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Revista Teias

versão impressa ISSN 1518-5370versão On-line ISSN 1982-0305

Revista Teias vol.24 no.73 Rio de Janeiro abr./jun 2023  Epub 24-Ago-2023

https://doi.org/10.12957/teias.2023.74080 

A contemporaneidade da produção de conhecimento em educação especial e inclusiva no Brasil

FORMAÇÃO DOCENTE PARA O ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO POR MEIO DA PESQUISA-AÇÃO

TEACHER TRAINING FOR SPECIALIZED EDUCATIONAL SERVICE THROUGH ACTION-RESEARCH

FORMACIÓN DOCENTE PARA EL SERVICIO EDUCATIVO ESPECIALIZADO A TRAVÉS DE LA INVESTIGACIÓN-ACCIÓN

Cristina Angélica Aquino de Carvalho Mascaro1 
http://orcid.org/0000-0002-5399-6898; lattes: 2487098320161463

Suzanli Estef2 
http://orcid.org/0000-0003-3354-6598; lattes: 5103676278019238

1Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) E-mail: cristinaangelicamascaro@gmail.com

2Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) E-mail: suzanli_estef@hotmail.com


Resumo

O artigo se insere na temática sobre práticas pedagógicas com estudantes jovens e adultos com deficiência intelectual mediadas por tecnologias. Tem como objetivo apresentar um relato de experiência sobre uma formação docente pelo viés da pesquisa-ação para atuação docente no Atendimento Educacional Especializado (AEE) remoto. A proposta formativa tem como foco a aplicação do Plano Educacional Individualizado (PEI) com ênfase na alfabetização e letramento. Tendo como base a tríade do pilar universitário: ensino, pesquisa e extensão foi elaborada uma formação teórica e prática coadunando pesquisas sobre o PEI, o AEE, alfabetização e letramento do alunado jovem e adultos com deficiência. A opção metodológica foi a pesquisa-ação que permitiu o planejamento, desenvolvimento e avaliação da proposta com os participantes (professores, estudantes com deficiência intelectual e agentes de apoio domiciliares). O estudo aconteceu em todas as suas etapas em ambiente virtual, mediado por tecnologias. Como resultados relevantes, aponta-se o ineditismo de uma modalidade AEE remoto para atuação com esse alunado, além da estruturação de um trabalho pedagógico personalizado para o ensino de leitura, escrita e letramento. Quanto aos professores cursistas, o protocolo para aplicação do PEI foi fundamental para estruturar o PEI dos estudantes, com o planejamento de atividades específicas para cada um deles. A personalização dos processos durante a aplicação do PEI permitiu resultados significativos para cada um dos estudantes na área acadêmica, social e laboral. Concluiu-se que o caminho metodológico da pesquisa-ação torna possível os processos formativos emergentes na escola contemporânea.

Palavras-chave: atendimento educacional especializado; plano educacional especializado; pesquisa-ação; formação docente

Abstract

The article is part of the theme of pedagogical practices with young and adult students with intellectual disabilities mediated by technologies. It aims to present an experience report on teacher training through action-research bias for teaching in remote Specialized Educational Assistance (AEE). The training proposal focuses on the application of the Individualized Educational Plan (PEI) with an emphasis on literacy and literacy. Based on the triad of the university pillar: teaching, research and extension, a theoretical and practical training was elaborated, combining research on the PEI, the AEE, Literacy and literacy of young students and adults with disabilities. The methodological option was action research, which allowed the planning, development and evaluation of the proposal with the participants (teachers, students with intellectual disabilities and home support agents). The study took place in all its stages in a virtual environment, mediated by technologies. As relevant results, we point out the uniqueness of a remote AEE modality to work with these students, in addition to the structuring of a personalized pedagogical work for teaching reading, writing and literacy. As for the course teachers, the protocol for applying the IEP was fundamental to structure the students' IEP, with the planning of specific activities for each one of them. The customization of processes during the application of the PEI allowed significant results for each of the students in the academic, social and work areas. It was concluded that the methodological approach of action-research makes possible the formative processes emerging in contemporary schools.

