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Revista Teias

versão impressa ISSN 1518-5370versão On-line ISSN 1982-0305

Revista Teias vol.24 no.73 Rio de Janeiro abr./jun 2023  Epub 24-Ago-2023

https://doi.org/10.12957/teias.2023.62365 

Artigos de Demanda Contínua

ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL E TRABALHO EXTRACLASSE DO CAP DA UFRJ NA REVISTA ESCOLA SECUNDÁRIA (1959-1961)

EDUCATIONAL ORIENTATION AND EXTRACLASS ACTIVITY AT THE APPLICATION COLLEGE OF UFRJ IN THE SECONDARY SCHOOL JOURNAL (1959-1961)

ORIENTACIÓN EDUCATIVA Y TRABAJO EXTRAESCOLAR DEL CAP DE LA UFRJ EN LA REVISTA ESCUELA SECUNDARIA (1959-1961)

Fernanda Gomes Vieira1 
http://orcid.org/0000-0001-6722-5288; lattes: 3162231162510056

Norberto Dallabrida2 
http://orcid.org/0000-0002-5100-2028; lattes: 7488521314793134

1UDESC E-mail: fernandabiofgv@gmail.com

2UDESC E-mail: norberto.dallabrida@gmail.com


Resumo

O Colégio de Aplicação da UFRJ foi o primeiro a ser criado no país, em 1948, a fim de possibilitar experimentações pedagógicas. Mas somente dez anos depois foram publicadas as instruções para a implantação de um ensaio inovador na educação secundária: as classes secundárias experimentais, que começaria no ano seguinte. Assim, o presente trabalho tem como objetivo analisar a representação do serviço de orientação educacional e das atividades extraclasse das classes secundárias experimentais do Colégio de Aplicação da UFRJ na revista Escola Secundária (1959-1961) a partir de três artigos sobre a temática presentes na revista. E para a condução teórica desta pesquisa foi usado o conceito de representação a partir do historiador francês Roger Chartier (2002 e 2011) e o conceito de circulação trabalhado por Marta Carvalho (2003). Desse modo, as inovações analisadas das classes experimentais visavam formar a juventude para atender as necessidades da sociedade moderna

Palavras-chave: classes secundárias experimentais; revista escola secundária; colégio de aplicação da UFRJ; orientação educacional; atividade extraclasse

Abstract

The application college of the Federal University of Rio de Janeiro was the first school created in Brazil, in 1948, with the purpose to carry on pedagogical experimentations. However, the instructions to implement an innovative essay on secondary education, named the experimental secondary classes, was published only 10 years later, and the classes effectively started on the following year. The present document aims to analyze the representation of the educational orientation service and the extraclass activities of the experimental secondary classes of the UFRJ’s application college in the secondary school journal from 1959 to 1961, based on three related articles published in this journal. The theoretical orientation followed the representation concept of the French historian Roger Chartier (2002, 2011) as well as the circulation concept of Marta Carvalho (2003). Thus, the innovations analyzed by the experimental classes aimed at educating youth to fulfill the needs of a modern society.

Keywords: secondary experimental classes; secondary school journal; UFRJ application college; educational guidance; extraclass activity

Resumen

El colegio de aplicación de la UFRJ fue el primero en crearse en el país, en 1948, con el fin de posibilitar experimentaciones pedagógicas. Pero solamente diez años después, fueron publicadas las instrucciones para la implantación de una experiencia innovadora en la educación secundaria: las clases secundarias experimentales, que comenzarían al año siguiente. Asimismo, el presente trabajo tiene como objetivo analizar la representación del servicio de orientación educacional y de las actividades extraescolar de las clases secundarias experimentales del Colegio de Aplicación de la UFRJ en la revista Escuela Secundaria (1959-1961), a partir de tres artículos sobre la temática presente en la revista. Para la conducción teórica de esta investigación documental e historiográfica, fue utilizado el concepto de representación a partir del historiador francés Roger Chartier (2002 y 2011) y el concepto de circulación trabajado por Marta Carvalho (2003). De este modo, las innovaciones analizadas de las clases experimentales apuntaban a formar a la juventud para cumplir las necesidades de la sociedad moderna.

Palabras clave clases secundarias experimentales; revista escuela secundaria; colegio de aplicación de la UFRJ; orientación educacional; actividad extraescolar

INTRODUÇÃO

Pautado nos decretos-leis nº 9.053 (BRASIL, 1946a) e nº 9.092 (BRASIL, 1946b, s/p), foi criado, em 1948, o primeiro Colégio de Aplicação (CAp) do país sob a tutela da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil (FNFi), atualmente conhecido como Colégio de Aplicação da UFRJ (MARTINS, 2015). Essa escola nasce com perspectiva experimental de base principalmente norte-americana, como o pioneirismo no uso do estudo dirigido (PENTAGNA, 1967), o Serviço de Orientação Educacional (SOE) atuante e a possibilidade de turmas reduzidas. As ideias renovadoras tinham seus agentes estratégicos e seus periódicos, como a revista Escola Secundária, criada em 1957 e publicada pela Campanha de Aperfeiçoamento do Ensino Secundário (CADES), tendo como redator-chefe o próprio Luiz Alves Mattos, diretor do CAp da UFRJ (ROSA, 2014). Carvalho (2003, p.339) alerta que “[...] esses intelectuais editores de algum modo tomaram para si a tarefa de remodelar o imaginário e as práticas pedagógicas vigentes no país”. Assim, o papel da revista Escola Secundária em defesa do ensaio dos ideais escolanovistas é perceptível, assim como o espaço privilegiado concedido aos profissionais do CAp. A revista termina suas publicações em 1961, tendo circulado 17 volumes nesse período e atingido cerca de 40.000 professores. Posteriormente foram divulgados mais dois números, escritos em 1963, mas publicados no ano seguinte “[...] sem editorial, sem notícias da CADES, apenas com os artigos das seções técnicas” (FONSECA, 2003, p.8).

