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Revista Teias

versión impresa ISSN 1518-5370versión On-line ISSN 1982-0305

Revista Teias vol.24 no.72 Rio de Janeiro ene./mar 2023  Epub 03-Ago-2023

https://doi.org/10.12957/teias.2023.63168 

Artigos de Demanda Contínua

UTILIZAÇÃO DO ALFABETO MÓVEL ORGANIZADO POR CRIANÇAS COM TEA: percepções de profissionais

USE OF MOBILE ALPHABET ORGANIZED BY CHILDREN WITH ASD: perceptions of professionals

USO DE ALFABETO MÓVIL ORGANIZADO POR NIÑOS CON TEA: percepciones de los profesionales

Maria Aparecida Ferreira de Paiva1 
http://orcid.org/0000-0003-3693-8466; lattes: 1409315958549414

Andréa Rizzo dos Santos2 
http://orcid.org/0000-0002-0808-7820; lattes: 9804407412975062

1Universidade Estadual Paulista (UNESP/Bauru)

2Universidade Estadual Paulista (UNESP/Bauru)


Resumo

Este artigo aborda as percepções dos profissionais envolvidos na escolarização de crianças com Transtorno do Espectro Autista em fase de transição da educação infantil ao ensino fundamental e sua construção da linguagem escrita a partir da usabilidade do Alfabeto Móvel Organizado, em oficinas sobre o funcionamento alfabético do sistema de escrita. Tratou-se de uma pesquisa participante de cunho descritiva com abordagem qualitativa, realizada em uma creche escola municipal de educação infantil de um pequeno município do centro-oeste paulista e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo seres humanos. Participaram três professoras do ensino comum, uma professora de educação especial, dois auxiliares de desenvolvimento infantil e cinquenta crianças matriculadas em três turmas de etapa II, na idade entre quatro anos e seis meses e cinco anos e onze meses, sendo que quatro delas eram diagnosticadas com TEA. Utilizou-se como instrumentos para coleta de dados questionários, registros de filmagem, fotografias e diário de campo. Os resultados revelaram, por meio da percepção dos profissionais, que o uso do AMO permitiu às quatro crianças com TEA mostrar seus saberes; apresentouse como material pedagógico enriquecedor à escolarização ao explorar as peculiaridades do transtorno e, maximizá-las em prol de uma aprendizagem efetiva. Concluiu-se que o AMO teve papel importante para a inclusão dessas crianças, favorecendo seu sentimento de pertencimento no contexto educacional comum.

Palavras-chave: educação especial; transtorno do espectro autista; inclusão

Abstract

This article addresses the perceptions of professionals involved in the schooling of children with autism spectrum disorder in transition from kindergarten to elementary school and their construction of written language from the usability of the Organized Mobile Alphabet in workshops about the alphabetical functioning of the writing system. This was a participatory research with a descriptive nature with a qualitative approach, carried out in a municipal nursery school for children's education in a small municipality in the center-west of São Paulo and approved by the Ethics Committee in Research involving human beings. Three common school teachers, a special education teacher, two child development Assistants and fifty children enrolled in three Stage II classes, aged between four years and six months and five years and eleven months, participated in the study, of them were diagnosed with ASD. Questionnaires, filming records, photographs and a field diary were used as instruments for data collection. The results revealed, through the perception of professionals, that the use of the OMA allowed the four children with ASD to show their knowledge; presented itself as an enriching pedagogical material for schooling, by exploring the peculiarities of the disorder and maximizing them in favor of effective learning. It was concluded that the OMA had an important role in the inclusion of these children, favoring their sense of belonging in the common educational context.

Keywords: special education; autism spectrum disorder; inclusion

Resumen

Este artículo aborda las percepciones de los profesionales involucrados en la escolarización de niños con trastorno del espectro autista en transición de kindergarten a primaria y su construcción del lenguaje escrito a partir de la usabilidad del Alfabeto Móvil Organizado, en talleres sobre el orden alfabético funcionamiento del sistema de escritura. Se trata de una investigación participativa de carácter descriptivo con enfoque cualitativo, realizada en una escuela infantil municipal de educación infantil en un pequeño municipio del centro-oeste de São Paulo y aprobado por el Comité de Ética en Investigación con seres humanos. En el estudio participaron tres maestros de escuela común, un maestro de educación especial, dos auxiliares de desarrollo infantil y cincuenta niños matriculados en tres clases de la etapa II, con edades entre cuatro años y seis meses y cinco años y once meses. De ellos fueron diagnosticados con TEA. Se utilizaron cuestionarios, registros de filmaciones, fotografías y un diario de campo como instrumentos para la recolección de datos. Los resultados revelaron, a través de la percepción de los profesionales, que el uso del AMO permitió a los cuatro niños con TEA mostrar sus conocimientos; se presentó como un material pedagógico enriquecedor para la escolarización, al explorar las peculiaridades del trastorno y maximizarlas en favor de un aprendizaje efectivo. Se concluyó que la AMO tuvo un papel importante en la inclusión de estos niños, favoreciendo su sentido de pertenencia en el contexto educativo común.

Palabras clave: educación especial; desorden del espectro autista; inclusión

INTRODUÇÃO

O cenário educacional brasileiro vem passando por transformações ao longo dos anos, sejam elas decorrentes de políticas públicas, de legislações, de movimentos sociais ou de uma junção de todos estes elementos.

