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Revista Teias

versão impressa ISSN 1518-5370versão On-line ISSN 1982-0305

Revista Teias vol.23 no.71 Rio de Janeiro out./dez 2022  Epub 28-Fev-2023

https://doi.org/10.12957/teias.2022.65619 

Artigos de Demanda Contínua

DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA EDUCAÇÃO PLURILÍNGUE NO BRASIL: qual educação bilíngue?

NATIONAL CURRICULAR GUIDELINES FOR PLURILINGUAL EDUCATION IN BRAZIL: which bilingual education do we have?

DIRECTRICES CURRICULARES NACIONALES PARA LA EDUCACIÓN PLURILINGÜE EN BRASIL: ¿cuál educación bilingüe?

Jaqueline Nascimento da Silva Reis1 
http://orcid.org/0000-0002-4896-1316; lattes: 5877852155370557

Ilma de Andrade Barleta2 
http://orcid.org/0000-0002-4345-7700; lattes: 8714509231648026

Marina Mello de Menezes Felix de Souza3 
http://orcid.org/0000-0002-2208-2794; lattes: 8714509231648026

1Secretaria de Estado da Educação do Amapá (SEED-AP)

2Universidade Federal do Amapá (UNIFAP)

3Universidade de São Paulo (USP)


Resumo

Este estudo apresenta uma análise sobre a educação bilíngue no Brasil, partindo de aspectos conceituais e normativos, com ênfase nas recentes Diretrizes Curriculares Nacionais para oferta de Educação Plurilíngue, aprovadas em 2020 pelo Conselho Nacional de Educação e pela Câmara de Educação Básica. Partindo da necessidade de investigar os discursos propagados para a formação do sujeito bilíngue no contexto escolar, tencionamos compreender as concepções de educação bilíngue na visão de pesquisadores e nas legislações da política educacional brasileira, a fim de identificar conceitos e parâmetros legais que norteiam a implementação de escolas autodenominadas bilíngues. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica e documental que objetivou verificar a concepção de educação bilíngue na proposta das Diretrizes Curriculares Nacionais para oferta de Educação Plurilíngue, aprovadas por meio do Parecer n° 2/2020 - CNE/CEB. Nossas inferências apontam aspectos conceituais e classificatórios que sinalizam um modelo voltado ao desenvolvimento de habilidades linguísticas, desvirtuando-se de questões sociais e culturais que inspiraram o surgimento da educação bilíngue e a sua expansão pelo mundo.

Palavras-chave: educação bilíngue; educação plurilíngue; diretrizes curriculares nacionais

Abstract

This study presents an analysis of bilingual education in Brazil, starting from conceptual and normative aspects, with emphasis on the recent changes in the National Curriculum Guidelines approved in 2020 by the National Council of Education and the Chamber of Basic Education, in which Plurilingual Education is now offered. Based on the need to investigate the speeches propagated for the formation of the bilingual subject in the school context, we intend to understand the conceptions of bilingual education in the view of researchers and in the legislation of the Brazilian educational policy, in order to identify concepts and legal parameters that guide the implementation of self-named bilingual schools. This is a bibliographic and documental research that verified the conception of bilingual education through the proposal of the National Curricular Guidelines for the offer of Multilingual Education, approved through Technical Opinion No. 2/2020 - CNE/CEB. Our inferences point to conceptual and classificatory aspects that indicate a model focused on the development of language skills, deviating from social and cultural issues that inspired the emergence of bilingual education and its expansion around the world.

Keywords bilingual education; plurilingual education; national curriculum guidelines

Resumen

Este estudio presenta un análisis sobre la educación bilingüe en Brasil, a partir de aspectos conceptuales y normativos, haciendo hincapié con las recientes Directrices Curriculares Nacionales para la oferta de Educación Plurilingüe, aprobadas en 2020 por el Consejo Nacional de Educación y por la Cámara de Educación Básica. Teniendo como base la necesidad de investigar los documentos existentes para la formación del sujeto bilingüe en el contexto escolar, nos proponemos a comprender las concepciones de educación bilingüe bajo la óptica de investigadores y en las legislaciones de la política educacional brasilera, con el fin de identificar conceptos y parámetros legales que orientan la implementación de escuelas autodenominadas bilingües. Se trata de una investigación bibliográfica y documental que tuvo por objetivo verificar la concepción de educación bilingüe en la propuesta de las Directrices Curriculares Nacionales para la oferta de Educación Plurilingüe, aprobadas a través del Dictamen nº 2/2020 - CNE/CEB. Nuestras inferencias evidencian aspectos conceptuales y clasificatorios que señalan un modelo direccionado al desarrollo de habilidades lingüísticas, alejándose de cuestiones sociales y culturales que inspiraron el surgimiento de la educación bilingüe y su expansión por el mundo.

Palabras clave educación bilingüe; educación plurilingüe; directrices curriculares nacionales

INTRODUÇÃO

Ora, se o monolinguismo é o normal, resultam lógicas perguntas do tipo como é que chega um indivíduo a ser bilíngue? E não menos lógicas outras do tipo como é que chega uma coletividade a ser bilíngue?

(MONTEAGUDO, 2012)

De modo geral, convivemos com o estabelecimento de um pensamento único que considera o monolinguismo como algo natural e normal, enquanto que o bilinguismo é o excepcional (MONTEAGUDO, 2012). Certo reconhecimento dado aos contextos minoritários (grupos de imigrantes, comunidades em áreas de fronteira, comunidades de surdos) ainda são recentes nos dispositivos legais que tratam da oferta do ensino bilíngue na política educacional brasileira. Do lado oposto, cresce o número de instituições escolares autodenominadas de educação bilíngue (língua materna e língua adicional), o que nos impulsionou a buscar a compreensão desse modelo e as concepções existentes nas recentes Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para a oferta de Educação Plurilíngue, aprovadas por meio do Parecer 2/2020 - CNE/CEB.

Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), n.º 9.394/1996, seguindo o disposto na Constituição Federal de 1988 (doravante CF/88), a língua portuguesa é estabelecida como único veículo de comunicação no ensino fundamental (mais tarde também no ensino médio), exceto às comunidades indígenas e, recentemente, à comunidade surda, por meio do ensino bilíngue. Na década de 1990, os discursos proferidos em escala internacional manifestaram novas atribuições ao modelo de educação bilíngue, inserindo-o no contexto escolar com foco nas línguas estrangeiras. Assim, o ensino de línguas toma o centro nessa discussão e a educação bilíngue com línguas de grande difusão (como o inglês e o francês) é colocada como solução para resolver a multiplicidade das línguas pelo mundo (DELORS, 1996). De lá para cá, as razões para a inserção do modelo bilíngue estão sendo relacionadas a interesses diversos e interligados às dimensões linguística, cultural, social e/ou econômica da sociedade. Nesse prisma, instigou-nos saber qual é a concepção de educação bilíngue presente nos dispositivos legais que tratam da oferta de educação bi/plurilíngue no Brasil.

A educação bilíngue é um modelo de ensino em expansão no Brasil. Em decorrência do grande número de escolas autodenominadas bilíngues, em julho de 2020, a Câmara de Educação Básica (CEB) aprovou as DCNs para a Educação Plurilíngue, resolução que aguarda homologação. Logo, tendo em vista as peculiaridades contextual e regional do país, esse trabalho percorre os encaminhamentos conceituais e classificatórios desse novo documento, a fim de identificar as concepções e as orientações nele presentes sobre educação bilíngue com língua adicional. Para tanto, o percurso metodológico do estudo contou com a pesquisa bibliográfica e a análise documental das DCNs, sendo que o material analisado foi interpretado à luz da metodologia de Análise de Conteúdo proposta por Bardin (2016).

Em busca de subsidiar nossas análises, inicialmente, abordamos os conceitos de bilinguismo e educação bilíngue na visão de pesquisadores, tais como Garcia (2008), Gajo (2009), Savedra (2009), Monteagudo (2012) e Lagares (2018). Em seguida, elucidamos o lugar das línguas estrangeiras em documentos da política educacional brasileira e o amparo legal para o modelo de educação bilíngue. Por fim, discorremos sobre as Diretrizes Curriculares para a oferta de Educação Plurilíngue, proposta de resolução aprovada em 2020, identificando qual educação bilíngue será requerida nas instituições de ensino a partir dessa normativa.

ASPECTOS CONCEITUAIS: BILINGUISMO OU EDUCAÇÃO BILÍNGUE?

Para entender o que vem a ser um programa de educação bilíngue e as concepções de ensino bilíngue que estão materializadas nos documentos que regem a política educacional brasileira, é fundamental iniciar um diálogo a partir das bases conceituais sobre o bilinguismo.

As primeiras definições de bilinguismo presentes na literatura remontam a uma tendência mais preocupada em aferir a proficiência em duas línguas. Com o tempo, os estudos passaram a considerar as situações de contato, a fim de investigar o uso das línguas e os seus contextos. Como precursores nas definições de bilinguismo, Savedra (2009) destaca os estudos de Fthenakis et al. como ponto de partida para duas tendências sobre o conceito, as quais influenciaram vários estudos subsequentes. Na primeira, o bilinguismo é visto como competência e na segunda como função. De acordo com Savedra, a primeira tendência

de natureza lingüística e são pautados num espectro relativamente amplo de definições, no que se refere ao grau de domínio em ambas as línguas. Além dos extremos sugeridos por Bloomfield (1933), o controle nativo de duas línguas e MacNamara (1969), a mínima competência em uma das quatro habilidades: ouvir, falar, ler, escrever, relacionam-se a esta tendência os conceitos de Diebold (1964) e Pohl (1965), que consideram a mera compreensão das línguas; o de Hall (1952) que exige algum conhecimento da estrutura gramatical da L2; e ainda o de Haugen (1953), que [...] define como bilíngüe o indivíduo capaz de produzir significados completos numa outra língua. Os conceitos de bilingüismo condizentes com a segunda tendência são de natureza psicolingüística e são pautados num espectro mais restrito de definições [...]. Nesta linha, destacam-se os estudos de Mackey (1968), que define bilingüismo como um fenômeno individual e fundamenta sua análise num complexo de características inter-relacionadas (grau, função, alternância e interferência), e os de Oksaar (1971), que considera a capacidade de uso de duas línguas em diferentes situações e/ou mudança automática de código (SAVEDRA, 2009, p. 4-5).

A partir da literatura citada, observa-se que a primeira tendência inaugura um bilinguismo de natureza linguística que converge para uma teoria alinhada ao grau de domínio dos falantes nas duas línguas. Já os autores que se enquadram na segunda tendência discutem o bilinguismo ligado ao biculturalismo, no qual o indivíduo é capaz de fazer uso de ambas as línguas em situações diversas, considerando outros fatores além do nível de proficiência. Seja de natureza linguística ou psicolinguística, visto como competência ou função, em grau de domínio mínimo ou completo, as definições sobre bilinguismo partem do uso de duas línguas.

