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Revista Teias

Print version ISSN 1518-5370On-line version ISSN 1982-0305

Revista Teias vol.24 no.74 Rio de Janeiro July/Sept 2023  Epub Dec 06, 2023

https://doi.org/10.12957/teias.2023.75996 

Políticas de currículo para a docência na Ibero-América

PROJEÇÕES CURRICULARES DE FORMAÇÃO DOCENTE NO CONTEXTO IBERO-AMERICANO: algumas fagulhas made in Paraíba

CURRICULUM PROJECTIONS FOR TEACHER TRAINING IN THE IBERO-AMERICAN CONTEXT: some sparks made in Paraíba

PROYECCIONES CURRICULARES PARA LA FORMACIÓN DOCENTE EN EL CONTEXTO IBEROAMERICANO: algunas chispas made in Paraíba

Ângela Cristina Alves Albino1 
http://orcid.org/0000-0003-2452-1444; lattes: 0763341526691337

Ana Cláudia da Silva Rodrigues2 
http://orcid.org/0000-0001-6621-1861; lattes: 6240637144545401

1Universidade Federal da Paraíba

2Universidade Federal da Paraíba


Resumo

O estudo apresenta uma análise das diferentes prioridades formativas elencadas por docentes da rede estadual da Paraíba (PB), por meio de ação planejada pelo projeto formação continuada na educação básica: as práticas curriculares como eixos de desenvolvimento profissional. Destaca-se, de forma breve, o contexto político em que se propõe bases de formação inicial e continuada e tensiona as considerações dos docentes sobre sua formação frente ao documento Metas educativas para a educação que queremos no Bicentenário 2021, formulado pela Organização de Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI). As tensões verificadas entre a agenda de metas para o Bicentenário (OEI, 2010) e o recorte de pesquisa indicaram a valorização profissional como requisito fundamental para encaminhar um processo de formação continuada. Foi identificado também um cenário de construção de múltiplas identidades locais e a construção dos compromissos com os processos de aprendizagem e ensino. Tal encaminhamento não condiz com um currículo único e nem barato em termos de financiamento engendrado por agências multilaterais, mas uma conexão entre saberes locais, coletivos e individuais dos envolvidos.

Palavras-chave: políticas educacionais; currículo; formação continuada.

Abstract

The study presents an analysis of the different training priorities listed by teachers from the state network of Paraíba (PB), through an action planned by the project Continued Training in Basic Education: curricular practices as axes of professional development. It briefly highlights the political context in which bases for initial and continuing training are proposed and stresses the considerations of teachers about their training in relation to the document Educational Goals for the Education We Want in the Bicentennial 2021, organized by the Organization of Ibero-American States for Education, Science and Culture (OEI). The tensions verified between the agenda of goals for the Bicentennial (OEI, 2010) and the research clipping, indicated the professional valorization as a fundamental requirement to forward a process of continuous formation. A scenario of construction of multiple local identities and the construction of commitments to the learning and teaching processes was also identified, which is not consistent with a single curriculum or “cheap” in terms of funding, but a connection between local, collective knowledge and individual stakeholders.

Keywords: educational policies; curriculum; continuing training.

Resumen

El estudio presenta un análisis de las diferentes prioridades de formación enumeradas por los profesores de la red estatal de Paraíba-PB, a través de una acción prevista por el proyecto Formación continuada en educación básica: prácticas curriculares como ejes de desarrollo profesional. Resalta brevemente el contexto político en el que se proponen bases para la formación inicial y continua y destaca las consideraciones de los docentes sobre su formación en relación al documento Metas Educativas para la Educación que Queremos en el Bicentenario 2021, organizado por la Organización de Estados Iberoamericanos para la Educación, la Ciencia y la Cultura (OEI). Las tensiones verificadas entre la agenda de metas para el Bicentenario (OEI, 2010) y el recorte de investigación, señalaron la valorización profesional como requisito fundamental para adelantar un proceso de formación continua. También se identificó un escenario de construcción de identidades locales múltiples y de construcción de compromisos con los procesos de enseñanza y aprendizaje, que no es consistente con un solo currículo o barato en términos de financiamiento, sino una conexión entre saberes locales, colectivos e individuales. partes interesadas.

Palabras clave políticas educativas; plan de estudios; formación continua.

INTRODUÇÃO

O desenvolvimento profissional docente e do corpo técnico supõe políticas estratégicas de formação continuada, organização temporal, espacial e cultural dos envolvidos. Costuma se dar em múltiplas dimensões constitutivas da vida e dos percursos entre as experiências e o exercício da profissão. Não pode ser compreendido, apenas, como ação voluntária e individualizante de produção e autoprodução de conhecimento. Nesse sentido, o presente estudo é fruto de uma pesquisa que sistematiza o resultado do projeto de pesquisa intitulado Formação continuada na educação básica: as práticas curriculares como eixos de desenvolvimento profissional. A investigação acadêmica foi iniciativa de membros do Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Curriculares (GEPPC), que submeteram proposta ao Edital n. 35/2021 SEECT/FAPESQ/PB pesquisas científicas aplicadas à educação básica pública na Paraíba. A participação no referido edital se deu ainda no contexto pandêmico e, por isso, os dados sobre projeções formativas foram coletados em espaços/plataformas virtuais.

