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Revista Teias

versão impressa ISSN 1518-5370versão On-line ISSN 1982-0305

Revista Teias vol.24 no.72 Rio de Janeiro jan./mar 2023  Epub 03-Ago-2023

https://doi.org/10.12957/teias.2023.67204 

Artigos de Demanda Contínua

CORPOREIDADE E AS POSSÍVEIS INTERVENÇÕES NO ATO DE CUIDAR: olhares desde o Sul

CORPORITY AND POSSIBLE INTERVENTIONS IN THE ACT OF CARE: looks from the South

CORPORIDAD Y POSIBLES INTERVENCIONES EN EL ACTO DE CUIDADO: miradas desde el Sur

Marcelo Paraiso Alves1 
http://orcid.org/0000-0002-6236-3224; lattes: 4907435299665814

Silvia Bitencourt da Silva2 
http://orcid.org/0000-0003-0440-2472; lattes: 3343546641889688

Amparo Villa Cupolillo3 
http://orcid.org/0000-0003-1856-6005; lattes: 5482837394103537

Alexandre Palma4 
http://orcid.org/0000-0002-4679-9191; lattes: 7533719836625173

1Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Estado do Rio de Janeiro (IFRJ) / Centro Universitário de Volta Redonda (UniFOA)

2Prefeitura Municipal de Angra dos Reis

3Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)

4Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)


Resumo

A presente pesquisa objetivou visibilizar o modo como os(as) estudantes de uma escola pública localizada em Angra dos Reis - Rio de Janeiro (RJ) enfrentaram os problemas oriundos da saúde mental, especificamente do cuidado com os(as) adolescentes que apresentavam sinais de ansiedade e depressão. Metodologicamente a pesquisa se aproximou dos Estudos no/dos/com os cotidianos e utilizou as narrativas - imagéticas e discursivas - produzidas a partir das ações do projeto Girassóis da Cleusa, visto que as imagens - pinturas e fotografias - são aqui entendidas como meio de evitar as armadilhas dos textos escritos e suas verdades neutras e objetivas, o que favorece a ampliação e a complexidade do meio social, pois revelam outros saberes - emoções, sentimentos, fatos - que a linguagem científica não consegue expressar.

Palavras-chave: ensino fundamental; cotidiano; corporeidade; saúde

Abstract

The present study aimed to investigate how students from a public school located in Angra dos Reis - Rio de Janeiro (RJ), faced problems arising from mental health, more specifically from caring for adolescents who showed signs of anxiety and depression. Methodologically, the research approached the Studies in/of/with the daily life and used the narratives - imagery and discursive - produced from the actions of the Girassóis da Cleusa, since the images - paintings and photographs - are understood here as a form of avoiding the traps of written texts and their neutral and objective truths, which favors the expansion and complexity of the social environment, as they reveal other forms of knowledge - emotions, feelings, facts - that scientific language cannot express.

Keywords elementary school; daily life; corporeality; health

Resumen

La presente investigación tuvo como objetivo visibilizar la forma en que los alumnos de una escuela pública ubicada en Angra dos Reis - Rio de Janeiro (RJ) enfrentaron los problemas derivados de la salud mental, específicamente la atención a los adolescentes que presentaban signos de depresión, ansiedad y depresión. Metodológicamente, la investigación abordó los Estudios en/de/con la vida cotidiana y utilizó las narrativas - imaginarias y discursivas - producidas a partir de las acciones del proyecto Girassóis da Cleusa, ya que las imágenes - pinturas y fotografías - son entendidas aquí como un medio para evitar las trampas de los textos escritos y sus verdades neutras y objetivas, lo que favorece la ampliación y complejidad del medio social, en tanto revelan otros saberes - emociones, sentimientos, hechos - que el lenguaje científico no puede expresar.

Palabras clave educación primaria; cotidiano; corporidad; salud

INTRODUÇÃO

Esta descoberta é quase daquele tipo que chamarei serendipidade, uma palavra muito expressiva, a qual, como não tenho nada melhor para lhe dizer, vou passar a explicar: uma vez li um romance bastante apalermado, chamado Os três príncipes de Serendip: enquanto suas altezas viajavam, estavam sempre a fazer descobertas, por acaso e sagacidade, de coisas que não estavam a procurar... (Horace Walpole apud Gonçalves, 2013, p. 9)

Trazer a noção de serendipidade1 mencionada por Gonçalves (2013), se deve por um acontecimento inusitado que nos remeteu ao encontro de sinais, pistas (GINZBURG, 1989) das práticas educativas produzidas pelos praticantes de uma escola pública no município de Angra dos Reis - Rio de Janeiro (RJ).

De modo mais específico, estávamos a produzir dados para a elaboração de um documentário sobre um evento desenvolvido desde 2009 na escola - Projeto Africanidades -, entretanto, ao entrevistar a pedagoga da escola ela mencionou as ações de um coletivo de estudantes que estavam desenvolvendo um projeto denominado de Girassóis da Cleusa, uma alusão ao nome da escola: Escola Municipal Cleusa Forte de Pinho Jordão (EMCFPJ).

Naquele momento, recordei-me de Pais (2003, p. 51), da sociologia do cotidiano e da habilidade do flâneur que vagueia ao acaso, “[...] sem destino aparente, no fluxo e refluxo das massas de gente e acontecimentos”. Desse modo, enquanto produzia o material para o documentário, buscava pistas, sinais (GINZBURG, 1989), detalhes das práticas dos estudantes e dos impactos provocados pelas suas ações, o que nos remeteu a algumas questões: de onde surgiu o interesse para a criação do projeto? Quais ações eram essas? Quais impactos estavam provocando na escola e para além dos muros da Cleusa? Será que haveria outros momentos de serendipidades?

Assim, surgiu o interesse e a feitura deste trabalho que se propôs a visibilizar o modo como o coletivo Girassóis da Cleusa - Escola Municipal Professora Cleusa Fortes de Pinho Jordão (E.M.C.F.P.J), localizada em Angra dos Reis, interior do estado do Rio de Janeiro -, enfrentou os problemas oriundos da saúde mental, especificamente do cuidado com os(as) adolescentes que apresentavam sinais de ansiedade e depressão.

Seja um guarda-chuva na vida de alguém: trazer tal produção ao debate se deve pela percepção de que os(as) praticantespensantes2 do cotidiano escolar da referida escola, estão a reinventar maneiras (CERTEAU, 1994) de habitar o referido espaçotempo.