Quando pensamos nos processos de escolarização e de inclusão das crianças público-alvo da Educação Especial (PAEE), isto se torna notório, principalmente no tocante ao acesso e permanência nas salas de aulas comuns, no qual com a ruptura dos paradigmas de segregação e de integração caminha-se para a concretização da inclusão.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN - 9.394/96 (BRASIL, 1996), atualizada pelas leis nº 12.796, de 2013 e, nº 13.415, de 2017, em seu art. 4º, inciso III, garante:

Atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, transversal a todos os níveis, etapas e modalidades, preferencialmente na rede regular de ensino (BRASIL, 2013, p. 1).

O PAEE engloba o Transtorno do Espectro Autista (TEA)1 que por apresentar idiossincrasias e especificidades únicas em cada indivíduo faz com que seu processo de escolarização esteja cercado por desafios ímpares aos atores e atrizes atuantes nas unidades escolares, revelando dificuldades, resistências e barreiras a serem ultrapassadas cotidianamente.

Segundo a 5ª edição da publicação do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM-5 (APA, 2013), o termo atualizado é Transtorno do Espectro Autista - TEA (F84.0 - CID 10), classificado como um transtorno do neurodesenvolvimento que ocasiona déficits persistentes na comunicação social e na interação social em múltiplos contextos e padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades, cujos sintomas devem estar presentes precocemente no período do desenvolvimento. Sua etiologia ainda não é conhecida de maneira detalhada e sua condição é de natureza multifatorial. Além disso, “[...] não existe nenhum exame (sangue, imagem ou atividade cerebral), cientificamente comprovado, que detecte o TEA.” (COSTA, ANTUNES, 2017, p. 89).

Atualmente vivencia-se um aumento no diagnóstico precoce de crianças com TEA, as quais, muitas vezes, chegam à educação infantil com este diagnóstico médico ou em fase de avaliação. Outras ainda iniciam na escola o seu processo pela busca de respostas aos comportamentos, características, déficits ou habilidades observadas por quem com elas trabalha.

Para Costa e Antunes (2017, p. 216), isto se deve:

[...] às mudanças nos critérios diagnósticos e ao melhor delineamento do transtorno, que permitem ao clínico melhor acurácia na sua identificação. Ademais, o aumento na ampla divulgação científica do TEA sensibiliza a população como um todo e permite que mais pessoas busquem por atendimentos especializados.

O número crescente de crianças diagnosticadas com TEA que chegam às unidades escolares, os desafios enfrentados pelos agentes educacionais no processo de escolarização desses alunos e a importância de se trabalhar a construção da linguagem escrita por meio de atividades significativas e interessantes, no contexto educacional inclusivo desde a educação infantil, tornam-se relevantes diante do cenário atual.

Desta forma, buscamos com este estudo, por meio da percepção de professores e dos Auxiliares de Desenvolvimento Infantil (ADIS) envolvidos, discutir a escolarização da criança com TEA e sua construção da linguagem escrita a partir da usabilidade do Alfabeto Móvel Organizado (AMO).

Para explicitar o estudo, abordaremos o tema embasado em seus pressupostos teóricos; o percurso metodológico utilizado; os resultados obtidos e a discussão, apontando possíveis caminhos para a escolarização inclusiva da criança com TEA, assim como algumas considerações da usabilidade do AMO em contextos educacionais.

TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

De acordo com o DSM-5 (APA, 2013), os sintomas do TEA podem se tornar plenamente manifestos mediante demandas sociais que excedam as capacidades limitadas, ou que podem ser mascarados por estratégias aprendidas mais tarde na vida, ou seja, é um transtorno inato ao indivíduo, porém suas manifestações podem variar ao longo do desenvolvimento humano e de acordo com o ambiente em que estiver inserido.

Com isto, afirma-se que a criança diagnosticada com TEA não é definida pela sua condição, outrossim, pelo meio em que se encontra, pelas pessoas com as quais convive em casa e em outros ambientes, pelas intervenções, terapias ou acompanhamentos profissionais que terá acesso.

Ainda segundo o DSM-5 (APA, 2013) o TEA pode estar associado a alguma condição médica ou genética conhecida ou a fator ambiental ou a outro transtorno do neurodesenvolvimento, mental ou comportamental. Tem maior prevalência no sexo masculino com proporção de quatro meninos para cada menina (DSM-5, 2013, p. 55).

O TEA apresenta os níveis de gravidade leve, moderado ou severo referentes à comunicação social e aos comportamentos restritos e repetitivos, os quais demandarão de acordo com DSM-5 (APA, 2013) diferentes tipos de apoio. Sendo eles: nível 1 - exigindo apoio; nível 2 - exigindo apoio substancial e nível 3 - exigindo apoio muito substancial.

Trabalhar no contexto da sala de aula comum com a criança com TEA, demandará do professor abertura a novos entendimentos e conhecimento sobre o transtorno, mas principalmente, conhecimento sobre a criança que está em sua sala de aula, pois a variabilidade de seus sintomas e características designa o termo espectro, o qual explicita a ideia de continuum.

A singularidade é uma característica humana, sendo assim cada criança com TEA é única em suas especificidades decorrentes do transtorno. Encontram-se crianças com TEA que têm dificuldade em assimilar conteúdos acadêmicos, dificuldades na coordenação motora grossa e/ou fina, na linguagem verbal, na comunicação, na interação social e nos comportamentos restritos e repetitivos. Entretanto, também se encontram crianças com TEA que possuem enorme habilidade na assimilação de conteúdos de determinada área, facilidade na leitura de letras e números (hiperlexia), comunicação verbal compreensível e de modo articulada, comportamento calmo e aberto ao toque, ao contato visual, à interação social, ainda que com algumas singularidades.