Após esforços de intelectuais renovadores e o engajamento de Gildásio Amado, em 1958 o MEC publica as “Instruções sobre a natureza e a organização das classes experimentais” (BRASIL, 1958), que estabeleciam as condições para a implementação desse ensaio em colégios públicos e privados, controlada de perto pela Diretoria do Ensino Secundário (DES) e podendo ser iniciada no ano seguinte de forma gradual, estratégica e legalizada (DALLABRIDA, 2014).

A oficialização das classes experimentais possibilitou para todas as escolas secundárias que tivessem estrutura, de forma estratégica, a utilização de novos métodos a partir da redução do número de alunos por turma, da flexibilização curricular, da atividade dirigida, da obrigatoriedade do serviço de orientação educacional, da adequação por aptidões, além de uma preocupação com a formação dos professores (BRASIL, 1958). Martins (2015) afirma que Luiz Alves Mattos foi um dos primeiros diretores a apresentar um plano para habilitar o CAp da UFRJ a implantar turmas experimentais. Em outubro de 1959, ele já afirmava em matéria no jornal Diário de Notícias sobre o CAp que “[...] esse sistema atualmente, em vigor na primeira série ginasial, vem oferecendo excelentes resultados não só quanto ao aproveitamento escolar, mas também diante da receptividade de alunos e seus pais” (COLÉGIO, 1959, p.9).

O objetivo do presente trabalho é analisar a representação do serviço de orientação educacional e da atividade extraclasse das classes secundárias experimentais do Colégio de Aplicação da UFRJ na revista Escola Secundária. Para tanto serão analisados os seguintes artigos sobre o CAp publicados nesta revista: “Planejamento das sessões de Orientação de Grupo” (LOFFREDI, 1959), “A Orientação educacional nas classes experimentais” (LOFFREDI, 1960), que tratam das experiências do SOE nas classes experimentais; e “Ciências Naturais como atividade extraclasse” (BASTOS, 1961), que discorre sobre uma experiência de atividade extraclasse com duas turmas do experimental. O recorte temporal se justifica por partir da data da publicação do primeiro artigo analisado, em 1959, à data do último artigo analisado, 1961. Dessa forma, os impressos serão vistos não apenas como uma fonte, “[...] mas, antes de mais nada, como objetos culturais a serem analisados em sua materialidade” (REVAH e TOLEDO, 2016, p. 54). Vale ressaltar que a escolha de apenas três artigos dentre uma grande variedade da revista, se justifica por tratarem ao mesmo tempo da experiência das classes experimentais no Colégio de Aplicação da UFRJ e por abordarem o serviço de orientação educacional e as atividades extraclasse.

Então, para a condução teórica desta investigação será movimentado o conceito de representação enunciado por Chartier (2002, 2011) como uma operação que presentifica e constrói o ausente. Procurando explorar as suas duas dimensões, Chartier (1995, p. 1985) explica: “Por um lado, a representação faz ver uma ausência, o que supõe uma distinção clara entre o que representa e o que é representado; de outro, é a apresentação de uma presença, a apresentação pública de uma coisa ou de uma pessoa”. Deste modo, a presentificação do ausente é sempre atravessada por interesses e intenções porque existe uma construção social do que está ausente, que, no conhecimento histórico, é o passado. Desse historiador francês é movimentado também o conceito de circulação, porque ele considera que os bens culturais têm circuitos específicos, que os fazem se deslocar de diferentes formas, entre as quais os periódicos. Nesta direção, usar-se-á Carvalho (2003) para compreender a produção e circulação de periódicos no campo educacional brasileiro. Para ela, o impresso passa a ter relevância tanto como objeto de análise quanto como material “[...] cujos usos, em situações específicas, se quer determinar” (CARVALHO, 2003, p.346). E, portanto, o periódico de função pedagógica como objeto de estudo coloca em evidência os dispositivos estratégicos de imposição de saberes e normatização de práticas, que estão referendados por lugares de poder determinados (CARVALHO, 2003).

Dessa maneira, o presente estudo é relevante por ter como foco o primeiro colégio de aplicação do país, sendo ele um estabelecimento público, criado na expectativa de ser modelo aos próximos e ainda base prática para a formação de professores. E sobretudo porque adotou as classes secundárias experimentais, uma experiência pioneira no secundário do país, abrindo caminhos para mudanças no chão da escola, que depois foram apropriadas na Lei de Diretrizes e Bases de 1961. E o estudo traça análises que podem ajudar na reflexão do atual ensino médio, já que a releitura dessa experiência pode trazer caminhos, quase esquecidos, de práticas pedagógicas a serem (re)pensadas, além de abrir espaço para refletir sobre o SOE e seus desdobramentos e colocar em foco um momento histórico pouco explorado na historiografia da educação.

