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Revista Teias

versão impressa ISSN 1518-5370versão On-line ISSN 1982-0305

Revista Teias vol.24 no.73 Rio de Janeiro abr./jun 2023  Epub 24-Ago-2023

https://doi.org/10.12957/teias.2023.69766 

Artigos de Demanda Contínua

A METÁFORA DAS REDES NA FORMAÇÃO DOCENTE: enredando e (redes)cobrindo

THE METAPHOR OF REDES2 IN TEACHING EDUCATION: entangling and (redis)covering

LA METÁFORA DE LAS REDES EN LA ENSEÑANZA DE LA EDUCACIÓN: enredar y (redes)cubriendo

Laís Lemos Silva Novo Pinheiro1 
http://orcid.org/0000-0002-9210-0484; lattes: 5165090589012151

Helena Amaral da Fontoura2 
http://orcid.org/0000-0003-2795-8246; lattes: 4270456085309197

1FFP-UERJ / Semed-SG E-mail: laislemosnovo@hotmail.com

2FFP-UERJ E-mail: helenaf@uerj.br


Resumo

O presente artigo tem por objetivo desenvolver uma ideia, até então embrionária, uma vez que foi lançada sob a forma de um resumo expandido escrito a partir da metáfora das redes para o XI Seminário Internacional as redes educativas e as tecnologias – docentes na resistência e na criação1, evento este popularmente chamado de Redes. A relação estabelecida entre a metáfora das redes e o evento Redes (2022) justificou o jogo de palavras que intitulou o referido resumo expandido: “Redes no Redes: enredando metáforas de formação docente” e que, agora, segue se entrelaçando nas linhas do presente texto. A essência do primeiro escrito permanece e ganha novos contornos neste artigo, despertando a compreensão dos processos de formação docente pelo viés metafórico, adentrando o campo das narrativas e colaborando para construções semânticas na área educacional. Para tanto, enredada nos fios teóricos de Josso, Gatti, Nóvoa, Pinheiro, Fontoura, Huberman e Marcelo, esta narrativa pretende retomar e dar continuidade ao estudo metafórico já iniciado, além de inspirar e gerar novas conexões acerca dos processos de formação docente.

Palavras-chave: formação docente; redes; metáforas; narrativa

Abstract

This article aims to develop an idea, before embryonic, because it was written in the form of an expanded abstract from the metaphor of redes3 for the XI Seminário Internacional as redes educativas e as tecnologias – docentes na resistência e na criação4, an event popularly called Redes. The relationship established between the metaphor of redes and the event Redes (2022) justified the play on words that entitled the aforementioned expanded abstract: “Redes in the Redes: entangling metaphors for teacher formation” and which, now, continues to intertwine in the lines of the present text. The essence of the first writing remains and gains new contours in this article, awakening the understanding of teacher formation processes through metaphorical bias, entering the field of narratives and collaborating for semantic constructions in the educational area. Therefore, entangled in the theoretical threads of Josso, Gatti, Nóvoa, Pinheiro, Fontoura, Huberman and Marcelo, this narrative intends to resume and continue the metaphorical study already started, in addition to inspiring and generating new connections about the processes of teacher formation.

Keywords: teacher formation; redes; metaphors; narratives

Resumen

Este artículo tiene como objetivo desarrollar una idea, hasta entonces embrionaria, pues fue redactada en forma de resumen ampliado a partir de la metáfora de las redes para el XI Seminário Internacional As Redes Educativas e as Tecnologias – Docentes na resistência e na criação5, evento popularmente llamado Redes. La relación que se establece entre la metáfora de las redes y el acontecimiento Redes (2022) justificó el juego de palabras que tituló el citado resumen ampliado: “Redes en las Redes: metáforas enredadoras para la formación de maestros” y que, ahora, sigue entrelazándose en las líneas del presente texto. La esencia del primer escrito se mantiene y gana nuevos contornos en este artículo, despertando la comprensión de los procesos de formación de maestros por medio del sesgo metafórico, ingresando al campo de la narración y colaborando para las construcciones semánticas en el ámbito educativo. Así, enredada en los hilos teóricos de Josso, Gatti, Nóvoa, Pinheiro, Fontoura, Huberman y Marcelo, esta narración tiene la intención de reanudar y continuar el estudio metafórico ya iniciado, además de inspirar y generar nuevas conexiones sobre los procesos de formación de maestros.

