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Revista Teias

versión impresa ISSN 1518-5370versión On-line ISSN 1982-0305

Revista Teias vol.24 no.74 Rio de Janeiro jul./sept 2023  Epub 06-Dic-2023

https://doi.org/10.12957/teias.2023.78112 

Políticas de currículo para a docência na Ibero-América

POLÍTICAS DE CURRÍCULO PARA A DOCÊNCIA NA IBEROAMÉRICA

CURRICULUM POLICIES FOR TEACHING IN IBERO-AMERICA

POLÍTICAS CURRICULARES PARA LA DOCENCIA EN IBEROAMÉRICA

Alícia de Alba1 
http://orcid.org/0000-0002-1703-0578

Rosanne Evangelista Dias2 
http://orcid.org/0000-0002-3706-7626; lattes: 3232517370947081

1Instituto de Pesquisas Universitárias e Educacionais (IISUE) da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM)

2Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)


Resumo

A apresentação desta seção temática convida todas e todos à leitura de artigos que foram aprovados para dialogar com um assunto que envolve aqueles e aquelas que se comprometem com a discussão contemporânea da escola básica, suas políticas de currículo e a docência na Ibero-América. Envolvendo os países da América Latina e Caribe além dos ibéricos (Portugal e Espanha), busca-se aprofundar os debates que vêm se apresentando na região difundidos pela Organização dos Estados Iberoamericanos (OEI) ao longo dos anos 2000 sobre Metas para a Educação para a Geração dos Bicentenários da Independência dos países que integram a região. Destacam-se nesse contexto tentativas de regulação do currículo da formação e do trabalho docente traduzidas em orientações de currículo por competências de caráter instrumental; processos de avaliação de desempenho; a centralidade da prática; e o desenvolvimento de uma cultura da aprendizagem como algumas das demandas disseminadas em diversos textos políticos da região. Esta seção temática pretende com os diferentes artigos explorar objetos de investigação, perspectivas, metodologias e resultados de investigação que, longe de delimitar-se à região ibero-latino-americana, abrem-se para os mundos-mundo e suas diferentes proposições e leituras em torno de políticas de currículo para a docência dos países que fazem parte da Ibero-América, problematizando-as a partir de experiências locais e de suas relações com a representação desse espaço regional.

Palavras-chave políticas de currículo; docência; Ibero-América

Abstract

The presentation of this thematic section invites everyone to the reading of articles that were approved to dialogue with a subject that involves those who are committed to the contemporary discussion of basic education, its curriculum policies, and teaching in Ibero-America. The area accounts for countries from Latin America and the Caribbean as well as the Iberian countries, Portugal and Spain. It seeks to deepen the debates that have been taking place in the region and spread by the Organization of Ibero-American States (OEI) throughout the 2000s through the Goals for Education for the Bicentennial of Independence Generation of the countries that make up the region. In this context, attempts to regulate the training curriculum and teaching work are highlighted, and translated into curriculum guidelines based on instrumental skills; performance evaluation processes; the centrality of practice; and the development of a culture of learning are some of the demands disseminated in various political texts in the region. This thematic section intends, with the different articles, to explore research objects, perspectives, methodologies, and research results that, far from being limited to the Ibero-Latin American region, open up to world/worlds and their different propositions and readings around curriculum policies for teaching in countries that are part of Ibero-America, problematizing them from local experiences and their relations with the representation of this regional area.