Assim, o TEA desencadeia em cada pessoa sintomas e características únicas, as quais podem se tornar limitantes ou propulsoras para o desenvolvimento do indivíduo conforme o meio em que estiver inserido e as pessoas com as quais terá contato.

Esta realidade mostra-se fortemente visível tanto dentro do contexto familiar quanto do contexto educacional, isto é, as pessoas pertencentes ao ciclo de vida da criança com TEA serão responsáveis por minimizar ou maximizar suas habilidades e/ou dificuldades.

Por isso, torna-se tão importante que o transtorno seja mais conhecido, que seus sintomas e idiossincrasias sejam estudados e divulgados, a fim de que o conhecimento possa respaldar os diferentes profissionais que trabalharão com a criança com TEA.

A comunidade escolar precisa ter uma formação mais acadêmica sobre o assunto e encontrar em seus pares ou superiores o aporte necessário para desenvolverem da melhor maneira possível o atendimento a esse aluno, ofertando uma educação de qualidade e desmistificando o transtorno.

Desde sua descrição inicial creditada a Leo Kanner (1894-1981), psiquiatra austríaco que em 1943 publicou onze casos de crianças, com idade variando de dois anos e quatro meses a onze anos, sendo oito meninos e três meninas que apresentavam sintomas comuns para proposição de uma nova síndrome (COSTA, ANTUNES, 2017, p. 25), o TEA vem desencadeando estudos e pesquisas em várias áreas, tais como, saúde e educação (RIBEIRO, MECCA et al, 2021; OLIVEIRA, COSTA, SILVA, 2019).

Comportamentos disruptivos podem acontecer quando a criança com TEA se sentir insegura e não pertencente a determinado lugar configurando-se como crises de choro, autoagressão, heteroagressão, gritos, agitação extrema, entre outros. (SCHWARTZMAN, ARAÚJO, 2011; VOLKMAR, WIESNER, 2019).

O manejo comportamental da criança com TEA é fundamental a fim de que ela possa se desenvolver de modo integral e se sentir acolhida no ambiente escolar. Mais uma vez, quem apontará os caminhos pelos quais os profissionais poderão percorrer será a própria criança, entretanto, para isto, ela precisa encontrar acolhimento e empatia no lugar em que está e nas pessoas com quem se relacionará.

O paradigma da inclusão só se concretizará a partir de medidas desafiadoras, mas possíveis de serem implementadas no dia a dia escolar, quando os atores envolvidos neste processo romperem com a mesmice e as ideias pré-concebidas por desconhecimento ou falta de iniciativa para buscar desvendar o novo que se coloca a sua frente.

Na assertiva de Capellini (2018, p. 52) encontramos que “[...] é preciso considerar que reformas se fazem a partir de processos que dependem do sucesso de ações desencadeadas por seres humanos que acreditam nas capacidades de aprendizagem de todas as pessoas”.

Assim, todos e cada um têm a sua parcela de contribuição para consolidação do processo de escolarização da criança com TEA. Não há como negar a presença e permanência delas no ensino comum e, não se pode negligenciar a qualidade da educação a elas ofertada.

A construção da linguagem escrita remete a hipóteses elaboradas pela própria criança e também a saberes consolidados ao longo da história humana e que vão sendo ensinados de modo formal no ambiente escolar. Este é o papel primordial da escola, isto é, a sistematização dos conhecimentos construídos pela humanidade.

Assim sendo, a educação infantil torna-se um espaço de descobertas e avanços para a criança pequena, a qual já traz consigo saberes advindos do meio social em que está inserida.

APROXIMAÇÕES DA CONSTRUÇÃO DA LINGUAGEM ESCRITA PELA CRIANÇA COM TEA POR MEIO DA UTILIZAÇÃO DO AMO

Emília Ferreiro e Ana Teberosky com a publicação da obra Psicogênese da Língua Escrita (1999) contribuíram imensamente para educação de crianças em idade pré-escolar e dos anos iniciais do ensino fundamental. Ao unirem a psicolinguística e a epistemologia de Jean Piaget (1896-1980) criaram uma teoria para explicar a forma de aquisição do sistema de escrita pelas crianças.

As autoras supracitadas ressaltam que “A teoria de Piaget nos permite [...] introduzir a escrita enquanto objeto de conhecimento, e o sujeito da aprendizagem, enquanto sujeito cognoscente.” (FERREIRO, TEBEROSKY, 1999, p. 31).

Desta forma, a criança é considerada como um sujeito cognoscente, o qual, através das intervenções recebidas de alguém mais experiente, vai avançando em suas ideias e hipóteses acerca da linguagem escrita, se apropriando deste bem sociocultural.

Ao trabalhar com a linguagem escrita atribuindo a esta sua função social real o processo de ensino e aprendizagem da leitura e da escrita ganha significado para o aprendiz, o qual vai percorrendo por um caminho alinhado entre suas próprias ideias e a sistematização do ensino.

Dessa forma, Ferreiro e Teberosky (1999, p. 33) embasadas na teoria piagetiana que entende que o “[...] conhecimento objetivo aparece como uma aquisição, e não como um dado inicial”, perpassando por um caminho nada linear, investigam o que as crianças em idade préescolar e escolar, entre quatro e sete anos, pensam sobre leitura e escrita, traçando as hipóteses por elas levantadas, as quais se constituem até o momento, em muitas das escolas brasileiras, como a base para o processo de alfabetização.

