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Revista Teias

versión impresa ISSN 1518-5370versión On-line ISSN 1982-0305

Revista Teias vol.24 no.73 Rio de Janeiro abr./jun 2023  Epub 24-Ago-2023

https://doi.org/10.12957/teias.2023.64484 

Resenhas

DISCURSO EDUCACIONAL CONTEMPORÂNEO: nota sobre um inventário analógico de Julio Groppa Aquino

CONTEMPORARY EDUCACIONAL DISCOURSE: a note on Julio Groppa Aquino’ analogous inventory

DISCURSO EDUCATIVO CONTEMPORÁNEO: nota sobre un inventario analógico de Julio Groppa Aquino

Cristiano Bedin da Costa1 
http://orcid.org/0000-0003-0935-8503; lattes: 1830829812319182oi

1Universidade Federal do Rio Grande do Sul E-mail: cristianobedindacosta@gmail.com


Resumo

Discurso educacional contemporâneo: inventário analógico, de Julio Groppa Aquino, reúne 5.000 excertos de 1.165 entrevistas concedidas por 896 expoentes do campo pedagógico brasileiro nas últimas quatro décadas. O corpus documental é composto de 10 revistas de referência na imprensa periódica educacional. Trata-se de um amplo quadro diacrônico, que diz respeito tanto à história das narrativas pedagógicas em curso no país quanto à da intrincada mecânica de governamento docente apregoado pela expertise educacional em destaque. Nesta resenha, destaca-se à apropriação e a montagem como estratégias de pesquisa com o arquivo, noção que o autor mobiliza desde Michel Foucault e seus interlocutores. Longe de se configurar como um trabalho de reposição e interpretação dos textos selecionados, a obra instaura um movimento de hibridação e transcriação discursiva, cujos efeitos sugerem novos estilos de presença para as práticas educativas na atualidade.

Palavras-chave: discurso educacional; inventário; arquivo; apropriação; transcriação

Abstract

Discurso educacional contemporâneo: inventário analógico, by Julio Groppa Aquino, gathers 5.000 excerpts from 1.165 interviews given by 896 exponents of the Brazilian pedagogical field over the last four decades. The documentary corpus consists of 10 leading journals in the educational area. It refers to a broad diachronic frame, which concerns both the history of pedagogical narratives in progress in the country and the intricate mechanics of teaching government proclaimed by the educational expertise highlighted in the book. In this review, appropriation and montage stand out as research strategies with the archive, a notion that the author mobilizes based on Michel Foucault and his interlocutors. Instead of replacing and interpreting the selected texts, the work establishes a movement of hybridization and transcreation of the discourse, whose effects suggest new styles of presence for current educational practices.

Keywords: educacional discourse; inventory; archive; appropriation; transcreation

Resumen

Discurso educacional contemporâneo: inventário analógico, de Julio Groppa Aquino, reúne 5.000 extractos de 1.165 entrevistas concedidas por 896 exponentes del campo pedagógico brasileño en las últimas cuatro décadas. El corpus documental está formado por 10 revistas líderes en el área educativa. Esta es una imagen diacrónica amplia, que se re refiere tanto a la historia de las narrativas pedagógicas en curso en el país como a la intrincada mecánica de lo gobierno de la enseñanza proclamada por la experiencia educativa destacada en el libro. En esta revisión, la apropiación y el montaje se destacan como estrategias de investigación con el archivo, una noción que el autor moviliza con Michel Foucault y sus interlocutores. En lugar de reemplazar e interpretar los textos seleccionados, la obra establece un movimiento de hibridación y transcreación discursiva, cuyos efectos sugieren nuevos estilos de presencia para las prácticas educativas actuales.