O trabalho está dividido em três partes. A primeira discorre sobre a representação do serviço de orientação educacional das classes secundárias experimentais, quesito obrigatório na experiência. Já a segunda trata da orientação educacional em grupo que ocorria nas turmas experimentais. E a última parte aborda a representação da atividade extraclasse e o uso da metodologia de projetos para a condução dela nas turmas experimentais.

O SERVIÇO DE ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL (SOE)

A Orientação Educacional (OE) foi oficializada nas leis orgânicas de 19421 com o objetivo de promover dentro de uma cientificidade o mais alto desenvolvimento da virtude dos educandos, “[...] recorrendo para tanto a técnicas adequadas e atuando por meio da personalidade do Orientador” (AMADO, 1958, p.38), porém sua obrigatoriedade veio com e para as classes secundárias experimentais. Com isso, o Serviço de Orientação Educacional (SOE) na educação secundária ganhou mais foco e importância no papel de condução dos jovens, canalizando as suas personalidades e aptidões ao ideal educativo e do controle do elo entre escola, pais, professores e alunos. Neste sentido, o presente título fará a análise do artigo “A orientação educacional nas classes experimentais” (LOFFREDI, 1960) que tem uma visão geral do trabalho da SOE ao final do ensaio das classes secundárias experimentais em duas turmas de primeira série ginasial do CAp da UFRJ.

De acordo com Loffredi (1960), a base das atividades das classes experimentais era o trabalho em equipe, a fim de formar os alunos de maneira humana e social em uma cultura geral e não específica. Portanto, era muito utilizada a interdisciplinaridade “[...] através de trabalhos práticos e de forma global”, cujo currículo era, “[...] em essência, o da lei orgânica, havendo apenas uma nova seriação, enriquecida por ‘práticas educativas’: educação musical, orientação educacional, trabalhos manuais, educação física e atividades extraclasse” (LOFFREDI, 1960, p.25). E ela ressalta que, do modo como ficou estruturado o esquema educativo com a Orientação Educacional, seu papel não ficou restrito aos seus objetivos específicos, pois auxiliou em todas as áreas as classes experimentais, em que contribuiu para o objetivo geral delas, sendo o elo de todos os elementos, como o esquema exemplificador que se pode observar na figura 1.

Fonte: LOFREDDI, 1960, p. 26.

Figura 1 esquema do SOE 

Assim sendo, a autora do artigo o dividiu em subtítulos de acordo com a influência do SOE com cada um desses tópicos, representando as ligações positivas do auxílio da orientação nos demais setores. Em relação ao diretor do colégio, o SOE ganhou amplo apoio para a atuação, mas sempre prestando conta e necessitando da aprovação da direção para o planejamento e a obtenção de dados dos alunos. No livro de Alzira Abreu “Intelectuais e Guerreiros: o Colégio de Aplicação da UFRJ de 1948 a 1968”, escrito em 1992 (ABREU, 1992), que conta com entrevista de professores e alunos e traça a trajetória do CAp nesses vinte anos, tem-se o depoimento de Paulo Brandi, um dos ex-alunos. Ele foi entrevistado por Abreu (1992, p.25) e faz menção à orientadora Laís Loffredi, refletindo sobre a relação da orientadora com a direção ao expor que “[...] eu simpatizava com a figura da D. Laís, que foi orientadora da minha turma. Parecia uma figura maternal, compreensiva. Mas foi muito omissa em todos os conflitos, principalmente dos alunos com a direção”.

Já em relação ao professor-coordenador, que foi uma inovação das classes experimentais pois ele era o chefe da equipe dessas classes, existia um trabalho em conjunto com a OE na avaliação dos rendimentos escolares para auxiliá-lo na supervisão dos resultados, na busca das causas de baixo rendimento e de soluções (LOFFREDI, 1960). A ligação do SOE com os professores também era um forte suporte de avaliação, trazendo a classificação psicológica para junto da avaliação da disciplina, o que se percebe no que foi trazido por Loffredi (1960, p.28) ao afirmar:

Empenhamo-nos em oferecer informações precisas aos professores para que pudessem de forma mais objetiva planejar o trabalho tanto individualizado quanto de grupo: características pessoais de personalidade, ambiente familiar, dos alunos, etc. (...) Assistimos a todos os “conselhos de classe”, auxiliando, sugerindo, informando – pois que o objetivo principal desse primeiro ano de funcionamento das classes experimentais foi o conhecimento dos alunos e a sondagem de suas reais capacidades e limitações.