As autoras supracitadas entendem por processo “[...] o caminho que a criança deverá percorrer para compreender as características, o valor e a função da escrita, desde que esta se constitui no objeto de sua atenção (portanto, do seu conhecimento).” (FERREIRO, TEBEROSKY, 1999, p. 17).

Ferreiro e Teberosky (1999) ao traçarem o percurso das hipóteses infantis sobre a escrita, a concebem como uma representação e não apenas uma transcrição gráfica da fala e, observam que as crianças utilizam dois critérios primordiais de legibilidade, os quais se refletem também no ato de escrever: a quantidade e a variedade de caracteres.

O fato de Ferreiro e Teberosky (1999) terem utilizado em suas investigações letras móveis quando a criança não queria escrever diretamente no papel ou apresentava alguma dificuldade no traçado das letras, demonstrou que este recurso se apresentava como uma ferramenta para que a criança pudesse compor sua escrita sem maiores problemas e colocar em jogo os seus saberes.

Baseado nisto e por este material pedagógico estar presente nas escolas que trabalham com a alfabetização, foi elaborado o Alfabeto Móvel Organizado (AMO), o qual, dependendo de sua utilização e das concepções do adulto que com ele trabalha, pode servir para que a criança desempenhe um papel ativo no processo de ensino e aprendizagem, tendo a sistematização de seus saberes efetivada por meio de um recurso estimulador e manipulativo que pode favorecer o seu desenvolvimento cognitivo e troca de conhecimento com os pares.

A criança com TEA, ao apresentar dificuldades na coordenação motora fina, na preensão do instrumento de escrita e no registro gráfico no papel acaba por não demonstrar tudo o que sabe sobre a linguagem escrita, minimizando os conhecimentos que já construiu ao não dar visibilidade ao adulto com quem está em contato e ao professor.

Ferreiro e Teberosky (1999) comprovaram que a criança percorre cinco níveis de escrita, os quais foram organizados em hipóteses de escrita, a saber: 1) pré-silábica; 2) silábica sem valor sonoro, 3) silábica com valor sonoro; 4) silábico-alfabética e 5) alfabética. Estando a criança em qualquer uma dessas hipóteses de escrita poderá se beneficiar com a utilização do AMO mediante as intervenções pedagógicas que forem dispensadas a ela.

De acordo com Paiva (2019, p. 60):

Para a criança aprender a escrever é preciso vivenciar práticas sociais de leitura e escrita, requer oportunidades de se escrever à vontade, de ter liberdade para colocar em jogo todos os seus saberes e bagagem de conhecimento advindos do meio em que está inserida e também, não menos importante, de ter valorizada suas habilidades e de receber intervenções pedagógicas propulsoras de desenvolvimento cognitivo a fim de ampliar a sua inserção neste universo da escrita.

Na Figura 1 apresentamos o AMO, o recurso material produzido em MDF, contendo um kit com dez letras de cada, utilizado em contexto de sala comum com turmas que tinham inseridas em seu corpo discente crianças com TEA e avaliado de acordo com os resultados práticos obtidos.

Fonte: Paiva (2019, p. 91)

Figura 1 AMO 

A diferenciação nas cores entre vogais e consoantes (com o objetivo de potencializar a discriminação visual), a abertura lateral para facilitar a preensão e retirada da peça da caixa, a disposição das vogais uma embaixo da outra e a organização das letras de acordo com a ordem alfabética e da esquerda para a direita tornam-se um diferencial do AMO com relação aos produtos disponibilizados no mercado, os quais, em sua maioria, encontram-se dispostos em potes ou caixas com as letras todas embaralhadas. Isto demanda maior tempo da criança que, além de pensar em quais e quantas letras usar para compor uma palavra precisa procurar as letras em meio a tantas outras.

As contribuições de Maria Montessori (1870-1952) para a educação, principalmente no tocante aos recursos materiais, também serviram de embasamento para elaboração do AMO. Montessori (1965) ao considerar a importância da liberdade de escolha de materiais e atividades pela criança; ao denotar a observação do professor, ponto fulcral de seu método; a organização dos materiais; os mobiliários adequados ao tamanho da criança; e a troca de conhecimentos entre os pares, estava atribuindo um caráter ativo à criança, dentro do seu processo de aprendizagem.

É importante considerar o que Montessori (1965, p. 289) ressaltou, “Não basta, pois, preparar para a criança objetos de forma e dimensões a ela adequadas - é necessário preparar o adulto para a ajudar.”

Destarte, é atribuído ao professor a funcionalidade que o material pedagógico pode adquirir através de suas intervenções e a clareza de que o foco é sempre o estudante, não o recurso meramente em si.

Nesse sentido, a questão norteadora da pesquisa foi: como a utilização do AMO pelo professor da sala comum, pode contribuir para a criança com TEA vivenciar a transição da educação infantil ao ensino fundamental, atribuindo a este um caráter de continuidade?

MÉTODO

Utilizou-se a pesquisa participante de cunho descritiva com abordagem qualitativa, por permitir descrever os fatos buscando assim, resultados mais fidedignos (SAMPIERI, COLLADO, LUCIO, 2006).

A pesquisa em questão teve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) envolvendo seres humanos da Universidade.

