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Revista Teias

versión impresa ISSN 1518-5370versión On-line ISSN 1982-0305

Revista Teias vol.24 no.74 Rio de Janeiro jul./sept 2023  Epub 06-Dic-2023

https://doi.org/10.12957/teias.2023.74923 

Artigos de Demanda Contínua

EXERCÍCIOS PARA UMA FORMAÇÃO DOCENTE INVENTIVA COM O CINEMA E A PSICOLOGIA

EXERCISES FOR INVENTIVE TEACHING EDUCATION WITH CINE AND PSYCHOLOGY

EJERCICIOS PARA LA FORMACIÓN INVENTIVA DEL PROFESORADOCON CINE Y PSICOLOGÍA

1Universidade Federal de São João del-Rei - UFSJ


Resumo

O artigo apresenta proposições e resultados de pesquisas para o campo da formação docente inventiva (Barbosa, Dias e Peluso, 2013; Dias, 2009, 2011, 2012; Kastrup, 2005) desenvolvidos com o cinema (Bergala, 2008; Fresquet, 2013; Migliorin, 2015) junto à disciplina de Psicologia da Educação, a qual é oferecida para diferentes cursos de licenciaturas. Para tanto, são definidos os fundamentos epistemológicos que sustentam a proposta de uma formação inventiva, além de referências e pesquisas sobre o ensino de psicologia e conteúdos que integram a ementa dessa disciplina nas licenciaturas, destacando modos de relação com esses saberes e suas políticas cognitivas. Em seguida, são apresentados os filmes O garoto selvagem (1969), de François Truffaut, e Jonas e o circo sem lona (2015), de Paula Gomes, que intensificam temas clássicos do campo psicológico para a formação de professores. Posteriormente, são expostos dois exercícios de criação cinematográfica realizados com esses filmes e as contribuições dessas atividades para uma formação docente inventiva com o cinema e a psicologia.

Palavras-chave: formação docente inventiva; psicologia da educação; cinema-educação.

Abstract

The article presents propositions and research results for the field of inventive teacher training (Barbosa, Dias e Peluso, 2013; Dias, 2009, 2011, 2012; Kastrup, 2005) developed with the cine (Bergala, 2008; Fresquet, 2013; Migliorin, 2015) together with the discipline of Educational Psychology, which is offered for different degree courses. To this end, the epistemological foundations that support the proposal of an inventive training are defined, in addition to references and research on the teaching of psychology and contents that integrate the menus of this discipline in the degrees, highlighting ways of relating to this knowledge and the cognitive policies that from there they emerge. Next, the films The wild boy (1969) by François Truffaut and Jonas and the circus without canvas (2015) by Paula Gomes, are presented, which intensify classic themes of the psi field for teacher training. Subsequently, two exercises in cinematographic creation carried out with these films and the contributions of these activities to an inventive teacher training with cinema and psychology are exposed.

Keywords: inventive teacher training; educational psychology; cine-education.

Resumen

El artículo presenta propuestas y resultados de investigación para el campo de la formación docente inventiva (Barbosa, Dias e Peluso, 2013; Dias, 2009, 2011, 2012; Kastrup, 2005) desarrollada con el cine (Bergala, 2008; Fresquet, 2013; Migliorin, 2015) junto a la disciplina de Psicología de la Educación, que se ofrece para diferentes cursos de pregrado. Para ello, se definen los fundamentos epistemológicos que sustentan la propuesta de una formación inventiva, además de referencias e investigaciones sobre la enseñanza de la psicología y los contenidos que integran el programa de estudios de esta disciplina en los cursos de pregrado, destacando formas de relacionarse con este saber y sus políticas cognitivas. Luego, se presentan las películas El niño salvaje (1969) de François Truffaut y Jonas y El circo sin lona (2015) de Paula Gomes, que intensifican temas clásicos del campo psi para la formación de profesores. Posteriormente, se exponen dos ejercicios de creación cinematográfica realizados con estas películas y los aportes de estas actividades a la formación del profesorado inventivo con el cine y la psicología.

Palabras clave: formación docente inventiva; psicología educacional; cine-educación.