Keywords: specialized educational assistance; specialized educational plan; action research; teacher training

Resumen

El artículo se enmarca en el tema de las prácticas pedagógicas con estudiantes jóvenes y adultos con discapacidad intelectual mediadas por tecnologías. Tiene como objetivo presentar un relato de experiencia sobre la formación docente a través del sesgo de investigación-acción para la enseñanza en la Asistencia Educativa Especializada (AEE) a distancia. La propuesta formativa se centra en la aplicación del Plan Educativo Individualizado (PEI) con énfasis en la lectoescritura y lectoescritura. A partir de la tríada del pilar universitario: docencia, investigación y extensión, se elaboró una formación teórico-práctica, combinando investigaciones sobre el PEI, la AEE, Alfabetización y alfabetización de jóvenes y adultos con discapacidad. La opción metodológica fue la investigación acción, que permitió la planificación, desarrollo y evaluación de la propuesta con los participantes (docentes, estudiantes con discapacidad intelectual y agentes de apoyo domiciliario). El estudio se desarrolló en todas sus etapas en un entorno virtual, mediado por tecnologías. Como resultados relevantes, señalamos la singularidad de una modalidad de AEE a distancia para trabajar con estos estudiantes, además de la estructuración de un trabajo pedagógico personalizado para la enseñanza de la lectura, la escritura y la lectoescritura. En cuanto a los docentes del curso, el protocolo de aplicación del PEI fue fundamental para estructurar el PEI de los alumnos, con la planificación de actividades específicas para cada uno de ellos. La personalización de procesos durante la aplicación del PEI permitió resultados significativos para cada uno de los estudiantes en el ámbito académico, social y laboral. Se concluyó que el enfoque metodológico de la investigación-acción posibilita los procesos formativos emergentes en las escuelas contemporáneas.

Palabras clave asistencia educativa especializada; plan educativo especializado; investigación para la acción; formación de profesores

INTRODUÇÃO

O trabalho docente na perspectiva da educação inclusiva requer um investimento vasto, dentre eles a formação inicial e continuada dos professores, visto que tem o papel de tornarem suas práticas acessíveis a diversidade do alunado que apresenta necessidades de acessibilidade específicas na aprendizagem. Nesse sentido apresentamos uma proposta de formação docente, emergente na escola contemporânea, com foco no ensino de habilidades de leitura, escrita e letramento para jovens e adultos com deficiência intelectual, tendo como a aplicação do Plano Educacional Individualizado (PEI) mediado por tecnologias.

Segundo Meletti e Bueno (2011), os estudantes com deficiência intelectual são aqueles com maior número de matrículas nas turmas de Ensino Fundamental em comparação com a demais categorias de deficiência. Entretanto há uma escassez de matrículas desse alunado nos níveis mais elevados de ensino. Partindo do princípio que, dentre as habilidades básicas para as aprendizagens essenciais ao longo da vida, destaca-se a leitura e a escrita, buscou-se investigar caminhos formativos para os docentes que atuam com esses alunos, tendo como foco o ensino destas habilidades.

Sabe-se que a maioria dos estudantes com deficiência intelectual passam anos a fios nos bancos escolares sem se apropriarem de modo autônomo das habilidades básicas de leitura, escrita e cálculos. As práticas pedagógicas voltadas para esse alunado podem ser resumidas a um leque infinito de atividades de preparação para a alfabetização, sem avanços efetivos no que se considera o letramento (MASCARO, 2017).

É preciso ensinar a leitura e a escrita, assim como seu uso no cotidiano para que esse aluno possa acompanhar uma proposta de itinerário formativo voltado para sua inclusão e consequentemente uma vida independente. O domínio da alfabetização é uma habilidade básica para qualquer aprendizagem posterior, sendo a dificuldade nessa área, um fator limitador do acesso a conclusão de níveis mais elevados de ensino, ou a uma escolarização que permita a inserção no mundo do trabalho e vida independente.

O processo de alfabetização é um processo de humanização que torna possível o desenvolvimento de nossas potencialidades; podemos dizer que estar alfabetizado é ter condição para nosso desenvolvimento humano. Segundo Oliveira e Simão (2021) a alfabetização em uma perspectiva inclusiva compreende a articulação entre leitura de mundo e a leitura da palavra. Este processo deve ser elaborado com propostas pedagógicas articuladas ao mundo deste alunado. A leitura e a escrita são ferramentas essenciais para uma participação efetiva na vida social, política, econômica e cultural. Sendo assim, tornam-se relevante estudos e pesquisas sobre essa temática na escola contemporânea.