Posteriormente à exposição dos conceitos, Savedra (2009) conclui em seus estudos que o bilinguismo é um fenômeno relativo dada a imprecisão dos conceitos e o parâmetro estabelecido por dois contextos de aquisição: o natural e o familiar. Na definição proposta pela pesquisadora, o bilinguismo é “[...]a situação em que coexistem duas línguas como meio de comunicação num determinado espaço social” (SAVEDRA, 2009, p. 127-128).

Já para Monteagudo (2012), é possível fazer a divisão entre os diversos tipos de bilinguismo sob dois enfoques bem diferentes. De um lado, existe um bilinguismo de elite, alcançado através de um aprendizado formal da língua, que tradicionalmente era privilégio de determinados grupos sociais, como era o caso da aristocracia romana, dos clérigos medievais ou dos letrados da Idade Moderna na Europa. Do outro lado, há um bilinguismo social resultante do contato espontâneo entre falantes de várias línguas, “[...]de situações de coexistência de duas línguas em um mesmo território e/ou duas comunidades linguísticas formando parte de uma mesma entidade política” (MONTEAGUDO, 2012, p. 45).

Lagares (2018) menciona, citando os estudos de Baker (1997), que em países como Estados Unidos, Inglaterra e Suécia, a educação bilíngue resultou de um contexto de imigração, no qual havia um apelo à igualdade de oportunidades educacionais que possibilitasse a integração de imigrantes, portanto, o autor conclui que o ensino bilíngue emerge da reivindicação pelos direitos linguísticos de minorias nacionais. Assim, o pesquisador define o bilinguismo como um termo guarda-chuva que serve para cobrir duas situações distintas: o ensino que utiliza duas línguas e o ensino para crianças de línguas minoritárias.

No primeiro caso, o bilinguismo é promovido e acolhido como veículo das atividades educacionais, enquanto no segundo, em muitos casos, nem se quer faz parte do currículo escolar. Nesse último sentido, a educação bilíngue pode ser de dois tipos: transitória, com o objetivo de assimilar social e culturalmente a criança à língua majoritária; e de manutenção, procurando acolher a língua minoritária para reforçar a identidade cultural da criança e da comunidade a que pertence (LAGARES, 2018, p. 84, grifo no original).

Percebemos que a presença do bilinguismo no contexto escolar foi se moldando a fatores pedagógicos (uma disciplina complementar ofertada no sistema educacional) como também a demandas advindas do meio social. Nesse segundo, contraditoriamente, em muitos casos, o ensino bilíngue é deixado de fora da matriz curricular. De maneira geral, Lagares (2018) afirma que o que se observa na maioria dos espaços escolares que ofertam o ensino em duas línguas é apenas a adição de mais horas na carga horária.

Nesse viés de proporcionar mais horas de contato com a língua adicional, outra definição, proposta por Gajo (2009), direciona o conceito de educação bi/plurilíngue ao ensino de Disciplinas Não Linguísticas (DNL), como Ciências e Matemática, sendo elas ministradas na língua adicional de forma completa ou parcial. Assim sendo, a definição construída profere um educar bilíngue não como um ensino de língua, mas como um ensino em outra língua, de uma ou várias disciplinas não linguísticas (HÉLOT, 1992; GAJO, 2009). De acordo com Gajo (2009), é preciso atentar para alguns pontos nesse processo: a integração das questões linguísticas e curriculares; e a articulação entre a escolha das línguas, seleção das DNLs e dos métodos de ensino. O foco não se encontra no aprendizado da língua em si, na parte técnica, mas sim em toda a estrutura que envolve o processo de ensino-aprendizagem. De acordo com essa concepção, os aspectos socioculturais e sociais também devem ser abrangidos.

Com base nessas definições, compreendemos o modelo de educação bilíngue/plurilíngue como um sistema complexo que requer um caminhar cauteloso, visto que as concepções sobre educação bilíngue demonstram que, em sua origem, há um contexto histórico, social e cultural envolvido. Corroboramos com a visão de Lagares (2018), segunda a qual as decisões pela adoção de um ensino bilíngue devem levar em consideração a participação dos usuários nas discussões e na própria implementação de um programa, visto que os debates sobre a língua fazem parte de confrontos históricos permeados por relações entre identidades sociais e práticas de linguagem. Não obstante, cresce o número de escolas autodenominadas bilíngues que objetivam a inserção de uma língua adicional, visando o desenvolvimento de competências linguísticas.

Sob esse enfoque, a próxima seção propõe uma discussão em torno do que é previsto na política educacional brasileira para o ensino bilíngue, a fim de vislumbrar como se apresenta e quais os sentidos em torno do ensino de línguas adicionais, especificamente, o modelo de educação bilíngue.

MARCOS REGULATÓRIOS DA EDUCAÇÃO BILÍNGUE NO BRASIL

A década de 1990 foi um período de grande movimento popular no Brasil, marcado pela redemocratização iniciada no fim dos anos de 1980. Com isso, a educação no país se tornou uma das pautas nesse processo e sofreu mudanças que foram legitimadas pela Constituição Federal de 1988, pela LDB n.° 9.394/1996 e por documentos subsequentes de ordem jurídico-institucional (BARLETA, 2015). À vista do exposto, propomos uma reflexão sobre o modelo de educação descrito nas legislações; o lugar da língua estrangeira no currículo brasileiro; e o amparo legal para as situações de ensino bilíngue previstas na legislação em âmbito federal.