As expectativas de formação docente apontadas na pesquisa desenvolvida no território local Paraíba/Brasil são analisadas à luz/sombra das políticas engendradas pelas políticas globais. Especialmente, neste estudo, toma-se como referência, as metas estabelecidas de forma direta para formação docente que estão elencadas no documento lançado pela Organização de Estados Iberoamericanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI) em 2010. O referido documento é intitulado Metas educativas 2021: a educação que queremos para a geração dos bicentenários, que reúne as 11 metas idealizadas pelos Ministros da Educação dos seus Estados-membros, em 2010.

A OEI é um organismo de cooperação multilateral entre países ibero-americanos de língua espanhola e portuguesa. Tem cerca de 500 especialistas e colaboradores espalhados fisicamente por 20 países em que o Brasil é um deles. O objetivo da OEI é alinhar a agenda regional iberoamericana de educação com as Nações Unidas para o cumprimento da Agenda 2030.

A partir da justificativa de combate às desigualdades, as organizações ou agrupamentos multilaterais assumem o lugar de conselheiros de governos sobre as políticas que devem ser importantes em suas agendas estatais. Na educação, temos um processo de envergadura substancial e direcionador quando se trata de políticas curriculares de formação. Nesse processo direcionador, existe o Fundo Monetário Internacional (FMI), Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e Banco Mundial que são algumas das instituições que estabelecem desenhos e percursos de conhecimento para as sociedades em (sub)desenvolvimento.

As agências multilaterais, com seus direcionamentos em relação às políticas de formação docente, têm representado a fornalha, enquanto espaço de queima ampliada em que tudo cabe para fazer o forno funcionar, manter a combustão da produção ascendente. De toda forma, a nossa compreensão política reside no fato de que as fagulhas representam os atravessamentos da fornalha como aquilo que escapa à própria queima. A docência como ato existencial políticopoético transborda a borda, se solta em brasa da fornalha. Ultrapassa explicações essencializantes pelo seu potencial transbordante, apesar de súbito, seu poder de fogo.

Ao processo de pensar as políticas curriculares de formação, consideramos pertinente destacar o fundamento de Dias (2013, p. 475) de que, “[...] considerar as relações locais, regionais e globais na produção de políticas curriculares possibilita uma análise relacional que permite identificar diferentes concepções sobre as políticas, os diferentes sujeitos e suas respectivas posições nos diversos contextos”. Nesse sentido, busca-se referenciar prioridades formativas sinalizadas por docentes da rede de educação básica da Paraíba. Importante, ainda, destacar que a partir de sua vivência profissional, os docentes entram em contato com uma vasta quantidade de ações formativas, designadas por termos diversos, que se desenvolvem após a sua formação inicial, mas sempre localmente referenciada. Podem ser consideradas essas ações formativas como um campo heterogêneo, pois a diversidade de objetivos, conteúdos, métodos, concepções e significados desse âmbito da formação torna a definição de um termo próprio uma tarefa necessária para o desenvolvimento da nossa discussão teórica.

Tais discussões serão apresentadas nas próximas seções. Para fins de organização, o texto foi dividido em três partes: na primeira, trata-se da política de formação continuada desenvolvida nos últimos anos, principalmente a partir do declínio democrático observado no Brasil após o impeachment da presidenta Dilma Roussef e as mudanças abruptas impetradas pelo seu sucessor, o vice-presidente Michel Temer. Destacam-se nas políticas públicas e, para fins de análise, na política educacional, as similitudes com os direcionamentos do documento: Metas educativas 2021: a educação que queremos para a geração dos bicentenários. Como suporte epistemológico foi utilizada a teoria do ciclo contínuo de políticas desenvolvidas por Ball (1994) e Ball e Bowe (1992), uma vez que estes pesquisadores auxiliam nas reflexões sobre os contextos de constituição de políticas.

Na segunda parte, são apresentados os achados da pesquisa com relação ao que os docentes investigados elegem como prioritário para sua formação. Continuando a discussão dos achados, foi analisado, a partir das lentes de autores Freire (1998, 2002), Gatti (2008) e Nóvoa (1992), como os docentes que participaram da pesquisa avaliam os processos formativos a que são submetidos.

Nas considerações finais, destaca-se que entre os entrevistados existem perspectivas formativas que estão em meio à queima da fornalha servindo de combustível para a implementação da política, como, também, compreensões que fogem/escapam do instituído produzindo rupturas e aproximações com redes de saberes constituídas nas ações cotidianas daqueles sujeitos.