Palabras clave discurso educativo; inventario; archivo; apropiación; transcreación

“Acontece que se trata da necessidade premente de espremer as palavras e de torcer a língua, de botar a guinchar os textos e de trapejar as práticas da tradição na pesquisa”

Sandra Mara Corazza

Obra de fôlego, Discurso educacional contemporâneo: inventário analógico, de Julio Groppa Aquino, apresenta-se como um imenso vestígio de ideias pedagógicas em circulação no Brasil entre os anos de 1986 e 2019. Tomando como corpus documental 10 revistas de referência na imprensa periódica educacional,1 o estudo tem como matéria 1.165 entrevistas concedidas por 896 expoentes do campo pedagógico (304 estrangeiros/as e 592 brasileiros/as). O resultado: 5.000 excertos divididos em 332 verbetes dispostos em 7 grandes sessões (Grandezas e durações; Emergências e cânones; Gestos e afetos; Culminâncias), além de um índice onomástico e outro remissivo, com 332 verbetes extras – oferecidos como uma espécie de convite a uma nova montagem –, a listagem das fontes e um posfácio (in memorian et in corde dividido com Sandra Mara Corazza), totalizando 1.216 páginas.

Esse amplo quadro diacrônico diz respeito tanto à história das narrativas pedagógicas em curso no país quanto à da intrincada mecânica de governamento docente apregoado pela expertise intelectual em destaque, de modo que o arranjo final é também um inventário crítico de princípios, opiniões e indicações gerais de conduta dirigidas aos/às agentes educacionais nas últimas décadas. Um contorno discursivo de nossas experiências, portanto.

Figura Capa do Livro 

Esse livro um tanto escrupuloso – pois não pretende outra coisa, em sua exposição, senão entabular um “[... ] trabalho de edição ou, em última instância, de curadoria no tocante à montagem/remontagem dos discursos sob exame” (AQUINO, 2021, p. 13) – é também um livro pessoal; nele o autor toma partido, por meio das múltiplas vozes extraídas de outrem, não apenas sobre os problemas da crescente “[...] pedagogização do pedagógico” (AQUINO, 2019, p. 314), mas também sobre o próprio problema teórico-metodológico das pesquisas no campo educacional. Nesse aspecto, o procedimento investigativo que envolve o estudo instaura duas ordens de leitura: a primeira, guiada pela mão do pesquisador, é uma leitura aparentemente contínua, que segue o curso grandioso dos verbetes e das passagens neles contidas – o rigor estrutural da obra trabalha em favor dessa leitura em linha reta: ordenação cronológica de 15 passagens de até 90 palavras para cada verbete, como forma de preservar uma uniformidade textual e de evitar qualquer tipo de privilégio a este ou aquele verbete e/ou depoente.

A segunda leitura é uma leitura de bastidor, pré-textual, relativamente independente daquilo que é reunido e exposto em cada uma das sessões. Nela, o que lemos é certa ideia de arquivo, maiormente eivada por uma perspectiva impura de pesquisa. Na companhia de Michel Foucault e de seus interlocutores, o autor-arquivista é antes um apropriador, que escreve sem escrever. Enunciado no prólogo, o princípio geral da pesquisa – “[...] jamais representar, jamais falar em nome de outrem, jamais submetê-lo a qualquer grilhão hermenêutico” (AQUINO, 2021, p. 13) – sugere um procedimento de seleção e montagem cujo objetivo geral é criar condições para um movimento de sentido orientando por um estilo de pensamento que também é conector, e não decodificador.

A mão que recorta e transcreve repete o dito e escrito, mas não o reproduz: deslocado e atualizado em uma montagem não-original, o referente é parte de uma trama intervalar, dentro da qual ele redimensiona e é redimensionado pelos elementos com os quais divide uma mesma superfície sem fundo. Por exemplo: o verbete Zero, que inaugura a sessão Grandezas, reúne nomes como Paulo Freire, Yves de la Taille, Rubem Alves, Ignácio de Loyola Brandão e Maria do Pilar Lacerda. O que os aproxima não é uma categoria temática comum, e sim o termo específico que é destacado dos fluxos discursivos e nomeia a montagem que eles encerram no livro.

O arquivista é um operador da palavra, uma vez que é pela palavra, significante maior, que os intervalos espaço-temporais são traçados. Assim, o zero é signo ideológico em Paulo Freire; consequência de um problema político em Yves de la Taille e Maria do Pilar Lacerda; questão didática com Rubem Alves; matéria de memória e traço geracional através de Ignácio de Loyola Brandão. Se o arquivo, tal como nos ensinam as lições foucaultianas, determina a lei e os limites do dizível em determinado contexto histórico, o inventário aqui em destaque torna explícita a condição plástica de suas fronteiras. À leitura em linha reta cabe testemunhar os termos circulando de excerto em excerto no interior de um mesmo quadrante, descortinando assim o gesto legitimamente autoral daquele que re-tece os discursos em um novo roteiro.