Para iniciar o estudo foi solicitada autorização da escola; realizadas reuniões com os professores, ADIs e com os pais ou responsáveis das crianças para expor os objetivos da pesquisa e entregar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). O Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE) foi apresentado por meio de conversa individual com cada criança, priorizando o uso de linguagem compreensível a elas, assim como o oferecimento da imagem visual do AMO no termo. A coleta de dados iniciou-se no mês de setembro de 2018 com a entrega do questionário inicial às três professoras atuantes nas turmas de etapa II da educação infantil. Já nos meses de outubro e novembro houve o desenvolvimento das oficinas e, em dezembro, a aplicação do questionário final aos professores e ADIs.

Participantes

Participaram da pesquisa três professoras de sala comum da última etapa da educação infantil, uma professora de sala de recursos multifuncionais (e pesquisadora - primeira autora deste artigo), dois ADIs, sendo que um deles trabalhava com duas turmas, uma no período da manhã e a outra no período da tarde, e cinquenta crianças com a idade variando entre quatro anos e seis meses e cinco anos e onze meses, dentre as quais quatro tinham o diagnóstico de TEA. Estas apresentavam nível leve de gravidade do transtorno, se comunicavam verbalmente, tinham autonomia nas atividades de vida diária e estavam bem adaptadas ao contexto escolar.

Assim, participaram da pesquisa: turma A - 13 alunos, sendo que dois deles possuíam o diagnóstico de TEA, uma professora e um ADI; turma B - 15 alunos, um deles com TEA, a professora e uma ADI; turma C - 22 alunos, uma criança com TEA e uma professora, além da professora de AEE e pesquisadora. No total foram 56 participantes, sendo 50 crianças e seis adultos.

Local

A pesquisa foi realizada em uma Creche Escola Municipal de Educação Infantil (CEMEI) de uma pequena cidade do centro-oeste paulista na qual a pesquisadora trabalhava como professora especializada em Deficiência Intelectual (D.I.), em uma sala de recursos multifuncionais.

Procedimentos de coleta de dados

A pesquisa foi organizada em três etapas, a saber: etapa I: produção do AMO; etapa II: trabalho de campo para coleta de dados; e etapa III: análise de conteúdo. Este artigo aborda os resultados obtidos a partir da etapa II.

Na etapa II, as oficinas com atividades de reflexão sobre o sistema alfabético de escrita com uso do material pedagógico previamente produzido - o Alfabeto Móvel Organizado - foram desenvolvidas pela pesquisadora, em conjunto com as professoras e os ADIs das turmas, buscando garantir a modelização da didática e da metodologia a ser efetivada pelas docentes em situações posteriores de ensino, assim, o foco se deu na apresentação dos resultados a partir da percepção dessas professoras e ADIs na utilização do AMO pelas crianças.

Foram realizadas quatro oficinas em cada turma com duração entre trinta a quarenta minutos, sendo registradas em diário de campo e também por meio de fotografias e filmagens. O material fotográfico e as filmagens foram utilizados para registrar todos os participantes da pesquisa (professoras, ADIs e crianças) durante as atividades realizadas nas oficinas e analisados para o levantamento dos resultados obtidos. Os vídeos foram transcritos na íntegra, pela própria pesquisadora, para análise mais detalhada de como as crianças agiram utilizando o AMO.

Durante as oficinas foram elaboradas quatro atividades de escrita de uma lista de palavras do mesmo campo semântico, a saber: 1) lista de brinquedos; 2) lista de animais; 3) lista de frutas e 4) lista de alimentos da horta da escola.

Instrumentos

Foram utilizados três questionários com questões abertas como instrumentos de coleta de dados, dois deles sendo aplicados com as professoras em dois momentos distintos - um no início e outro ao término do desenvolvimento das oficinas com as turmas e, um questionário com os ADIs, ao final do desenvolvimento das oficinas.

O questionário inicial aplicado com as professoras continha quatro perguntas acerca da formação, ano de conclusão, tempo de serviço no magistério e a natureza do vínculo empregatício, seguidas de cinco questões sobre a escolarização da criança com TEA, a realização de adaptações curriculares e o uso de materiais pedagógicos concretos, a fim de conhecer suas concepções iniciais sobre estes temas.

Já o questionário proposto ao término da coleta foi composto por 13 questões referentes à aplicabilidade das atividades com o uso do material pedagógico (AMO) - da inclusão escolar de alunos com TEA, das intervenções realizadas, do tempo didático, da aprendizagem e das interações entre os pares. Havia também um espaço para as professoras fazerem uma avaliação do material pedagógico e sugerirem alterações.

Aos ADIs foi dada a oportunidade de se posicionarem quanto as observações realizadas no decorrer das atividades em que o material produzido foi utilizado, respondendo um questionário ao término destas observações, o qual compreendeu quatro perguntas acerca do nível de escolaridade, formação, ano de conclusão e tempo de atuação no cargo, seguida de doze questões abertas sobre o trabalho com crianças com TEA, o uso do material pedagógico, a interação entre os pares, a aprendizagem, o tempo didático e a avaliação do material, podendo fazer sugestões sobre o mesmo.

Procedimentos de análise dos dados

Utilizamos a análise de conteúdo de Bardin (2009) para a categorização dos relatos dos participantes, levantando-se as palavras mais frequentes nos questionários aplicados tanto com as professoras quanto com os ADIs, juntamente com a análise do material fotográfico e as filmagens realizadas durante as oficinas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados da pesquisa foram divididos em duas seções, uma abordando os dados obtidos através da aplicação de questionários aos ADIs e professoras da sala comum e outro abordando os dados suscitados pelo desenvolvimento das oficinas junto às crianças, principalmente das quatro crianças com TEA.