A POLÍTICA DE FORMAÇÃO CONTINUADA NO BRASIL E A TENTATIVA DE CONFORMAÇÃO DO FAZER DOCENTE

O Brasil vive uma efervescência política no encaminhamento do currículo de formação docente/discente. O discurso é ensaiado desde os anos 1990 e se estende até os nossos dias sob forma de comum, universal e para todos, bem como busca legitimar o processo atravessado e injusto de avaliação em larga escala nos moldes neoliberais. Assume, de maneira geral, o encaminhamento da BNC Formação Continuada, instituída pela resolução n. 1 do Conselho Nacional de Educação (CNE), em 27 de outubro de 2020 e dispõe sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação continuada de professores da educação básica (BRASIL, 2020). Importante destacar que a resolução tem como referência a implantação da Base Nacional Comum Curricular da Educação Básica (BNCC), instituída pelas Resoluções CNE/CP n. 2, de 22 de dezembro de 2017, e a Resolução CNE/ CP n. 4, de 17 de dezembro de 2018, e a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNC-Formação), instituída pela Resolução CNE/CP n. 2, de 20 de dezembro de 2019. Anterior a tais resoluções existia já aprovada as diretrizes da Formação Inicial e continuada do Magistério da Educação Básica (DCNs), na resolução CNE/CP n. 02/2015, fruto de uma revisão das DCNs de 2002 que tinha o professor Luiz Fernandes Dourado como relator. No percurso histórico, essas diretrizes foram contestadas pelas entidades privadas, sobretudo pela concepção de formação docente referenciada e de qualidade reivindicadas em pelo menos três décadas de lutas educativas. Isso geraria custos e mais contratação de pessoal.

O retorno a um modelo de formação por competências no contexto de produção de Base para formação discente e docente no Brasil insiste na lógica de produção de saberes pelo caminho objetivista em que alunos e professores são pensados como receptores de modelos educacionais pensados por especialistas. O texto da BNCC (BRASIL, 2018, p. 14) para formação discente é justificado pelas exigências da OCDE e de avaliações do Pisa. A OCDE é uma das grandes propositoras da educação baseada em competências com fornecimento de modelos de manuais e estratégias de avaliação. Como se vê, o currículo é perspectivado em um modelo de organização corporativa para atender ao mercado em que as ciências humanas são suprimidas/marginalizadas, no rol de saberes importantes. A boa formação parece apontar para aquela que o sujeito sabe fazer.

O percurso histórico de condução das bases comuns de formação é indicativo de descaracterização da docência e da discência. Modelos constitutivos de pseudodemocracia com uma compreensão limitada de participação, ao mesmo tempo, as configuram como referentes essenciais. O saber fazer, operar e praticar conceitos são elementos constitutivos dos processos formativos nas bases de formação (BRASIL, 2018, BRASIL 2019).

Assim, na lógica do receituário pragmatista que incide sobre as políticas curriculares no Brasil, o período que consubstancia a formulação das bases, acaba por enfraquecer a ideia de fortalecer os projetos político-pedagógicos das escolas (Art. 12/LDB, 1996) como proposição identitária, plural e de feição democrática. Os sujeitos nessa compreensão são entendidos como protagonistas e profissionais do processo de produção do conhecimento. A autonomia se faz fundamento nesse percurso formativo.

Diferentes autores têm se dedicado a pesquisar o estabelecimento de políticas e avaliar seus impactos na tentativa de compreender como as mudanças governamentais têm interferido na condução da educação em vários países, principalmente a partir da década de 1980, quando as consequências do processo de globalização se fazem mais presentes. Para Dardot e Laval (2016, p. 30) essa nova razão do mundo que tem a globalização e o sistema liberal como constituidores de um tipo de coluna cervical do sistema econômico, se viabiliza a partir da compreensão do neoliberalismo como “[...] um sistema de normas que hoje estão profundamente inscritas nas práticas governamentais, nas políticas institucionais, nos estilos gerenciais”.

Por isso, a abordagem do ciclo de políticas proposta por Bowe, Ball, Gold (1992) e Ball (1994), especificamente o contexto da prática, se caracteriza como mais próxima das análises que se pretende realizar na política educacional que constituiu a formação continuada de docentes no Brasil a partir da aprovação da BNC-Formação continuada em 2020. Pois, os sujeitos que sofrem a ação da política educacional foram ouvidos na pesquisa e na análise do processo da prática e foi possível identificar processos de resistência, acomodações, subterfúgios e conformismo dentro e entre as arenas da prática, e o delineamento de conflitos e disparidades entre os discursos nessas arenas (MAINARDES, 2006, p. 50).

De forma breve, faz-se uma apresentação do ciclo de políticas proposto por Ball e colaboradores (1992); em seguida, passamos a utilizá-lo na análise da política proposta no texto. Para fins de esclarecimento, será apresentado que o referido ciclo é constituído por três contextos principais: o contexto da influência, o contexto da produção de texto e o contexto da prática. Adverte-se que estes contextos não apresentam dimensão temporal e linear, sendo constituídos, em cada um deles, por disputas e embates.

Para Ball (1992), o contexto de influência se processa de duas formas: através da transposição de ideias entre redes que se envolvem na circulação internacional desses preceitos; ou no processo de cessão de políticas, em que grupos políticos impõem algumas soluções oferecidas e recomendadas por agências multilaterais (MAINARDES, 2006).

No caso em análise, há uma reflexão sobre o documento final Metas educativas 2021. La educación que queremos para la generación de los bicentenarios, elaborado pela Organización de Estados Iberoamericanos para la Educación, la Ciencia y la Cultura (OEI), que estabeleceu metas para os países parceiros em 2010, posteriormente adiadas para 2030. O documento possui nove capítulos, sendo o quarto destinado à composição de 11 metas. Mais adiante será analisada a meta oitava que trata de forma direta a formação docente. O documento ainda conta com um capítulo dedicado a 10 programas de ação compartilhada nos países da Ibero-América, em que um deles destaca o desenvolvimento profissional de docentes.

