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Revista Teias

Print version ISSN 1518-5370On-line version ISSN 1982-0305

Revista Teias vol.24 no.73 Rio de Janeiro Apr./June 2023  Epub Aug 24, 2023

https://doi.org/10.12957/teias.2023.74131 

A contemporaneidade da produção de conhecimento em educação especial e inclusiva no Brasil

CODOCÊNCIA ENTRE PROFESSOR REGENTE E TILSP: parceria necessária na educação bilíngue de surdos

CO-TEACHING AMONG TEACHER AND SIGN LANGUAGE INTERPRETER: a needed partnership in bilingual education for the deaf

CO-ENSEÑANZA ENTRE EL PROFESOR REGENTE Y TILSP: una asociación necesaria en la educación bilingüe de sordos

Celeste Azulay Kelman1 
http://orcid.org/0000-0002-6633-8931; lattes: 1679173694224340

Mariana Gonçalves Ferreira de Castro2 
http://orcid.org/0000-0002-6098-0675; lattes: 1500144163371767

1Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) E-mail: celeste@kelman.com.br

2Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) E-mail: marianagfcastro@gmail.com


Resumo

Discutir práticas e desafios na contemporaneidade para a inclusão em uma abordagem bilíngue para surdos torna-se necessário na produção de conhecimento, se se quer uma educação equitativa norteadora da formação e prática de professores que recebem alunos surdos em sua sala de aula. Levando isso em consideração, este artigo tem como objetivo geral analisar princípios norteadores da educação inclusiva e bilíngue de surdos sob a perspectiva da teoria histórico-cultural (VIGOTSKI, 1929, 1932/2001). Como objetivos específicos se propõe a conceituar educação inclusiva e bilíngue de surdos e demonstrar práticas pedagógicas inclusivas e bilíngues pesquisadas em duas escolas-polo dos municípios do Rio de Janeiro e de Duque de Caxias. A base conceitual abraça a teoria histórico-cultural, já que, por meio dela, compreendem-se as relações que envolvem o desenvolvimento da aprendizagem de forma contextualizada e sociointerativa (VIGOTSKI, 1929, 1932, 2001). A pesquisa tem uma metodologia qualitativa (BAUER, GASKELL, 2003), do tipo estudo de caso (GIL, 2008). A análise dos dados foi realizada na perspectiva microgenética (KELMAN, 2005). Observou-se que a forma como as professoras, as tradutoras intérpretes de Língua de Sinais e Língua Portuguesa (TILSPs), os alunos surdos e ouvintes medeiam o conhecimento (KELMAN, 2015) tem uma influência positiva no ensino e na aprendizagem dos alunos surdos. A Libras é a língua mais indicada para esta mediação. Conclui-se que a codocência e o trabalho conjunto com todos os atores do espaço educacional, realizado de forma dinâmica, dialógica e dialética, resulta em uma aprendizagem mais eficaz.

Palavras-chave: educação de surdos; codocência; inclusão

Abstract

Discussing practices and challenges in contemporary times for inclusion in a bilingual approach for the deaf becomes necessary in knowledge production, if an equitable education is to guide the training and practice of teachers who receive deaf students in their classroom. Taking this into account, this article has the general objective of analyzing the guiding principles of inclusive and bilingual education for the deaf from the perspective of cultural-historical theory (VIGOTSKI, 1929, 1932/2001). As specific objectives, it proposes to conceptualize inclusive and bilingual education for the deaf and to demonstrate inclusive and bilingual pedagogical practices researched in two schools in the municipalities of Rio de Janeiro and Duque de Caxias. The conceptual basis embraces the historical-cultural theory, since, through it, the relationships that involve the development of human learning in a contextualized and socio-interactive way are understood (VIGOTSKI, 1929, 1932, 2001). The research has a qualitative methodology (BAUER, GASKELL, 2003), of the case study type (GIL, 2008). Data analysis was carried out from a microgenetic perspective (KELMAN, 2005). It was observed that the way in which teachers, translators and interpreters of Sign Language and Portuguese Language (TILSPs), deaf and hearing students mediate knowledge (KELMAN, 2015) has a positive influence on the teaching and learning of deaf students. Libras is the most suitable language for this mediation. Finally, we consider that co-teaching and working together with all actors in the educational space carried out in a dynamic, dialogical, and dialectical way results in more effective learning.