Palabras clave formación de maestros; redes; metáforas; narración

ENREDANDO

Compreender os processos de formação docente a partir do uso da metáfora das redes é uma proposta de construção semântica dentro do campo educacional, cuja trama é tecida por fios e desafios. Metáfora implica um modo de pensar por uma espécie de analogia, é uma figura de linguagem que produz sentidos figurados e, neste caso, a metáfora da rede nos enreda pelas veredas da formação docente. Entendemos a narrativa tanto em sua dimensão epistemológica quanto nas mais diversas possibilidades metodológicas, assumindo a importância do emprego de metáforas como forma de explicitar conceituações de formação de professores e de promover reflexão na área estudada.

Assim como Josso (2006) atribui importância à temática de ligação através da metáfora dos nós de marinheiro para compreensão dos processos formativos, do mesmo modo o presente estudo traz à baila concepções de formação docente por meio da ligação entre a narrativa que segue e um texto pensado através da metáfora das redes apresentado no XI Seminário Internacional as redes educativas e as tecnologias – docentes na resistência e na criação, evento este que é popularmente e não ocasionalmente chamado de Redes. Esse texto elaborado para tal evento assumiu a forma de um resumo expandido, não obstante suas potencialidades de desenvolvimento se evidenciaram e geraram saberes outros, originando o presente artigo.

Desta forma, a primeira relação estabelecida entre a metáfora das redes foi pareada com o evento Redes (2022), justificando o jogo de palavras enunciado no título do aludido resumo expandido “Redes no Redes: enredando metáforas de formação docente” cuja narrativa permanece se entrelaçando pelas linhas desse texto, (des)alinhando os fios, REDEScobrindo concepções acerca da formação de professores.

Poderíamos ter escolhido outra ou outras metáforas possíveis para estabelecer uma conexão com a formação de professores. Todavia, para além de certa previsibilidade de associarmos à rede, uma vez que tal concepção já vem sendo estudada e defendida em várias pesquisas; a escolha emergiu de forma análoga ao nome do evento para qual o primeiro texto foi elaborado. O seminário em questão já tem por chamado explícito imbuído em seu título a concepção da Educação em redes de comunicação e colaboração, trazendo à tona conceito de paradigma tecnológico e sociedade em rede. Ao falarmos em redes, rememoramos o sentido metafórico de pontos ligados entre si tal como os nós de que nos fala Josso (2006).

Portanto, esta é uma narrativa escrita a partir da metáfora das redes despertada por ocasião de um evento conhecido por ser chamado de Redes e que ficará disponível na rede para acesso e para se enredar em outras redes e descortinar movimentos de formação docente, fortalecendo os laços e o(s) nós da profissão. O enredamento é necessário, façamo-nos fios e conseguiremos enfrentar os desafios da profissão docente e, com isso, nos (trans)formar no caminho do entretecer.

REDES DE PESCA – FORMAÇÃO INICIAL E INSERÇÃO PROFISSIONAL DOCENTE

Embora muitas vezes a metáfora da rede de pesca seja vista com olhos poéticos e metafóricos no sentido de arrebanho ou até de cunho religioso, convém olharmos também a rede enquanto instrumento de captura e de caça. Os períodos de formação inicial e de inserção docente podem representar esses dois sentidos. De acordo com Gatti et al. (2019), a formação inicial dos docentes vem sendo marcada pelo descuido e pelo distanciamento dos cursos superiores das realidades das redes escolares em suas práticas educacionais. Já o processo de inserção docente se configura como um período delicado para com os professores em início de carreira, uma vez que é a fase em que estão descobrindo a docência, vivenciando a socialização profissional. Esse período pode ser determinante para os principiantes de modo a fortalecer e afirmar sua posição enquanto professor ou, pelo contrário, a fazê-los desistir do magistério.

Uma analogia também pode ser realizada através da teoria da caverna de Platão ao apresentar que nós e a realidade estamos em planos diferentes, tal como o pescador e o peixe. O pescador não conhece sua presa, mas uma rede pode ser a ligação que garantirá ao pescador trazer alguns desses peixes para seu plano. Assim também pode ocorrer com a realidade profissional de inserção docente. Vamos focar na ideia de captura no sentido de conseguir a atenção, de trazer para outro espaço, no caso, o escolar. Esse processo muitas vezes é doloroso para o professor iniciante, um período de mudança que demanda adaptação e (trans)formação.