Outrossim, ressaltamos a aproximação das Epistemologias do Sul (2018) por entendermos que tais ações problematizam e confrontam o imaginário colonial moderno que está a solapar as tentativas de construção de uma educação emancipatória que promove o debate acerca da diversidade e das desigualdades sociais: “[...] as variáveis de saúde, por exemplo, apresentam-se de diferentes formas para grupos específicos da sociedade, dando instrumentalidade teóricometodológica à inseparabilidade do racismo, capitalismo e cis-heteropatriarcado.” (GONÇALVES et al., 2020, p. 2).

Diante do exposto, é importante que se compreenda que o presente trabalho ao se aproximar das Epistemologias do Sul, também se posiciona paralelamente à perspectiva de saúde defendida por Noronha, Meneses e Nunes (2019), que entende a saúde para além da lógica que opera a partir do reducionismo biomédico dicotomizado da vida humana. Dito de outra maneira, tal noção está enredada ao que Meneses (2005) denomina de “Bem Viver”. Para Meneses (2005), o “Bem Viver” possui relação com a melhoria da qualidade de vida das pessoas (vestimenta, habitação e alimentação, dentre outros).

Assim, partir dessa compreensão admitimos como pressuposto a ideia de que qualquer forma de universalismo e, aqui falamos da ótica biomédica, emerge de uma racionalidade monocultural, a qual tende a estabelecer padrões e formas de comportamento, não permitindo que as experiências locais apresentem formas de enfrentamento aos determinantes que os assolam e impactam em sua saúde.

Nessa direção, cabe considerar que concordamos com a lógica de que o pensamento abissal se constitui a partir da divisão da realidade social em dois lados: o “lado de cá” visível, útil, e inteligível configurado pelo Norte planetário e que, nesse estudo, se revela com a constituição de um imaginário social que estabelece como padrão de beleza corporal o corpo branco, com cabelo liso, alto e magro que influencia um comportamento racista e impacta significativamente na saúde de adolescentes. E, o “outro lado”, significado historicamente pelo Sul planetário, sendo constituído por aqueles que estão fora do imaginário colonial moderno, portanto, os não brancos, considerados atrasados, primitivos, selvagens: “[…] sistema de distinções visíveis e invisíveis, as invisíveis fundamentando as visíveis. As distinções invisíveis se estabelecem por meio de linhas radicais que dividem a realidade social em dois universos distintos” (SANTOS, 2018, p. 28).

Partindo dessa configuração, ao pensar a contraposição ao colonialismo insidioso e a sua forma evanescente, porque se faz presente “[...] nas ruas como nas casas, nas prisões e nas universidades como nos supermercados e nos batalhões de polícia” (SANTOS, 2018, p. 2), estamos a pensar no coletivo dos(as) sujeitospraticantes da EMCFPJ e, na contraposição ao enfrentamento do pensamento que procura colonizar e excluir pessoas, culturas e universos simbólicos.

Assim, inicialmente nos deteremos na discussão acerca da noção de corporeidade na tentativa de problematizar a oposição ao conceito de corpo, entendendo que esse se aproxima do imaginário colonial moderno. E, posteriormente, apresentaremos os fragmentos das práticas educativas, que considero emancipatórias por permitir ressignificar o espaço em que o coletivo do Cleusa Jordão habita.

PRESSUPOSTOS EPISTEMOLÓGICOS E METODOLÓGICOS

Optamos por organizar o arcabouço epistemológico-metodológico considerando dois desafios propostos por Santos (2007): primeiro, enfrentar o desperdício de experiências do mundo, uma vez que a racionalidade metonímica ao tomar a parte pelo todo, trabalha com um conceito de totalidade deixando de fora qualquer experiência que não se enquadra no padrão vigente; segundo, criar condições objetivas para uma transformação social, pois ao considerar a visibilização desta experiência social o estudo se articula à sociologia das ausências e, simultaneamente à sociologia das emergências, porque se projeta a partir de uma ação prospectiva para que outros coletivos partam das práticas desenvolvidas pelos Girassóis da Cleusa3 e reinventem segundo suas demandas locais.

Assim, atendendo ao primeiro desafio, enfrentar o desperdício das experiências, nos aproximamos da Sociologia das Ausências, porque entendemos ser esse um procedimento “[...] transgressivo, uma sociologia a qual intenciona mostrar que aquilo que não existe em nossa realidade é produzido ativamente como não existente, não crível e, por isso a armadilha para nós é reduzir a realidade ao que existe” (SANTOS, 2007, p. 28).

Desse modo, o autor (SANTOS, 2004, p. 793) salienta que, para levar adiante o trabalho sociológico mencionado, exige-se a imaginação sociológica, que emerge de duas dimensões: A Imaginação Epistemológica, que possibilita “[...] diversificar os saberes, as perspectivas e as escalas de identificação, análise e avaliação das práticas”; e a imaginação democrática, que emerge viabilizado pelo reconhecimento de diferentes práticas e atores sociais.

Nessa lógica, para atender tais pressupostos, optamos pela visibilização das produções dos sujeitospraticantes do cotidiano escolar como maneiras plurais de narrar o mundo. Privilegiar as narrativas se deve pela aproximação ao pensamento de Beatriz Sarló (2006) que valoriza a narração de modo a acessar a memória como uma forma de testemunho do vivido e, portanto, a ruptura com um modo de fazer a História pelo alto, desconsiderando as experiências daqueles que estiveram subalternizados (SPIVAK, 2010).

Já no atendimento do segundo desafio - criar condições objetivas para uma transformação social -, optamos pela ecologia dos saberes e a valorização das produções dos(as) estudantes privilegiando outras formas de narrativas, o que nos remeteu a considerar a racionalidade estético expressiva da arte e da literatura: prazer, autoria e artefactualidade discursiva (SANTOS, 2002) para sentir, intuir, ouvir e enxergar a roda de conversa para além de uma metodologia de ensino, mas como uma metodologia do ato de cuidar.

Assim, privilegiamos as imagens e narrativas (BENJAMIN, 1994) que efetivamente participaram das ações dos Girassóis, visto que as “[...] obras artísticas imagéticas - pinturas e fotografias - entendidas como meio de evitar as armadilhas dos textos escritos e suas verdades neutras e objetivas” (OLIVEIRA, GERALDI, 2010, p. 23), favorecem a ampliação e a preservação da complexidade do meio social, pois revelam outros saberes - emoções, sentimentos, coisas, cheiros, fatos - que a linguagem científica não consegue e não pretende expressar. Todavia, também vamos nos apropriar do que está disposto nas redes sociais da escola e da prefeitura municipal de Angra dos Reis (PMAR) como sinais, pistas, indícios (GINZBURG, 1989), das práticas emancipatórias do coletivo aqui estudado (EMCFPJ).