No que se refere ao primeiro aspecto, a Constituição Federal de 1988 propunha garantir o acesso de toda a população à educação e reuniu muitas contribuições da comunidade educacional, com o objetivo de viabilizar o ideário de um sistema nacional de educação no qual atuariam as três esferas do poder público de forma conjunta e complementar (KRAWCZYK; VIEIRA, 2008). No texto da Carta Magna, na seção I do seu terceiro capítulo, a educação é alçada a um direito que deve ser exercido por todos, destinando-se ao Estado e à família a incumbência de garanti-lo. À sociedade cabe colaborar na promoção e no incentivo à educação “[...]visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988). Além disso, a CF/88 elenca os princípios que devem reger o ensino:

I-igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II-liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;

III-pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; [...]

VII-garantia de padrão de qualidade; [...] (BRASIL, 1988).

Segundo Cherubini (2012), todos os princípios constitucionais devem, uma vez estabelecidos como obrigação do Estado e da família, ser observados por todos que exercerem a educação. Refletimos se os princípios constitucionais são interdependentes, isto é, como garantir o acesso e a permanência sem condições estruturais e socioeconômicas para aprender e ensinar? Como é possível permitir o pluralismo de ideias e de concepções por meio de legislações que visam a homogeneização?

Essas são reflexões que nos cercam e nos encaminham ao entendimento de como tendências se disseminam e se justificam por meio de documentos oficiais. Ora, uma vez estabelecidos os princípios por uma lei maior, todo agente público ou privado deverá levá-los em consideração nas matérias que versam sobre educação.

Ao direcionar as lentes dessa discussão à educação bilíngue, tendências que visam a homogeneização, por exemplo, estariam em desacordo com os preceitos constitucionais dispostos acima. Temos em outro artigo da CF/1988 uma ruptura com (ou uma deturpação do que vem a ser) a igualdade, a liberdade e o pluralismo, em nome de uma padronização. O Art. 13 da CF/1988 estabelece que “[...]a língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil” (BRASIL, 1988). Tal decisão homogeneizadora aflorou debates na seara das políticas linguísticas, mostrando um cenário de imposições e lutas por reconhecimento.

Conforme abordado em estudos sobre políticas linguísticas no Brasil, embora o País tenha sido erigido em um território multilíngue, muitas línguas desapareceram (bem como seus falantes) em detrimento da língua portuguesa, primeiramente como língua da metrópole, depois como língua do Príncipe e, por fim, como língua nacional do estado brasileiro. A sobreposição de valores de colonizadores europeus sobre a realidade sociolinguística do que viria a se tornar o País bem como ideais de uma cultura nacional em que a coesão social era compreendida como unidade na uniformidade foram discursos que perpassaram e que se consolidaram na história linguística do Brasil (RIBEIRO BERGER, 2021, p. 127-128).

A coesão social foi uma das bandeiras defendidas ao se propor a uniformidade por meio da língua. Com isso, o monolinguismo se converteu em tendência em diversos Estados-Nação pelo mundo e no Brasil não houve diferença. Segundo Abreu (2018), a determinação de uma língua ao status de oficial nos textos constitucionais descortinou vários debates pertinentes a conflitos linguísticos nos territórios dos Estados nacionais.

A inserção maciça de línguas oficiais nos textos constitucionais da maioria dos países do globo terrestre tornou mais latente, aos olhos do mundo, questões de políticas de línguas atinentes às mais variadas espécies de conflitos linguísticos em seus territórios, tais quais aqueles que envolvem os processos de nacionalização das línguas não-oficiais, as minorias linguísticas e os seus direitos (indígenas, imigrantes, comunidades surdas); a preservação da diversidade linguística como um patrimônio cultural do mundo; os processos educacionais em contextos plurilingues; o ensino de línguas estrangeiras, entre outros (ABREU, 2018, p. 51).

De posse disso, depreendemos que a CF/88 inicia uma fase de discussões no campo linguístico uma vez que, impelida por uma tendência mundial, impôs o monolinguismo em busca de uma unidade nacional que invisibilizou contextos multilíngues. A partir da CF/1988, as intervenções no espaço da linguagem se propagaram com mais força, operando na proliferação de ideologias linguísticas capazes de influenciar nas escolhas das línguas. Para Arnoux (2016), não só o Estado, como também aqueles com quem ele interage em diferentes instâncias, seja a nível local, regional e/ou global, vem intervindo nos espaços linguísticos.

Um espaço que envolveu os três níveis de atuação para a efetivação do monolinguismo nacional (da coesão social) foi a escola, que se tornou um ambiente propício para a conformação de uma estrutura educacional que fosse “[...]o veículo de efetivação das exigências do modelo social” (BIANCHETTI, 1996, p. 94). As medidas adotadas através da CF/1988 para o cenário educativo incluíram fixar a língua portuguesa como língua de instrução em todo o ensino fundamental regular, assegurando aos povos indígenas “[...]a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem” (BRASIL, 1988).

Como estratégia para contornar o monolinguismo estabelecido na legislação brasileira, que considera o português como única língua oficial e de escolarização (exceto aos povos indígenas), algumas línguas indígenas “[...]passaram por um processo jurídico que lhes garantiu um lugar de cooficialidade em nível municipal” (RODRIGUES, 2018, p. 43, grifo no original). Em busca do reconhecimento, as primeiras línguas a recorrerem à estratégia de cooficialização foram o Nheengatu, Baniwa e Tukano em São Gabriel da Cachoeira (AM) (Lei n.º 145/2002). Por meio dessa ação, municípios como o do estado do Amazonas utilizaram línguas minorizadas não só em serviços públicos como também estabeleceram normas relativas ao ensino (apoio e incentivo ao aprendizado das línguas/línguas asseguradas em escolas indígenas). Essas diretrizes se tornaram ainda mais específicas com a Lei n.º 210/2006, a qual dispõe sobre a regularização da cooficialização das três línguas. Essa lei estipulava prazos específicos para o movimento de adequação bilíngue. Em 2012, por meio do parecer 13/2012 (CEB), as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena na Educação Básica foram instituídas. O documento é apresentado como garantia de projetos escolares diferenciados que assegurem a identidade do povo indígena e a sua inserção à sociedade brasileira.