Keywords curriculum policies; docencia; Ibero-American

Resumen

La presentación de esta sección temática invita todas y todos a leer los artículos que fueron aprobados para dialogar con un tema que involucra a quienes están comprometidos con la discusión contemporánea de la educación básica, sus políticas de currículo y la enseñanza en Iberoamérica. Involucrando a los países de América Latina y el Caribe además de los ibéricos (Portugal y España), se pretende profundizar en los debates que se vienen dando en la región difundidos por la Organización de Estados Iberoamericanos (OEI) a lo largo de la década del 2000 sobre Metas Educativas para la Generación de los Bicentenarios de la Independencia de los países que integran la región. En este contexto, se destacan los intentos de regular el currículo de la formación del trabajo docente, traducidos en lineamientos curriculares basados en competencias instrumentales; procesos de evaluación del desempeño; la centralidad de la práctica; y el desarrollo de una cultura del aprendizaje como algunas de las demandas difundidas en diversos textos políticos de la región. Esta sección temática pretende, con los diferentes artículos, explorar objetos de investigación, perspectivas, metodologías y resultados de investigación que, lejos de circunscribirse a la región iberolatinoamericana, se abren a mundos-mundo y sus diferentes propuestas y lecturas en torno a políticas de currículo para la enseñanza en los países que forman parte de Iberoamérica, problematizándolas desde las experiencias locales y sus relaciones con la representación de este espacio regional.

Palabras clave políticas curriculares; docencia; Iberoamérica

INTRODUÇÃO

A produção da seção temática Políticas de currículo para a docência na Ibero-América constituiu uma enriquecedora oportunidade de encontro e diálogo entre a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e a Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM) para a discussão que envolve a pesquisa sobre as políticas de currículo e docência que emergem na região iberoamericana. Encontro e diálogo que pretendemos que se espraie para outros espaços de formação e pesquisa sobre currículos e docência. Ao abordarmos a Ibero-América estamos também envolvendo a perspectiva regional latino-americana, em que diferentes olhares expõem objetos de investigação, perspectivas, metodologias e resultados de investigação que, longe de delimitar-se à região ibero-latino-americana, abrem-se para os mundos-mundo1.

Em relação às regiões político-pedagógicas curriculares, é interessante destacar o papel do México como espaço geopolítico-pedagógico desde os anos 1970 do século XX até o momento atual. O Brasil, com a forte tradição político-pedagógica de Freire até hoje e as contribuições ao campo do currículo a partir de uma perspectiva antiessencialista de autoras como Alice Casimiro Lopes e Elizabeth Macedo2, entre outros pesquisadores, firmou-se e continua se firmando como um país de grande importância e como mais um espaço geopolítico-pedagógico da região.

Nosso propósito, representando, em sentido simbólico, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro e a Universidade Nacional Autônoma do México como coordenadoras da edição e publicação desta seção temática, é dar novos passos no caminho da articulação do pensamento ibero-latino-americano no campo do currículo e das políticas de currículo e docência. É muito importante destacar que os países e as instituições, com suas contribuições ao campo curricular, são dois dos pilares que contribuíram e continuam a contribuir para a construção do campo curricular na região, com base em uma postura antiessencialista, complexa e aberta que se constrói a partir desse território para enriquecer o diálogo e o olhar em múltiplas direções e sentidos na própria região e para os mundos-mundo.

Nós nos propusemos a realizar um exercício sobre alguns dos elementos da noção de currículo dos anos 1990 para pensar criticamente suas potencialidades nestes anos vinte do século XXI, num contexto pós-pandemia da Covid-19, em que os mundos-mundo e a região ibero-latinoamericana têm sofrido mudanças nodais, algumas das quais, ainda hoje, em 2023, não ganharam a visibilidade que irão adquirir com cada vez maior clareza e presença nesta década pós-pandemia em que nos encontramos.

OS PROCESSOS DE SOBREDETERMINAÇÃO NO CONTEXTO SOCIAL AMPLO

No pensamento educacional ibero-latino-americano, compreendeu-se a complexidade tanto do campo como das políticas, dos projetos curriculares e seu devir nos diferentes momentos de constituição e construção no amplo contexto social, cultural, no nível institucional e no das ações, das práticas curriculares. Esses momentos ou dimensões do currículo estão interrelacionados e em constantes processos de significação e ressignificação.

Nos artigos aqui apresentados, esses constantes processos de redefinição e ressignificação podem ser observados. Por exemplo, o tratamento da subjetividade e dos sujeitos não só permite como exige mostrar, no sentido de Wittgenstein (1988), as diferenças, as nuances e as tensões entre as políticas que são retomadas em organismos internacionais como a Organização dos Estados Americanos (OEA), a Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI), a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) em políticas nacionais e institucionais.