Cabe ainda salientar que, se epistemologicamente as epistemologias do Sul nos serviram de referência, metodologicamente dois autores no auxiliaram no percurso metodológico e na discussão dos dados do estudo: Pais (2003) e Ginzburg (1989).

A sociologia cotidiana de Pais (2003) nos auxiliou na percepção de que o flâneur não segue o roteiro turístico, preestabelecido pelos mapas e itinerários disciplinados produzindo viagens repetitivas, ao contrário, a sociologia cotidiana nos incitou a um olhar de ostra (PAIS, 2003, p. 52): “[...] percepção de ostra, de olho enorme, mas simultaneamente, de olhar ingênuo, isto é, centrado no social in statu nascendi, tentando captar as coisas mesmas, tal qual elas aparentam ser”.

Nesta linha de pensamento, fomos buscando sinais, pistas, seguindo caminhos incertos, como menciona a sociologia cotidiana, um trotar vagabundo e errante, até mesmo indisciplinado, visto que de fato descobrir no ato de desvelar, retirar o véu, “[...] é necessário ter vivido algum tipo de desnorte” (PAIS, 2003, p. 54). Desse modo, fomos cartografando os sinais de uma realidade opaca, na tentativa de ir decifrando dimensões antes não conhecidas do conhecimento sociológico. Daí surge o diálogo com Ginzburg (1989) no que tange o movimento metodológico, pois para além dos vestígios tentávamos encontrar as lacunas e os silêncios que são mais do que a mera ausência, porque são pistas sígnicas.

Neste sentido, o paradigma indiciário nos permitiu acessar as narrativas como fios de um tecido social, visto que as pistas se entrecruzavam construindo um conhecimento a partir das experiências e das singularidades de estudantes e profissionais envolvidos: “[...] capacidade de passar imediatamente do conhecido para o desconhecido, a partir dos indícios.” (GINZBURG, 1989, p. 41).

O que estamos a defender é que o paradigma indiciário ao partir da articulação entre Sigmund Freud, Sherlock Holmes e o crítico de arte Morelli (LENE, SELIDONHA, 2012), privilegia os pormenores: “[...] a proposta de um método interpretativo sobre os resíduos, sobre os dados marginais, considerados reveladores.” (GINZBURG, 1989, p. 149).

Seguindo o rastro do indiciarismo ginzburguiniano, buscamos nas narrativas os fios de um fazer cotidiano, pois o nosso campo de investigação, o território, passou a ser o cotidiano do projeto a ação de pesquisador, ocupando o lugar do tecelão, na busca dos sinais e pistas que estabelecem um padrão, permitiu reunir informações e interpretações do contexto pesquisado, sustentado pela urdidura dos fios.

No caso deste estudo, a consistência da teia fabricada pelo pesquisador/tecelão é traduzida a partir das narrativas dos praticantespensantes (OLIVEIRA, 2012), portanto, tapete é o paradigma ao qual estamos atrelados, a valorização da experiência como conhecimento da realidade social que estávamos imersos.

Diante do exposto, nos colocamos na condição de caçador que usa o saber venatório na intenção de “[...] descobrir pistas de eventos não diretamente experimentáveis pelo observador.” (GINZBURG, 1989, p. 153). A partir dessa lógica mergulhamos nas narrativas - imagens, reportagens de sites e jornais, entrevistas e falas - como os médicos, também utilizamos os “[...] quadros nosográficos” (PAIS, 2003, p. 67), para vermos o que se passava no cotidiano da escola.

Considerando os procedimentos metodológicos supramencionados, ressaltamos o uso da entrevista com perguntas semiestruturadas, pois já estávamos realizando o referido movimento na intenção de produzir os dados para o documentário. Para Gil (2010, p. 109), a entrevista é um instrumento que possibilita a obtenção de dados “[...] acerca do que as pessoas sabem, creem, esperam, sentem ou desejam, pretendem fazer, fazem ou fizeram, bem como acerca das suas explicações ou razões a respeito das coisas precedentes.”

Desse modo, fazíamos como as “[...] explorações mineiras, com vários poços, muitos dos quais fechados de há muito [...], seguindo o filão e esperando descobrir novos veios ricos em minério.” (PAIS, 2003, p. 54). Isto é, em meio ao roteiro de perguntas focalizadas no projeto de Africanidades, inserimos perguntas sobre o Girassóis da Cleusa, o que nos levou a novas serendipidades: entrevistas no jornal da escola, participação no seminário que reuniu especialistas das áreas da psiquiatria e atendimento de emergência para falar sobre prevenção ao suicídio, entrevistas na rádio local e na TV Sul Fluminense. Assim, seguíamos as orientações da sociologia cotidiana de Pais (2003, p. 54) preferindo caminhos tortuosos ao movimento de esgravatar “[...] resíduos em minas já exaustas”, optando pelo descobrimento ao contrário da demonstração.

Outrossim, torna-se relevante frisar que o “olhar” aguçado e meticuloso (GINZBURG, 1989), mas também a intuição, o olfato, o tato, nos auxiliou na busca e na interpretação dos achados da pesquisa.

Considerando ser este um estudo que envolve seres humanos ressaltamos que a pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética do Centro Universitário de Volta Redonda e devidamente aprovada. Igualmente, ressaltamos que as imagens do estudo foram obtidas no perfil de acesso público no Facebook da escola, com apoio na Resolução n. 510 de 2016 do Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 2016), que desobriga aprovação no Comitê de Ética em Pesquisa e a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa no caso de investigações que usem informações de acesso e domínio público. Do mesmo modo, valemo-nos da Lei n. 9.610 de 1998 de Direitos Autorais (BRASIL, 1998), cujo teor menciona que os conteúdos postados em espaços públicos podem ser utilizados livremente4.

CORPO, CORPOREIDADE E A EXPERIÊNCIA COMO LUGAR DE ENUNCIAÇÃO

Ao optar pela noção de corporeidade, o fizemos pela necessidade de ruptura com o discurso da modernidade, que privilegia a impessoalidade, as afirmações genéricas e a universalidade, pois entendemos ser imperiosa a necessidade de enunciação do lugar de onde se fala.