Keywords: deaf education; co-teaching; inclusion

Resumen

Discutir prácticas y desafíos para la inclusión en un enfoque bilingüe para sordos se vuelve necesario, si se quiere una educación equitativa que oriente la formación y la práctica de los docentes que reciben alumnos sordos en el aula. Teniendo esto en cuenta, este artículo tiene como objetivo general analizar los principios rectores de la educación inclusiva y bilingüe para sordos desde la perspectiva de la teoría histórico-cultural (VIGOTSKI, 1929, 1932/2001). Como objetivos específicos, propone conceptualizar la educación inclusiva y bilingüe para sordos y demostrar prácticas pedagógicas inclusivas y bilingües investigadas en dos núcleos escolares de los municipios de Río de Janeiro y Duque de Caxias. La base conceptual abraza la teoría histórico-cultural; a través de ella, se entienden las relaciones que implican el desarrollo del aprendizaje humano de forma contextualizada y socio-interactiva (VIGOTSKI, 1929, 1932, 2001). La investigación tiene una metodología cualitativa (BAUER, GASKELL, 2003), del tipo estudio de caso (GIL, 2008). El análisis de datos se llevó a cabo desde una perspectiva microgenética (KELMAN, 2005). Se observó que la forma en que los profesores, traductores e intérpretes de Lengua de Señas y Lengua Portuguesa (TILSPs), alumnos sordos y oyentes median el conocimiento (KELMAN, 2015) influye positivamente en la enseñanza y aprendizaje de los alumnos sordos. Libras es el lenguaje más adecuado para esta mediación. Finalmente, consideramos que la co-enseñanza y el trabajo conjunto con todos los actores del espacio educativo realizado de forma dinámica, dialógica y dialéctica redunda en un aprendizaje más efectivo.

Palabras clave educación para sordos; co-enseñanza; inclusión

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa se origina na recomendação da educação bilíngue como modalidade preferencial de educação de surdos, conforme instituído no Artigo 208 do inciso III da Constituição Federal (BRASIL, 1988), na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei n. 9.394/96 (BRASIL, 1996) e na Lei Brasileira de Inclusão (LBI), Lei n. 13.146 (BRASIL, 2015). Esta última institui o Estatuto da Pessoa com Deficiência, seguindo as convenções e declarações da ONU sobre o tema. Tem como base também o Decreto n. 5.626/2005 (BRASIL, 2005), que recomenda a educação bilíngue como a abordagem mais indicada para a educação de surdos. Recentemente, a Lei n. 14.191/2021 propõe a educação bilíngue como modalidade de ensino, alterando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei n. 9.394/1996), a fim de garantir ensino de qualidade, em contexto linguístico-cultural acessível para surdos.

A convivência com o bilinguismo de surdos na inclusão implica na adoção de duas modalidades educacionais distintas na unidade escolar, em diferentes momentos da escolarização no Ensino Fundamental: estudar em classes com ouvintes ou em classes separadas (classes especiais ou bilíngues). No entanto, nem sempre o professor regente conhece as peculiaridades de seus alunos surdos quando estudam em uma classe comum. Quais práticas pedagógicas são recomendadas? É importante, no entanto, que se preserve sempre o respeito às diferenças linguístico-culturais dos educandos surdos em ambos os ambientes. É desejável também que os alunos ouvintes possam aprender Libras, caso se interessem em interagir de forma mais próxima com seus colegas surdos. Devem sempre frequentar em comum as festividades escolares, o recreio, o refeitório, a aula de educação física e artes, ou seja, espaços onde as duas línguas, Libras e a língua portuguesa circulem, respeitadas e valorizadas por todos os alunos, funcionários e professores da escola. O respeito à diversidade linguística é recomendável, principalmente nos tempos atuais, quando as escolas públicas brasileiras têm recebido educandos filhos de imigrantes, refugiados ou pertencentes aos povos indígenas (SEMEC, 2023), cada qual com uma língua particular. Oliveira e Souza (2022) relatam o ensino de língua portuguesa como língua de acolhimento a estudantes imigrantes, garantindo o direito inalienável e universal de todos à educação. Os surdos, uma minoria linguística, assim como os demais, possui identidade e aspectos culturais próprios, características que serão desenvolvidas ao longo deste artigo. Precisam ter o direito a uma educação de qualidade dentro das escolas públicas.

O objetivo geral deste artigo trata de analisar os princípios norteadores da educação inclusiva e bilíngue de surdos sob a perspectiva da teoria histórico-cultural e sociointeracionista (VIGOTSKI, 1929, 1932, 2001). E como objetivos específicos busca conceituar educação inclusiva e bilíngue de surdos e demonstrar algumas práticas pedagógicas inclusivas e bilíngues. O contexto da pesquisa desenvolveu-se em duas escolas-polo de dois municípios do estado do Rio de Janeiro: Rio de Janeiro e Duque de Caxias (CASTRO, 2021).

A ênfase é dada na necessidade de se desenvolver mais pesquisas sobre práticas pedagógicas bem-sucedidas realizadas por professores de educação básica das escolas-polo de diferentes prefeituras do Estado do Rio de Janeiro em regime de codocência com o tradutor intérprete de Libras e Língua Portuguesa (TILSP) e o professor especializado do Atendimento Educacional Especializado (AEE). No estudo de caso aqui relatado, os profissionais envolvidos na codocência são o professor regente em parceria com o TILSP.

Destaca-se a importância da aprendizagem colaborativa (SMYSER, 1993; PANITZ, 1999; MONTES, 2016, entre outros) na inclusão em educação (KELMAN, RODRIGUES, 2023). É impossível pensarmos em codocência, envolvendo três atores educacionais: o professor regente, o tradutor intérprete de Libras/língua portuguesa e o professor do AEE, sem considerarmos que cada qual aprende com os demais, através da colaboração, aceitando o desafio de melhor educar alunos surdos em ambiente inclusivo.