Autoras e autores desta seção temática trabalham sobre temas complexos que se situam ora numa das dimensões do currículo, ora na inter-relação entre algumas delas: dimensão social ampla (o que se denomina como contexto); dimensões estrutural e formal envolvendo a produção e a definição de normativas (elaboração de documentos de suporte à proposta curricular, normas, regulamentos, planos, programas, guias de aprendizagem, materiais didáticos); e a dimensão procedimental-prática (o currículo posto em marcha, relação professor/a-aluno/a, atividades cocurriculares etc.).

No contexto social amplo, gestam-se a proposta, o projeto, a promessa, em seus aspectos gerais de luta, desejo, intenção e, indissoluvelmente ligados a estes, os aspectos indicativos da direcionalidade político-educativa. As diferentes lutas e tensões de setores sociais se expressam e sobredeterminam o coração, o núcleo e o primeiro momento dos pontos de trânsito, negociação ou imposição de e entre os diversos sujeitos sociais. É o momento da luta social, da conformação de posturas, de posições em torno de como se concebe a construção, a conformação do ser humano segundo um projeto que pretende forjar uma promessa.

A região ibero-latino-americana, nestas décadas do século XXI, teve fortes e, por vezes, radicais mudanças em direção a diferentes posições políticas nas quais a região, no contexto dos mundos-mundo, passou de uma maré rosa, com posições de esquerda diferentes, mas próximas, para um retorno a posições neoliberais e conservadoras que rapidamente perdem a capacidade de argumentar e construir novos projetos e promessas. Nas pesquisas do campo do currículo, essa dimensão da sobredeterminação curricular é um espaço importante e muito significativo para a investigação curricular tanto nos estudos históricos, genealógicos quanto nos de perspectiva presente-futuro, da realidade em movimento.

A investigação dos processos de sobredeterminação deve levar em consideração os seguintes cuidados metodológicos:

  • cuidar dos momentos de ressignificação na dimensão institucional e dos processos e práticas curriculares, pois o projeto-promessa está em movimento, com maior ou menor sedimentação, sujeito a ressignificações e novas significações;

  • o cuidado epistêmico-metodológico da abordagem da subjetividade e da identidade nela construída, em sua relação com o projeto-promessa, as pesquisas que abordam no projeto-promessa a subjetividade, as subjetividades e, portanto, os aspectos da construção social da identificação social, política, pedagógica e curricular com o referido projeto-promessa. Essas investigações têm forte relação com o nosotrópico3 como aspecto constitutivo da formação, da educação, da construção do ser humano. E é neste ponto que reside em grande medida o seu poder de interpelação;

  • ainda que, de modo geral, quando se fala em processos de sobredeterminação curricular se pense em projetos nacionais, é muito importante considerar a construção do projeto nacional e dos projetos locais, que são um dos principais motores de ressignificações e das novas significações;

  • é muito importante considerar que, nesse processo de sobredeterminação do contexto social na dimensão nacional, podem ou não ser consideradas no momento outras questões relacionadas aos projetos-promessas de lutas específicas por justiça, meio ambiente, gênero, direitos humanos, religião e identidades de culturas originárias ou outras culturas;

  • produzem-se processos de sobredeterminação que podemos chamar de processos de sobredeterminação curricular de segundo grau em grupos e setores sociais, instituições, comunidades e famílias que podem tomar como nodal, apegar-se, opor-se, negar ou invisibilizar o projeto nacional. Essa questão é muito importante na pesquisa curricular;

  • as principais fontes para a investigação desses processos são: a Constituição Nacional e as leis nacionais e locais, os instrumentos referentes à expressão do projeto-promessa nos processos de sobredeterminação ou sobredeterminação secundária, os meios de comunicação de massa, principalmente os formadores de opinião, como jornais, noticiários e outros programas de televisão (que hoje podem ser acompanhados pela internet), livros (que se dirigem principalmente a determinados setores da cidadania), redes sociais, entrevistas, pesquisas e resultados de pesquisas sobre representações sociais.