INTRODUÇÃO

A concepção de uma formação docente inventiva vem sendo desenvolvida especialmente pelas pesquisas de Dias (2009, 2011, 2012), de Barbosa, Dias e Peluso (2013), dentre outras, e conta com a contribuição dos trabalhos de Kastrup (2005, 2007), alimentadas pela proposição de Maturana e Varela (2002) acerca do funcionamento da cognição e do conhecer não como representação do mundo, mas como processo que cria realidade. Os dois biólogos chilenos problematizaram a naturalização de uma cognição prévia ao sujeito, que conhece um mundo estável pronto para ser descoberto, identificando essa concepção como historicamente produzida e propondo uma teoria autopoiética também conhecida como construtivismo radical do ser e do conhecer.

No entendimento autopoiético, não há de antemão uma estrutura cognitiva receptácula dos conhecimentos, pois sujeito, objeto e conhecimento emergem no encontro da formaçãoexperiência, sendo cognição e subjetividade resultado das práticas que desenvolvemos. O docente em formação e os produtos desse processo são, portanto, emergências imprevisíveis do encontro, como a própria potência de vida e a criação do novo que nos atravessa (DIAS, 2011).

Assim, a base epistemológica que sustenta a formação inventiva vai de encontro às teorias da inteligência, que, hegemonicamente, ocupam o campo da formação de professores, as quais configuram uma abordagem cognitivista da cognição, que reduz a função do pensamento e da aprendizagem à solução de problemas amparada na representação do real. Tal projeto de cognição acaba por justificar políticas, práticas de formação e um professor a serviço do mercado, resultando na proliferação de cartilhas de metodologias de ensino e na ideia de competências e habilidades que a/o estudante deve adquirir (DIAS, 2011).

Nesse modelo, um conteúdo é apresentado e conferido ao final do curso e a avaliação depende da comprovação de que ele foi adquirido. Prática que se baseia na estabilidade de um sujeito que conhece e na estabilidade de um mundo a ser conhecido. Nesse caso, a compreensão epistemológica é de que o conhecimento é uma representação do mundo e a aprendizagem gira em torno de conceitos, modelos teóricos e solução de problemas, cujas respostas já estão previstas.

A concepção de formação inventiva, em contraponto, questiona essa visão propondo outra política cognitiva. Segundo Dias (2009), uma política cognitiva expressa modos de se relacionar com o gesto de conhecer, que, por sua vez, se manifesta nas práticas que desenvolvemos nos cursos de formação no que se refere ao modo como lidamos com os conteúdos curriculares, com a criação ou solução de problemas que atravessam esses conteúdos e com nossa abertura à criação de experiências para a emergência de formas imprevisíveis de sentir e perceber o mundo; isto é, para a criação de novas subjetividades.

Sendo assim, o processo da aprendizagem não é apenas a repetição, mas uma atividade criadora (KASTRUP, 2007). Nesse contexto, a relação com as artes pode ser um intercessor chave para as experiências de formação, porque elas trazem não só o próprio fazer de criação como seu sentido fundamental, mas também a aceitação da imprevisibilidade que a formação inventiva aposta. A abertura de improviso, possibilidades e incertezas do processo artístico materializa o processo vital e cria campo propício para as experiências de breakdowns, “[...] que é uma rachadura, um abalo, uma bifurcação no fluxo recognitivo habitual”, fundamental para a construção de novas subjetividades (KASTRUP, 2005, p. 1276). Sob a perspectiva de uma formação inventiva, os breakdowns são perturbações nas tentativas de resposta aos problemas colocados, que paralisam a repetição mecânica, que interrompem as respostas reflexas e que gaguejam ao não encontrarem de modo automático e condicionado a resposta ao que se pergunta. Isso porque essa resposta precisa mesmo ser inventada, para que novos mundos e modos de ser e viver sejam criados. “Aprende verdadeiramente aquele que cria permanentemente na relação com o instrumento, reinventandose também como músico de maneira incessante”, discorre Kastrup (2007, p. 173) ao falar da aprendizagem musical. No que poderíamos ampliar: aprende verdadeiramente o professor que cria permanentemente na relação com os conteúdos, os livros, os textos, os filmes e as pessoas com os quais se relaciona, reinventando-se, também, como docente.