A teoria histórico-cultural é a base conceitual deste estudo para se compreender as relações entre aprendizagem e desenvolvimento. A aprendizagem compreende a apropriação dos signos culturais e impulsiona o desenvolvimento humano e os elementos que medeiam a relação entre as pessoas e o mundo que as cerca, tais como os signos e demais elementos culturais são construídos nas relações sociais (VIGOTSKI, 2001). Nesta abordagem, a aprendizagem se concretiza na interação em contextos históricos, sociais e culturais.

A realização desta investigação está baseada em uma metodologia de abordagem qualitativa (BAUER, GASKELL, 2003) do tipo estudo de caso (GIL, 2008). O estudo de caso, brevemente descrito neste artigo, faz parte da tese de doutorado defendida em 2021, no Programa de Pós-graduação em Educação da UFRJ, escrita pela coautora, sob a orientação da autora deste artigo. A pesquisadora participou das aulas como observadora em uma escola-polo bilíngue do município do Rio de Janeiro e outra escola-polo do município de Duque de Caxias. Além das observações, foi realizada uma pesquisa documental em ambas as escolas. Na escola-polo do município do Rio de Janeiro, 40 horas foram observadas das aulas de língua portuguesa, a partir do dia 20 de março de 2019 até o dia 27 de junho de 2019; e na escola-polo bilíngue do município de Duque de Caxias foram 20 horas, a partir do dia 18 de março de 2019 até o dia 5 de agosto de 2019. A quantidade de horas de observação nas aulas no município de Duque de Caxias foi menor devido à dificuldade da pesquisadora em conciliar o horário de seu trabalho pessoal com os tempos de aula disponíveis, oferecidos à turma observada. Foi utilizada a técnica da observação participante, com o objetivo de obter pistas acerca do processo de ensino de língua portuguesa em turmas inclusivas nas duas prefeituras, com organizações de formas de inclusão diferenciadas. O estudo passou pelo Comitê de Ética do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFRJ.

A análise de dados foi realizada na perspectiva microgenética (KELMAN, 2005). Esta abordagem se propõe a compreender os fenômenos psicológicos recentes e complexos, procurando capturar os momentos do processo de alteração cognitiva em tempo real. A microgênese, descrita inicialmente por Vygotsky, caracteriza-se por observar mudanças de comportamento, no momento em que as ações ocorrem. A observação participante e o diário de campo foram os instrumentos usados para se construir os dados. A pesquisa empírica foi realizada em duas turmas do 6° ano do ensino fundamental, em duas escolas-polo inclusiva, uma no município do Rio de Janeiro e outra no município de Duque de Caxias. A turma observada na escola-polo bilíngue do de Duque de Caxias tinha vinte e sete alunos, dos quais seis são surdos, quatro do sexo feminino e dois do masculino, e vinte e um são ouvintes. A faixa etária dos alunos variava entre 11 e 15 anos. A turma não tinha alunos com outras deficiências além dos alunos surdos, nem alunos surdos com outros comprometimentos. Já a turma observada na escola-polo bilíngue do município do Rio de Janeiro tinha um total de 38 alunos ouvintes e dois alunos surdos. Não havia alunos com outras deficiências. As idades dos estudantes variavam entre 10 e 13 anos, sendo que um dos alunos surdos era o mais velho da turma, com 13 anos. Cada turma conta com um TILSP.

No próximo tópico serão apresentados os conceitos de educação inclusiva e educação bilíngue de surdos, suas proposições e peculiaridades (CASTRO, 2021).

PRINCÍPIOS NORTEADORES DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA E BILÍNGUE DE SURDOS: DILEMAS E PERSPECTIVAS

O parágrafo 4 do artigo 27 da LBI (BRASIL, 2015) dispõe sobre a oferta de educação bilíngue em Libras, como primeira língua (L1), e em Língua Portuguesa, como segunda língua (L2), em escolas de surdos e em escolas inclusivas, tanto na classe comum como em classes bilíngues de surdos.

A inclusão de educandos surdos se torna um grande desafio devido à diferença linguística. Na realidade brasileira, Libras ainda é desconhecida por muitos docentes gerando mitos e preconceitos, o que dificulta o processo ensino-aprendizagem. Somente a presença do TILSP em sala de aula também não garante a inclusão dos educandos surdos (LACERDA, 2014; QUADROS, 2019). Não basta traduzir e interpretar conteúdos de uma língua para a outra.

Como princípios norteadores da inclusão de alunos surdos destacamos três características fundamentais: o bilinguismo (com a valorização da multimodalidade), a dialogia e a codocência. O processo de ensino-aprendizagem requer interação, participação de todos de forma dialógica, compreendendo a construção de processos cognitivos a partir de interações positivas no contexto escolar. O ato de aprender é construído coletivamente, para ser posteriormente internalizado. Para que este processo se efetive nas pessoas surdas, é urgente a imersão destes sujeitos em um ambiente bilíngue (Libras/língua portuguesa) e bicultural: um espaço em que a pessoa surda possa ter a liberdade de se expressar em Libras com qualquer pessoa e ser entendida e entender o que todos dizem, ainda que através do TILSP.