Nessa direção, Najmanovich (2001) menciona que tal concepção de corpo está vinculada ao representacionismo e as coordenadas fixas que estabelece um único modo de olhar: a perspectiva linear ou ilusão do realismo. Para a autora (NAJMANOVICH, 2001), na ciência essa mentalidade foi possível por meio da padronização viabilizada pela matemática e pelos experimentos controlados permitindo a implantação de modelos: o metro e o quilograma são exemplos. Já na pintura, a perspectiva linear cuidou para que o nosso olhar fosse conduzido com maestria para um único ponto e nos parece que ao refletir sobre o ato de cuidar esse olhar nos moveu a um lugar de normalidade como denomina Canguilhem (2000): a biomedicina.

Em relação ao olhar comum, Nascimento (2017) explicita que a relação entre arte e matemática permitiu a produção que estamos a problematizar: “A geometrização do espaço possibilitou a crença em um espaço independente.” (NAJMANOVICH, 2001, p. 15). O que nos levou a crer na possibilidade de reduzir a complexa rede que envolve a experiência no/do espaço à mera abstração. Essa objetividade nos conduziu ao afastamento das experiências corporais e da subjetividade: um observador neutro.

No que pese ao corpo na direção supramencionada, Najmanovich (2001) ainda ressalta que, esse modo de percepção do mundo nos conduziu a um corpo vazio e sem vísceras afastado dos valores morais, psique, emoção, sentimento, inodoro e insípido, um corpo desvitalizado.

Por outro lado, ao optar pela corporeidade, nos aproximamos da noção de “sujeito encarnado”, pois entendemos que o ser humano emerge da multidimensionalidade da experiência (NAJMANOVICH, 2001). Como problematizar o corpo dos(as) estudantes da escola desconsiderando o corpo negro e a miscigenação do povo brasileiro oriundas das classes menos favorecidas? Para Kazadi Wa Mukuna, etnomusicólogo, ao prefaciar a obra de Antonacci (2016) - Memórias ancoradas em corpos negros - a Diáspora Africana no Brasil preservou a tradição oral por intermédio da dança e da música, portanto, constituindo corpos e um universo simbólico que não separa a religião, o conhecimento, ciência natural, história, entre outras expressões.

Ao partir do pressuposto que as corporeidades se constituem no emaranhado complexo das experiências em que estão imersos, torna-se possível perceber a potência do projeto Girassóis da Cleusa e seu impacto nas experiências individuais/coletivas, pois opera com a lógica da dinâmica criativa de si mesmo, ou seja, o sujeito se constitui na relação, no intercâmbio que estabelece com o mundo (NAJMANOVICH, 2001).

Uma segunda proposição, que estabelece relação com a anterior, exige que se considere o conhecimento humano como um aspecto particular e localizado, porque se desenvolve e se constitui a partir de um contexto específico, o que nos remete a afirmar que há sempre um lugar de enunciação (NAJMANOVICH, 2001).

Neste sentido, Santos (2020) nos auxilia ao discutir a corporeidade a partir de distinções: o corpo moribundo, aquele que é provisório da luta, mas que pode permanecer em luta em outro corpo vivo, este é o corpo do martírio; o corpo jubiloso, que emerge do prazer, das festas, das danças, do riso, do erotismo; portanto, as “[...] lutas sociais não são morte e sofrimento, são também alegria e jubilo” (SANTOS, 2020, p. 142); por fim, o que nos interessa, o corpo sofredor, o que “[...] requer maior atenção, uma vez que se trata do corpo que sobrevive e persevera na luta apesar do sofrimento.” (SANTOS, 2020, p. 140).

Nesta linha de pensamento, consideramos relevante a aproximação do sujeito encarnado ao corpo sofredor, pois é dessa lógica que emerge o Girassóis da Cleusa, visto que, após a superação de um processo de depressão a estudante AP desencadeia tal movimento no cotidiano da escola.

Terceiro, para Najmanovich (2001), não há possibilidade de se conhecer algo ou alguma coisa, sem que se estabeleça relação com o sujeito, o que nos remete a reconhecer a necessidade de “[...] interação, relação, transformação mútua, co-dependência, coevolução.” (NAJMANOVICH, 2001, p. 23).

Por fim, considerando as proposições anteriores, se estamos a operar com a ideia de que a corporeidade é forjada a partir das experiências e, que essas, por demais complexas que sejam estão fundadas em histórias locais, não podemos esquecer que sempre teremos um buraco cognitivo, um ponto cego, uma cegueira que nos remete a um limite, o nosso modo de perceber o mundo, o que nos permite afirmar que o ser um humano é inacabado e incompleto, portanto, precisa do “outro” para ampliar a percepção do mundo.

Desse modo, o corpo concebido em uma perspectiva multidimensional, não possui um referente fixo, porque ao se constituir em meio às experiências, está sempre em transformação e, por consequência, em interação com o mundo numa perspectiva de co-criação. Portanto, na ótica da corporeidade, não existe um sujeito abstrato, independente e anterior a experiência, pois esse depende de seu processo de enação (NAJMANOVICH, 2001). Para a autora, a enação é o processo de “[...] emersão sincrônica do sujeito e do mundo na experiência contextualizada, corporalizada e histórica.” (NAJMANOVICH, 2001, p. 27).

Assim, operar a partir da noção de corporeidade nos auxilia a entender a discussão de Barsaglini (2019, p. 3): “[...] É então, este trabalhar sobre si mesmo que caracteriza os estudos da experiência da doença (HERZLICH, 2004) [que] é perpassado por elementos da subjetividade, da vida cotidiana e da estrutura social entrelaçados nas biografias”; e refletir sobre as experiências e o modo de cuidar peculiarmente desenvolvido pelo coletivo Girassóis da Cleusa.

Diante do exposto e, no intuito de explicitar o que estamos considerando como um espaço singular de “cuidado”, vamos nos deter na visibilização dos achados e desvelamentos da pesquisa.

GIRASSÓIS E O COTIDIANO ESCOLAR: OUTROS SABERES, OUTRAS MANEIRAS DE CUIDAR

Para encerrar os debates, alunas da Escola Municipal Cleusa Jordão, integrantes do Coletivo Girassóis da Cleusa, falaram sobre como funciona o projeto. A ideia da criação dos Girassóis da Cleusa surgiu dos próprios alunos, com a percepção de que alguns de seus colegas passam por problemas emocionais e precisam de ajuda. O coletivo é formado pelos próprios alunos, que explicaram que o nome girassóis foi escolhido porque o girassol, além de representar a felicidade, está sempre voltado para a luz e de costas para a escuridão. O grupo realiza trabalhos de grupo com alunos e, durante o Setembro Amarelo, estará visitando as salas de aula explicando a importância da mobilização. (PMAR, 2014).