Os conselhos de classe eram reuniões com todos os professores da turma, que decidiam se os alunos tinham aptidão ou não para a próxima série com a finalidade de discutir “[...] os problemas comuns de sua turma, estudando casos individuais, traçando novos rumos e estabelecendo diretrizes comuns” (LOFFREDI, 1960, p.25). Essas afirmações corroboram com a preocupação de Mello (2020) ao alertar sobre a circunstância de a avaliação psicológica ganhar espaço junto à avaliação escolar com a prática do conselho de classe, que pondera sobre os rituais avaliativos: dispositivos de classificação ao reunir, organizar e formatar toda essa diversidade em percursos escolares mais adequados a cada criança, conduzindo-os nos conselhos de classe. A OE também auxiliava os professores com o arranjo das equipes de trabalho; para tal, as orientadoras usaram “[...] alguns sociogramas, com o objetivo de estudar a formação de grupos de liderança e verificar se o nosso esforço para o entrosamento dos elementos rejeitados realizava-se de maneira satisfatória” (LOFFREDI, 1960, p.29).

Esses usos de avaliações psicológicas ganham espaço também pelo fato de os alunos das classes experimentais não serem avaliados com notas, mas sim conceitos; então, segundo Loffredi (1960, p. 26), por esse motivo eles fizeram “[...] uma tentativa de controle objetivo das suas reações às atividades escolares realizadas”. Assim, podia-se oferecer gráficos de rendimento aos professores com os conceitos de: excelente, bom, regular, instável, deficiente, pouca ou nenhuma oportunidade de observação; além disso, fizeram uma ficha mensal sobre comportamentos. Estes permitiam um acompanhamento das reações dos alunos para as diferentes matérias e a evolução numa mesma matéria. Em contraponto tem-se o depoimento de Carlos Weiner, ex-aluno do experimental do CAp que foi entrevistado por Abreu (1992, p. 23). Ele declarou:

No início o SOE foi vivido por nós como uma coisa muito importante, porque marcava a diferença ter orientação, ser avaliado por conceito e não por nota. Em vez de 10, 9, 8, 7, etc., a gente tinha conceitos A, B, C, D, E. Nós fazíamos gráficos, cada mês montávamos um quadro em papel quadriculado com conceitos. As orientadoras deviam achar aquilo o máximo da pedagogia, a princípio nós adorávamos, mas depois perdeu o charme. Essas mulheres, pensando nelas hoje, eu acho que elas eram péssimas.

No artigo em análise, a relação do SOE com alunos é representada como um elo de confiança entre orientador e aluno, em que a OE entra com o papel de ajudá-los em todas as suas dificuldades. Assim, a orientadora educacional organizava um dossiê de cada aluno que possuía ficha respondida pelo pai, resumo de entrevista com os pais ou com o próprio aluno, desenhos, gráfico da família, testes de nível mental, questionários, registro de ocorrências, gráficos de aproveitamento preparado pelo próprio aluno “[...] depois de conhecer as apreciações dos professores” (LOFFREDI, 1960, p. 29). Mas, de acordo com Abreu (1992), os alunos do CAp da UFRJ tinham uma visão ambígua do SOE, pois ao mesmo tempo em que o SOE era algo novo, experimental, ele foi gradualmente virando alvo de chacota e colocado por muitos como fonte de repressão, principalmente com o grêmio estudantil, no contexto da ditadura militar. Abreu (1992, p.24) apresenta o seguinte trecho da entrevista com a ex-aluna Rosa Maria Araújo, que afirma: “O SOE era um pouco motivo de chacota, a gente achava que as orientadoras educacionais eram fofoqueiras. Claro que elas tinham que saber da vida de cada um, mas a ideia dos estudantes é que elas fuxicavam a nossa vida”.

O artigo também trata da função do SOE com a família, que visava entrosar os pais a fim de que os problemas fossem resolvidos de comum acordo com a escola; para tal, todo mês realizava-se a reunião de pais. Segundo Loffredi (1960), as reuniões foram um sucesso com a presença da quase totalidade dos pais, mesmo em horário não muito propício pela manhã, e ela justifica que isso se deveu principalmente à falta de notas e ao interesse deles de sondar como os filhos estavam sendo avaliados. Porém, ela diz que pouco era discutido sobre o rendimento, função que só acontecia ao final em pequenos grupos com cada professor; os assuntos com os pais estavam “[...] mais ligados aos problemas da fase da adolescência” (LOFFREDI, 1960, p.28). Um outro ponto é o uso das atividades extraclasse como forma de avaliação de comportamento, colocada pela Loffredi (1960, p. 28) como “[...] uma oportunidade preciosa para observações”. E termina o artigo de forma esperançosa ao dizer que os objetivos do SOE já estavam surtindo efeitos positivos no comportamento dos alunos orientados (LOFFREDI, 1960). O tom positivo e condescende com a renovação pedagógica a partir do SOE ditado no artigo, e que contrasta com os depoimentos do livro “Intelectuais e guerreiros” de Abreu (1992), reforça que as representações possuem uma energia própria, com a intenção de convencer que o que elas passam é a verdade (CHARTIER, 2011).

Por fim, o artigo “A orientação educacional nas classes experimentais” deixa claro sua intenção de apresentar os benefícios de uma escola que tem o serviço de orientação educacional como ligação com a sua comunidade educativa. É possível enxergar sua atuação como uma tentativa de controle a partir do gerenciamento, principalmente dos alunos, por parte do colégio, que tinha um ideal e uma identidade para resguardar. A presente análise expõe os contrastes das estratégias e suas recepções táticas, ao perceber a intenção do periódico em conduzir a representação de uma essencialidade da OE para a educação secundária; e do artigo em representar o SOE como um elo de engajamento na construção da melhor trajetória – sendo assim representada – dos alunos para o que os aguarda na sociedade e a distância dessas representações nos depoimentos de alunos.