As pessoas surdas apreendem o mundo pela visão. De acordo com Kelman (2005) e Kress (2010) recomenda-se o uso da comunicação multimodal, tais como: a Libras, a escrita, recursos visuais, dramatizações, jogos, esquemas, dentre outros recursos multimodais advindos de diferentes modos produtores de semioses (PEREIRA, MUNIZ, 2018). Além das estratégias de ensino, se faz necessário disponibilizar avaliação acessível (BRASIL, 2005, Art. 14). Os conteúdos devem e podem ser ensinados respeitando a singularidade linguística do aluno surdo, atendendo sua experiência visual. A codocência será explicada no próximo tópico.

Alguns professores privam os estudantes surdos da experiência curricular, subestimando a sua capacidade; por exemplo, optam por não utilizar livros didáticos com alunos surdos porque supõem que eles não conseguirão acompanhar os exercícios propostos. Nas atividades que envolvem as áreas exatas geralmente não usam textos explicativos ou situações-problema porque consideram que os alunos surdos não são capazes de interpretá-los e resolvê-los. Geralmente os textos oferecidos para os alunos surdos são infantis, artificiais e rudimentares, utilizando a mesma organização sintática nas frases: sujeito, verbo no tempo presente e objeto. Atividades descontextualizadas e desconexas da realidade dos alunos surdos, incompatíveis com o seu nível de escolarização, são desinteressantes e desprovidas de significado. Muitas vezes são atividades de cópia mecânica, que não requerem habilidades de abstração mental mais elaborada. Isso decorre de os professores regentes não saberem interagir com os alunos surdos e desconhecerem a forma de pensar, raciocinar e conceituar o mundo através da Libras (CASTRO, 2021). Glat e Blanco (2009, p. 25) complementam: “Nesse sentido, pode-se dizer que a maioria dos alunos que fracassam na escola não tem, propriamente, dificuldade para aprender, mas sim dificuldade para aprender da forma como são ensinados!’’ Dessa forma, enfatizamos a necessidade de todo espaço inclusivo, no qual haja alunos surdos, ser bilíngue, principalmente o ambiente escolar.

Partimos do pressuposto de que a educação bilíngue inclusiva é a mais indicada para o pleno desenvolvimento linguístico, social e psicológico do aluno surdo. Este modelo educacional deve ocorrer em um espaço escolar em que existem duas línguas em circulação: a Libras e a língua portuguesa. A educação bilíngue pode ocorrer na escola comum com a presença de alunos ouvintes aprendizes de Libras. Para organizar um espaço inclusivo, é necessário o trabalho colaborativo entre todos os professores, TILSPs e eventuais assistentes pedagógicos surdos.

É importante destacar que nem todos os espaços inclusivos são bilíngues. Para que o bilinguismo circule em uma escola inclusiva, é necessário que a Libras seja trabalhada como primeira língua e a modalidade escrita da língua portuguesa como segunda língua. A educação bilíngue parte do princípio de que a surdez é uma diferença com peculiaridades biculturais contidas em duas línguas diferentes que circulam o mesmo espaço de forma equiparada. O próximo item aborda a codocência, outro princípio norteador da inclusão de alunos surdos, fundamentado na prática pedagógica em escolas comuns.

CODOCÊNCIA E AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS INCLUSIVAS BILÍNGUES DE DOIS MUNICÍPIOS FLUMINENSES: DUQUE DE CAXIAS E RIO DE JANEIRO

Codocência ou coensino, bi-docência ou ensino compartilhado, são termos com significados distintos. Kelman (2023) conceitua bi-docência como dois docentes ministrando aula em um mesmo espaço, sem que haja interação entre o professor regente e outro profissional que atua em sala de aula para viabilizar a inclusão do aluno surdo. Codocência ou coensino é uma forma de ensinar em que há uma participação de dois profissionais nas atividades pedagógicas (KELMAN, 2003). Na educação de surdos é possível destacar a parceria de diferentes profissionais na codocência: professor regente / TILSP; professor regente / professor especializado do AEE; professor regente / mediador; professor regente / assistente educacional em Libras (quando existe esse profissional nas secretarias de educação); professor regente / instrutor de Libras; professor regente surdo / professor regente ouvinte. O professor regente é o professor da turma no ensino fundamental I ou da disciplina específica no ensino fundamental II; o professor especializado do A.E.E é o professor especialista de educação especial responsável pelo atendimento especializado na área da surdez; o mediador é o profissional de nível médio. Este último auxilia o aluno nas atividades de alimentação, higiene e /ou tornando as atividades acessíveis para ele, promovendo a autonomia. Já o assistente educacional em Libras é um profissional de nível médio surdo ou ouvinte bilíngue que atua dentro de sala de aula com o professor regente, auxiliando-o na dinâmica das atividades de sala de aula em Libras. Este profissional é muito indicado quando o professor regente não sabe Libras e a criança surda, ainda é muito pequena, não sabe fazer o uso do TILSP por estar em processo de aquisição de língua de sinais. O instrutor surdo é o profissional de nível médio, ele ensina em cursos de Libras livres dentro da escola, ministrando aulas para toda a comunidade escolar. É necessário que todos esses profissionais estejam trabalhando em equipe em uma escola-polo bilíng conhecimento e trabalho coletivo, baseando-se no ensino e na aprendizagem colaborativa (KELMAN, RODRIGUES, 2023). É fundamentada pela teoria de Vigotski (1929, 1932/2001), portanto, pautada na teoria histórico-cultural, norteada pela visão sociointeracionista de ensino de segunda língua. Sustentamos a ideia de que a aprendizagem se concretiza na interação em contextos históricos, sociais e culturais. De acordo com essa visão, o professor age como um me