A epígrafe apresentada é um recorte do boletim informativo da PMAR sobre o seminário que reuniu especialistas das áreas de psiquiatria e atendimento de emergência para falar sobre prevenção ao suicídio. Talvez para alguns, trazer a referida produção e o reconhecimento do conhecimento científico, por intermédio dos especialistas da área de psiquiatria, fosse o ápice do trabalho. Todavia, entendo que ao fazer isso, mais uma vez estaríamos buscando a referência na monocultura do saber e rigor científico (SANTOS, 2002).

Desse modo, trazer de início tal produção também não é para torná-la menor, porque não o é, mas para salientar que privilegiarei a potência e o reconhecimento do ato de cuidar na ótica daqueles que o produziram e que dos(as) que participaram de múltiplas maneiras de usarfazer (CERTEAU, 1994) as demandas locais da escola aqui investigada.

O projeto Girassóis da Cleusa iniciou a partir da demanda criada por uma estudante da escola, conforme narrativa da Pedagoga:

Os Girassóis da Cleusa surgiram de uma iniciativa de uma aluna, a AP. Uma aluna que já estudava conosco desde o sexto ano do Ensino Fundamental. Ela no início do ano de 2019, nos procurou na secretaria da escola, inclusive a professora R estava junto, para falar sobre a ideia da gente trabalhar o Setembro Amarelo5, uma campanha de prevenção ao suicídio. E aí nós falamos para ela mobilizar alguns alunos para nós marcarmos uma reunião... E aí na reunião, ela falou que essa ideia surgiu porque ela convivia com muitos colegas que tinham pensamentos suicidas, muitos colegas se automutilavam, tristes, deprimidos. (Pedagoga da Escola - Entrevista concedida pelo WhatsApp dia 02/12/2020, grifos dos autores).

A narrativa nos remeteu a dois aspectos mencionados por Santos (2010; 2018) e que parecem entrelaçados: a ecologia dos saberes e o processo de democratização da escola.

Com relação a ecologia dos saberes a narrativa apresenta sinais que evidenciam a experiência da aluna AP para perceber o que estava acontecendo com os colegas. Desse modo, ao considerarmos a ecologia dos saberes, estamos trabalhando em uma tessitura com o pensamento pós-abissal, uma racionalidade que nos remete a aprender com o Sul, isto é, aprender com aqueles que na interação com a razão indolente, foram historicamente invisibilizados(as) e/ou descredibilizados(as) por serem desfavorecidos de conhecimentos (SANTOS, 2006).

Outrossim, tal perspectiva permite confrontar o pensamento moderno, no formato da razão metonímica, pois está fundado no reconhecimento da diversidade de conhecimentos heterogêneos, entre os quais o conhecimento científico seria um deles.

Nessa linha de pensamento, é importante trazer Larrosa (2002) para o diálogo, pois a experiência em sua ótica se configura como sendo tudo aquilo que nos passa, ou nos toca, isto é, aquilo que marca nossa corporeidade (NAJMANOVICH, 2001; SANTOS, 2020). Todavia, a diferença entre a vivência e a experiência é fundamental para entendermos o modo como racionalizamos aquilo que nos acontece, pois é a partir daí que a utilizamos para intervir no mundo, por isso a experiência não é sinônimo da vivência, visto que nesta última aquilo que nos passa não é objetivado, não se torna fruto de racionalização.

Portanto, vamos entender que a experiência de AP é um conhecimento a ser considerado, um saber potente que permitiu a intervenção na realidade em que ela estava inserida. Um indício (GINZBURG, 1989) do que estamos a problematizar emergiu em uma reportagem das alunas MC e D para o jornal da Cleusa6:

Jornal (MC e D): O que motivou vocês a criarem esse coletivo?

Girassóis: A aluna AP que teve a iniciativa de criar o grupo, ela tinha ansiedade e assim como ela venceu ela quer ver outras pessoas vencerem a ansiedade e a depressão também. (Jornal - E.M.C.F.P.J, out/ 2019, p. 2, grifos dos autores).

A entrevista do jornal realizada com a AP nos permitiu perceber que a estudante já havia tido a experiência com a ansiedade e os problemas oriundos desse transtorno, talvez o que a possibilitou desenvolver o olhar aguçado para encontrar dentre os(as) seus pares os sinais de sofrimento e dor. A esse respeito Barsaglini (2019, p. 2) nos chama a atenção para o fato de que diversas “[...] coisas que se passam escapam à objetivação, reflexão porque se encontram no plano das sensações e somente são sentidas/vividas no fluir da vida [...]”, daí poderíamos entender a disposição de AP para tornar-se uma protagonista na criação dos Girassóis da Cleusa.

Outrossim, fundados na percepção de que a experiência estimulou a estudante (AP) a mobilizar outros(as) colegas de classe para estabelecer uma ação coletiva na escola, ficamos a pensar na noção de corporeidade discutida por Santos (2020) no item anterior: corpo moribundo, corpo sofredor, corpo jubiloso.

Trazer à baila tais distinções, não se faz na intenção de enquadrar AP em um deles, até porque acreditamos na multidimensionalidade da experiência (NAJMANOVICH, 2001), mas por entendermos que a estudante apresenta as três noções em uma tessitura: como uma mulher de classe popular e negra, portanto, atravessada pelo capitalismo, patriarcado e o colonialismo.