Sem nos prendermos a determinismos, alguns autores estabelecem fases relacionadas à profissão docente. A primeira fase (1-3 anos) é considerada um período de sobrevivência, descoberta e exploração, na qual ocorre o processo de inserção dos iniciantes cujas expectativas nem sempre estão de acordo com a realidade escolar, gerando choque com o real, e é nesse momento que começam as descobertas por meio da exploração e do tateamento. (HUBERMAN, 2000).

A esse respeito, Nóvoa (2001) defende ser inaceitável um professor que acabou de se formar ficar encarregado das piores turmas e ser alocado nas unidades mais difíceis, sem acompanhamento nem apoio. Espera-se justamente o oposto, pois quem está começando precisa de um ambiente acolhedor e de encorajamento na profissão. Segundo o autor, essa é a fase mais decisiva da profissão e que pode definir positiva ou negativamente a carreira docente.

Essa narrativa, longe de ser história de pescador, enreda-se por tramas em águas mais profundas. Precisamos entender, porém, que a rede pode pescar de uma só vez os mais diversos tipos de peixes e o pescador precisa entender a natureza diversificada de cada um sem homogeneizá-los. Saber ser um bom anfitrião com os professores iniciantes pode ser um fator determinante na vida e formação destes. Lembre-se que pesca é um ato de paciência e exige habilidade, mas como esperar pela presa com tanta pressa mercadológica profissional docente? Lancemos a rede ao mar...

REDES DE DESCANSO E DE BALANÇO – FORMAÇÃO EM SERVIÇO

Podemos dizer que a iniciação à docência contempla um ciclo de desenvolvimento profissional docente, já que não se trata, necessariamente, de formação inicial, nem de formação continuada e sim do exercício em docência realizado dia após dia. Para Marcelo (2009), o conceito de desenvolvimento profissional docente denota um sentido de evolução e continuidade, sendo um processo contextualizado no local de trabalho do professor, no caso, a escola.

Josso (2010) expõe que o docente que se compreende como eu-plural, como sujeito-ator consegue potencializar e favorecer o seu processo de desenvolvimento profissional. A formação em serviço é um movimento complexo envolvendo internalização de saberes e fazeres sobre e na docência necessários ao exercício profissional, e a escola é considerada o lócus privilegiado para a formação. Nesse sentido, o professor assume posição central e autônoma em sua formação.

Fontoura (2019) explica a formação docente a partir de uma abordagem holística e ancorada nos estudos de Marcelo Garcia (1999) que inclui uma dimensão pessoal de desenvolvimento global, em que “[...] o conceito de formação tem a ver com a capacidade e com a vontade de formação” (FONTOURA, 2019, p. 299), sendo o indivíduo o responsável pela ativação e pelo desenvolvimento dos processos formativos. Assim sendo, os professores são “[...] autores de seus conhecimentos, gestores do seu exercício e investigadores de si mesmo” (FONTOURA, 2019, p. 301).

Chega um momento em que acreditamos estar adaptados ao ambiente escolar e nos apercebemos em uma espécie de rede de descanso que pode apresentar um duplo sentido. Descanso em termos de paz profissional que se dá ao luxo do balançar calmo e tranquilo de uma rede ou descanso em referência a um tempo dedicado ao ócio. Livrar-se da sensação de cansaço e agitação de múltiplas jornadas de trabalho em diferentes escolas e complementação de carga horária são grandes responsáveis por isso. De qualquer forma, precisamos ter cuidado com o sedentarismo profissional. Da rede suspensa no ar, às vezes, precisamos descer e colocar os pés no chão.

Por outro lado, a rede de balanço também pode significar movimento, mudança de lados, ir-vir-ir e ainda a oportunidade de reflexão ao se realizar um balanço de suas atitudes em serviço enquanto professores e professoras mais ou menos experientes, lembrando que “[...] o deslocamento permite combater a cegueira epistemológica para ser possível ver o que não se estava enxergando” (PINHEIRO, 2021, p. 134). Uma rede de descanso também pode ser entendida como um lugar de suporte ao outro. Assim sendo, o que parece ser individual abrange o coletivo, englobando a dimensão do outro (JOSSO, 2010).