O desenvolvimento profissional de professores atravessa o documento de metas (OEI, 2010) em que a docência aparece como chave de mudança educacional para a qualidade do ensino e aprendizagem, mesmo que não fique explícito o sentido de qualidade em destaque no texto. Há um reconhecimento em torno do vale entre excesso de discurso de pobreza e ações práticas. Nesse sentido, a profissão docente aparece como de relevância pública no século XXI (OEI, 2010, p. 137), sendo um dos eixos prioritários no projeto: Metas educativas: a educação que queremos para a geração dos bicentenários, no oitavo objetivo geral distribuído abaixo:

  • colaborar com os países e com as entidades creditadoras da qualidade docente para conseguir que toda a oferta formativa de docentes obtenha a acreditação correspondente;

  • contribuir para a melhoria dos sistemas de acesso à profissão docente;

  • desenvolver experiências inovadoras de apoio aos professores iniciantes;

  • colaborar na concepção de modelos de formação contínua de professores e de desenvolvimento profissional;

  • acompanhar iniciativas que melhorem a organização e o funcionamento das escolas e que tenham um impacto positivo no trabalho dos professores;

  • apoiar a criação de redes de professores que desenvolvam projetos inovadores.

Uma das tensões provocadas sobre a formação de professores no Brasil a partir da revogação da Resolução n. 02/2015 se debruçou sobre o esvaziamento em torno de quais agências formadoras seriam responsáveis pelo desenvolvimento dos programas de formação.

Outra aposta semântica é no sentido de inovação. Nas pesquisas de Teixeira (2010, p. 32), a novidade, mudança, processo e melhoria são abordados como atributos essenciais para definição de inovação como “[...] a introdução de uma novidade num sistema educativo que promova uma real mudança resultante do esforço deliberado e conscientemente assumido, fruto de uma ação persistente e integrada num processo dinâmico, que objetive uma melhoria pedagógica.

Entendemos com Nóvoa (1992) que a inovação não se decreta. A inovação não se impõe. A inovação não é um produto. É um processo. Uma atitude. É uma maneira de ser e estar na educação que necessita de tempo, uma ação persistente e motivadora, e requer esforço de reflexão e avaliação permanentes, por parte dos diversos intervenientes do processo inovador.

Destaca-se que o segundo contexto de ciclo se refere à produção do texto e está articulada com a linguagem do interesse público mais geral e representa a política propriamente dita. Vários textos podem ser considerados neste contexto: textos legais oficiais; textos políticos; reportagens sobre os textos oficiais; manifestações oficiais, lives, vídeos etc. Enfatiza-se que estes textos são o resultado de disputas e acordos (MAINARDES, 2006), pois representam as disputas estabelecidas nas arenas em que os documentos foram constituídos.

Os documentos curriculares que embasam a discussão sobre a formação inicial e continuada no Brasil, nesse texto, foram produzidos em contexto adverso e revelam como as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial de professores para a educação básica e, a Base Nacional Comum para a formação inicial de professores da educação básica (BNCformação inicial, BRASIL, 2019b), atendem a interesse diferentes dos docentes e suas associações representativas. Destaca-se que após um traumático processo de destituição de uma presidente reeleita em 2014, que continuava o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2002-2010), com avanços socioeconômicos, um governo de transição foi estabelecido ocasionando o que Gomide, Silva e Leopoldi (2023, p. 16), denominam de “[...] traumática ruptura institucional sob forma de impeachment em 2016, dando início ao retrocesso democrático no país”. Estes acontecimentos influenciaram, decididamente, para o retrocesso educacional no país e não podem ser desconsiderados ao se analisar o contexto de produção do texto político.

O último contexto do ciclo de Ball, Maguire e Braun (2016, p. 12) é quando a política está sujeita à interpretação e recriação. Concordamos com os autores que a escola é o lugar onde a política produz efeitos e consequências que podem representar mudanças e transformações significativas na política original. É, para nós, este o contexto que traduz os fazeres docentes de forma mais efetiva, em que “[...] as políticas tornam-se vivas’’. Destacamos que utilizamos neste texto o ciclo de políticas como “[...] caixa de ferramentas” (MAINARDES, MARCONDES, 2009, p. 313), articulado com outros autores e perspectivas plurais teóricas que nos ajudam a compreender a prática docente, por entender:

A teoria frequentemente reivindica ser capaz de nos explicar o mundo todo, mas inevitavelmente falha, e a maior parte das teorias nos diz algumas coisas úteis sobre partes do mundo. Então, eu parto até certo ponto da idéia de que, se você quiser desenvolver uma análise mais coerente e articulada do mundo, precisamos, de fato, de diferentes tipos de teoria. (MAINARDES, MARCONDES, 2009, p. 313)

Por isso, nossa análise dos achados da pesquisa contará com argumentos baseados nas reflexões sobre os documentos que orientam a formação de professores no Brasil e entre os parceiros que constituem a Organização de Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI), bem como com as respostas dos docentes ao formulário encaminhado, a partir de diferentes percepções sobre o contexto da prática.