Em uma sociedade inclusiva, a pessoa com deficiência intelectual precisa ser reconhecida como um cidadão que possui seu direito fundamental de acesso a uma alfabetização que permita sua inserção nas diferentes atividades humanas. Soares (2019) ressalta que a alfabetização é um processo específico e indispensável de apropriação do sistema da escrita, aprendizagem dos princípios alfabéticos e ortográficos que possibilitem ao estudante uma leitura e escrita autônoma; e que a partir do letramento torna-se possível a sua inserção e participação na cultura escrita.

Alfabetizar e letrar são duas ações distintas, porém inseparáveis para o sucesso do aluno na inserção ao mundo letrado. Para a autora supracitada, é necessário alfabetizar letrando, o que denominou de alfaletramento, no qual o alfabetizador deve se preocupar com o ensino de códigos e regras ortográficas tendo como condutor propostas pedagógicas com ênfase no contexto sociocultural dos estudantes (SOARES, 2020).

As políticas educacionais preconizam que os estudantes com deficiência intelectual devem receber apoio para sua escolarização no Atendimento Educacional Especializado (AEE). A Lei Brasileira de Inclusão-Estatuto da Pessoa com Deficiência/conhecida como LBI (BRASIL, 2015) estabelece que as escolas devem adotar um projeto para a oferta do AEE. De acordo com a Resolução n. 4, este serviço(BRASIL, 2009, p. 1).

[...] tem como função identificar, elaborar e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando suas necessidades específicas.

Esse atendimento complementa e/ou suplementa a formação dos alunos com vistas à autonomia e independência na escola e fora dela.

[...] organizar o tipo e o número de atendimentos aos alunos na sala de recursos multifuncionais.

A organização escolar na perspectiva da inclusão requer incorporar o AEE no projeto pedagógico da escola. Entretanto não há uma diretriz oficial de como o professor deve ser organizar este atendimento em seu cotidiano, se traduzindo em uma problemática de este serviço poderá efetivamente complentar ou suplementar a inclusão do alunado a que se destina. A construção de uma escola inclusiva requer que a comunidade escolar, pesquisadores e a sociedade busquem pelo diálogo com pesquisas, sobre as diferentes formas de funcionamento para atender as especificidades dos estudantes que ainda encontram barreiras no ambiente escolar contemporâneo.

O que pode ser feito para que o estudante jovem e adultos com deficiência intelectual possa encontrar na escola um ambiente que favoreça o desenvolvimento de habilidades para uma vida independente? Tendo em vista, que não é o tempo que o aluno frequenta a escola que fará com que ele se aproprie das habilidades do alfaletramento, ou seja, se alfabetizar e letrar (SOARES, 2020) e sim, a qualidade das atividades com esse objetivo, que são realizadas neste contexto. Este relato se refere a uma busca, a partir do desenvolvimento de uma pesquisa no tripé universitário: ensino, pesquisa e extensão, para encontrar uma possibilidade que atenda a esse objetivo para o alunado com jovem e adulto com deficiência intelectual.

PROPOSTA FORMATIVA

A situação de isolamento social provocou uma busca emergencial para que todas as atividades humanas pudessem ter continuidade. No caso do alunado da educação especial, dentre eles aqueles com deficiência intelectual que ainda não haviam se apropriado de processos básicos na alfabetização e sem acesso ao uso autônomo dos recursos digitais para comunicação, foi um processo bem complexo para se estabelecer a proposta do ensino remoto. Tendo ainda como uma problemática a formação docente para atuação com esse alunado neste contexto de isolamento.

Relatamos neste trabalho uma proposta de formativa para atuação no AEE com o alunado jovem e adultos com deficiência na modalidade remota, tendo em vista a necessidade do ensino online para todos devido o início da pandemia da Covid 19 em março do ano de 2020. Sendo assim, o texto se caracteriza como um relato de experiência, nos qual são apresentadas as etapas constituintes da formação na qual os professores cursistas atuaram na modalidade remota com estudantes jovens e adultos com deficiência intelectual para o ensino de habilidades de leitura, escrita e letramento, tendo como fio condutor o Plano Educacional Individualizado (PEI).