É evidente que esse modo de relação inventiva com o mundo não se restringe ao campo das artes. Mas, ainda que a invenção seja a natureza mesma da cognição, do conhecer e da subjetividade, ela nem sempre se atualiza, já que, muitas vezes, a “[...] inventividade do sistema cognitivo está obstaculizada por um certo tipo de relação com o senso comum, que impede o fluir da cognição e a criação de novas formas de conhecer” (KASTRUP, 2007, p. 180). É para desfazer essa barreira que a arte é chamada a estar presente na proposta de uma formação docente inventiva. Isso porque a potência das artes em criar e afirmar novas subjetividades, em criar imaginários e novas perguntas diante de acontecimentos sociais e políticos e o modo como ela perturba nossa percepção e sensação de mundo sempre foram motivos, inclusive, para sua marginalização nos currículos educacionais. Do ponto de vista da formação docente inventiva, é preciso integrar em todo o processo formativo, e não apenas em um espaço reservado para as artes, o processo de criação, e um caminho para isso é “[...] conceber práticas [pedagógicas] que viabilizem o desencadeamento de processos de problematização que não se esgotem ao encontrar uma solução” (KASTRUP, 2005, p. 1282).

Em diálogo com essas questões, pretendo apresentar, neste artigo1, algumas proposições e resultados de duas pesquisas2 para o campo da formação inventiva, que venho desenvolvendo com a arte cinematográfica junto à disciplina de Psicologia da Educação oferecida para diferentes cursos de licenciaturas. Para tanto, farei referência breve a algumas pesquisas sobre o ensino de psicologia destacando modos de relação com esses saberes e suas políticas cognitivas. Em seguida, apresentarei os filmes O garoto selvagem (1969), de François Truffaut, e Jonas e o circo sem lona (2015), de Paula Gomes, articulando suas imagens com conteúdos clássicos, que integram os programas de psicologia na formação de professores. Posteriormente, compartilharei dois exercícios de criação cinematográfica, que venho experimentando desenvolver com as/os estudantes a partir desses filmes, com vistas a uma relação inventiva com o cinema e a psicologia para uma formação inventiva do futuro professor.

PSICOLOGIA E FORMAÇÃO DOCENTE

Herdeira de estudos de ordens médica e normativa, afinal, “[...] a psicologia surge para responder a questões acerca dos erros e mesmo das anomalias, das patologias e do que há de conflituoso no homem” (KASTRUP, 2007, p. 190), não é raro que uma das expectativas das/os estudantes de diferentes licenciaturas seja encontrar na disciplina de Psicologia ferramentas que as/os auxiliem a identificar crianças com hiperatividade, déficit de atenção, traumas familiares ou atraso no desenvolvimento cognitivo, os quais possam justificar fracassos da tarefa pedagógica. Esses são conceitos muitas vezes estereotipados e divulgados pelo senso comum, ao olhar ligeiramente para a complexidade da relação criança-escola-aprendizagem, e estão em consonância com a lógica da solução de problemas de que falávamos antes. Fica exemplificado, nesta primeira expectativa, o modelo representacional de formação que atravessa a subjetividade dos futuros professores e a expressão de uma política cognitiva de recognição diante das problemáticas do cotidiano.

Kastrup (2005) identifica essa condição como pertencente a uma política de recognição. Nesse caso, a compreensão epistemológica é de que o conhecimento é uma representação do mundo e a aprendizagem gira em torno de conceitos, modelos teóricos e solução de problemas, cujas respostas já estão previstas. Um conteúdo é apresentado e conferido ao final do curso. A avaliação depende da comprovação de que ele foi adquirido. Quase nada de novo realmente se forma no futuro professor com essas práticas, porque elas se baseiam na estabilidade de um sujeito que conhece e na estabilidade de um mundo a ser conhecido.

Costa e Machado (2016) e também Checchia (2015), ao realizarem um levantamento de pesquisas sobre o ensino de psicologia nas licenciaturas, indicam dissonâncias entre o ensino e as práticas dos professores, parecendo que pouco do que se ensina é aproveitado posteriormente para o trabalho em sala de aula. A suspeita dos autores é de que, ainda que o modelo de formação atravesse uma diversidade teórica do campo psicológico, há pouca articulação prática (ALMEIDA, 200, GUERRA, 2002, LAROCCA, 2007 apudCOSTA, MACHADO, 2016).