Em síntese, podemos dizer que o ensino bilíngue entra em pauta no século XXI no Brasil como um projeto de educação escolar alternativo, que não se dissocia das práticas pedagógicas curriculares nacionais, com promessa de promover a harmonia nas relações entre o uso do português (língua nacional), hegemônica na tradição escrita, e as línguas indígenas, tradicionalmente ligadas à expressão oral. Lagares (2018) esclarece, com base na tipificação geral de Aracil (1983), que “[...]a principal regularidade que se produz na situação minoritária é, portanto, o bilinguismo unilateral, porque todos os falantes da língua dominada são também falantes da língua dominante, mas o contrário não acontece” (LAGARES, 2018, p. 136, grifo no original).

Tratando da legislação que regulamenta o sistema educacional do Brasil, a LDB/1996 reproduziu o monolinguismo previsto no Art. 210 do texto constitucional. No parágrafo terceiro do Art. 32 da LDB/1996, a língua portuguesa é estabelecida como único veículo de comunicação no ensino fundamental (mais tarde também no ensino médio), com exceção às comunidades indígenas. Sobre o ensino bilíngue, diferentemente da CF/1988, a LDB de 1996 trouxe o termo bilíngue claramente expresso ao tratar da educação destinada aos povos indígenas em seu Art. 78. No que se refere ao nível de ensino do modelo bilíngue às comunidades indígenas, a LDB/1996 sinaliza a utilização de duas línguas no ensino fundamental e médio.

Por meio da Lei n.° 14.191 de 2021 (alteração na LDB/1996), outra possibilidade de educação escolar bilíngue foi prevista: a Educação Bilíngue para Surdos. Tal inserção reflete uma longa jornada de reivindicações da comunidade surda. No início do século XXI, observamos o reconhecimento jurídico da Língua Brasileira de Sinais e a inclusão dos alunos surdos e ouvintes em escolas ou classes bilíngues de instituições federais responsáveis pela Educação Básica (BRASIL, 2002; 2005). No parágrafo segundo do Art. 60-A da Lei n.° 14.191 de 2021, determinase que a oferta de educação bilíngue de surdos iniciará ao zero ano, na educação infantil, e se estenderá ao longo da vida. Nessa alteração da LDB/1996 foram incorporados os artigos 78-A e 79-C, os quais discorrem que os sistemas de ensino ficam encarregados de desenvolver programas integrados de ensino e de pesquisa para a oferta de educação escolar bilíngue e intercultural também aos estudantes surdos, surdo-cegos, com deficiência auditiva sinalizantes, surdos com altas habilidades ou superdotação ou com outras deficiências.

São práticas que demonstram certos avanços em duas situações linguísticas bem distintas e que configuram possibilidades de uma abertura ao bi/plurilinguismo no contexto escolar. No entanto, vemos características de um ensino bilíngue transitório, ou seja, o ensino da língua minoritária é proposto em um contexto no qual outra língua é hegemônica. Além disso, apesar dessas ações ligadas à abertura ao ensino de línguas outras, destacamos que a realidade linguística de comunidades quilombolas, de regiões fronteiriças e de imigrantes não foram juridicamente reconhecidas em âmbito federal.

Anteriormente à LDB, houve a composição da Comissão Internacional sobre Educação no século XXI e, como resultado desse encontro, foi produzido entre 1993 e 1996 o Relatório Delors1, o qual foi substancial para a compreensão da política educacional em vários países. Na interpretação da Comissão, dentre as principais tensões que constituem o núcleo da problemática do século XXI, a tensão entre o global e o local é referendada primeiro. A Comissão orientou que desde o ensino primário e secundário “[...]a educação deve tentar vencer estes novos desafios: contribuir para o desenvolvimento, ajudar a compreender e, de algum modo, a dominar o fenômeno da globalização, favorecer a coesão social” (DELORS, 1996, p. 152). Menciona-se a complexidade de situações linguísticas, atribuindo-se à multiplicidade das línguas uma problemática a ser enfrentada. A solução que se daria aos países emergentes seria por meio da aprendizagem de línguas de grande difusão (como o inglês e o francês) junto à aprendizagem de línguas locais, com programas escolares bilíngues, ou mesmo, trilíngues.

Sobre o ensino de Línguas Estrangeiras (LE), a LDB de 1996 garantiu a oferta de LE no currículo das escolas da Educação Básica. Ao olharmos a divisão do currículo, o Art. 26 da LDB/1996 estabelece que tanto a educação infantil - incluída a partir da Lei n.º 12.796 de 2013 - quanto os ensinos fundamental e médio terão uma base comum a ser complementada por uma parte diversificada. A abertura à oferta de uma língua adicional no contexto escolar foi concedida na parte diversificada do currículo, conforme estabelecido no Art. 26 § 5º: “[...]na parte diversificada do currículo será incluído, obrigatoriamente, a partir da quinta série, o ensino de pelo menos uma língua estrangeira moderna, cuja escolha ficará a cargo da comunidade escolar, dentro das possibilidades da instituição” (BRASIL, 1996). Essa redação do texto original deu-se em um período de intensos debates sobre pluralismo de ideias e igualdade de direitos, refletindo uma decisão possível de atender às demandas de cada ente federado.