O PLANEJAMENTO DAS SESSÕES DE ORIENTAÇÃO EM GRUPO

O planejamento das sessões de orientação em grupo das turmas da 1ª série ginasial das classes experimentais do CAp da UFRJ tem, segundo a professora e orientadora Laís Loffredi, como objetivo principal “[...] o desenvolvimento harmonioso das potencialidades de cada educando, auxiliando-o no sentido de uma melhor integração à família, à escola e à vida” (LOFFREDI, 1959, p. 31). O artigo “Planejamento das Sessões de Orientação de Grupo” (LOFFREDI, 1959) descreve os métodos utilizados e como foi distribuído o trabalho dessas sessões juntamente com seus objetivos particulares a serem alcançados, criando uma representação segura de uma das funções do Serviço de Orientação Educacional (SOE): orientar percursos, moldar personalidades e relações com e para a instituição escolar.

Mello (2020) expõe que as avaliações eram dispositivos com função de selecionar, classificar as crianças de acordo com a capacidade intelectual e o ajustamento social, porém essas classificações partiam de padrões de normalidade, nem sempre brasileiros. No caso das sessões de orientação em grupo nas classes experimentais do CAp da UFRJ, Loffredi (1959) cita que questionários seriam aplicados com frequência a fim de sondar interesses e problemáticas dos alunos ao longo do ano, podendo ser organizados por psicólogos, pelos orientadores, pelos professores e até mesmo pelos próprios alunos, neste caso com o objetivo de pesquisar algum problema específico. Junto a isso, o artigo traz que testariam o uso da técnica de dramatização nas turmas em 1959 e que, de forma frequente, essas sessões seriam conduzidas a partir da discussão dirigida. Essa discussão podia ser feita em cadeia, com toda a turma participando de forma livre; ou discussão prévia de equipe, em que os representantes de cada grupo debatem entre si (LOFFREDI, 1959), sendo essas lideranças ordenadas através de sociogramas (LOFFREDI, 1960).

A distribuição do planejamento foi feita em nove unidades, cinco em um semestre e quatro em outro. A primeira unidade intitulada “O SOE” tinha por objetivo explicar o que era esse serviço de orientação educacional, como eles iriam atuar e “[...] despertar o desejo de colaboração em boa atitude de trabalho coletivo e individual” (LOFFREDI, 1959, p.32). A segunda unidade reforça a intenção do colégio de criar uma identidade a ser apropriada pelos alunos; com o título “O nosso Colégio”, ela tinha o propósito de explicar o que era o CAp, como ele funcionava, seu espírito e o papel dos alunos para representá-lo (LOFFREDI, 1959). Isso pode se ver refletido no depoimento do ex-aluno Afrânio Garcia coletado por Abreu (1992, p.26), que relata: “Ir para a turma experimental era vestir a camisa do colégio, porque se saísse estava lascado. Isso implicava pra gente uma espécie de investimento total no colégio”. Martins (2015, p.45) também afirma que “[...] o Colégio de Aplicação manteve e reforçou, por meio das classes experimentais, sua marca de escola de vanguarda”. Reforçando ainda esse vínculo, a unidade três - O papel da escola - tinha como objetivo a valorização, a admiração pela instituição escolar e tornar cientes as diferenças de ensino entre o primário, o curso de admissão e a classe experimental e seus métodos de trabalho (LOFFREDI, 1959). Essas unidades iniciais construíam a forte base do diferencial que era estar naquele colégio e ainda mais estar em uma turma experimental, e tais estudantes, para entrada no CAp, “[...] se consideravam a elite da elite, pois eram os primeiros classificados no exame de seleção” (ABREU, 1992, p. 25).

As outras unidades traziam mais o foco de moldar e conduzir a trajetória do estudante tanto no colégio como depois dele. A unidade quatro, de título “Como estudar”, relaciona o estudo ao sucesso na vida e que para isso é necessário criar bons hábitos de estudo, reforçando que cada um tem um papel dentro do ensino, o professor como condutor e organizador amplo do estudo e o aluno como construtor do seu conhecimento com base no apoio docente. Assim, a unidade seguinte aborda a ética escolar partindo da compreensão dos direitos e deveres dos alunos, além de “[...] mostrar a importância de atitudes corretas no período escolar e seu reflexo na vida” (LOFFREDI, 1959, p.32). A unidade seis, intitulada “A liberdade individual”, era a que continha mais sessões e visava uma formação cidadã de obediência às leis e regras como forma de amor à liberdade individual e, do outro lado, a tolerância e o desenvolvimento do seu papel na sociedade, que se completava com a unidade sete – “O caráter” – visando a formação de um caráter patriótico, de valorização do bom cidadão, da família, da escola e da responsabilidade com a comunidade (LOFFREDI, 1959).