No entanto, também tem aqueles que gostam de relaxar em uma rede, porém sem balançar. Gostam da rede a mais estática possível e dizem que o balançar causa certo enjoo ou até mesmo uma espécie de irritabilidade repetitiva ainda mais quando se está deitado. Enfim, a reflexão que subjaz recai sobre equilíbrio. É claro que enquanto professores/as (e qualquer outro profissional) precisamos descansar, e a metáfora do balanço pode indicar tanto um embalo para o repouso ou uma mente agitada e em movimento que atrapalha o relaxamento. É tudo uma questão de perspectiva e autoconhecimento. O que não se espera é que a preferência pela estaticidade indique paralisação de ações e não reconhecimento do movimento constante e ininterrupto da vida, das atitudes pedagógicas. Nós nos formamos em movimento! Mas...

“Ninguém podia dormir na rede, porque na casa não tinha parede”6. Para descansar em suspenso e se balançar, ainda assim são necessários pontos estáticos e firmes para fixar a rede de descanso e de balanço. Eis o equilíbrio mais uma vez.

Redes de proteção – Zona de conforto profissional

O balançar se torna incerto e perigoso e julgamos precisar de certa estabilidade e segurança, de uma rede de proteção que, ao mesmo tempo, pode nos proteger, mas que também pode nos limitar. Uma zona de conforto na Educação pode estar ligada à atitude de um docente fazer o que considera mais fácil e não se permitir a mudanças nem aventuras pedagógicas. A rede de proteção limita atitudes mais ousadas, muitas vezes, por medo de se machucar e/ou de se complicar profissionalmente ante os mais tradicionais.

Fontoura (2019, p. 306) afirma que “[...] é verdade que as práticas de formação tradicionais continuam a ter uma presença considerável”. Entretanto, ela acrescenta que “[...] é também certo de que pouco a pouco emergem estratégias e processos alternativos baseados no reconhecimento de que os saberes docentes se desenvolvem ativamente em processos de troca com seus pares”. A teórica destaca a importância de se articular todas a dimensões da formação docente.

Uma outra forma de olharmos para as redes de proteção é a maneira pela qual, ainda que por vezes involuntariamente, nós mesmos vamos trançando e levantando redes de proteção ao nosso redor. Isso mesmo, não necessariamente muros, mas redes, de modo a nos possibilitar enxergar através delas e ao mesmo tempo garantir certa segurança. São redes simbólicas e podem indicar delimitação de espaço, mas cuidado, não se engaiole! Estenda sua rede, realize novas conexões, entrelace-se... enrede-se... Levante voo junto a seus alunos em uma aprendizagem libertadora. Lembremos que o aluno, por sua vez, também trança redes de proteção ao seu redor em sala de aula e se não nos propusermos a estabelecer redes de ligação, aquelas podem se tornar muros, paREDES de concreto.

Talvez possamos estabelecer uma conexão com a metáfora dos nós de Josso (2006) e entendermos que, às vezes, é preciso dar um nó de atracação para que fiquemos firmes durante um mau tempo, mas que também seja possível desatá-lo facilmente quando necessário. O porto ancorado não se configuraria como zona de conforto permanente, mas sim de reflexão e segurança para atracar em outros portos. Josso (2006) ainda alerta que a trama de fios constitui, com o passar do tempo, uma espécie de rede protetora como a dos acrobatas, mas ficar preso nas malhas dessa rede pode ser muito perigoso para nossa própria sobrevivência, pois depende de onde, como e quando essa rede opera.

A zona de conforto profissional docente mantém certos padrões e garante uma falsa sensação de segurança, de não estar ameaçado. Falando em redes e de uma espécie de salvaguarda, importa informar que não estamos renegando a importância das redes de proteção, até porque segurança é primordial em todo e qualquer setor. O que estamos alertando é a necessidade de sabermos usá-las de forma apropriada, de modo a garantir uma segurança não paralisante que não limite e nem cerceie o fazer docente em saltos de liberdade na aceitação do inacabamento, das incertezas e da (trans)formação em movimento.

Convém pensarmos que a rede de proteção pode se configurar em uma rede de apoio no magistério trançada com nós de atracação e por nós em coletivo. Dessa maneira, assim como nos fala Josso (2010), a narrativa pode ser um caminho para tal, tornando-se um trampolim para o salto do pensamento. De acordo com Pinheiro (2021, p. 134), “[...] o lugar da narrativa, enquanto circunstancialidade, gera reflexão e interpretação que produz sentidos” e que abraça o fazer docente, impulsionando autoria e prática. A autora expressa que as narrativas podem revelar similitudes entre o lido e o vivido e destaca a relevância de o florir narrativas-sementes que são narrativas que originam outras narrativas e que, por assim dizer, podem inspirar e germinar reflexões acerca do fazer docente.