No entanto, com a mundialização do capital, outros interesses se colocaram à frente das demandas sociais. Peroni (2018) alerta que, apesar da materialização, na CF de 1988 e na LDB de 1996, de parte dos direitos reivindicados nos anos de 1980, os avanços ainda são lentos nas políticas educacionais e espelham uma correlação de forças.

Assim, ao mesmo tempo em que ocorrem algumas conquistas sociais para a democratização da educação, em um processo de correlação de forças, verificase a organização de setores vinculados ao mercado, influenciando as políticas educativas das mais diversas formas (PERONI, 2018, p. 99-100).

Esses interesses são avistados em constantes legislações que têm modificado a escolha da língua estrangeira a ser ofertada nas escolas por meio da verticalização das decisões do Estado para fins políticos e econômicos, “[...]para adequação dos objetivos educacionais às novas exigências do mercado internacional” (SHIROMA; MORAES; EVANGELISTA, 2007, p. 65). Foi o que aconteceu com a já extinta Lei n.º 11.161/2005, que ficou conhecida como Lei do Espanhol. Com vistas ao mercado comum na América do Sul, o Brasil comprometeu-se com o ensino/incentivo da língua espanhola, desconsiderando outras realidades linguísticas já em atuação nos sistemas educacionais de estados e de municípios (DAY, 2016). Como exemplo, citamos o estado do Amapá que, por meio da assinatura do Acordo-Quadro Brasil-França (1997), desenvolveu muitas ações que culminaram na inserção do ensino da língua francesa no currículo. Posteriormente, outra legislação disparou novas frentes e discussões nesse assunto. Com a dimensão trazida pela globalização, ecoando fortemente nos textos da política educacional brasileira desde os anos de 1990, o marco regulatório mais recente expôs de vez a influência internacional sobre os assuntos educacionais. A Lei n.º 13.415/2017 deixou bem claro o viés hegemônico que delimitaria o currículo a ser implantado nas escolas. A partir dessa lei, o parágrafo quinto do Art. 26 passou a vigorar com a seguinte redação:

Art. 26 [...] § 5º No currículo do ensino fundamental, a partir do sexto ano, será ofertada a língua inglesa.

§ 4º Os currículos do ensino médio incluirão, obrigatoriamente, o estudo da língua inglesa e poderão ofertar outras línguas estrangeiras, em caráter optativo, preferencialmente o espanhol, de acordo com a disponibilidade de oferta, locais e horários definidos pelos sistemas de ensino. (BRASIL, 2017, grifo nosso).

Evidencia-se através da alteração na lei o que a própria versão de 1996 já sinalizava: influências características da nova ordem capitalista, voltada à tendência de unificação e controle da comunicação verbal (HAMEL, 2020). Assim, o monolinguismo se faz presente também nas relações entre as nações do mundo, ao vermos uma política linguística alinhada a um processo de subordinação econômica, já que ela impõe hierarquicamente a língua inglesa no currículo escolar do ensino fundamental e ensino médio no Brasil. Por conseguinte, a redação de 2017 se materializou na nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Nela, a língua inglesa, definida como língua franca, passou ao status de língua de oferta obrigatória. Outras línguas serão ofertadas somente se os interesses e as condições das instituições permitirem.

Se nos reportarmos ao que está legitimado pela CF/88 e pelo processo de desconcentração político-linguística por ela defendido, em tese, os estados deveriam ter autonomia para gerir a diversidade linguística e cultural local, favorecendo ações no sistema educacional que valorizem as relações já estabelecidas (SOUZA, 2018). No entanto, de maneira oposta, estudos no campo das políticas linguísticas (PEREIRA, 2009; SILVA, 2017; DAY, 2019) mostram que certas regiões, como a fronteira franco-brasileira, estão sujeitas às políticas educacionais nacionais que impactam e desconsideram a demanda social pelo ensino formal da língua estrangeira escolhida pela comunidade local.

Como forma de atender variados contextos que não estão contemplados na legislação educacional em vigor, o que teremos como amparo legal (se entrarem em vigência) são as Diretrizes Curriculares Nacionais para a oferta de Educação Plurilíngue (BRASIL, 2020).

AS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA EDUCAÇÃO PLURILÍNGUE: qual educação bilíngue?

Em 9 de julho de 2020, por meio do parecer 2/2020 - CNE/CEB, uma comissão composta por quatro membros do Conselho Nacional de Educação (CNE) votou pela aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a oferta de Educação Plurilíngue. Aprovada pela Câmara de Educação Básica (CEB), a resolução se lança como um documento para orientar a comunidade escolar e esclarecer o entendimento da concepção de educação bilíngue.

Em decorrência do grande número de escolas autodenominadas bilíngues e dos seus diversos modelos, segundo o CNE, houve muitas solicitações sobre a necessidade de uma normatização. Assim, desde 15 de outubro de 2019 a comissão foi constituída com o objetivo de analisar, propor e normatizar as escolas bilíngues e as escolas internacionais no Brasil. Tendo em vista a ausência de orientações nacionais, o texto cita o ensino bilíngue ministrado em regiões de fronteira como uma experiência de grande relevância para justificar a construção das Diretrizes. Antes da publicação do parecer, a comissão do CNE realizou, por meio da Câmara de Educação Básica, uma consulta pública disponibilizando um Texto Referência das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Bilíngue. Por meio do edital de chamada para contribuições ao texto, federações e associações de professores, bem como membros da sociedade em geral, puderam contribuir na formulação do texto final.