Metodologicamente a pesquisa se caracterizou como exploratória e descritiva. O universo abrangeu 19.473 professores efetivos e prestadores de serviço. Obtivemos 4.768 respostas no período de 9 a 21 de dezembro de 2021, que corresponde a 24,4% de professores e corpo técnico da rede estadual de ensino. Os achados apresentados foram obtidos com a utilização da ferramenta Google Forms, por meio de um questionário multitemático disposto da seguinte forma: identificação; dados socioeconômicos; desenvolvimento profissional e tecnologia da informação e comunicação.

O Google Forms é uma ferramenta online que apresenta diversas funcionalidades. Didática e versátil, disponibiliza vários caminhos para a análise dos dados. Os participantes receberam um link compondo uma pequena explicação (em vídeo) sobre a pesquisa e acesso direto ao questionário. Foi enviado, junto ao link, o termo de consentimento livre e esclarecido, e após aceitarem responderam ao questionário. Cada participante tinha livre escolha para acessar o link e responder ou não.

O formulário foi organizado em quatro seções: a primeira destinava-se a colher informações sobre a Identificação dos respondentes e era composta por 22 questões; a segunda foi destinada aos dados socioeconômicos, sendo composta por seis questões; a terceira se dedicou ao desenvolvimento profissional, apresentando 13 questões; a quarta e última seção tratou da tecnologia da informação e comunicação e foi organizada com onze questões. Ao término do formulário o respondente foi convidado a “[…] Registrar ausências que considere importante para constar em um programa de formação continuada que, em sua percepção, não tenham sido atendidas ou perspectivadas nas questões acima”. A questão aberta obteve 1.253 respostas.

Os achados foram analisados através da estatística descritiva disponibilizada pela própria plataforma de formulários do Google Forms. Quando as respostas eram enviadas pelos respondentes, eram salvas em uma tabela do Excel organizada automaticamente pela plataforma. Nessa tabela, ficaram disponíveis todos os achados, a data e a hora em que foi respondido e a resposta de cada questão separadamente (cada questão em uma coluna distinta), o que possibilitou gerar gráficos e definir a porcentagem que cada opção foi escolhida em cada questão.

Ressaltamos que, ao responderem as questões propostas os/as docentes, como construtores/as de sentidos sobre suas práticas, não apenas reproduzem uma política, mas a traduzem ao colocá-las em prática e refletem sobre suas atuações em todos os espaços e instrumentos a que são submetidos. Por isso, acreditamos que a pesquisa apresenta uma reflexão sobre o que estes sujeitos elegem como prioridades formativas e isto é o que discutiremos na próxima seção.

AS PRIORIDADES FORMATIVAS PARA DOCENTES EM EXERCÍCIO NA EDUCAÇÃO BÁSICA DA PARAÍBA - FAGULHAS NA FORNALHA

Esta seção se inicia destacando os conceitos operados durante a realização da pesquisa e quais concepções de formação fundamentam as reflexões aqui apresentadas. Compreendemos ações formativas enquanto uma prática social, com incidência na prática docente, que se realiza de forma intencional com a finalidade de promover o desenvolvimento profissional e pessoal dos sujeitos participantes (NÓVOA, 1992). Nesse sentido, considera-se que as ações formativas se relacionam com tudo aquilo que oferece uma oportunidade de informação, reflexão e discussão para os participantes das ações (GATTI, 2008).

Concordamos com Freire (2002) em relação à condição de inacabamento do ser humano e da necessidade de tomada de consciência sobre essa condição. Por isso adotamos, enquanto princípio geral do projeto, a concepção freiriana de educação permanente. Esse princípio relaciona-se com o fundamento ontológico do ser humano e expressa nossa condição humana e da própria educação enquanto prática social.

Tomando como referência esse princípio geral, a noção de educação permanente, a reflexão aqui apresentada fundamenta-se na valorização dos saberes construídos pelos docentes, no decorrer de sua vida profissional, e que não se concluem com a titulação que os autoriza ao exercício profissional, na partilha desses saberes entre os docentes e na oferta de condições para que as comunidades escolares possam vivenciar sua autonomia.

Destaca-se o objetivo de um currículo de formação que desintegre a exterioridade constitutiva pelo léxico das evidências internacionais das políticas que, na música do Jackson do Pandeiro, ultrapassa o referente do Tio Sam, pois ao pegar num tamborim, no pandeiro e no zabumba, na Paraíba, já entendemos que o samba não é rumba.

No contexto de produção do novo professor prefigurado pelas agências multilaterais e no contexto político de Agendas, se assemelham ao tipo humano estreito.

As reformas educacionais em curso em vários países neste início de século contribuem na formação de novos intelectuais de tipo americano quando viabilizam um maior estreitamento entre educação escolar e produção; ampliam e diversificam as oportunidades de certificação escolar, redefinem patamares mínimos para o exercício de funções intelectuais; possibilitam a materialização de nova cultura cívica, baseada em um associativismo colaboracionista; ou mesmo quando desenvolvem valores que impulsionam soluções individualistas ou grupistas na resolução de questões relativas ao trabalho e a vida (NEVES, 2010, p. 36)

No percurso de pensar a fornalha como esse conjunto em queima, tomamos um pequeno recorte dos achados da seção 3 do Google Forms refletindo, também, sobre o documento: Metas educativas 2021: a educação que queremos para a geração dos bicentenários, elencando aqui a meta 8 da multilateral, mas sobretudo os aspectos que direcionam a configuração da formação docente.