A codocência se fundamenta no consenso estabelecido para a construção do conhecimento e trabalho coletivo, baseando-se no ensino e na aprendizagem colaborativa (KELMAN, RODRIGUES, 2023). É fundamentada pela teoria de Vigotski (1929, 1932/2001), portanto, pautada na teoria histórico-cultural, norteada pela visão sociointeracionista de ensino de segunda língua. Sustentamos a ideia de que a aprendizagem se concretiza na interação em contextos históricos, sociais e culturais. De acordo com essa visão, o professor age como um mediador e estimulador da aprendizagem e, no ambiente da sala de aula, preza a construção coletiva do conhecimento e valoriza seu próprio saber. Por isso, Vigotski (1929, 1932/2001) alerta que a língua de sinais é essencial para o bom desempenho escolar da pessoa surda. Para o autor, a dimensão sociocultural do sujeito em desenvolvimento, incluído em determinado grupo cultural, possibilita que ele aprenda a interpretar os significados desse grupo. Pela interação entre os indivíduos acontece a relação interpessoal concreta com as formas culturalmente estabelecidas de funcionamento psicológico. Esse processo de interação é dinâmico, e cada sujeito interage com o mundo cultural e o mundo subjetivo do outro. Assim, os sistemas sígnicos, entre eles a linguagem, têm uma função primordial na comunicação entre os indivíduos e no estabelecimento de significados compartilhados socialmente, que lhes possibilitam as interpretações dos objetos, eventos e situações do mundo.

Sendo assim, o trabalho colaborativo entre um professor regente e o outro profissional fluente em Libras; como o TILSP, o Assistente educacional em Libras e/ou entre o profissional especializado na área da educação de surdos favorece a inclusão em uma escola-polo bilíngue. No trabalho de ensino colaborativo as práticas pedagógicas devem ser planejadas em conjunto entre os profissionais citados, atuantes na mesma turma com os mesmos alunos. As decisões tomadas, o planejamento das aulas e a aplicação das atividades são realizadas em parceria e troca de conhecimentos. Defendemos que, em uma escola inclusiva bilíngue, o TILSP, por exemplo, é um profissional que exerce um papel fundamental no processo ensino/aprendizagem dos estudantes surdos, mas não deve ser o único responsável. O professor regente tem a responsabilidade de ensinar os conteúdos de forma acessível a todos os alunos, inclusive aos alunos surdos. O TILSP não é o único profissional que deve ter esses cuidados de adequar o discurso aos alunos. A clareza da explicação do professor em língua portuguesa surtirá efeitos diretos na tradução e interpretação em Libras. Ambos, professor regente e TILSP, têm responsabilidades no processo de ensino/aprendizagem vivenciado pelos alunos surdos.

Apresentaremos alguns exemplos práticos de codocência entre professor regente de língua portuguesa e TILSP em turmas do 6° ano do ensino fundamental, dados extraídos das interações entre eles em uma mesma sala de aula nos dois municípios fluminenses: Rio de Janeiro e Duque de Caxias. A análise dos dados foi microgenética porque permitiu observar e compreender as modificações cognitivas no processo ensino-aprendizagem em tempo real. Foram observados contextos e habilidades comunicativas, as relações sociais e emocionais estabelecidas nas interações entre o professor regente, o TILSP, os alunos surdos e ouvintes.