O trabalho docente na perspectiva inclusiva conta com o conhecimento produzido para atender as necessidades específicas de alguns estudantes para lidarem com a construção de conhecimentos no ambiente escolar. Dentre elas, o PEI surge com uma estratégia que permite que o planejamento do que precisa ser ensinado ao aluno, se torne acessível para ele. O PEI refere-se à aplicação de princípios de acessibilidade no conteúdo a ser ensinado para um aluno. A prática pedagógica com o aluno que apresenta necessidades específicas na aprendizagem requer um conhecimento deste aluno, para que o planejamento de ensino seja personalizado de forma a se tornar acessível. A educação em uma perspectiva inclusiva requer a ruptura com modelos de planos de aula homogêneos, para isso, trabalhar com PEI se torna fundamental.

Com base no exposto, como uma das ações do projeto de pesquisa Formação docente para o atendimento educacional especializado: o Plano Educacional Individualizado (PEI) mediado por tecnologias, aprovado pelo comitê de ética em pesquisa, a formação surgiu como produto do projeto sobre essa temática, para o ensino de docentes, pelo viés da extensão universitária, sustentando-se no princípio constitucional da indissociabilidade do tripé do fazer acadêmico (COLETTE, 2021).

A formação teve como base a estratégia do Plano Educacional Individualizado (PEI) por meio de um protocolo com os conteúdos relevantes para o ensino de habilidades de escrita, leitura e letramento (MASCARO, 2021). Após a definição do perfil do estudante com deficiência, os cursistas selecionavam os conteúdos deste protocolo para planejar as atividades do PEI de acordo com as necessidades de cada estudante. O protagonismo do PEI se deu pela relevância da personalização de processos para o ensino e aprendizagem dos alunos com deficiência intelectual. Cabe pontuar que, apesar de pertencerem a um grupo categorizado com uma mesma deficiência, apresentam características heterogêneas e perfis de desenvolvimento diferenciados, que incidem em uma necessidade de atendimento específicas para seu desenvolvimento.

Destacou-se como relevante neste relato, a opção metodológica do trabalho desenvolvido na proposta formativa relatada, que foi a pesquisa-ação. A pesquisa voltou-se para colaborar com ações inclusivas, foi desenvolvida por meio de uma abordagem qualitativa, que se compromete com a compreensão de aspectos específicos dos fenômenos que são estudados. De acordo com Lorenzi (2021), o consenso em uma pesquisa-ação é fato de seu ponto de partida envolver um agir coletivo em prol de uma ação que gere resultados buscados pelos envolvidos (pesquisadores e pesquisados).

O trabalho desenvolvido pautou-se não em uma formação para professores, e sim em uma formação com professores; pois a pesquisa-ação nos permite pesquisar com, além de refletir e replanejar com demais atores envolvidos na investigação. Além do que tivemos também a participação ativa dos estudantes com deficiência intelectual na etapa de aplicação do PEI. De modo geral, buscamos, ao selecionar a pesquisa-ação, criar uma experiência no sentido do que aponta a autora, a seguir:

Experiências com pesquisa-ação podem conciliar a pesquisa e o ensino com extensão, constituindo um campo fértil à evidenciação de experiências sociais já disponíveis e fertilizando as experiências sociais possíveis, pela promoção da consciência crítica de acadêmicos e demais participantes (COLETTE, 2012, p. 76).

Tendo em vista ser um estudo com os docentes cursistas e com os estudantes com deficiência intelectual, a formação proposta dividiu-se em uma etapa teórica e outra prática. Após o conhecimento do protocolo para aplicação do PEI, iniciava-se a etapa prática com os estudantes.

Na etapa teórica foram dinamizados conteúdos divididos nos estudos das temáticas abaixo:

  • ▪ O estudante com deficiência intelectual e suas especificidades.

  • ▪ Transição para a vida adulta do estudante com deficiência.

  • ▪ Modelos de apropriação do conhecimento.

  • ▪ Alfabetização e letramento.

  • ▪ Desenho universal na aprendizagem.

  • ▪ Ensino colaborativo.

  • ▪ Plano Educacional Individualizado.