A esse respeito nos aproximamos de Leda (2003) para afirmar a presença do corpo moribundo em AP, visto que a estudante apresenta sinais deste corpo porque o corpo afrobrasileiro traz a marca da diáspora africana e de todos aqueles que morreram e morrem atualmente nas periferias brasileiras na luta contra o racismo: “O martírio é, assim, um conhecimento corporizado mesmo até a extinção do corpo, mas sem qualquer ideia de autodestruição” (SANTOS, 2020, p. 139). Do mesmo modo, a estudante apresenta pistas (GINZBURG, 1989) do corpo sofredor em decorrência do racismo que sofre em detrimento de sua raça e a desvalorização racial presente na sociedade brasileira emerge em AP como um conhecimento que, segundo Santos (2020), fortalece na luta contra a opressão. E por fim, o corpo jubiloso também emerge na estudante, visto que, “[...] as epistemologias do Sul entendem a alegria, o júbilo, a celebração e a festa como expressões da força vital exigida pelas lutas contra a opressão.” (SANTOS, 2020, p. 143)

Nesta linha de pensamento, fica-nos evidenciada a relação multidimensional caracterizada pela enação, isto é, uma corporeidade que se constrói na “[...] emersão sincrônica do sujeito e do mundo na experiência contextualizada, corporalizada e histórica.” (NAJMANOVICH, 2001, p. 27)

Pautados, na contraposição da lógica que opera invisibilizando abissalmente e resgatando o lugar do “outro” que procura o seu espaço de existência, nos parece que o coletivo da escola, buscou transformar o Setembro Amarelo em um espaço político e efetivo de construção de conhecimento, estabelecendo a contraposição ao colonialismo, que permanece de maneira insidiosa e ardilosa ainda nos dias atuais (SANTOS, 2018), excluindo e invisibilizando pessoas. Duas pistas encontradas a partir da entrevista com a pedagoga da escola nos revelam duas descobertas relevantes sobre o coletivo que estamos a estudar: primeiro, a intenção do grupo com o uso do símbolo do girassol; e a produção que emergiu no cotidiano da escola com uma mensagem a estimular estudantes a uma atitude de partilha e solidariedade, o jornal da escola nos apresenta sinais do que estamos a discutir:

Jornal (MC e D): Qual é a origem do nome?

Girassóis: Girassóis é uma flor que gera alegria, e transmite paz, sendo que fica de costas para o escuro e de frente para a luz (Jornal - E.M.C.F.P.J, out/ 2019, p. 2, grifos nossos).

Ao buscar os sinais criado pelos(as) estudantes, recorda-se de Ginzburg (1989, p. 170) a versar sobre a analogia do indiciarismo com o tapete: “O tapete é o paradigma que chamamos cada vez, conforme os contextos, de venatório, divinatório, indiciário ou semiótico”. A figura emerge como um fio, a nos remeter a uma atitude que o grupo gostaria de espargir para os(as) outros(as) estudantes.

Do mesmo modo, entendemos que essa é uma forma de enfrentamento ou contraposição aos valores tóxicos propagado pela tríplice força de produção da não existência - capitalismo, colonialismo e patriarcado - refletidos no individualismo e no estímulo a uma competição exacerbada, discurso muito comum utilizado na sociedade atual para estabelecer uma atitude de sucesso na vida, mas que simultaneamente gera solidão, conforme nos chama a atenção as reflexões de Boaventura de Sousa Santos na reportagem intitulada A era dos coletivos de solidão:

Estamos às portas de uma era não relacional em que os atributos que definem grupos de população são naturalizados e separados entre si de modo a não ser visível a relação que há entre eles [...]. As redes sociais são a expressão mais acabada da nova solidão, a pertença superficial, seletiva, isenta de compromissos extra-comunicacionais a coletivos cada vez mais organizados pelo mercado comercial, político ou religioso dos big data (In OUTRAS PALAVRAS, 24/12/2019, grifos dos autores).

Nesta linha de pensamento, estamos também a considerar que as ações produzidas pelo coletivo investigado, caminha na direção do segundo aspecto citado no início deste item - a democratização do cotidiano escolar -, pois ao validar o saber dos(as) estudantes, que historicamente sempre foram relegados a um espaço de ignorância, a escola rompeu com a hierarquização de saber e poder. A narrativa da pedagoga da escola apresenta sinais, pistas (GINZBURG, 1989) a respeito do que estamos a problematizar:

Uma outra ação que desenvolvemos foi a ida as salas. Essa ação foi muito bacana...porque assim: primeiro que os Girassóis nasceu das necessidades dos alunos, da articulação dos alunos, partiu desses sujeitos...a escola na realidade deveria ser pensada partindo das ações deles, do que eles desejam, do que eles querem, mas nem sempre a gente consegue. Mas esse projeto dos Girassóis da Cleusa foi uma iniciativa deles... o meu apoio e o da Raquel foi no sentido de trazer informações, coordenar as ações dentro da escola, mas eles que fizeram tudo, que mobilizaram a escola. Então, no mês de setembro eles foram a todas as turmas, eles confeccionaram o material, eles selecionaram o vídeo [...] contendo depoimentos explicando o que é depressão e a diferença de tristeza...de que ela precisa ser vista com outro olhar [...]. E a partir do material produzido eles foram as salas com o nosso apoio, levaram a televisão, conversaram com cada turma, os professores que estavam presentes também participaram do debate... (Pedagoga da Escola - Entrevista concedida pelo WhatsApp dia 02/12/2020, grifos dos autores).

A narrativa apresentada emerge no trabalho como evidência de uma prática com potenciais emancipatórios. Tal entendimento parte de uma perspectiva pós abissal, visto que, a escola ao permitir aos(as) estudantes que desenvolvessem a mobilização da comunidade escolar e assumissem o lugar de protagonistas, elaborando o material, realizando o desdobramento dos debates em sala de aula, incluindo a presença de professores que participaram da ação em uma perspectiva horizontal: “A democratização do espaço da cidadania é emancipatória apenas na medida em que esteja articulada com a democratização de todos os restantes espaços estruturais.” (SANTOS, 2018, p. 84).

Igualmente, a referida ação da escola caminhou em direção do que preconiza a carta de Ottawa (1986) em relação a promoção da saúde, visto que estimulou o cuidado de si e o cuidado com o outro: “O princípio geral orientador para o mundo, as nações, as regiões e até mesmo as comunidades é a necessidade de encorajar a ajuda recíproca - cada um a cuidar de si próprio, do outro, da comunidade e do meio-ambiente natural.” (CARTA DE OTTAWA,1986, grifos nossos).

Desse modo, o que procuramos problematizar é que a comunidade escolar - a equipe diretiva, docentes, direção, funcionários(as) de apoio, estudantes -, ampliou o espaço de participação dos coletivos dos Girassóis na escola, permitiu a criação dos espaços de escuta - via Girassóis - que potencializou o trabalho educativo da Cleusa, expandindo o espaço da cidadania, visto que a democracia sem fim, conforme ressalta Santos (2018):

Cada forma democrática representa uma articulação específica entre a obrigação política vertical e a obrigação política horizontal, e cada uma tem a sua própria concepção de direitos e de cidadania, de representação e de participação. Em todas elas, porém, o processo democrático é aprofundado pela transformação das relações de poder em relações de autoridade partilhada, do direito despótico em direito democrático, e do senso comum regulatório em senso comum emancipatório. Grifos dos autores.