REDES DE WIFI E REDES SOCIAIS – FORMAÇÃO CONTINUADA AO LONGO DA VIDA

Josso (2006), ao destacar a importância da temática da ligação em nosso processo de formação, diz não existir ser humano que não esteja religado ou ligado, ainda que simbolicamente. Para a autora, assim como o nó que prende pode nos oferecer sustentação e uma certa estabilidade em perímetro definido, ao mesmo tempo, impede de sair desse perímetro, causando entrave e/ou dificuldade para desmanchá-lo. O que Josso (2006, p. 373) nos chama atenção é para “[...] a complexidade da ligação, [que] reúne dois fios ou cordas a muitos outros fios”, ora, o que podemos associar à constituição de uma rede.

A metáfora da Educação em redes remonta à comunidade, interação, complexidade, movimento, fluxo e mudança, com ininterruptas multi-conexões. A multiplicidade de ligações é uma característica própria das redes. A formação de professores “[...] demanda certa integralidade saindo da perspectiva somente cognitiva relativa ao domínio de conteúdo e integrando formação pedagógica, metodológica, histórico-cultural, psicossocial” (GATTI ET AL., 2019, p.37).

Ao citar alguns autores da área, Gatti et al. (2019) afirmam a necessidade de valorizar o continuum profissional, concebendo a formação como um processo que abrange a formação inicial, a indução profissional e a formação continuada. Seguindo o mesmo pensamento, Nóvoa (2022, p. 66) expõe que “[...] a formação nunca está pronta e acabada, é um processo que continua ao longo da vida”. Em entrevista, Nóvoa (2001) destacou que “[...] o aprender contínuo é essencial em nossa profissão. Ele deve se concentrar em dois pilares: a própria pessoa do professor, como agente, e a escola, como lugar de crescimento profissional permanente”.

Associamos as palavras de Josso (2010, p. 65) ao campo da formação docente, quando ela nos diz que o conhecimento de si não se restringe à compreensão de como nos formamos e nos transformamos ao longo de nossa vida, mas à tomada de “[...] consciência de que esse reconhecimento de nós mesmos como sujeitos encarnados, mais ou menos ativos, ou passivos, segundo as circunstâncias, permite, doravante, visualizar nosso itinerário de vida, nossos investimentos e nossos objetivos” dentro e fora do ambiente escolar.

Segundo Gatti et al. (2019), o exercício da docência é um trabalho complexo e especificamente no que se refere à formação continuada, existe uma descontinuidade de programas e ausência de oferta de formação continuada que considerem as etapas da vida profissional docente, com falta de políticas coletivas que formem e fortaleçam o corpo docente e a equipe gestora. Pouca atenção tem sido dada à formação dos formadores de professores e à necessidade de projetos e princípios bem estabelecidos.

Nesse sentido, as práticas educativas dos formadores precisam acompanhar também as evoluções tecnológicas ao longo do tempo, estabelecendo redes de conectividade via Wifi, permitindo várias conexões para além dos fios concretos, estabelecendo as mais diversas redes sociais entre formadores e formandos, escolas e universidades, principiantes e experientes, países e culturas... com “[...] novas compreensões, novas posturas relacionais e novas didáticas para as atividades nos ambientes escolares e na construção de relações pedagógicas mais efetivas em sua significação” (GATTI ET AL., 2019, p.38).

Todavia, precisamos atentar ao fato de que, tal como Nóvoa (2022, p. 45-46) adverte, é impossível e indesejável pensarmos em uma educação inteiramente digital, uma vez que nada substitui a relação humana. “Os meios digitais são essenciais, mas não esgotam as possibilidades educativas. Grande parte das nossas vidas e culturas, da nossa criatividade, das histórias, das produções efémeras e espontâneas, dos laços e relações entre nós, dos nossos sonhos, não estão na internet”. De acordo com o teórico, existe um patrimônio humano impossível de digitalizar, sem o qual a educação se reduziria a uma caricatura digital. Por outro lado, ele afirma a importância de os professores conhecerem bem as possibilidades e os limites das tecnologias. Segundo o mesmo autor, “[...] é na complexidade de uma formação que se alarga a partir das experiências e das culturas profissionais que poderemos encontrar uma saída para os dilemas dos professores” (NÓVOA, 2022, p. 68). Nóvoa (2022) afirma que a formação continuada representa um dos espaços mais importantes para promover a realidade partilhada entre professores trabalhando em equipe, em uma reflexão conjunta.