Com as primeiras perguntas do questionário inicial aplicado às professoras traçou-se o perfil de cada uma, conforme apresentado na Figura a seguir.

Fonte: Paiva (2019, p. 99)

Figura 2 Perfil das professoras 

Na sequência do questionário, ao serem indagadas se se sentiam preparadas para trabalhar com crianças com TEA, as professoras A e B responderam que sim, enquanto a professora C respondeu negativamente, justificando-se “[...] pelo pouco tempo de profissão e por possuir apenas informações teóricas acerca do assunto.”

Esta afirmação da professora revela o quanto está sendo reflexivo seu processo de formação continuada em serviço, assumindo as lacunas de uma formação inicial com relação ao trabalho pedagógico com as crianças PAEE.

Quanto a isso, encontramos na assertiva de Mendes (2010, p. 38):

O processo global de formação de professores deve estar fundamentado também na articulação entre teoria e prática, possibilitando ao futuro professor um contato direto com a realidade na qual irá atuar desde o início do curso. Deve-se ainda prepará-lo para analisar e discutir as questões relativas à função social da escola e a importância de seu trabalho; considerar as diferenças individuais dos alunos e a complexidade da prática pedagógica.

As professoras A e B responderam que faziam adequações de atividades para as crianças com TEA, citando principalmente o uso de materiais pedagógicos concretos e manipulativos. A professora que respondeu não realizar as adequações se justificou alegando que seus alunos com TEA não precisavam destas, pois conseguiam acompanhar bem as atividades desenvolvidas com toda a turma. Todas assinalaram que a utilização de materiais concretos pode favorecer a aprendizagem da criança com TEA.

Capellini (2018, p. 48) nos aponta que “[...] as adaptações curriculares podem ser compreendidas como vias de acesso ao currículo”, ou seja, cabe ao professor avaliar as necessidades de seus estudantes na tomada de decisão quanto ao que adaptar e quando adaptar.

Diante da análise de conteúdo (BARDIN, 2009), levantamos a prevalência de palavras mais frequentes no questionário final aplicado com as professoras, as quais foram: incentivo; estímulo; aprendizagem significativa; organização; visualização; descobertas; prazer; facilidade; ajuda; pensar; atenção e autonomia.

Para as professoras, o AMO estimulou e incentivou as crianças para a realização da atividade por meio de sua organização e facilidade de visualização a terem atenção e agir com autonomia, ao pensarem com a ajuda dos pares sobre a linguagem escrita, fazendo descobertas de modo prazeroso e mediante aprendizagens significativas. Corroboram para isto, os pressupostos de Montessori (1965) e de Ferreiro e Teberosky (1999). Vejamos as seguintes narrativas: “O uso do AMO incentivou as crianças a fazerem a tarefa proposta de uma maneira bem gostosa.” (Professora A). “O AMO proporcionou interesse nas crianças, devido ao modo como o material está organizado, ao método como foi abordado e à facilidade em trabalhar com letras concretas e dispostas de forma ordenada.” (Professora C).

Segundo Capellini, Shibukawa e Rinaldo (2016), cada criança aprende de um modo diferente e de acordo com suas singularidades, pontos que precisam ser considerados pelos docentes durante o processo de ensino e aprendizagem. Assim, a escolha dos materiais pedagógicos se faz imprescindível para potencializar suas habilidades.

Nenhuma das professoras apresentou alguma sugestão de modificação do material, pelo contrário, elogiaram sua facilidade de manuseio e de recurso propulsor de aprendizagens quanto ao reconhecimento das letras, a ordem alfabética, a relação grafema/fonema, a consciência fonológica e a compreensão do sistema alfabético de escrita.

Foi unânime entre elas que a utilização deste material concreto pode favorecer a aprendizagem das crianças com TEA e prepará-las melhor para vivenciar a transição da educação infantil ao ensino fundamental, conforme constatado nos excertos a seguir: “[...] facilita o trabalho, tanto do aluno quanto do professor, e a criança vai descobrindo a maneira de formar as palavras de um jeito mais gostoso.” (Professora A). “Terão menos dificuldades, pois já conheceram este tipo de atividade e de material.” (Professora B)

Pela autoconfiança que o AMO proporciona para a realização de tarefas envolvendo a escrita; pela organização do material, fundamental para a organização mental da criança com TEA; pelo material ser simples (sem enfeites/poluição visual). (Professora C).

Relataram ainda não ser difícil planejar atividades envolvendo a utilização do AMO, enfatizando que é preciso praticar e que esta experiência proporcionou mudanças em sua forma de ensinar, fazendo-as refletir sobre sua prática em sala de aula. Além disso, relataram perceber avanços na aprendizagem das crianças, com ou sem TEA, por meio da usabilidade do AMO, como pode ser lido nos relatos seguintes: “As crianças se sentiram mais estimuladas e a aprendizagem fluiu de maneira livre.” (Professora A). “Teve interesse de todos.” (Professora B).

O alfabeto móvel organizado auxiliou na autonomia na escrita e colaborou para amenizar (em alguns) e sanar (em outros) os problemas ocasionados por receios de escrever de maneira independente (pensar para escrever e não apenas copiar), de modo que arriscaram mais para demonstrar o que sabiam. (Professora C).