Assim, parece que a escola partilhou com o coletivo dos Girassóis alguns encaminhamentos sobre o ato de cuidar e, desse modo, o grupo conseguiu acessar repercussões simbólicas/ imateriais desse transtorno silencioso que envolve o suicídio. Ao se reportar às repercussões sobre doenças crônicas, Barsaglini (2019, p. 2) comenta que as repercussões simbólicas são aquelas “[...] vividas, percebidas mais no plano subjetivo (sentidas) pelas interpretações e respectivos sentimentos, emoções que provocam, desencadeadas pelas alterações nas imagens corporais, na identidade, na moral e nos valores ordenadores da vida”.

A esse respeito, a narrativa da pedagoga revela as contribuições das intervenções dos Girassóis que tornaram os(as) estudantes mais atentos ao que se passava com o(a) “outro(a)” colega, portanto, um sinal das repercussões de ansiedade, depressão, dentre outros:

Enquanto escola, os alunos começaram a ficar mais atentos com os colegas que manifestavam comportamento entristecido ou com os colegas que eles ficavam sabendo que estavam se automutilando, colegas que deixavam algum recado... colocavam alguma coisa no Facebook, no status do Whatsapp ou Instagram. [...] Por fim, a AP e uma outra aluna também tiveram a iniciativa de fazer uma roda de conversa com os colegas... e aí elas conduziram a roda, ouviram, mediaram... algumas situações foram encaminhadas pra gente (grupo de pedagogos) e a gente encaminhou para a Secretaria de Educação no intuito de obter apoio (Pedagoga da Escola - Entrevista concedida pelo WhatsApp em 02/12/2020, grifos dos autores).

Ao nos deter nas evidências que emergem na narrativa supramencionada, gostaríamos de salientar que, credibilizar o resíduo [...] que reside em qualquer análise não significa ceder ao fascínio idiota do exótico e do incompreensível. Significa apenas levar em consideração uma mutilação histórica da qual, em certo sentido, nós mesmos somos vítimas (GINZBURG, 2006, p. 26), pois em grande parte das vezes ainda privilegiamos uma ótica fundada na perspectiva moderna, portanto, não credibilizamos práticas advindas dos(as) estudantes no cotidiano escolar.

No que pese ao cuidados com os(as) colegas, a narrativa apresentada nos revela duas questões: primeiro, um modo de usarfazer (CERTEAU, 1994) para cuidar uns dos outros - “[...] manifestavam comportamento entristecido ou com os colegas que eles ficavam sabendo que estavam se automutilando colegas que deixavam algum recado... colocavam alguma coisa no Facebook” -, que de certo modo nos parece o desenvolvimento de um “comportamento atento” e cuidadoso com o outro, que também se aproxima da ótica indiciária; segundo, a aproximação ao disposto na carta de Ottawa quando esta menciona a necessidade de reforçar a ação comunitária na promoção da saúde: “A promoção da saúde trabalha através de ações comunitárias concretas e efetivas no desenvolvimento das prioridades, na tomada de decisão, na definição de estratégias e na sua implementação, visando a melhoria das condições de saúde.” (CARTA DE OTTAWA, 1986).

Assim, seguindo a lógica da sociologia cotidiana (PAIS, 2003), que segue o rastro buscando caminhos tortuosos e, simultaneamente, o paradigma ginzburgniano que reconhece um rigor flexível na busca de construção de conhecimentos outros, buscamos esse tipo de conhecimento que se utiliza de “[...] elementos imponderáveis: faro, golpe de vista, intuição” (GINZBURG, 1989, p. 179), para perceber na roda de conversa um espaço de produção de conhecimento e “cuidado”, credibilizando os saberes produzidos a partir da diferença colonial (MIGNOLO 2003).

Para Mignolo (2003), o colonialismo estabeleceu um imaginário moderno que opera hierarquizando, pois trabalha a partir de uma perspectiva binária que estabelece o diferente como atrasado, selvagem sem conhecimento. Alcoff (2017, p. 44) ao trazer à tona a discussão de Mignolo ressalta que: “Ele procura revelar a maneira pela qual o poder tem trabalhado para criar essa diferença (isto é, a forma como o colonialismo cria o atraso tanto material quanto ideológico), bem como a forma como o poder colonial representa e avalia a diferença”.

Seguindo a lógica de Mignolo (2003), na intenção de romper com essa diferença, nos aproximamos da perspectiva dialógica de Freire (1997), pois esta prioriza a comunicação, a horizontalidade e o compartilhamento como elemento fundante na relação que se estabelece entre os sujeitos que co-habitam o mundo.

Ao refletir sobre a roda de conversa, nos parece que o grupo optou pelo processo de decodificação da realidade, visto que, cabe ao mediador não apenas ouvir, mas desafiar aqueles envolvidos no processo: “[...] problematizando, de um lado, a situação existencial codificada e, de outro, as próprias respostas que vão dando aqueles no decorrer do diálogo.” (FREIRE, 2003, p. 113).

Desse modo, o círculo de cultura não se ensina, aprende-se em reciprocidade de consciências, portanto, tal metodologia permite a partilha de experiências e o desenvolvimento de reflexões sobre as práticas educativas dos sujeitos, em um processo mediado pela interação e compartilhamento com os pares, resguardando a esses sujeitos um lugar de fala (SPIVAK, 2010) que ultrapassa a mera aquisição das narrativas como participantes que não apenas vivenciaram as ações, mas que garante aos estudantes, o espaço de cocriação dos processo de fabricação das produções do projeto.

Diante do exposto, salientamos que, se de um lado, o cotidiano da escola reconheceu o modo fazer dos sujeitos ordinários (CERTEAU, 1994) no coletivo do Girassóis da Cleusa, estabelecendo um processo de intervenção no ato de cuidar, por outro lado, esse reconhecimento também ocorreu para além dos muros da escola.

Conforme mencionamos na epígrafe deste item, o seminário realizado pelo município de Angra dos Reis, reunindo especialistas das áreas de psiquiatria e atendimento de emergência sobre prevenção ao suicídio, também nos parece ser outro indício que nos possibilita inferir que, as práticas realizadas pelo coletivo aqui investigado contribuíram para o ato de cuidar7.