O NÍVEL INSTITUCIONAL: POLÍTICA, PESQUISA, ENSINO

Nas universidades e em todas as nossas instituições de ensino superior e nos ministérios da educação, o projeto-promessa sobredeterminado na ampla dimensão social é traduzido em documentos que justificam e sustentam a proposta, nos regulamentos que cada tipo de instituição exige, nos planos de estudo, programas, orientações didáticas. Esse é um plano ou dimensão em que se situa grande parte da pesquisa, análise e reflexão no campo do currículo. Conforme mencionado e enfatizado, essas dimensões estão inter-relacionadas, e a pesquisa tende a ter maior peso em uma, em outra ou apenas em uma articulação.

Devido a esse caminho complexo de constantes redefinições e novos significados do currículo, falar sobre a aplicação de um currículo carece de pertinência, desorienta e confunde o estudo e a análise de projetos curriculares específicos.

O NÍVEL PROCEDIMENTAL-PRÁTICO (O DAS AÇÕES E PRÁTICAS CURRICULARES)

Esse plano é muito importante porque expressa a multiplicidade de ressignificações de uma proposta curricular, bem como os novos significados. De particular complexidade e interesse são as investigações, os relatórios, relatos e reflexões que abordam a relação entre culturas. Na região, as propostas curriculares voltadas para os grupos e populações das culturas originárias, os indígenas, ocupam lugar relevante, de tal forma que implica grande desafio, principalmente se há falta ou disponibilidade muito limitada de especialistas em currículo e professores pertencentes a essas populações de culturas nativas, de indígenas.

No exercício que realizamos, constatamos que são úteis os elementos da já velha noção de currículo que surge no início dos anos 1990 nos contextos mexicano e ibero-latino-americano. As leitoras e os leitores desta seção temática de Teias, naturalmente, têm a última palavra quanto ao uso dessa contribuição teórica.

Ao propormos a seção temática Políticas de currículo para a docência na Ibero-América, nossa expectativa foi encontrar entre os pesquisadores a mobilização de temáticas que envolvessem o tema proposto na região ibero-americana ao longo das duas primeiras décadas dos anos 2000, sob a coordenação da Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI). Nesse período, a OEI atuou como principal agente de produção de debates e publicações4 no período de 2008 a 2020 em torno de metas para a educação para a geração dos bicentenários da independência5 dos países que integram a região, na tentativa de construir consensos em torno da qualidade da educação na educação básica para a superação das desigualdades presentes na região.

Nessas tentativas de acordos celebrados entre representantes de Estados da região, o foco na docência e no currículo de sua formação foi central e buscou propor e fazer difundir levantamento de dados, proposições e disseminação de ideias que visassem regular os currículos da formação inicial e continuada de professoras e professores voltados para a avaliação de desempenho; a orientação do currículo por competências/habilidades; a centralidade da prática; e o desenvolvimento de uma cultura da aprendizagem são algumas das ações e das demandas disseminadas em diversos textos políticos. Esta seção temática visa a explorar diferentes proposições e leituras em torno de políticas de currículo para a docência dos países que fazem parte da Ibero-América, problematizando-as a partir de experiências locais e de suas relações com a representação desse espaço regional.

O processo de organização da seção temática registrou a submissão de 22 artigos, alguns deles sem aderência à proposta apresentada; desse total tivemos nove selecionados, sendo um deles de uma convidada que integrará neste número a seção Elos da Revista Teias. Agradecemos a participação ativa e respeitosa de muitos pareceristas que foram acionados no processo de avaliação, pelo empenho no relevante trabalho realizado.

Esperamos que a seção temática Políticas de currículo para a docência na Ibero-América constitua oportunidade de diálogos e circulação de pesquisas que possam provocar nos leitores a ampliação de redes de discussão e aprofundamento sobre a temática proposta.