A meta 8 (OEI, 2010) traz em seu objetivo geral o fortalecimento da profissão docente seguido de um objetivo específico que indica que o foco deve ser em melhorar a formação inicial de professores do ensino básico e secundário, sobretudo no ensino superior. Outro apontamento importante refere-se à formação continuada. Em 2015, seria de pelo menos 20% das escolas e como meta deveria ter, pelo menos, 35% em 2021.

Na rede básica da Paraíba, na primeira indagação interrogou os docentes e técnicos educacionais da rede estadual de ensino, quanto à participação em alguma atividade de desenvolvimento profissional nos últimos 18 meses. Dos 4.768 respondentes, 83,2% (3.973) afirmaram ter participado de atividades formativas, o que revela a necessidade contínua de formação profissional. Um número que precisa ser considerado é também o que corresponde aos sujeitos que afirmaram não haver participado de nenhuma atividade profissional: 16,8% (803) respondentes. Apesar de estarem imersos em um período pandêmico, os docentes buscaram participar de todos os processos formativos oferecidos pela Secretaria de Estado de Educação da Paraíba. Os dados mostram que houve um fluxo considerável de participação.

Os sujeitos foram questionados sobre os impactos das atividades em seu aprimoramento profissional como docente. Para facilitar a compreensão das atividades profissionais, foram apontadas sete possibilidades formativas e foi solicitado que avaliassem seus impactos, assim enumeradas: 1) cursos/oficinas de trabalho (por exemplo, sobre disciplinas ou métodos e/ou outros tópicos relacionados à educação); 2) conferências ou seminários sobre educação (quando os professores e/ou os pesquisadores apresentam resultados de suas pesquisas e discutem problemas educacionais); 3) programa de qualificação (como, por exemplo, um curso em nível de graduação ou pós-graduação que oferece diploma ou certificado); 4) Visitas de observação a outras escolas; 5) participação em uma rede de professores (network) formada especificamente para o desenvolvimento profissional dos professores; 6) pesquisa individual ou em colaboração sobre um tópico de seu interesse profissional; 7) orientação e/ou observação feita por um colega e supervisão, organizadas formalmente pela escola.

De modo geral, na maioria das atividades, a predominância avaliativa atestou impacto moderado como resultado dessas atividades em seu crescimento profissional. A opção 1 - Cursos/oficinas de trabalho (por exemplo, sobre disciplinas ou métodos e/ou outros tópicos relacionados à educação, obteve o maior número de marcação como opção formativa (3.938), embora seu impacto seja considerado moderado (1.977). De toda forma, há de se ponderar sobre um número significativo que também considerou de alto impacto com 893 respondentes. Na opção 2 - conferências ou seminários sobre educação (quando os professores e/ou os pesquisadores apresentam resultados de suas pesquisas e discutem problemas educacionais, o impacto predominante foi moderado (1.677) seguido de baixo impacto (766). Pode-se inferir que, pela média entre baixo e nenhum impacto (436), muitos sujeitos não depositam tanta força nessa possibilidade formativa que se dá entre pares. Essa dimensão está sinalizada na projeção da formação contida nas metas (OEI, 2010). Como se vê, o processo de compreensão formativa com os pares não é visto como recurso fundamental na formação.

Diferente do indicado na pesquisa, para Alves (2017, p. 4), formamos redes colaborativas em nossas instituições e estas são múltiplas e nelas nos formamos. A autora reflete sobre “[...] os cotidianos como políticos e nos quais forças múltiplas e complexas estão permanentemente em disputa e negociações”. Por isso, não podemos desconsiderar que “[...] existem propostas criativas nas escolas e em cursos de formação, bem como propostas de diversificadas forças sociais sobre essas questões que chegam às escolas e se trançam com as políticas oficiais existentes”.

Ao se tratar de programas específicos de qualificação, com 3.113 marcações, destaca-se como importante um curso em nível de graduação ou pós-graduação que oferece diploma ou certificado. O espaço acadêmico universitário é importante na validação dos saberes docentes, o que não é indicado de forma explícita e deliberada nas metas (OEI, 2010), nem tão pouco na BNC da formação continuada (2020). Nesta opção, o impacto predominante foi moderado (1147), seguido de alto impacto (881). De toda forma, o número que marca nenhum impacto, que foram 602 respondentes, merece ser considerado: como um curso de graduação ou pós-graduação pode significar nada em uma trajetória profissional? Que sentidos os respondentes resguardam de suas experiências universitárias?

As experiências entre redes e escolas é uma outra dimensão citada no documento de Metas para o bicentenário (OEI, 2010). Fica evidente para a formação, a criação das redes de professores como fundamentais para o desenvolvimento de projetos inovadores. Acredita-se no potencial das trocas e processos autoformativos que se dão no interior das escolas. Nesse sentido, essa compreensão ainda precisa ser analisada na questão a seguir. A opção 4, com 2.716 respondentes, verificou-se a predominância da assertiva 5: nenhum impacto com 947 respostas. Inferimos que os respondentes não acreditem que essas trocas entre observações e experiências entre escolas da rede estadual, possam acrescentar impacto na formação. Isso demonstra que, de certa forma, o olhar sobre os cotidianos, com suas riquezas e precariedades, não apresentou, no grupo pesquisado, significado forte na expectativa da formação daqueles sujeitos. Pode-se destacar essa compreensão como eixo de ressignificação formativa: percepções, observações e trocas interescolares.