Roteiro, aliás, é uma palavra bastante adequada a este estudo. Não apenas porque sua composição é fruto de uma rigorosa operação de passagem, apropriação e recriação por entre a discursividade documentada, mas também pelo intenso potencial exploratório sugerido por sua leitura. Caso não queira acompanhar a sequência proposta pelo autor, o/a leitor/a pode, por exemplo, tomar como guia o índice onomástico, detendo-se na realidade narrativa de um ou outro nome – nesse caso, poderá verificar, entre outras coisas, que António Nóvoa detém o maior número de entrevistas (são 9 concedidas para 7 diferentes revistas) e de incidências nos verbetes (39 fragmentos). Ou então circular por uma revista à sua escolha, delimitar um arco temporal de sua preferência, buscar temas específicos no índice remissivo, transversalizar de diferentes modos o arquivo.

Sobre o próprio método, o autor age à espreita de persistências de leitura, pinçando os termos mais recorrentes na massa documental analisada. A partir deles, extrai e agrupa passagens de texto em arranjos anacrônicos, de modo a tensionar diferentes temporalidades. Entendendo que o pesquisador arquivista tem como matéria o presente que compartilha com seus contemporâneos – “[...] esse acontecimento ainda sem nome, sem sentido e, portanto, sem razão de ser assim” (AQUINO, 2021, p. 13) –, Aquino sugere uma longa série de miradas caleidoscópicas para o campo educacional que nos abriga, em um jogo que acolhe diferentes personagens e contextos (impossível e milhões, os dois verbetes com maior espessura temporal dentro da obra, abarcam enunciados proferidos nos anos de borda da pesquisa, 1986 e 2019). Desse modo, o que está sendo proposto é um pensamento de resquícios, cuja imagem é efeito não do acúmulo do que já foi dito, mas sim do arranjo daquilo que persiste no que foi dito em seu modo de atualização no presente.

É aí que a obra depara um problema decisivo, que é o da articulação entre a pesquisa educacional e a sua forma de expressão; longe de configurar uma simples reposição de dados obtidos junto a fontes empíricas reunidas em sua biblioteca, o autor faz do inventário uma zona de cruzamentos e de encontro entre matérias até então incomunicáveis, e o que vemos emergir daí, como uma espécie de indireto, é uma discursividade híbrida, com força suficiente para instaurar novos estilos de presença no presente educacional.

Nenhum dos verbetes em destaque traz afirmações verdadeiras ou falsas, justamente porque o que convém ao trabalho é a legitimação de suas existências e a afirmação de uma diferença: é porque a montagem não suprime a alteridade de seus elementos; é porque o trabalho com o arquivo se traduz em uma estrutura assimétrica, plena de passagens, pontos cegos, ruídos, desvios de sentido; é porque a lista dos/as entrevistados/as e o manejo de suas palavras nos ensina que a pesquisa, assim como a docência, começa nas costas, na forma como a coluna se alinha a certo passado eleito, desde que se debruça sobre a matéria que escolheu cuidar; é por isso e sobretudo pela defesa incondicional de um diferenciar-se através daquilo que se é feito – o estremecimento de um fazer futuro animando o quadro imóvel dos discursos, seus riscos e seus chamados, sua própria aventura – que esta coleção de nichos analógicos, com a generosidade do gesto que a prepara e a oferece, deve nos interessar.

A obra está disponível no Portal de Livros Abertos da USP.2

1As 10 revistas consultadas: Carta na escola; Carta Fundamental; Educação; Nova Escola; Presença Pedagógica; Profissão Mestre; Pátio; Pátio Educação Infantil; Pátio Ensino Fundamental; Pátio Ensino Médio Profissional e Tecnológico.

REFERÊNCIAS

AQUINO, Julio Groppa. Educação pelo arquivo: ensinar, pesquisar, escrever com Foucault. São Paulo: Intermeios, 2019. [ Links ]

AQUINO, Julio Groppa. Discurso educacional contemporâneo: inventário analógico. São Paulo: FEUSP, 2021. [ Links ]

Recebido: Janeiro de 2022; Aceito: Março de 2023

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