Tais conteúdos foram apresentados por meio de atividades síncronas semanais (encontros com duração de 1h30min/2h) e assíncronas em um site no qual os docentes realizavam as atividades propostas sobre o conteúdo a ser discutido nas aulas síncronas. No total foram formadas 4 turmas, nas quais a captação dos cursistas se dava por divulgação da proposta em mídias sociais, totalizando o quantitativo de 126 docentes nos primeiros dois anos, conforme distribuição apresentada na Tabela 1:

Tabela 1 Caracterização das turmas do projeto 

Panorama quantitativo dos participantes da pesquisa
Turma 01 (2020) 23 cursistas Um estudante piloto da FAETEC 1 agente de apoio
Turma 02 (2020) 23 cursistas 15 estudantes da FAETEC 15 agentes de apoio
Turma 03 (2021) 34 cursistas 15 estudantes da FAETEC 16 agentes de apoio
Turma 04 (2021) 46 cursistas 16 estudantes da FAETEC 16 agentes de apoio

Fonte: elaborado pelas autoras (2022)

Na etapa prática, os docentes cursistas eram divididos em equipes para a aplicação do PEI elaborado para um estudante com deficiência intelectual, de maneira remota, através de encontros préagendados, pelo Zoom (plataforma de comunicação coletiva online). Os estudantes participantes da etapa prática1, eram indicados a partir de uma parceria com a equipe pedagógica do CAEP Favo de Mel2. Importante ressaltar que toda a articulação para a aplicação do PEI seguiu o protocolo específico da pesquisa que aconteceu de forma remota.

Por meio de um trabalho colaborativo, as equipes montaram estratégias de comunicação mediadas pela tecnologia com os sujeitos e suas famílias para definir o protocolo específico de cada estudante na etapa prática do curso. Esses contatos se davam inicialmente por meio de mensagens pelo telefone celular, por meio de aplicativos de mensagens instantâneas e o trabalho se desenvolvia posteriormente por meio de reuniões virtual em plataformas como o Google Meet ou Zoom (plataformas de comunicação coletiva online).

No planejamento da atividade prática do curso, acompanhando os pressupostos da metodologia, a equipe avaliou a necessidade de mais um ator, surgindo a figura do agente de apoio domiciliar; tendo em vista que a participação deste agente no estudo não foi previamente planejado, entretanto de extrema necessidade para que os objetivos dos cursistas e as atividades dos estudantes Fundação de Apoio a Escola Técnica (FAETEC) fossem realizadas. Esse novo agente, fazia a mediação para orientar os estudantes com deficiência intelectual no uso d as tecnologias, como compartilhamento de telas, uso de comandos do computador ou celular.

Sendo assim, como já pontuado, os docentes cursistas da formação foram divididos em equipes para elaborar e aplicar, de forma remota, o PEI para um aluno, contando com suporte do agente de apoio domiciliar (geralmente um dos pais ou irmãos). O foco da aplicação do PEI privilegiava as características pessoais do estudante com foco nas habilidades que deveriam ser trabalhadas. O conhecimento do estágio atual de desenvolvimento do estudante com deficiência intelectual deveria ser o ponto de partida para ampliação das suas possibilidades (MASCARO, 2021).

O desenho da estrutura para aplicação do PEI, com ênfase no trabalho colaborativo, tendo como pressupostos a pesquisa-ação, pode ser representado na Figura 1:

Fonte: Elaborado pelas autoras (2022).

Figura 1 Estrutura de parte prática 

Sobre o planejamento do PEI, com base no conteúdo da pesquisa e tendo como guia o protocolo para alfabetização e letramento elaborado para a pesquisa, após o conhecimento do estudante, suas necessidades e potencialidades na etapa introdutória; o PEI era elaborado e aplicado semanalmente, em alguns casos, duas vezes por semana, dependendo do cotidiano do estudante. E seguia as seguintes etapas:

Tabela 2 Caracterização das turmas 

Etapas de aplicação do PEI
Etapa introdutória Elaboração do PEI Aplicação do PEI Avaliação do PEI
Coleta de dados pela equipe de cursistas por meio de entrevistas com o participante, com o responsável/familiar, com o profissional da instituição de ensino e/ou com o profissional do ambiente de trabalho do participante. Quem é o estudante, seus sonhos, suas potencialidades e suas necessidades. Após a definição do perfil do participante, a equipe decide o objetivo geral e os específicos para o PEI do estudante. Definição do canal de comunicação para a mediação das atividades com o aluno. Aplicação das atividades pelos cursistas com orientação do articulador, avaliação, planejamento replanejamento quando necessário. Encontro da equipe de aplicadores, estudante e agente de apoio. Indicação de novas metas ou replanejamento, quando necessário.