Outra forma de controle dos alunos era justamente conseguir guiar as horas de lazer que, além das atividades extraclasse, foi amparada pela unidade oito do SOE, que tinha como um dos objetivos “[...] a importância do bom aproveitamento das horas de lazer para o maior rendimento do trabalho” (LOFFREDI, 1959, p. 33). Esta unidade trouxe um levantamento dos gostos literários, musicais e divertimentos dos alunos e tratou da higiene física e mental, de forma que se pudesse redirecionar gostos que não estivessem alinhados com as bandeiras levantadas pela instituição. Por fim, a última unidade tratava do rendimento escolar, que demostra a valorização do método para as realizar ações, do esforço a fim de negar a lógica da sorte ou azar nos procedimentos e o valor da rotina na criação de hábitos (LOFFREDI, 1959).O SOE deixava algumas sessões vagas no planejamento para que pudessem ser usadas na aplicação de testes psicológicos de inteligência, personalidade, questionários de sondagem, para a intervenção de convidados como médicos, recreadores, conforme a oportunidade, ou para os professores que necessitassem horas suplementares, deixando claro que esse planejamento era flexível, como deveria ser (LOFFREDI, 1959).

Assim, o artigo de Loffredi (1959) “Planejamento das sessões de grupo” representa a atuação da orientação educacional na condução de percurso para os estudantes de acordo com suas aptidões, personalidade e inteligência, com a intenção de que eles ocupem as melhores funções na construção da modernidade que estava em ascensão, além de influenciar na construção de um certo tipo de personalidade considerada normal, aceitável, boa. E o que ficasse diferenciado, diverso disso, era encarado como algo a ser corrigido, redirecionado, ou simplesmente inapto. Reforçava ainda o porquê da obrigatoriedade do SOE para a implementação da experiência, que se baseava nos fundamentos biopsicológicos da Escola Nova e visava aumentar a qualidade da educação, e mais que isso, da própria juventude

ATIVIDADES EXTRACLASSE E METODOLOGIA DE CENTRO DE INTERESSES

As atividades extraclasse são um processo formador geral, que com o advento das classes secundárias experimentais tomou proporções diferenciadas do que antes era proposto pelas práticas extracurriculares, além de terem se tornado obrigatórias nestas classes. Assim, em junho de 1959 a revista Escola Secundária abriu um espaço para estudos focados nas atividades extraclasse, anunciados em um subtítulo “Atividades Extraclasse” dentro da seção de Orientação Educacional, que afirmava:

O Ministério da Educação, pela Diretoria do Ensino Secundário e pela CADES, está empenhado em estimular e desenvolver a organização de atividades extraclasse em todos os educandários do país, como corretivo eficaz aos excessos do ensino teórico, livresco e formal (...). Temos que vitalizar e modernizar o nosso ensino secundário, transformando os nossos ginásios e colégios em autênticos educandários, onde nossos adolescentes aprendam, não apenas as teorias da cultura formal, mas principalmente a viver e a desenvolver seus autocontroles mentais e morais no teste ácido de suas iniciativas e seus programas de ação, com uma propositalidade distintamente educativa e social (A REDAÇÃO, 1959, p. 27).

O artigo que será o foco da análise é intitulado “Ciências Naturais como atividade extraclasse”, do professor Cadmo Bastos do CAp da UFRJ (BASTOS, 1961), afirma que havia a reserva de algumas horas semanais para as atividades extraclasse na turma das classes experimentais do colégio. E que, pelas limitações do estabelecimento, que à tarde também comportava uma escola primária e uma normal, estas tinham que se limitar às quintas-feiras de tarde e às manhãs de sábado. Abreu (1992, p.26) disponibiliza um trecho da entrevista com o ex-aluno do experimental Afrânio Garcia Jr., que confirma as limitações do colégio e expõe a divergência de atividades em relação ao gênero, ao trazer que

nós tínhamos, em compensação, todas as quintas-feiras, uma coisa que eles chamavam de atividade extraclasse. A gente comia no colégio, ficava lá à tarde, e aí tinha teatro, canto orfeônico, música, clube de francês... Tinha também os trabalhos manuais, que para os meninos eram trabalhos em madeira. Fizemos raquete de pingue-pongue, fizemos atabaque... E as meninas faziam tricô.

Já a experiência relatada no artigo em análise tratará das turmas de 1ª e 2ª série ginasial que não têm a disciplina de Ciências Naturais no currículo, sendo ela apenas para as próximas séries; com isso acaba se articulando a disciplina de Geografia e Artes, buscando uma interdisciplinaridade, e não relata essa diferença de atividades entre os gêneros (BASTOS, 1961). A metodologia utilizada para as atividades extraclasse foi um hibridismo entre a de projetos com a de centro de interesse, que corroboram um dos objetivos propostos para as atividades extraclasse: formação prática para a vida. O método de projetos, desenvolvido pelo professor norte-americano Willian H. Kilpatrick (1929), considerava o ato proposital sincero, ou seja, a ação voluntariosa e com o propósito de projetar/construir algo, como a unidade típica da vida digna na sociedade democrática. Este ato também deveria ser a unidade-base do procedimento escolar. Já o centro de interesse, que deve possuir uma base ocasional, vem do sistema elaborado pelo médico e professor belga Jean-Ovide Decroly, que acredita que para a criança aprender um assunto ela precisaria percorrer três fases: observação, associação e experiência (LOURENÇO FILHO, 1961).