RESULTADOS

Escola do Rio de Janeiro

Episódio 1 - jogo de trilha inclusivo

Atividade: A turma foi dividida em subgrupos de quatro alunos. Cada subgrupo recebeu uma tabela com uma trilha imagética dividida em várias partes. Cada parte possuía uma figura. Cada aluno recebeu uma tampinha de refrigerante de cor diferente para mover nas casas da trilha. Uma criança do subgrupo foi sorteada para ser o juiz. O lugar de juiz era revesado em cada partida. Os alunos surdos também ocupavam o papel de juiz no jogo. A função do juiz era verificar se a palavra foi soletrada de forma certa. Se houvesse erro, o jogador deveria voltar para o início da linha de chegada. O objetivo do jogo era completar a trilha em primeiro lugar. Cada criança jogava o dado na sua vez e movia a tampa de acordo com o número obtido no dado. Quando a tampa caía em cima de uma figura, o aluno precisava soletrar a palavra correspondente. Nos grupos em que havia alunos surdos, todos usavam o alfabeto manual. Este recurso linguístico consiste na soletração manual correspondente a cada letra do alfabeto em língua portuguesa. Cada cartela do jogo apresentava uma dificuldade ortográfica diferente, tais como: palavras com R ou RR, S ou SS, X ou CH, entre outras. Por exemplo, na cartela para CH ou X, as figuras eram: chocalho, xícara, abacaxi, chapéu, dentre outras e na cartela do R ou RR, rato, cadeira, carrinho, barata e assim por diante. A TILSP esteve presente durante o jogo, ensinando o sinal de cada figura para os alunos ouvintes e para os surdos, apresentando a palavra correspondente a cada figura, ajudando na dinâmica do jogo e mediando as interações. Para os alunos surdos, a ortografia não é a maior dificuldade de escrita apresentada, visto que, ao contrário dos ouvintes, eles não decidem com que letra escrever as palavras pautados na relação fonema e grafema. Pelo fato de não ouvirem, elaboram conceitos pela percepção visual da escrita da palavra. Desse modo, esse jogo favorece a ampliação do vocabulário e a relação entre o significado (a figura) e o significante (palavra em língua portuguesa e o sinal em Libras).

Análise: A atuação de forma codocente entre a professora regente e a TILSP é fundamentada em respeito mútuo. O professor e o TILSP têm a responsabilidade de explicar os conteúdos de forma acessível aos alunos surdos e ouvintes, e se preocupam em atingir as duas realidades. Ao explicar para os surdos, muitas vezes, a professora regente dá exemplos diferentes quando a explicação depende do som ou quando o conceito é muito abstrato. Ela explica o mesmo conceito várias vezes, sem pressa. Costa (2018, p. 249) afirma: “A clareza da explicação do professor em língua portuguesa surtirá efeitos diretos na tradução e interpretação em Libras. Ambos, professor regente e TILSP, têm a responsabilidade no processo de ensino e aprendizagem vivenciado pelos alunos surdos’’. Está presente a existência de cumplicidade e a divisão de responsabilidades entre o TILSP e a professora regente no ato de ensinar, e entre os alunos surdos e ouvintes no ato de aprender, no momento em que há alternância de autoridade diante da turma e a troca de saberes entre elas. Cada uma exerce sua função respeitando o espaço da outra. A TILSP ensina Libras para a professora regente quando esta solicita. Elas planejam juntas as atividades e conhecem o objetivo da aula dada.

Nesta atividade, o TILSP exerce um papel fundamental de codocência, no que se relaciona com a interação do grupo. Os ouvintes também usam o alfabeto manual para soletrar o nome de cada figura. Os alunos surdos ocupam igualmente o lugar de juiz do jogo, participando com o mesmo destaque de liderança e autoridade. Consequentemente, são colocados em lugar de respeito no grupo inclusivo. Os alunos surdos ampliam seu vocabulário e aprendem o nome de cada figura do jogo. Já os alunos ouvintes aprendem a utilizar o alfabeto manual, aprendem a escrita ortográfica das palavras do jogo e o sinal de cada palavra em Libras. O uso do alfabeto manual favorece a memorização cinestésica da escrita ortográfica das palavras, tanto para os alunos surdos, quanto para os alunos ouvintes. Todos aprendem e a TILSP ocupa o lugar como mediadora, da mesma forma que a professora regente ocupa nos demais subgrupos da turma. Ambas atuam com alunos surdos e ouvintes.

Episódio 2 - jogo soletrando inclusivo

Atividade: Todos receberam uma lista de palavras para estudar em casa. Em aula, a turma foi dividida em subgrupos (nove grupos de quatro alunos e um grupo de dois alunos). A professora regente sorteou números de 1 a 9, que correspondiam aos números dos grupos de palavras, e escreveu no quadro a pontuação de cada subgrupo. Um membro do grupo jogava o dado que correspondia ao número de uma palavra. Esse aluno deveria ir à frente da turma e soletrar a palavra sorteada. Quando a equipe ganhava quatro pontos, os alunos ganhavam um pirulito da professora. Cada rodada deveria ser com um aluno diferente, de modo que todos participassem. O aluno escolhido poderia solicitar uma dica para acertar a soletração da palavra, indicada em cartões coloridos: (azul: quantas letras tem a palavra? Verde: a palavra tem hífen? Vermelho: qual é a primeira letra da palavra? Marrom: a palavra tem acento?). A turma se engajou com esse jogo, surdos e ouvintes.