Fonte: elaborado pelas autoras (2023).

O momento inicial de contato da equipe com o estudante e seu agente de apoio eram a base para conhecer e personalizar as atividades pedagógicas com um objetivo específico. Alguns jovens necessitavam do trabalho com atividades de letramento para manutenção em seus postos de trabalhos atuais, outros demandavam um trabalho para terem a possibilidade de ingressarem no mundo do trabalho e outros demandavam de aprendizagens básicas de alfabetização para dar continuidade nas atividades acadêmicas. Ao final desta etapa prática, momento final de avaliação do trabalho, era realizado um encontro com a participação de todos. Esse era um momento relevante para o replanejamento de novas etapas, considerando-se não só a evolução pedagógica do estudante na aplicação do PEI, mas também ouvindo o que este pontuava como perspectivas para uma nova etapa do PEI.

De acordo com Nóvoa (2009) as experiências formativas em situações reais, mediadas por uma postura problematizadora e investigativa é fundamental na formação docente. No momento em que os docentes cursista entravam em campo para aplicação do PEI eram confrontados com demandas reais dos sujeitos que interagiam, sendo necessário articular a teoria da etapa teórica para realizar o trabalho de alfaletramento dos jovens.

O consenso em relação a pesquisa-ação é a sua fundamentação pautar-se em um agir coletivo na busca de solução de um problema tanto para os pesquisadores quanto para os pesquisados. Ander-Egg (1990) apudLorenzi (2021), contextualiza a tríade de uma pesquisa-ação:

Tabela 3 Tríade da pesquisa-ação no contexto da formação docente 

Pesquisa ou investigação Procedimento reflexivo, sistemático e controlado para o estudo de algum aspecto da realidade visando uma ação. Leituras e revisões sistemáticas sobre a literatura e problemática estudada.
Ação A forma que o estudo vai ser realizado, modo de intervenção. Elaboração e aplicação da formação continuada
Participação A atividade na qual os participantes estão envolvidos, contribuição dos atores para conhecimento e transformação da realidade Análise da formação proposta, por meio da troca com os cursistas na etapa teórica.

Fonte: As autoras, adaptado de Ander-Egg (1990) apudLorenzi (2021).

Diante desses passos, a proposta pautou-se nos processos de conhecer e intervir, tendo a participação ativa dos atores envolvidos. No quadro 4, apresentamos, com intenção de situar o leitor, um exemplo da aplicação do PEI. Após a seleção dos conteúdos que seriam trabalhados com o estudante, a equipe elaborava um planejamento com as atividades para atingir aos objetivos do PEI.

Tabela 4 Exemplo de um planejamento para aplicação do PEI 

PEI n. 001 Vigência: Agosto a novembro / 2021

Planejamento de atividades n.: 4

Participante: XXXX
Agente de apoio domiciliar: XXXX
Equipe de pesquisadores (aplicadores): XXXX
Data: 16/08/2021 Horário: 16h às 17h

Conteúdos:

21. Identificação do dia da semana, mês, ano.

Objetivos:

Localizar-se no tempo e espaço, por meio de sequências de fatos e quantidades. Organizar pensamentos, identificando o antes e depois.

Descrição da atividade:

No primeiro momento conversar com o aluno informalmente, questionando-o se sabe o dia, mês e ano do seu nascimento. Após esse momento iniciar a atividade pelo PowerPoint, levando o estudante a ler os meses do ano; posteriormente escrever cada mês em sua ordem; podemos tentar ampliar o conhecimento de Tito, ressaltando os dias dos nossos encontros e assim contar quantos encontros temos ainda. Para finalizar, deixar uma tarefa para o estudante: fazer uma pesquisa em casa e enviar pelo WhatsApp a data do nascimento de cada pessoa da sua família — mãe, pai, irmã e sobrinha.

Recursos: smartphone, WhatsApp, caderno, lápis, borracha e PowerPoint.