Posteriormente, o documento foi apresentado pela Comissão como resultado da atuação de profissionais (de instâncias públicas e privadas) que estudam, trabalham e pesquisam sobre educação bilíngue. O texto aprovado modificou o termo educação bilíngue para plurilíngue, porém, não excluindo o primeiro, apenas ampliando a possibilidade de experiências nos sistemas educacionais. As Diretrizes ainda aguardam homologação do Ministério da Educação (MEC). Sobre a utilização dos termos, o documento sintetiza que

Contemporaneamente, operou-se a preferência pela perspectiva do bilinguismo para o plurilinguismo (CAVALLI, 2005). Ainda que haja uma plêiade de entendimento sobre o que seja um bom ensino de línguas adicionais, alguns componentes se repetem. Entre eles, estágios de aprendizagem, assim como a sua exigência de coerência entre tempos de exposição às línguas, didática, recursos e metodologias tendo em vista os objetivos de aprendizagem estabelecidos no projeto pedagógico da instituição educacional, na adequação aos horizontes dos seus estudantes e à exequibilidade consoante o domínio técnico linguístico e dos componentes curriculares pelos seus professores. Nesse sentido, educação plurilingue ou bilíngue implica menos o ensino de língua e mais o aprendizado da língua adicional pelo uso estruturado em conteúdos e contextos culturais relevantes (BRASIL, 2020, p. 16).

As diretrizes mencionam que há elementos de ordem técnica, como o tempo de exposição às línguas e o estágio de aprendizagem, que auxiliam na estruturação de um currículo bilíngue satisfatório, mas que é preciso pensar na organização de conteúdos e nos contextos culturais significativos. Parte-se da compreensão de que a exposição a outra cultura e a outras línguas permite maior entendimento do sujeito sobre si, algo que não ficou em evidência no Projeto de Resolução das DCNs, uma vez que no seu Art. 2° se enfatiza que as escolas bilíngues visam “[...]ao desenvolvimento de habilidades linguísticas e acadêmicas dos estudantes nessas línguas” (BRASIL, 2020, p. 24, grifo nosso).

Buscando estabelecer parâmetros organizacionais, a resolução do CNE apresenta os capítulos que versam sobre a classificação, a carga horária, a formação de professores, a organização curricular e a avaliação para a denominação das escolas que ofertam línguas adicionais. Exporemos alguns critérios que permitem compreender a tipologia classificatória para a denominação das escolas que ofertam o ensino de línguas no modelo bi/plurilíngue. Para melhor compreensão, apresentamos um quadro síntese (Tabela 1):

Tabela 1 Classificação e organização curricular de escolas bilíngues, escolas com carga horária estendida em Língua Adicional, escolas brasileiras com currículo internacional e escolas internacionais###### 

Denominação Organização curricular Carga horária Critérios
Escolas Bilíngues Currículo único, integrado e ministrado em duas línguas de instrução (tanto as
disciplinas da Base
Comum quanto da parte diversificada do Currículo), visando ao desenvolvimento de competências e habilidades linguísticas e acadêmicas dos estudantes nessas línguas. A escola deve cumprir o disposto na BNCC para o componente curricular de língua portuguesa em todas as etapas da Educação Básica.
Educação Infantil e Ensino Fundamental no mínimo 30% (trinta por cento) e, no máximo, 50% (cinquenta por cento) das atividades curriculares; e no
Ensino Médio, deve abranger no mínimo 20% (vinte por cento) da carga horária na grade curricular oficial, podendo a escola incluir itinerários formativos na língua adicional.
Deve contemplar todas as etapas, para que possam ser denominadas como escolas bilíngues cuja implantação pode se dar gradativamente.
Escolas com
Carga Horária
Estendida em
Língua
Adicional
Currículo escolar em língua portuguesa em articulação com o aprendizado de competências e habilidades linguísticas em línguas adicionais,
sem que o desenvolvimento linguístico ocorra integrado e simultaneamente ao desenvolvimento dos conteúdos curriculares. A escola deve cumprir o disposto na BNCC para
No mínimo 3 (três) horas semanais, haja vista que 50%
(cinquenta por cento) da carga horária [para língua estrangeira] já é obrigatória por lei.
Não se enquadram na denominação de escola bilíngue.
os componentes da base comum e diversificada.
Escolas
Brasileiras com Currículo Internacional
Caracterizam-se pelo estabelecimento de parcerias, adoção de materiais e propostas curriculares de outro país, ofertando, portanto, currículos em língua portuguesa e línguas adicionais. Devem garantir que o currículo internacional não prejudique o desenvolvimento e avaliação do estudante no currículo brasileiro. O tempo relativo à língua adicional é de escolha da instituição, porém deve seguir a legislação brasileira sobre a carga horária mínima para as disciplinas obrigatoriamente ministradas em língua portuguesa. Caso requisitem a denominação de escolas bilíngues, deverão obedecer aos mesmos
critérios elencados na primeira classificação.
Escolas
Internacionais
Estão vinculadas a outros países, de onde emanam as suas diretrizes curriculares. As escolas
fundadas por comunidades de imigrantes procedem conforme os acordos bilaterais dos seus estatutos de fundação.
Não foi mencionada na resolução. As parcerias com instituições educacionais nacionais devem observar a legislação e normas
brasileiras, a exemplo da BNCC, para a expedição de dupla diplomação.