Análise: No ato da explicação dada pela professora regente sobre o funcionamento do jogo, de forma simultânea, o TILSP interpretava em Libras o que a professora regente dizia em língua portuguesa oral. Porém, no ato da dinâmica do jogo, todos usavam o alfabeto manual e o TILSP também estava na posição de liderança dos comandos da atividade. Alguns alunos ouvintes utilizaram o alfabeto manual para lembrar como se escrevia a palavra e, em alguns casos, o TILSP descobriu que estavam colando, utilizando essa técnica. Quando a professora regente virava as costas, os membros do subgrupo soletravam a palavra para o aluno que estava na frente da turma utilizando o alfabeto manual. O TILSP descobriu a cola e a professora regente acatou os movimentos dos alunos ouvintes em utilizar seus conhecimentos em Libras, utilizando o recurso linguístico do alfabeto manual, para ‘’colar’’ no jogo, mas nem repreendeu os alunos ouvintes por isso. Todos riram muito.

Observamos nesses jogos que todos da turma, surdos e ouvintes, se apropriaram do conhecimento sobre o alfabeto manual e interagiram, torcendo uns pelos outros. O alfabeto manual colaborou, tanto para os alunos ouvintes quanto para os alunos surdos, como estratégia de memorização da grafia das palavras. Os alunos surdos ajudavam os alunos ouvintes dando ‘’dicas’’ da letra da palavra soletrada.

Um ponto a ressaltar é que o TILSP fez uma pequena modificação para tornar o jogo acessível aos alunos surdos. A professora regente planejou esta acessibilidade antecipadamente com o TILSP: Para os alunos surdos, era cobrado apenas palavras que têm um sinal específico em Libras. Algumas palavras, como expedição, por exemplo, não têm um sinal único em Libras, porque podemos encontrar vários significados para a mesma palavra. Em Libras, alguns sinais se modificam de acordo com o contexto em que a palavra está inserida, por exemplo: expedição de documento, expedição científica, expedição de tropa, expedição como seção de um estabelecimento onde se confeccionam mercadorias, entre outros. Neste caso, por não ter um único sinal, o TILSP deveria soletrar a palavra, e o jogo perderia o sentido. Por isso, foi necessário que ambas selecionassem as palavras da lista oferecida pela professora regente. As palavras soletradas pelos alunos surdos foram: natureza, tartaruga, segredo, antessala, dentre outras, essas palavras possuem um único sinal, mesmo em contextos diferentes. Se não houvesse a parceria e a prática pedagógica codocente entre os profissionais, esta atividade perderia o sentido para os alunos surdos, excluindo-os da atividade. O trabalho de parceria favoreceu a inclusão dos alunos surdos e a efetividade da atividade.

Escola de Duque de Caxias

Episódio 1 - Trabalho com o gênero textual conto

Atividade: A aula de língua portuguesa foi sobre um texto do gênero conto, intitulado O bisavô e a dentadura, da autora Sylvia Orthof. A TILSP teve acesso ao texto antes da aula. Ao entrar em sala de aula, se posicionou ao lado da professora regente, ambas na frente da turma, lado a lado. A TILSP interpretava simultaneamente. Pelo fato da professora regente saber Libras, ela respeitava o turno da interpretação da TILSP e esperava o término da interpretação de uma ideia para introduzir a outra. Isso favorece a qualidade da interpretação e dá o tempo necessário para a TILSP fazer uso de outras estratégias de interpretação, tais como: uso de expressões faciais e corporais, utilização de mais de um sinal para o mesmo conceito, soletrar a palavra-chave do discurso antes de fazer o sinal, dentre outros procedimentos.

A professora iniciou uma conversa prévia sobre o texto para averiguar o conhecimento de mundo que os alunos surdos tinham sobre os elementos principais que apareciam no texto. Provocou um debate entre os alunos surdos e os ouvintes. A fala da professora regente e de toda a turma foram interpretadas de forma simultânea pela TILSP. Os alunos ouvintes, que sabiam Libras, sinalizavam ao se expressarem no debate e a TILSP fazia a interpretação da Libras para a língua portuguesa oral (função voz) para os alunos ouvintes. Logo após, houve a leitura coletiva do texto, a professora pediu para cada aluno ouvinte ler um trecho em voz alta, enquanto os alunos surdos acompanhavam a TILSP. Após a leitura do texto, a professora fez a interpretação oral/sinalizada do texto, perguntando, por exemplo: “quem são os personagens do texto? Quem são os personagens secundários e os protagonistas? Qual é o título do texto? Quem é o autor do texto? O que aprendemos com este conto? Que outro final vocês dariam para a história?”

Análise: Todo o debate foi interpretado simultaneamente e todos os alunos participavam ativamente. Até quando a professora chamava a atenção de algum aluno ouvinte, a TILSP interpretava. Após a interpretação oral, a professora explicou o significado de algumas palavras desconhecidas pelos alunos, por exemplo: traquinagem. A professora escreveu a palavra no quadro e apresentou vários exemplos de frases, escrevendo-as no quadro. Além das palavras desconhecidas, foram explicadas expressões como surdo como uma porta. Para explicar essa expressão, a professora fez o uso de dramatizações junto com a TILSP, em que abriu e fechou a porta várias vezes da sala, chamando um aluno à frente para mostrar o conceito de surdez profunda e fazer analogia com a expressão. Todos participaram ativamente. Ao final da aula, a professora solicitou que fizessem a interpretação de texto por escrito.