Avaliação ao final da atividade:

No primeiro momento, iniciamos uma conversa informal, quando o estudante lembrou alguns acontecimentos. Após essa conversa, questionamos o aluno a dizer o dia de seu aniversário, e ele teve dificuldade em lembrar. A articuladora, então, fez uma intervenção e o ajudou a lembrar. Após esse momento, a aplicadora deu início ao desenvolvimento da atividade. Pelo PowerPoint, levamos o estudante a ler os meses do ano e, a cada mês, o estudante lembrava de algum acontecimento, como: fevereiro, carnaval; junho, aniversário do XXX; e assim por diante. Na atividade também foram enfatizados com o aluno os dias dos próximos encontros. Assinalamos os dias com uma cor diferente, no PowerPoint, para facilitar a visualização e o aluno assim se localizar. Durante esse momento, fomos enumerando cada mês do ano e elencando cada dia de aniversário de cada um, colocando uma imagem de bolo ao lado do dia. Tito respondeu aos estímulos apresentados: ora mostrava satisfação e ora percebíamos que estava disperso, porém, nada que prejudicasse a aplicação da atividade.

Observação: -x-

Foto ou outro registro:

Fonte: Banco de dados da pesquisa (2021)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Partindo do princípio indissociável da universidade: ensino, pesquisa e extensão, na contemporaneidade o tema deste relato, sobre uma formação docente para uma proposta de Atendimento Educacional Especializado (AEE) remoto com ênfase no ensino de habilidades de alfaletramento para jovens e adultos com deficiência intelectual devem estar na pauta extensionista, tendo em vista que não uma recomendação em nossas políticas inclusivas sobre como estruturar um AEE para esse público. É preciso que o conhecimento produzido na universidade tenha uma capilaridade com toda a comunidade. Tendo a possibilidade de elaborar cursos de extensão na modalidade remota, podemos alcançar um número expressivos de docentes em todo o país.

Tendo em vista que a construção de um sistema educacional inclusivo é um processo em andamento, destacamos a relevância da metodologia da pesquisa-ação no estudo relatado, que permitiu, diante de uma pandemia, a reorganização das ações propostas; além de permitir inovar no atendimento pedagógico remoto com os estudantes jovens e adultos com deficiência intelectual do Caep Favo de Mel da FAETEC.

O trabalho colaborativo a partir desta modalidade de pesquisa foi fundamental para atingir os objetivos, e que, também exige dos professores uma postura diferenciada do que a refletida por uma formação ainda pautada no manejo docente individual. Ou seja, o professor deve entender o trabalho colaborativo como uma estratégia, que tem se apresentado a partir das necessidades surgidas, vencendo o desafio de dividir sua prática, numa perspectiva de ações pedagógicas que atenda às necessidades especificas dos alunos.

O relato aqui apresentado refere-se a uma experiência que promoveu formação docente remota para professores com uma etapa de atividade prática também remota. Sendo assim, os estudantes com deficiência intelectual que participaram do estudo, apesar de matriculados no CAEP Favo de Mel, uma instituição de educação especial presencial, devido a pandemia, participaram do estudo de forma remota, utilizando as tecnologias. Os resultados positivos desta estratégia de AEE remoto, no qual os cursistas, estudantes e agentes de apoio conseguiram desenvolver atividades para alfabetização e letramento remoto em parceria (ver Tabela 1), podem ser incorporados em outras realidades. Apresentamos como validade social dessa experiência, a possibilidade de sistematizar o Atendimento Educacional Especializado (AEE) mediado por tecnologias em escolas de ensino comum, que oferecem o contraturno especializado, ou que o aluno não tenha condições de frequentar turno e contraturno ao longo do dia no espaço escolar.

Destacamos também que a leitura, escrita e o letramento são demandas presentes ao longo da toda a trajetória dos estudantes, o protocolo desenvolvido para aplicação do PEI permite o ensino dessas habilidades associado ao domínio do mundo digital. Conclui-se que a formação possibilita um trabalho docente para otimizar o desempenho acadêmico e itinerário formativo de jovens e adultos com deficiência intelectual. Pretendemos nesse relato de experiência apresentar perspectivas em andamento, que podem promover a constituição de novos saberes e a assimilação de novas práticas, com ações pedagógicas que favoreçam e atendam às diversas demandas, tanto de professores quanto de alunos na escola contemporânea.

1Conforme Tabela 1.

2Centro de Apoio à Educação Profissional Favo de Mel para jovens e adultos com deficiência intelectual da Fundação de Apoio a Escola Técnica do Estado do Rio de Janeiro.

REFERÊNCIAS

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Recebido: Março de 2023; Aceito: Abril de 2023

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