Na opção 5: participação em uma rede de professores formada especificamente para o desenvolvimento profissional dos professores, com 3.029 respondentes, parte significativa marcou entre baixo (726) e nenhum impacto (585), somando um total de 1.311. Aqueles que acreditam que tem um grande impacto (565) ficaram abaixo dos que não atribuem impacto algum a esta atividade profissional. As aprendizagens em redes colaborativas precisam ser tomadas como eixos estruturantes da formação. O outro é imprescindível na produção de sentidos profissionais, sobretudo para compor funções psíquicas superiores de formação de consciência e significados em torno da profissão.

Ball, Maguire e Braun (2016, p. 46) destacam que “[...] as culturas profissionais não são necessariamente coerentes nem incontestáveis dentro das escolas”. Por isso, destacamos que não atribuir às redes colaborativas papel imprescindível para a formação, pelos respondentes, denota uma compreensão individual do processo formativo inicial e continuado. No entanto, não temos como atribuir o fenômeno, exclusivamente, aos efeitos de políticas meritocráticas impostas à educação nos últimos anos no Brasil. Porém, consideramos importante a realização de novas investigações sobre o tema.

Na opção 6, com 3.096 respondentes, a predominância foi moderada (1.257) quando foram questionados em torno da pesquisa individual ou em colaboração sobre um tópico de seu interesse profissional. De toda forma, segue chamando atenção o número considerável que oscila entre baixo ou nenhum impacto na profissão com 1.149 respondentes.

Na opção 7, que se destinava à compreensão da orientação e/ou observação feita por um colega e supervisão, organizadas formalmente pela escola, foram obtidas 3.007 respostas com a maioria (1.184) considerando de impacto moderado esta atividade. Parte considerável optou por considerar baixo ou nenhum impacto (1.295). Não há perspectivas positivas quanto às trocas entre pares e vivências formativas na prática.

Como se pode perceber a questão 3.2, representada pela Figura 1, a seguir, acaba por sintetizar, de forma geral, a avaliação do corpo docente e técnico sobre os impactos das atividades em sua formação profissional.

Fonte: Dados da pesquisa, 2022.

Figura 1 Impactos das atividades formativas desenvolvidas pela rede estadual em sua formação profissional 

Os participantes, ao serem indagados sobre a dispensa do período regular para realizar o desenvolvimento profissional, em sua maioria (2.594) 54,4% revelaram que não houve dispensa dos seus respectivos tempos laborais. Outros (1.432) 30% afirmaram terem realizado a atividade fora desse tempo regular de trabalho. E 15,6% equivalente a 742 respondentes, afirmaram ser dispensados para o desenvolvimento profissional. O programa de metas (OEI, 2010) previa integralidade e tempo para formação como algo fundamental para o exercício docente, mas os dados apontam que os professores ainda enfrentam dificuldades quanto ao tempo de formação continuada. A Resolução n. 01/2020 que trata da formação continuada infere ser necessário que o professor “[...] domine diferentes formas de organização de tempos”, mas não explicita o tempo de formação como tempo a ser remunerado e previsto nas agendas dos sistemas de ensino.

A partir das enunciações docentes sobre o tempo como um fator difícil de se administrar para a formação continuada, o documento de metas para o bicentenário (OEI, 2010) se aproxima de outras agendas multilaterais ao considerar o número de docentes como problema de gestão. É explícito ao afirmar que “[...] o principal problema enfrentado pelas políticas docentes é dos grandes números que envolve, tanto pelo número e diversidade de decisões pendentes, como por serem um dos maiores corpos profissionais” (RODRIGUES, ALBINO, SILVA, 2021, p. 136).

São mais de sete milhões de professores que atuam na região em um dos níveis do sistema educativo, cujo financiamento representa uma percentagem significativa dos gastos públicos de cada país. Um ligeiro aumento do salário, uma pequena redução do horário escolar para realizar atividades de formação ou um prudente sistema de incentivos profissionais acarreta custos significativos, difíceis de assumir às vezes para um grupo tão grande. (OEI, 2010, p. 136)

A docência se apresenta, no texto político da agenda de metas, como solução, transformação e culmina em problema de custo. Se temos um grande contingente de docentes, é porque temos milhares de alunos e escolas necessitando de educação e desenvolvimento humano. No Brasil, no embate para o novo Fundeb (2019), representantes do Movimento Todos pela Educação advogam desde o início de sua tramitação, que não era necessário aumentar a contribuição da União ao fundo, além dos 15%, pois o problema do financiamento da educação era de ineficácia na gestão dos recursos. Como se vê há uma orquestra de redução e dominação da docência quando se recai sobre o financiamento e a valorização desses profissionais. As enunciações docentes fagulham em torno da pseudo-importância do seu papel frente ao tratamento dado quando se precisa remunerar e organizar o seu tempo de formação. A questão a seguir, tem uma força considerável na indicação de estrutura de formação, bem como de políticas e ações permanentes voltadas para o planejamento educacional do Estado. Ela aponta de forma clara, as necessidades urgentes em termos formativos, ao mesmo tempo que indica algumas exclusões ou tópicos de menor relevância formativa, na avaliação dos respondentes. Nela, foi solicitado que apontassem as necessidades de desenvolvimento profissional, ao mesmo tempo que indicassem uma avaliação de intensidade formativa nas áreas selecionadas.