Episódio 2 - Trabalhando com gênero textual fábula

Atividade: A professora regente trabalhou a fábula A cigarra e a formiga como revisão para uma prova que seria realizada no dia seguinte. O objetivo era trabalhar o texto antes do dia da prova para que os alunos surdos tivessem autonomia de leitura no ato da avaliação. Inicialmente esse era o objetivo do trabalho: atingir a autonomia de leitura dos alunos surdos. Mas todos receberam a mesma revisão. Primeiro todos copiaram o texto da fábula do quadro. Após a cópia, antes de iniciar a leitura e a explicação do texto, a professora apresentou aos alunos surdos os sinais de cigarra e de formiga. Esses alunos não conseguiram identificar os insetos e nem a diferença entre eles. A TILSP mostrou os sinais dos insetos para a turma enquanto a professora regente mostrava as figuras dos insetos utilizando o google no seu celular pessoal.

A professora regente leu o texto oralmente para os alunos ouvintes enquanto a TILSP interpretava de forma simultânea para os alunos surdos. Um aluno surdo perguntou sobre o sentido da frase: “[...] muito bem, pois agora dance!”. Para que o aluno compreendesse o significado da metáfora, não foi suficiente só a interpretação em Libras. Foi necessário a professora regente junto com a TILSP fazer uma dramatização em Libras da fábula. Houve um debate sobre a atitude da formiga em relação à cigarra, conduzido de forma simultânea entre os alunos surdos e os ouvintes. Todo o debate foi interpretado pela TILSP. Ao final, todos responderam perguntas de compreensão textual no caderno, copiando as perguntas do quadro.

Análise: A leitura do texto em língua portuguesa oral e a interpretação do texto em Libras favorecem a compreensão da sintaxe da língua de sinais e evitam a prática do bimodalismo (fenômeno linguístico que consiste na mistura da sintaxe de duas línguas). Este exemplo se coaduna com Vigotski (1929, 1932/2001), quando afirma que existem dois elementos para operacionalizar a mediação entre o ser humano e o mundo: são os instrumentos e os signos. Os signos podem ser considerados uma marca externa que colabora com o desempenho de atividades psicológicas humanas em sermos capazes de executar tarefas que exigem memória e atenção. Desenvolver atividades como escrever uma lista de compras, utilizar mapas para se locomover, utilizar varetas ou pedras para registrar quantidades, fazer um esboço antes de construir um objeto são alguns exemplos de mediação por meio de signos que melhoram a capacidade de armazenar informações e controlar as ações psicológicas. No caso das pessoas surdas, é a língua de sinais que executará esta função para que o sujeito surdo possa desenvolver seus processos cerebrais. Desta forma garantimos os três princípios norteadores da inclusão: o bilinguismo (sendo a língua de sinais a primeira língua do sujeito surdo e a língua portuguesa sua segunda língua); a dialogia, que é a mediação dos signos através das trocas simbólicas em Libras e a codocência, que é o ensino em conjunto com os profissionais da escola inclusiva.

Observamos que as escolas pesquisadas têm história de inclusão de estudantes surdos e lutam para oferecer um ensino bilíngue de qualidade. Há um esforço de todos, desde a gestão até os funcionários, em garantir a comunicação e o aprendizado a esses sujeitos. Constatamos que nesses espaços, ainda que distante do ideal, devido às dificuldades impostas, os alunos surdos têm uma imersão mais eficaz no mundo da língua de sinais, por conta da codocência entre o professor regente e o TILSP Conclui-se que a codocência é fundamental para corroborar a elaboração de significados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A exposição dos episódios acima demonstra a importância dos três princípios norteadores para a inclusão de alunos surdos: bilinguismo, dialogia e codocência. A dialogia se deu através da aprendizagem colaborativa entre alunos surdos e ouvintes e a codocência entre professor regente e a TILSP. Houve claro trabalho colaborativo entre os dois atores educacionais. Todos os casos evidenciam como é possível e necessário que haja a transformação na estrutura do sistema educacional como um todo para que a codocência se imponha.

Chega-se à conclusão de que, para uma escola abraçar todas as diferenças, inclusive a diferença linguística dos surdos, é necessário um currículo trabalhado de forma conjunta, um sistema de avaliação formativa, diário e contínuo (BRUNER, 2001) e que valores como solidariedade e respeito linguístico estejam presentes. Há urgência em promover formação continuada para os profissionais envolvidos na educação inclusiva e bilíngue de surdos, de modo que a interação entre eles possa ocorrer de forma dinâmica, dialógica e dialética (KELMAN, 2023). Para isso, se deve derrubar barreiras comunicativas. Uma decorrência necessária do enfoque aqui apresentado seria propor inter-relação entre todos os agentes educacionais, como, por exemplo, o TILSP ensinar Libras para a comunidade escolar (SILVA, KELMAN, 2018). Mas uma atuação não verticalizada do professor regente e do TILSP, sem que um tenha mais poder do que o outro na sala de aula, já é um grande avanço.

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Recebido: Março de 2023; Aceito: Abril de 2023

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