É de suma relevância entendermos que, assim como nos fala Josso (2006), estar na vida é estar em ligação, ou seja, estar em rede de formação continuada ao longo da vida. Nóvoa (2022, p. 98) esclarece que “[...] a formação de professores deve ser concebida ao longo de todo o ciclo de vida profissional, desde o primeiro dia como estudante da licenciatura até ao último dia como professor”. Que saibamos estabelecer redes de conectividade coletiva a partir de diferentes espaços-tempos e que possamos entender a formação como processo perene, ao longo da vida.

EM REDES – (DES)ALINHANDO OS FIOS, REDESCOBRINDO CONCEPÇÕES

Os elementos semânticos que estabeleceram as ligações entre a metáfora da rede e dos sentidos e significados da docência em formação (des)alinharam fios e promoveram REDEScobertas. A redes(coberta) do fio da formação docente enquanto constituição em rede ilumina concepções de processos de dialogicidade e de enredamentos pelos fios muitas vezes encobertos pelo tempo, escondidos em tramas mais complexas e trançados de formas outras.

Entre conceitos e consensos, convém refletir que, segundo Gatti et al. (2019), tem sido frequente a valorização de narrativas em contextos de formação inicial e contínua, em que são adotadas como estratégia de formação, de práticas de pesquisa e de intervenção, além de serem reconhecidas mediante as potencialidades no desenvolvimento pessoal e profissional dos professores.

Nesse sentido, a presente narrativa proporcionou refletirmos sobre a rede de ensino e aprendizagem a partir do entendimento da palavra em destaque como plurissignificativa e metafórica. Entendemos ainda a narrativa como rede de apoio e de escuta sensível para os docentes, em um movimento no qual o que parece ser individual se torna coletivo, em que histórias e metáforas se transformam em importantes momentos geradores de reflexão, aprendizagens e partilhas de experiências.

Destacamos, então, a importância do ato de refletir e narrar acerca do trabalho formativo, “[...] não um narrar que permaneça no senso comum, mas, um narrar que integre conceitos claros, na perspectiva do entrelaçamento práticas-teorias” (Gatti et al., 2019, p. 227). Assim sendo, esperase que essa narrativa escrita a partir da metáfora das redes inspirada pelo evento Redes (2002) possa gerar novas conexões e incentivar diferentes atitudes pedagógicas pautadas na formação e na ação, lembrando sempre que, conforme alerta Nóvoa (2001), formar-se é mais importante do que formar e que toda formação é autoformação.

Por assim dizer, a formação de professores sofre uma mudança de concepção no sentido de que formar não mais se funda no ato de formar o outro, mas em um processo contínuo de (auto)formação e de (trans)formação em sociedade. Continuemos a entretecer fios e ampliar redes no reconhecimento da incompletude de nossa formação perene.

5Seminario híbrido promovido por la Facultad de Educación de la Universidad del Estado de Rio (UERJ) en su undécima edición que se llevó a cabo del 4 al 7 de julio de 2022. Sitio web del evento, disponible en: : https://www.seminarioredes.com.br/ Consultado el: 10 de agosto. 2022.

6Fragmento do poema “A casa”, de Vinícius de Moraes.

REFERÊNCIAS

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GATTI, Bernadete Angelina.; BARRETTO, Elba Siqueira de Sá; ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Afonso de; ALMEIDA, Patrícia Cristina Albieri de. Professores do Brasil: novos cenários de formação. Brasília: UNESCO, 2019. [ Links ]

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PINHEIRO, Laís Lemos Silva Novo. Referências Viviográficas na EJA: narrativas de memórias literárias discentes. 2021. 163f. Tese (Doutorado em Educação - Processos Formativos e Desigualdades Sociais) - Faculdade de Formação de Professores, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, São Gonçalo, 2021. [ Links ]

Recebido: Agosto de 2022; Aceito: Outubro de 2022

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