Abrimos a seção com o artigo O Global Education Reform Movement (GERM) e a BNCC: performatividade para formação e práticas docentes, de Marcia Betania de Oliveira, Anaylla da Silva Lemos e Mônica Barbosa Canuto, que nos provoca pensar sobre as tentativas de controle da formação e das práticas docentes, articuladas a desempenho de supostas boas práticas tendo como foco de análise produção e os desdobramentos para a colocação em prática da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e os resultados de avaliações externas nas recentes reformas curriculares brasileiras. O movimento GERM envolve a perspectiva mundos-mundo, no qual a BNCC se insere em uma agenda global de educação.

Melanie Laura Mariano da Penha Silva apresenta uma discussão pouco presente e urgente no debate curricular, com seu artigo Docência, família e currículo: o vazio de sentidos para a docência na política curricular familista, em que desenvolve uma análise discursiva dos materiais do Programa Conta pra Mim, que integra a Política Nacional de Alfabetização (PNA). O familismo tem se fortalecido nas políticas de currículo brasileiras em tentativas de esvaziar os sentidos docentes ao enfatizar a ordem privada no papel da família tradicional como instância de ensino-aprendizagem, secundarizando, assim, o interesse público nas políticas de currículo.

A formação política e cidadã do professor: luta pelo humano, de Elaine Conte, Amarildo Luiz Trevisan e Fabiane Rodrigues dos Santos, apresenta à discussão um mapeamento sobre políticas e gestão da educação emergentes no Brasil com o propósito de analisar os sentidos produzidos em busca de reflexões sobre a formação política de professoras e professores da educação básica no país. Tendo como orientação a pesquisa hermenêutica, os autores defendem a atitude permanente de revisão dos estudos para a criação de estratégias formativas e nos provocam a pensar e discutir as possíveis propostas contemporâneas de formação política que vêm sendo gestadas na educação básica por docentes e gestores que impliquem transformação de práticas como modo de (re)existência do ser professor.

A temática racial foi acolhida nesta seção temática, trazida pelas autoras Luce Elena Diogo da Silva e Sanny Silva da Rosa, no artigo Empretecer o currículo: por uma comunidade escolar [e não escolar] antirracista, abordando um debate amplo do contexto social de grande importância para o contexto ibero-latino-americano, em diálogo com o currículo. O significante empretecer toca um dos aspectos mais críticos de nossos países devido à racialização de grandes setores de nossas populações e à desigualdade que isso implica. Partindo de uma perspectiva epistêmica decolonial, as autoras nos convidam a entender “[...] a escola como uma comunidade amorosa” que merece produzir currículos antirracistas, quebrando estereótipos, e desafiar a representação negra no currículo tradicional.

Seguindo as temáticas étnico-raciais, o artigo Percursos e desafios na construção da proposta pedagógica e curricular para a educação escolar indígena frente às intencionalidades ideológicas, de Alcioni da Silva Monteiro e Suely Aparecida do Nascimento Mascarenhas, focaliza a micropolítica em processo em curso de organização da proposta pedagógica e curricular (PPC) proposta pela Secretaria Municipal de Educação e Cultura (Semec) do município de Lábrea (AM), na luta por orientações curriculares singulares, diferenciadas e bilíngues dos povos originários para a educação infantil e o ensino fundamental em resposta às normativas nacionais e estaduais do Brasil, destacando o caráter desafiador e complexo desse processo.

A análise da recente produção de normativas para a docência no Brasil é tema do artigo Política, currículo e formação docente: em torno das novas bases profissionais do saber-fazer, de autoria de Marize Peixoto da Silva Figueiredo e Cíntia Aparecida Oliveira de Medeiros. Como parte das reformas na Ibero-América, as autoras focalizam como novas bases profissionais para a docência têm disputado os sentidos do saber-fazer como suposta garantia de educação de qualidade. As autoras interpretam os discursos da política de formação de professores provocando-nos a desestabilizar a centralidade da docência com base na homologia de processos de formação-ensino-aprendizagem de professores e alunos, convidando a tensionar a radical contingência desses processos de significação curricular.