Fonte: Elaborado pelas autoras (2021).

Nota: Elaborado a partir do Projeto de Resolução presente no Parecer 2/2020 - CNE/CEB.

Conforme podemos notar, a denominação de escola bilíngue só será atribuída à instituição que utiliza, em todas as etapas do seu ensino, a língua adicional como língua de instrução em pelo menos trinta por cento do seu currículo, podendo atingir até cinquenta por cento das atividades. Para o ensino médio, o percentual mínimo é de vinte por cento e não houve a determinação de carga horária máxima, apenas mencionou-se a possibilidade de obtenção de mais horas na língua adicional através dos itinerários formativos. Já as escolas com carga horária estendida em Língua Adicional são aquelas que ofertam no mínimo três horas semanais de ensino-aprendizagem na língua adicional, não sendo obrigatória a sua integração aos conteúdos curriculares. As escolas brasileiras com currículo internacional possuem autonomia para decidir sobre a carga horária destinada à língua adicional e são regulamentadas pelo MEC, em parceria com grandes redes internacionais. As escolas internacionais seguirão as diretrizes curriculares dos países a que estão vinculadas, conferindo certa autonomia sobre o seu currículo, no entanto, para a validade da dupla diplomação, devem observar a legislação brasileira.

Nas disposições transitórias e finais, o projeto de Resolução estabelece um prazo de adequação para as escolas que já haviam sido registradas como bilíngues até o ano de 2020 e não estão de acordo com os critérios atuais. O prazo para a apresentação de um Projeto Político Pedagógico, conforme o disposto na Resolução, seria o de janeiro de 2022 para a Educação Infantil e o de janeiro de 2023 para o ensino fundamental e médio.

Além disso, as escolas devem adequar o seu quadro de docentes ao ensino bilíngue. Em relação à formação acadêmica, no Art. 21, § 3°, inciso II, além da formação em ensino superior, é exigida a formação complementar em Educação Bilíngue (curso de extensão com no mínimo 120 horas) ou comprovação de curso em andamento. Em relação à proficiência, no parágrafo quarto fica estabelecido que a partir de 2022 a escola deve apresentar a comprovação de proficiência dos seus professores.

Podemos salientar que possivelmente há um grande trabalho de mapeamento e de replanejamento à frente, tendo em vista o número de escolas que atuam nesse modelo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo ora apresentado objetivou analisar a proposta de Diretrizes Curriculares Nacionais para oferta de Educação Plurilíngue, Parecer 2/2020 - CNE/CEB, destacando as concepções e orientações para as escolas públicas e/ou privadas do Brasil, no que se refere à oferta do modelo de ensino bilíngue com línguas estrangeiras.

Inicialmente, discutimos algumas bases conceituais sobre bilinguismo e educação bilíngue, explorando as diferenças entre os termos, com vistas à compreensão de definições e tipos existentes. A fim de problematizar, porém de forma a não exaurir o tema, abordamos as concepções de educação bilíngue e o seu lugar nas políticas educacionais.

Vimos que, no Brasil, as discussões em torno da educação bilíngue surgiram fortemente na década de 1990, como um projeto alternativo frente à Constituição Federal de 1988 e a LDB de 1996 que estabeleceram, respectivamente, a língua portuguesa como única língua oficial e de escolarização (exceto aos povos indígenas). Em 2021, a LDB incluiu a comunidade surda, porém, contextos como as línguas de migração, das comunidades quilombolas e de regiões fronteiriças ainda não tiveram o mesmo reconhecimento. Em relação ao ensino de línguas estrangeiras, as opções curriculares contidas na LDB, pós alteração em 2017, refletem disputas no campo econômico incidindo sobre a linguagem, restringindo a oferta para apenas uma língua adicional (inglês), com abertura no ensino médio para uma segunda língua (preferencialmente o espanhol).

Em decorrência do grande número de escolas autodenominadas bilíngues e dos seus diversos modelos, surgiu em 2019 a proposta das Diretrizes Curriculares para oferta de Educação Bilíngue e, posteriormente, substituiu-se o termo bilíngue por plurilíngue. Apesar de citar a oferta de ensino bilíngue atrelada a questões culturais, a organização curricular, a distribuição de carga horária e a exigência de proficiência na língua adicional sinalizam um modelo voltado à garantia do desenvolvimento de habilidades linguísticas. Pontuamos que nas DCNs para oferta de Educação Plurilíngue temos um modelo que corresponde à oferta de disciplinas não linguísticas sendo ministradas na língua adicional de forma parcial ou integral (GAJO, 2009). De maneira geral, as DCNs possibilitam uma oportunidade de alcance de outras situações linguísticas, contudo, possuem muitas questões de caráter técnico, destinando a cada contexto e unidade escolar a responsabilidade em atendê-las.

Apesar de compreendermos as limitações temporais ligadas às pesquisas, de forma geral, principalmente as de âmbito político-documental, ressaltamos que este estudo contribui para um caminho investigativo político-linguístico sobre as recentes Diretrizes Curriculares Nacionais para oferta de Educação Plurilíngue. Acreditamos que análises de programas bilíngues já em execução, com base nas DCNs (2020) são trilhas de um próximo passo investigativo.

1Jacques Lucien Jean Delors, economista e político francês foi o autor desse relatório que tem como título “Educação, um Tesouro a descobrir”, no qual se exploram os Quatro Pilares da Educação, os mesmos presentes na Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

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Recebido: 1 de Fevereiro de 2022; Aceito: 1 de Setembro de 2022

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