Igualmente salientamos que, se inicialmente não utilizamos o evento como forma de credibilizar as práticas do referido coletivo, neste momento fazemos uso do seminário como uma das evidências, mas não como a única ou a mais válida para conceder credibilidade ao grupo. A questão que se coloca emerge novamente da serendipidade, só que agora não é Gonçalves (2013) que nos vem a memória, mas Ginszburg (1989, p. 170) ao salientar a relação da criação de Émile Gaboriau, e o detetive Monsieur Lecoq de Arthur Conan Doyle: “A coerência do desenho é verificável percorrendo o tapete com os olhos em várias direções. Verticalmente, e teremos uma sequência do tipo Serendip-Zadig-Poe-Gaboriau-Conan Doyle”.

Duas questões nos chamam a atenção na citação de Ginzburg (1989) ao enredarmos ao seminário supramencionado: primeiro, a relação entre o social e os fios de tapete; segundo, a serendipidade mencionada pelo autor (GINZBURG, 1989) ao mencionar os personagens criados pelo Arthur Conan Doyle: Émile Gaboriau, e o detetive Monsieur Lecoq, personagens que inspirou a criação de Sherlock Holmes.

Como sabemos, o paradigma indiciário apresenta influências de Morelli, Freud e Holmes, já que em ambos os casos, “[...] pistas talvez infinitesimais permitem captar uma realidade mais profunda, de outra forma inatingível. Pistas: mais precisamente, sintomas (no caso de Freud), indícios (no caso de Sherlock Holmes), signos pictóricos (no caso de Morelli).” (GINZBURG, 1989, p. 150).

Desse modo, salientamos que trazer à baila o seminário, não se deve por ser um evento de maior relevância para o reconhecimento do coletivo Girassóis, mas por entendermos ser este mais um fio que puxamos do tecido social que estamos a produzir: evidências de um modo singular de cuidar de si e do outro.

Assim na lógica da sociologia cotidiana, especificamente a partir do que Pais (2003) chama de sociologia narrativista, seguimos as pistas deixadas pelo coletivo do Girassóis da Cleusa. Pais (2003, p. 66) considera que tal sociologia - narrativista - define-se pela sua discursividade metodológica, “[...] porque mais importante que o mundo em si mesmo é a forma como ele é dito ou pensado. Para estas últimas, o mundo pensado e dito, o mundo relatado, é o mundo por excelência. A realidade social não existe a não ser de forma interpretada”.

Nesta linha de pensamento, optamos pela mostração (MAFFESOLI, 1998) outros dois indícios que nos permitiu perceber o modo singular como a escola municipal investigada, junto com o coletivo Girassóis, divulgaram as práticas de saúde desenvolvida no cotidiano da escola: entrevista na rádio local e em uma estação de televisão de âmbito regional8.

A mostração supramencionada é entendida neste estudo a partir das considerações de Maffesoli (1998, p. 116), visto que, “[...] o próprio da descrição é, justamente, o respeito pelo dado mundano. Ela se contenta em ser acariciante, em mais acompanhar do que subjugar uma realidade complexa e aberta”.

Para finalizar, ressaltamos, fundados nas epistemologias do Sul que operam credibilizando os conhecimentos produzidos por aqueles que historicamente ocuparam o lugar da ignorância e do não saber, que as iconografias supramencionadas emergem aqui como tessituras e narrativas do protagonismo juvenil. Um protagonismo que, para além do enfrentamento ao cenário que assola diversas crianças, adolescentes e jovens na atualidade - ansiedade e depressão -, também optou por espargir suas experiências individuais/coletivas para outros espaços.

CONCEDENDO UM INTERVALO PARA OUTROS DIÁLOGOS... PÓSPANDÊMICOS!

Cônscios de que o diálogo aqui iniciado não está no fim, mas apenas fazendo uma pausa forçada diante do caos estabelecido pela pandemia da Covid-19, ressaltamos que a proposição feita no início deste trabalho - visibilizar o modo como o coletivo Girassóis da Cleusa enfrentou os problemas oriundos da saúde mental, especificamente do cuidado com os(as) adolescentes que apresentavam sinais de ansiedade e depressão - foi exigida a considerar: a) pistas, minúcias do modo como o coletivo de estudantes da escola pública pesquisada promoveu conhecimentos singulares sobre o ato de cuidar de si e do outro; b) a noção de corporeidade forjada na multidimensionalidade da experiência, possibilitando perceber aprendizagens outras que ultrapassam a concepção monocultural de conhecimento, forjada pelo pensamento moderno, no qual o conhecimento científico representa sua máxima expressão; c) narrativas da pedagoga e iconografias do material desenvolvido pelos(as) estudantes, enredado a imagens da roda de conversa, que revelaram um modo horizontal na relação da escola com os(as) estudantes, evidenciando o protagonismo no trabalho preventivo sobre a ansiedade e a depressão; d) a valorização dos conhecimentos advindos das experiências de estudantes, o que tornou possível trazer à tona questões que talvez estivessem obscurecidas aos profissionais que atuam na escola. Ao permitir o trabalho co-labor-ativo junto aos(as) estudantes, estes últimos des-velaram aspectos antes desconhecidos aos olhares docentes.

1 Serendipidade neste estudo será “[...] usada para descrever aquela situação em descobrimos ou encontramos alguma coisa enquanto estávamos procurando outra, mas para a qual já tínhamos que estar, digamos preparados.” (GONÇALVES, 2013, p. 9).

2 Ao trabalhar com a grafia a partir da junção de palavras estou me aproximando da perspectiva enunciada pela professora Nilda Alves (2003, p. 66), que busca a superação da “[...] dicotomização herdada da ciência moderna, que separa e dicotomiza, por exemplo: pensarfazer, espaçotempo, dentre outras”. Do mesmo modo nos aproximamos de Certeau (1994) que entende que os sujeitos não são consumidores passivos, mas ao consumir os produtos, os reinventam de acordo com suas necessidades, demandas, anseios.

3 Cleusa - é o modo como a escola é reconhecida pelos(as) estudantes e docentes que atuam no âmbito das escolas municipais de Angra dos Reis.

4Fotos retiradas do Jornal - Cleusa Notícias - www.cleusajordao.com.br/site/noticias.2019-2010.pdf - Google Drive.

5Setembro Amarelo é uma campanha brasileira de prevenção ao suicídio, iniciada no ano de 2014.

6O jornal é uma produção dos(as) estudantes da Escola Municipal Cleusa Fortes de Pinho Jordão.

REFERÊNCIAS

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Recebido: Maio de 2022; Aceito: Dezembro de 2022

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