-se entre si e se articulam formando um todo, que não é uma simples soma de seus elementos. [...] Cada aluno vai incorporar, em seu sistema ideológico particular, apenas aqueles elementos considerados por eles significativos (SANTOS, 2005, p. 21).

Segundo o autor, a prática pedagógica como momento permeado de relações sociais, deve propiciar, assim como também defende Martins (1998), um ambiente em que floresçam relações coletivas, solidárias, horizontais e com participação ativa de todos. Tendo isso em vista, Santos (ibid., p. 21) explica que tais características estão presentes nas chamadas relações de Tipo Novo. Oposta às relações de Tipo I, as quais carregam aspectos como hierarquia, individualismo, concorrência e passividade, nas interações pedagógicas de Tipo Novo, “[...]intensificam-se as discussões, ouvem-se diferentes opiniões, diferentes argumentos, diferentes pontos de vista. Faculta-se, dessa forma, a participação ativa e interessada. Incentiva-se a participação de todos e de cada um em particular” (ibid., p. 21). Há, portanto, o emergir, segundo o estudioso, da responsabilidade compartilhada e interessada. A partir da consciência acerca das responsabilidades assumidas coletivamente, além do aumento da coesão social, surge um novo tipo de aprendizado: a aprendizagem da auto condução. Os discentes “[...]aprendem a trabalhar coletivamente, a ser solidários, aceitar os outros como iguais, a incentivar a participação de todos e o respeito a cada um, enfim, aprendem a ser autônomos” (ibid., p. 21).

Nesse contexto, pode-se afirmar que as relações de Tipo Novo propiciam para os educadores a possibilidade de uma efetiva prática, oportunizando uma constante formação profissional, a qual reflete também na maneira como se é construído o conhecimento com os alunos, sendo ele significativo para todos. É necessário pontuar, também, que, em consonância com o aspecto da auto condução, os alunos, em todos os momentos, têm o direito de tirar dúvidas, apresentar pontos de vista diferentes, tendo a figura do professor como um mediador do processo de aprendizagem significativa. Visto isso, reflete-se a correspondência com o desenvolvimento do direito à curiosidade, proposto por Freire (2018, p. 83). Entende-se que, quando os educandos têm voz e participam efetivamente, eles são estimulados, entre outros aspectos, à curiosidade. Em um movimento dialógico, permeado por uma visão complexa, há a construção do conhecimento experienciado e, portanto, significativo para o professor e para os alunos.

Novos caminhos a serem percorridos

Considerando a temática proposta neste estudo, bem como os objetivos e a questão norteadora estabelecida (as relações estabelecidas durante a práxis pedagógica estão intrinsicamente ligadas à construção da identidade docente?), afirma-se, a partir da contextualização e de uma análise pautada nos princípios da hermenêutica, visando à interpretação e à crítica reflexiva acerca do objeto de pesquisa, que a construção da identidade docente se dá em meio a prática docente, sendo um processo dialógico, na medida em que a própria prática docente reverbera os aspectos contidos na identidade do educador.

Em uma de suas obras, Freire (2018, p. 39) afirma que “[...]ensinar exige reflexão crítica sobre a prática”, mas ele não é o único teórico a destacar a importância dessa atitude reflexiva. Siqueira e Messias (2008, p. 379) também discutem acerca da necessidade de reconhecer no contexto educativo “[...]um importante lugar para a ação-reflexão, para a reflexão sobre a ação e para a reflexão crítica, aquela que se dá sobre a reflexão na ação”, ressaltando que não importa o quão completo seja um curso de formação de professores, ele não é suficiente para preparar o docente para os desafios e situações que o educador vivenciará na prática, uma vez que essa sempre será situada em um contexto sócio histórico cultural específico.

Sob esse viés, é essencial, também, pontuar que as relações educacionais são permeadas por diversos fatores, tornando cada uma delas única. Desse modo, não há como formular apenas uma teoria, capaz de abarcar todas as experiências que podem ser vivenciadas pelos professores, pois elas são - como visto anteriormente - construídas coletivamente. Sendo assim, é mister que os docentes tenham espaço para realizar esse tipo de discussão, permitindo que reflitam, coletivamente e individualmente, sobre sua práxis. E o espaço mais propício para isso é a escola, pois “[...]o professor não pode agir isoladamente na sua escola. É neste local, o seu local de trabalho, que ele, com os outros, seus colegas, constrói a profissionalidade docente” (ALARCÃO, 2003, p. 44).

Siqueira e Messias (2008, p. 381), por sua vez, afirmam que esse espaço para diálogo e trocas de experiência é restrito, trazendo consequências para a autoria na prática pedagógica, sendo algo anterior à prática docente em si, mas que “[...]se dá no projeto educativo de formação do professor, sem dúvida, em consonância com os valores e a estrutura social na qual esta formação profissional se institui”. As autoras vão além e, baseando-se em ideias de Donald Shön, observam que uma formação que trabalha com teoria e prática como perspectivas estanques “[...]não possibilita dar respostas às situações que emergem no dia a dia profissional porque tais situações ultrapassam os conhecimentos elaborados pela ciência e as respostas técnicas que esta poderia oferecer ainda não estão formuladas” (ibid., p. 382).

Tendo em vista todas as reflexões aqui delineadas, vislumbra-se a necessidade da valorização da reflexão sobre a prática docente como algo latente no ambiente da atuação profissional, assim como no ambiente de formação dos futuros docentes, pois é só por intermédio dessa dinâmica que será possível uma educação melhor, tanto em qualidade de ensino para os educandos, quanto em qualidade de trabalho para os professores, uma vez que estes passarão a ter mais voz sobre sua atuação e, até mesmo, formação. Afinal, reiterando Freire (2018, p. 40) “[...]na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática”.

Engana-se quem pensa que a formação permanente dos professores se refere apenas aos cursos que ele faz durante sua vida. Ela ocorre a cada segundo que o professor passa dentro de uma sala de aula, no contato com aquilo que lhe é mais essencial: o aluno.

1 57ª edição. Obra publicada originalmente em 1996.

REFERÊNCIAS

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Recebido: 1 de Fevereiro de 2022; Aceito: 1 de Agosto de 2022

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