Perceberam que o tempo didático pode ser otimizado através de um planejamento mais pontual, da utilização de recursos mais apropriados e do trabalho em duplas. Isto é explicitado nos excertos a seguir: “O tempo didático foi melhor aproveitado, pois a organização do AMO facilita a visualização das letras e as crianças não precisavam ficar procurando por elas.” (Professora A). “O tempo didático foi melhor aproveitado, pois o AMO favorece o trabalho em conjunto das crianças.” (Professora B).

Embora no início as crianças dispersavam-se com o AMO, de modo que o viam como um brinquedo, posteriormente, pude perceber que o cerne da aprendizagem prazerosa é o aprender brincando, e isso acaba refletindo em uma aprendizagem efetiva e, consequentemente, vantajoso se tratando da concentração que as crianças exerciam durante a atividade. (Professora C).

Todas afirmaram que continuariam utilizando o AMO em suas aulas e que recomendariam seu uso aos colegas de profissão. Ao final, duas professoras avaliaram o material como excelente e outra como bom.

Já o questionário aplicado aos ADIs trouxe, inicialmente, perguntas relacionadas acerca de dados pessoais como nível de escolaridade/formação, ano de conclusão e tempo de atuação no cargo. Os dois ADIs participantes possuíam nível superior em licenciatura, um em Pedagogia e o outro em Biologia e ambos possuíam o mesmo tempo de atuação no cargo, sete anos.

Com relação às questões abertas que seguiam o questionário as palavras mais frequentes levantadas de acordo com suas respostas foram: manuseio; concentração; aprendizagem significativa; forma lúdica e interesse (BARDIN, 2009).

Um dos ADIs disse não se sentir preparado para lidar com as crianças com TEA, justificando sentir a necessidade de aprimoramento dos conhecimentos. Como já discutimos anteriormente, Mendes (2010) e Capellini (2018) reforçam a importância da formação para a concretização de práticas pedagógicas inclusivas e da disseminação de culturas inclusivas.

Quando perguntados se consideravam que com as atividades propostas com a utilização do AMO, as crianças com TEA estariam mais preparadas para vivenciarem a transição para o ensino fundamental, ambos ADIs responderam afirmativamente, como observado nos excertos: “[...] com certeza, pois de uma forma lúdica e concreta, poderão ter uma noção melhor da formação das palavras e interação com o meio.” (ADI A). “O uso do material habilita o aprendizado da criança através do lúdico, além da interação professor/aluno e aluno/aluno.” (ADI B).

Ao serem questionados se o material despertou o interesse das crianças com TEA para realizarem as atividades propostas os dois ADIs responderam afirmativamente, justificando que “[...] houve uma melhor interação com a atividade proposta” (ADI A) e “[...] conseguiram identificar e organizar as letras com muita clareza e rapidez” (ADI B). Isto vem constatar o quanto o uso do AMO estimulou as crianças na realização das atividades e o quanto a organização das letras na caixa potencializou as habilidades de atenção, concentração e otimização do tempo.

Constatamos pelas respostas de todos os questionários, tanto das professoras quanto dos ADIs, que a utilização durante as aulas de materiais concretos proporciona a criança da educação infantil maior concentração, interesse e motivação, tornando-se um campo de exploração manual que enriquece as experiências infantis e servem como molas propulsoras para uma aprendizagem significativa e prazerosa. Também consideraram que o uso do AMO favoreceu a interação entre os pares, pois um ajudava o outro e, assim compartilhavam os seus saberes, contribuindo para a construção do próprio conhecimento e reflexão acerca do sistema alfabético de escrita. Isto pode ser observado nos excertos a seguir: “É um material que colabora para uma melhor concentração e manuseio para que ocorra uma aprendizagem significativa e concreta” (ADI A) e “[...] as crianças foram estimuladas e tiveram muito interesse no material.” (ADI B).

A otimização do tempo didático foi considerada outro ponto forte do trabalho com o AMO e com as crianças organizadas em agrupamentos produtivos, isto é, sentadas em duplas de acordo com a afinidade e hipóteses de escrita que possuíam, a professora teve mais tempo para intervir junto a estas duplas, conseguindo observar mais de perto uma quantidade maior de crianças e constatar os seus saberes e ideias acerca da linguagem escrita.

Com o desenvolvimento dessas oficinas nenhum dos participantes observou algum tipo de dificuldade das crianças, com ou sem TEA, em manusear o material, em retirar as peças da caixa e depois guardá-las em seus respectivos lugares, muito pelo contrário, todos relataram a facilidade de manuseio das crianças proporcionada pela organização do AMO e pela abertura lateral de cada peça, contribuindo para uma melhor preensão infantil. Assim, a coordenação motora fina também é trabalhada com o uso do AMO, configurando-se como outro diferencial deste material produzido.

A seguir apresentamos uma amostra das produções das quatro crianças com TEA ao fazerem seus registros escritos no papel e ao comporem a lista de palavras com o uso do AMO.

A primeira criança era uma menina, tinha nível leve de gravidade do TEA, aprendeu a ler sozinha, antes dos dois anos de idade, e encontrava-se na hipótese alfabética de escrita.