A formação continuada é tema do artigo Projeções curriculares de formação docente no contexto iberoamericano: algumas fagulhas made in Paraíba, de Angela Cristina Alves Albino e Ana Cláudia Silva Rodrigues, autoras que apresentam análise sobre resultados do projeto Formação continuada na educação básica: as práticas curriculares como eixos de desenvolvimento profissional. Entre os achados da pesquisa, as autoras destacam a valorização profissional como requisito fundamental para encaminhar um processo de formação continuada; a construção de múltiplas identidades locais e a construção dos compromissos com os processos de aprendizagem e ensino conectando saberes locais, coletivos e individuais dos envolvidos.

Na seção Elos contamos com dois importantes artigos de pesquisadores e pesquisadoras da América do Sul a quem agradecemos pela colaboração. O primeiro deles, Narrativas del profesorado: la experiencia del curriculum neoliberal en docentes de Brasil y Chile, de Dinah Vasconcellos Terra, Roxana Hormazábal Fajardo e Pedro Alves Castro é resultado de intercâmbio acadêmico entre pesquisadores do Brasil e Chile. As narrativas exploram as tensões que o modelo curricular por competências, privilegiado nas reformas postas em marcha nos dois países, geram na formação e no trabalho docente, acentuando a competitividade e a fragmentação do aprendizado, intensificando mecanismos de controle e regulação da educação e da docência por meio de avaliações com parâmetros internacionais. Contudo, as narrativas também traduzem a luta de docentes em diálogos com seus alunos em espaços coletivos em busca de outros currículos possíveis para a escola básica.

O segundo artigo da seção Elos, da autora Noralí Boulan, Curriculum y formación docente en el contexto de la (post) pandemia, aborda tema caro à dimensão mundos-mundo ao analisar, a partir da experiência argentina, a constituição identitária de professores iniciantes no contexto da pandemia, assim como a experiência das práticas educativas em ambiente virtual. O convite à interlocução e à problematização de experiências nesse período de isolamento social tem por base explorações iniciais de uma pesquisa em andamento para discutir e aprofundar algumas noções que nos convidam a pensar o campo curricular no tempo presente, que vem sendo denominado como era da (pós)pandemia, a partir de uma perspectiva pós-estrutural e pós-fundacional do currículo como texto político, entendendo-o como um campo de disputas e de negociação em torno de sentidos sempre precários e contingentes.

1A expressão mundos-mundo refere-se à complexidade social atual e às diferentes formas existentes de concebê-la, de nomeá-la ou enunciá-la. Fala-se em primeiro mundo, terceiro mundo, colapso do bloco ou mundo socialista, países desenvolvidos, subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. “Sem dúvida, essas formas de conceber o mundo estão ligadas ao espaço social de quem as concebe e ao modo particular como ele organiza a complexidade social indicada em sua própria subjetividade” (ALBA, 1993, p. 33).

2Alice Casimiro Lopes e Elizabeth Macedo têm se destacado por suas contribuições ao campo do currículo na região e além dessas fronteiras e por sua participação em espaços internacionais, como a American Association for the Advancement of Curriculum Studies (AAACS).

3Nosotrópico como um dos três elementos ontológicos constitutivos do processo formativo, pedagógico e educacional.

4Encontram-se disponíveis para consulta e cópia os textos políticos mencionados neste artigo e os demais publicados sob o título de Miradas, desde 2011 até 2020, no seguinte link: https://oei.int/pt/publicacoes?title=Miradas&commit=Ver+todas+as+publica%C3%A7%C3%B5es. Acesso em 10 jul. 2023.

REFERÊNCIAS

DE ALBA, Alicia. El curriculum universitario ante los retos del Siglo XXI: la paradoja entre posmodernismo, ausencia de utopia y determinación curricular. En: El curriculum universitario de cara al nuevo milenio. México, CESU-UNAM-Plaza y Valdés, 1997. p. 29-45. [ Links ]

ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS IBERO-AMERICANOS (OEI). Miradas sobre la educación en Iberoamérica. Educação e Formação Profissional. Disponível em https://oei.int/pt/publicacoes/informe-miradas-2020-2. Acesso em 10 jun. 2022. [ Links ]

WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigaciones filosóficas. México, Alianza IIF-UNAM, [1953]1988. [ Links ]

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