A questão que concentra a maior escolha formativa é a que aponta a formação para trabalhar com alunos com deficiência que obteve 1.979 marcações, seguido de formação em habilidade de habilidade em tecnologia da informação e comunicação, com 1.258 marcações e a que se destina às políticas intersetoriais de intercâmbios com outras instituições (Universidades, órgãos públicos, Ongs) com 1.231 marcações, além do ensino em um ambiente multicultural/intercultural, com 943 marcações.

Em oposição com nenhuma necessidade formativa, a gestão de sala de aula e compreensão da área de ensino evidenciaram os maiores números com 1.238 e 1.217 marcações respectivamente. Os aspectos que se referem ao domínio mais individual e específico de atuação profissional dos pesquisados, sugerem menor intervenção formativa.

Outras questões do formulário sintetizam algumas questões relevantes como: a maioria das respostas apontam para o conflito entre a formação e o horário de trabalho dos respondentes com 52% ou 1598 marcações. As responsabilidades familiares 27,8% demarcam outro aspecto que dificultou esse desenvolvimento profissional, o que sugere um olhar acurado sobre o próprio contexto pandêmico em que os sujeitos estavam ainda imersos. Os valores das formações tiveram um peso, conforme apontou os 23,5% afirmando não ter condição de custear o que desejavam em termos formativos, seguido da avaliação de que não foi oferecido nada compatível com o que esperavam para o desenvolvimento profissional com 22,4%.

CONSIDERAÇÕES FINAIS EM MEIO À QUEIMA

No contexto de endereçamento das metas para educação (OEI, 2010), no bicentenário da independência, é preciso entender a formação docente na combustão comum dos organismos internacionais em que as definições comuns não bastam por si, mas faz-se necessário assegurá-las para manter o alinhamento com os organismos internacionais em que estão os países iberoamericanos.

Assim, tomado como ponto de alcance de metas, o bicentenário há que questionar as formas sutis e colonizadoras de planejamento educacional das agências multilaterais: que outros tronos simbólicos arrematam os modelos curriculares? Onde estão concentrados o ouro e as casas de fundição? Que concepção de docência e valorização profissional acompanha as proposituras das agendas?

O pequeno recorte da pesquisa desenvolvida made in Paraíba se entrelaça aos anseios do programa de metas para o bicentenário da OEI (2010), sobretudo quando valoriza redes colaborativas e um olhar apurado sobre as comunidades locais e suas populações marginais. A preocupação aqui presente é a classificação de baixo impacto dessas relações de aprendizagem comunitária e em redes que os docentes anunciam em seu processo formativo. Mostra que, no rol das metas e nas enunciações docentes, as necessidades formativas se dão para trabalhar com alunos com deficiência, saber utilizar novas tecnologias aplicadas à educação com apelo também à atenção socioemocional dos estudantes, sendo esta última sem muito destaque nas metas da OEI (2010) por anteceder à pandemia que aprofunda as questões concernentes à saúde mental de crianças e jovens. Revela as tensões clássicas da formação continuada no Brasil que agora na Resolução n. 01/2020 prevê a amarração à lógica das competências, quando aprofunda a também clássica separação teoria/prática.

A estrutura formativa anunciada pela agenda de metas para o bicentenário (OEI, 2010), quando trata da valorização de redes entre docentes, bem como os princípios, pautados numa agenda progressista, precisam refletir sobre um dado apresentado nesse recorte, quando anuncia que 50% da amostra não considera como trocas entre observações e experiências entre escolas da rede estadual, possam acrescentar impacto na formação. Esse dado infere a necessidade de compreensão como eixo de ressignificação formativa: percepções, observações e trocas intra e interescolares. A participação em rede de docentes organizada como forma de desenvolvimento profissional é algo que poderá ter impacto significativo na profissão. O fato de desconsiderar as aprendizagens em redes colaborativas indica um ponto que merece ser tomado como eixo de reflexão da formação continuada.

As tensões verificadas entre a agenda de metas para o bicentenário (OEI, 2010) e o recorte de pesquisa apontam que, a valorização profissional/salarial é requisito fundamental para encaminhar um processo de formação continuada. O tempo docente precisa ser redimensionado entre a afirmação da integralidade e qualidade educacional. Tempo de dedicação integral precisará vir acompanhado de remuneração justa e formação referenciada em instituições sérias e produtoras de pesquisa, tomando como exemplo nossas IES públicas e não agências de produção de saberes mercantis e de apelo coach para empatia profissional. A formação docente não pode ser reduzida a custo, mas a investimento nos sistemas de ensino internacionais. As enunciações docentes são fagulhas imprescindíveis para tomarmos como ponto fundamental, da avaliação do próprio desenvolvimento profissional em meio ao conjunto de agendas que se aglutinam, agora, para 2030.

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Recebido: Maio de 2023; Aceito: Agosto de 2023

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