Já a segunda criança, um menino, também tinha nível leve de gravidade do transtorno, na questão comportamental mostrava-se bem agitado e encontrava-se na hipótese silábico-alfabética de escrita. Sua maior dificuldade era no registro gráfico no papel,

A terceira criança, também um menino, apresentava nível leve de gravidade, era muito retraído e quietinho, quase não conversava com ninguém. Gostava de ficar isolado e precisava de apoio substancial para fazer o registro gráfico no papel, ou seja, que alguém pegasse em sua mão. Estava na hipótese pré-silábica de escrita.

A quarta e última criança, também um menino, encontrava-se na hipótese pré-silábica de escrita, tinha nível leve de gravidade do TEA, boa preensão do instrumento de escrita, um comportamento tranquilo em sala de aula, porém não reconhecia e nem nomeava as letras do alfabeto, embora fizesse o registro gráfico sem maiores dificuldades.

Fonte: Elaboração das autoras.

Figura 3 Registro escrito e composição de palavras com o AMO das crianças com TEA 

É perceptível como a utilização do AMO deu visibilidade aos saberes que as crianças já desenvolveram com relação à linguagem escrita, o que é mais difícil de ser avaliado pelo professor apenas através de seu registro escrito no papel, devido à dificuldade que elas ainda tinham na coordenação motora fina e na orientação espacial, na preensão convencional do instrumento de escrita e na leveza dos traços.

Assim, os resultados práticos obtidos durante o desenvolvimento das quatro oficinas de escrita em cada uma das três turmas participantes revelaram que o AMO é um material pedagógico favorável à inclusão da criança com TEA no contexto comum de ensino, benéfico ao sentimento de pertencimento desta no grupo, a minimização dos comportamentos inapropriados e a maximização de suas habilidades, pois todas as crianças realizam a mesma atividade ao mesmo tempo e com a utilização do mesmo material. O ponto fulcral estará nas intervenções promovidas pelos adultos que com elas estiverem em contato.

CONCLUSÃO

Neste artigo nos propusemos a abordar a utilização do AMO por crianças com TEA em seu processo de escolarização no contexto da educação infantil em fase de transição para o ensino fundamental, enfatizando a construção da linguagem escrita desenvolvida por elas, apresentando um recorte de uma pesquisa maior, trazendo os resultados obtidos através da aplicação de questionários com professoras de sala comum e ADIs e, de suas percepções quanto ao uso deste produto educacional.

Vale ressaltar aqui que, a escolha dos materiais, a sua qualidade e durabilidade, entre outras características, são importantes para despertar o interesse infantil, porém é inegável o papel das intervenções do professor ou do adulto mais experiente para que as aprendizagens sejam construídas pela criança pequena. O material por si só não garante a efetivação dos saberes, mas desencadeia através do seu uso em relação com o outro e com o meio, situações de reflexão, de levantamento das ideias já construídas e da consolidação de novos saberes.

Verificamos que as respostas das professoras refletem: ora insegurança ora preparação ao se trabalhar com a criança com TEA; o reconhecimento da necessidade de teoria e prática caminharem concomitantemente em prol de uma melhoria no trabalho docente; de um maior aprofundamento quanto às concepções envolvidas em torno do assunto sobre as adaptações/adequações às crianças PAEE, tanto naquelas postas pelas legislações ou documentos legais que abordam a modalidade da educação especial quanto das literaturas atuais e, que concebem que a utilização de materiais concretos pode favorecer a aprendizagem da criança com TEA sendo propulsores da construção do conhecimento pela criança.

As oficinas desenvolvidas com as turmas de etapa II da educação infantil sobre o funcionamento do sistema alfabético de escrita com o uso do AMO demonstraram que este produto se apresenta como um excelente recurso pedagógico tanto para a criança com ou sem TEA, a fim de que possam colocar em jogo seus saberes, construindo seus conhecimentos na interação com o meio, com os pares e com os adultos que as cercam.

Algumas crianças com TEA apresentavam grandes dificuldades na coordenação motora fina, na preensão do lápis e no registro gráfico escrito e com o AMO puderam compor suas listas de palavras de acordo com suas ideias sobre a linguagem escrita e conseguiram demonstrar para as professoras o que já sabiam sobre ela, proporcionando indicativos de seus conhecimentos prévios e por quais caminhos o professor poderia seguir, mediante um melhor planejamento de atividades e intervenções na busca da consolidação de novos saberes.

Os resultados individuais e coletivos da pesquisa apresentaram-se satisfatoriamente, pois as crianças foram beneficiadas com atividades significativas e prazerosas em torno da linguagem escrita, e puderam aprender brincando com o uso do AMO; as professoras e ADIs participantes puderam repensar e reformular suas práticas pedagógicas e a unidade escolar ganhou quinze unidades do material para utilizar em anos vindouros.

Assim, esperamos que este estudo traga contribuições para o processo de escolarização de crianças com TEA desde o início na educação infantil; que práticas pedagógicas inclusivas sejam implementadas a partir do trabalho sistematizado e envolvente acerca da construção da linguagem escrita por meio de atividades de reflexão sobre o funcionamento alfabético do sistema de escrita e que a usabilidade do AMO seja difundida pelas escolas nas diversas cidades do Brasil e que novas pesquisas sejam realizadas promovendo maiores reflexões, auxiliando na formação de professores e na concretização de práticas pedagógicas mais inclusivas.

1Esta nomenclatura será utilizada ao longo do texto por ser a adotada no DSM-5 (APA, 2013), embora nas legislações vigentes encontre-se a terminologia Transtornos Globais do Desenvolvimento.

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Recebido: Outubro de 2021; Aceito: Agosto de 2022

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