Bastos (1961) coloca que a metodologia de projetos com um centro de interesse principal torna possível a execução de várias tarefas de ensinamento simples mas que possibilitam um bom tempo de convívio entre os alunos e colaboração, o que permite que educar e recrear andem juntos. Abreu (1992, p.20) reforça esses objetivos quando diz que “[...] entre nossos entrevistados há uma unanimidade quanto à importância dos trabalhos em grupo e das atividades extraclasse na formação da solidariedade e da identidade dos capianos”. O professor Cadmo Bastos (1961) discorre sobre as atividades extraclasse realizadas no projeto com o centro de interesse meteorologia, no primeiro semestre de 1960, a fim de montar uma exposição para o semestre seguinte. O tema, segundo ele, tornou possível que o projeto abrangesse as disciplinas de ciências, artes (pintura e desenho) e teatro experimental, de modo que a turma iria construir painéis, mostruários, fazer experimentações simples sobre os conhecimentos relacionados à meteorologia e apresentar um pequeno espetáculo. Dessa maneira, os alunos escolhiam em que setor queriam participar, o que lhes dava certa autonomia dentro do planejamento, mas com responsabilidade de escolha orientada pelo professor.

Além disso, o “[...] projeto incluiu três visitas: ao observatório meteorológico do Ministério da Agricultura; ao Aeroporto do Galeão (posto meteorológico e torre de voo) e à Divisão de Cartografia do Conselho Nacional de Geografia” (BASTOS, 1961, p.98), que caracterizaram os passeios das atividades extraclasse previamente visitados e planejados pelo professor. Bastos (1961, p. 98) alertou que

nas condições atuais de nossas escolas, dificuldades diversas, tal como o número excessivo de alunos por turma, têm desencorajado sua experimentação como conduta rotineira. Isso não ocorre, no entanto, com as classes experimentais que, para as Atividades Extraclasse, formam equipes de cerca de 20 estudantes cada.

O artigo descreve as etapas relacionadas com a parte de ciências e as visitações com divisão das atividades docentes e discentes em cada uma delas bom como algumas observações, materiais utilizados e bibliografia. A primeira etapa contou com a atuação docente na explicação detalhada do plano de trabalho e das noções sobre a temática e a apresentação do jogo cérebro mágico; o jogo foi introduzido para que os alunos fixassem as noções básicas trazidas e as articulassem com o que estavam aprendendo nas aulas do currículo principal. Em seguida cada etapa trabalhou um assunto: o ar atmosférico, a umidade do ar, a temperatura e os ventos; cada uma contou com uma construção de material, com experimentação e com um jogo de perguntas e respostas. A etapa seis e última serviu para os alunos terminarem os trabalhos e organizarem a exposição com a orientação do professor a partir da seleção dos melhores trabalhos (BASTOS, 1961).

Pode-se observar pela descrição resumida de cada etapa o caráter essencialmente experimental e prático das atividades extraclasse com a construção e uso de materiais como barômetro, pluviômetros, anemoscópios, e dos jogos pelos alunos. Mas o professor Bastos (1961) destaca que os alunos tiveram mais interesse na construção dos materiais do que na sua utilização e observação dos fenômenos. E que a construção do jogo cérebro mágico foi a tarefa que mais agradou, “[...] pelo fato de fazerem as conexões dos fios com soldas”, o ato de soldar, de manipular lâmpadas, já “[...] o mesmo não acontecendo com a organização dos questionários” (BASTOS, 1961, p. 102), que era justamente organizar o nicho de perguntas e respectivas respostas para o jogo. Faz-se, pois necessário trazer a crítica colocada por Ferreira, Gomes e Lopes (2001, p. 13) sobre a trajetória do ensino de Ciências no CAp, que diz:

Os conteúdos foram naturalizados de tal forma que sua seleção tendeu a ser subsumida ao método (...). Argumentamos que essa diversidade metodológica possuía estreita relação com o objetivo da instituição – a prática do ensino – e, nesse sentido, atividades de laboratório e excursões foram valorizadas sobretudo como métodos de ensino ativo motivadores dos alunos e não necessariamente como espaços de compreensão e/ou vivência do método científico.

Outro ponto que não saiu como esperado foi o momento de expor os trabalhos no segundo semestre, já que foram poucos os que quiseram fazer isso, pois “[...] os aparelhos lhes eram muito preciosos para que se arriscassem a perdê-los...” (BASTOS, 1961, p. 101), o que demonstrou uma ineficácia na ideia de atingir um espírito de colaboração como um dos objetivos propostos ao projeto (BASTOS, 1961, p.101). Por fim, ao reconhecer que os objetivos não seriam totalmente alcançados apenas com aulas bissemanais, a tentativa de globalização do trabalho envolvendo as três disciplinas não conseguiu ser efetivado. Assim, o autor finaliza colocando a responsabilidade na inexperiência de vivências desse tipo, dos alunos por participarem de um novo sistema de atividades, e dos professores por estarem fora dos métodos rotineiros que foram educados a fazer. A citação ao final do artigo é de “A República” de Platão, que sugere uma aprendizagem pela vontade e não pela força e reforça o caráter de avaliação da atividade extraclasse, em que diz: “Faze com que sua educação seja para eles como que um jogo. Desse modo, ficarás em melhores condições de descobrir as disposições naturais de cada um deles” (lib. VII, c. XVI), ou seja, a educação pela vontade, pela brincadeira, avalia melhor as predisposições, ditas naturais, de cada aluno.

Pode-se notar as críticas indiretas ao sistema educacional imposto, a fim de criar uma representação violenta da forma de aprender vigente e uma renovadora, ligada a uma liberdade democrática. Isso faz com que, apesar de os objetivos principais não terem sido alcançados efetivamente, haja uma construção positiva de que o só fato de viver uma aprendizagem experimental e mais prática já torna os alunos mais preparados, além de representar o método de projetos como o melhor caminho para conduzir as atividades extraclasse, embora sendo usado na realidade um hibridismo com o centro de interesses.

CONCLUSÃO

Os dois primeiros títulos aqui desenvolvidos trazem a reflexão sobre o desempenho do serviço de orientação educacional, que atuou como a base desse controle nos modos educativos de ser e fazer. Assim, justifica-se a necessidade do SOE como elo entre professores, pais, alunos e direção do CAp, pois ele deveria se reportar à direção, classificar, analisar e adequar os alunos, orientar junto aos professores o percurso dessas classificações e conduzir, acalmar os pais nesse novo processo de seleção. A classificação por conceitos e não notas corroborou a obrigatoriedade da orientação educacional, já que os alunos não foram mais analisados apenas por seus conhecimentos nas disciplinas, mas também e principalmente por suas condutas e aptidões. E essas orientações não eram feitas apenas de forma individual – a condução da orientação em grupo cuidava principalmente do molde da personalidade, do caráter para o estudo, criando nos alunos uma responsabilidade com a identidade do CAp, para a família e para a sociedade, ao esperar crivar bons hábitos e costumes. Mas ao trazer relatos de alunos percebe-se que a OE produziu percepções diversas, como se pode ver nas discrepâncias entre os artigos e os relatos dos alunos, e que as apropriações quando feitas podem resistir, reinventar e ressignificar as determinações.

A atividade extraclasse, abordada no terceiro subtítulo, foi usada como um braço da orientação educacional, com o intuito de avaliar essa formação para a sociedade de forma prática e in loco. A partir disso é possível compreender o uso do hibridismo entre a metodologia de projetos e o centro de interesse, pois ambos, além de possibilitarem formas práticas de aprender e a integração de disciplinas, possuem em sua base características que correspondem aos objetivos da educação renovada: a formação moral do caráter a partir de atividades com propósito na metodologia de projetos e a percepção de máximo rendimento no ensino pela classificação biopsicológica prévia do centro de interesses. Contudo, vale ressaltar que utilizar essas metodologias de base escolanovistas e possibilitar uma educação prática, experimental e interdisciplinar era inovador na educação secundária para o campo educacional brasileiro, regido então pelas leis orgânicas que não tinham a flexibilidade curricular proposta nas classes secundárias experimentais.

Ao longo das reflexões traçadas nesta pesquisa percebe-se o uso estratégico do SOE e das atividades extraclasse para a construção de um ensino secundário renovado. Assim, é importante compreender as fundamentações e ideais por trás das metodologias, que guiam formas de ser e fazer na escola, por mais que seus usos sejam criativos, pois os fundamentos respondem a quem, por que e para quem serve esse ensino. Então, entender o uso do serviço de orientação educacional como organizador das personalidades, traçando perfis com base em habilidades e aptidões através de avaliações psicológicas, demonstra o caráter personalizante e prático que buscavam os intelectuais renovadores do ensino secundário nas décadas de 1950 e 1960.

Em conclusão, estas percepções instigam a refletir sobre a estruturação do novo ensino médio, que visa essa personalização do ensino ao conduzir para um ramo específico de aptidão e habilidade e está pautado em um currículo nacional, a base nacional comum curricular, que se estrutura em habilidades e competências. Pois são as inquietações deste tempo que nos levam a voltar para o passado em busca de compreensão, respostas, reflexão, inspiração. Afinal, o ensino médio continua sendo o ponto mais frágil da educação brasileira, ainda longe de ser universalizado e ineficiente em controlar a defasagem, embora os esforços tenham começado na década de 1950. E a organização do novo ensino médio traz semelhanças com as experiências renovadoras do passado ao propor um currículo dinâmico e flexível, a alcançar a educação integral, ao centrar o protagonismo do aluno no processo de ensino-aprendizagem, ao tentar superar a dualidade técnico vs. humanístico. Essas aspirações trazem um peso maior de atenção ao continuum da educação básica, pois a condução das etapas começará a direcionar percursos educacionais e profissionais ainda mais cedo.

1É importante ressaltar que, apesar de a orientação educacional ter sido prevista em lei, não era uma prática amplamente utilizada nas escolas, e até a década de 1950 não existiam limites entre a OE e a psicologia educacional. Foi com a experiência das classes secundárias experimentais que o SOE e suas práticas ganharam relevância, fortalecendo uma cultura escolar psicologizante (MELLO, 2020).

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Recebido: Setembro de 2021; Aceito: Março de 2023

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