Ao que parece, a importância e a contribuição da psicologia têm pouco efeito - estético - sobre os futuros professores, sendo o conteúdo memorizado e restrito ao acúmulo de informações e conceitos. De modo geral, os autores concordam que o foco é um paradigma teoricista e tecnicista e sugerem a necessidade de uma posição mais reflexiva, que aprecie demandas de cada licenciatura em questão. Outra proposta é que os conteúdos da psicologia dialoguem com as demais disciplinas do curso e que se valorize a formação do aluno tanto do ponto de vista pessoal quanto profissional.

Como podemos, do ponto de vista da formação inventiva, criar práticas com o estudo de psicologia, que não se restrinjam ao acúmulo de informações recognitivas e que não se esgotem ao encontrar uma solução? Como problematizar afirmações estagnadas sobre problemáticas escolares e a variedade de temas do campo psi na educação provocando impactos nas subjetividades das/os estudantes?

PSICOLOGIA E CINEMA: PERGUNTAS PARA UMA FORMAÇÃO INVENTIVA

Diferentes autores têm se debruçado em analisar filmes, que, por suas temáticas, facilitam a aprendizagem de conteúdos-chave de psicologia tanto na formação de psicólogos quanto na formação de professores. Entre as áreas da clínica, da psicologia social, da psicologia da infância, do desenvolvimento ou educacional, encontramos variedade de referências e sugestões de filmes e abordagens com cinema em uma perspectiva pedagógica e formativa (BARBOSA, SANTEIRO, 2013).

Duarte (2009), que estuda há muitos anos a relação entre o cinema e a educação, reconhece que ele sempre foi importante para ensinar valores, crenças, visões de mundo, fatos históricos e assuntos específicos de diferentes áreas. Nos últimos anos, diferentes pesquisadores têm chamado a atenção para uma relação também estética e criadora, a fim de que se tome o cinema enquanto produção cultural e artística, como uma obra em si mesma (BERGALA, 2008; FRESQUET, 2009; LEANDRO, 2001, 2010; MIGLIORIN, 2015), o que implica conhecer informações sobre o filme com o qual trabalhamos, seu contexto, modo de criação e realizadores. São atitudes que influenciam como vemos os filmes, como interagimos com eles e como nos afetam. Não podemos separar o que os filmes dizem da forma como dizem. Não podemos separar o conteúdo dos filmes da linguagem cinematográfica.

Diante disso, como construir com os filmes uma formação inventiva para além da aprendizagem de conceitos e ideias que eles expressam e ajudariam a ensinar sobre o campo psi? Este texto dialoga no campo do cinema e da educação com as práticas que não dissociam a exibição da produção, buscando que os filmes possam se afirmar como dispositivos que nos forçam a pensar sobre a realidade, que criemos com suas imagens e que nos convidem a intervir nessa realidade. Isto é, aproximar-nos dos filmes construindo com eles um exercício, para que criemos imagens também, novas perguntas e novas experiências de formação (FRESQUET, 2013; MIGLIORIN, 2015).

Assim, costurando as proposições anteriores sobre a psicologia na formação de professores com as práticas de cinema e educação em uma perspectiva política inventiva, nas linhas a seguir, pretendo compartilhar a relação que tenho tentado construir com as/os estudantes a partir da exibição e exercícios3 de criação com dois filmes que integram o cronograma4 do curso que ofereço em Psicologia da Educação: O garoto selvagem (1969), de François Truffaut, e Jonas e o circo sem lona (2015), de Paula Gomes. A ideia é que este trabalho possa contribuir para deslocar as/os estudantes, ainda que inicialmente, de uma expectativa representacional de formação docente na direção de uma abertura à invenção de suas próprias docências.

EXERCÍCIO 1: E SE O RELATÓRIO FOSSE DO VICTOR?

O garoto selvagem (1969), de François Truffaut, conta a história real de um menino, posteriormente chamado de Victor, encontrado com 11 anos de idade nos bosques do sul da França, no final do século XVIII, e a tentativa de Jean Pierre Itard em socializá-lo. O filme foi roteirizado a partir de dois relatórios oficiais elaborados por Itard (2001), o médico pesquisador/professor, que conduziu a educação do menino após sua captura. Se os textos do relatório, escritos em 1801 e 1806, já nos convidam a análises e leituras interdisciplinares, expondo clássicas polêmicas do campo das ciências humanas, a forte impressão de realidade do cinema intensifica a aproximação desse acontecimento com problemáticas nos campos da psicologia e da formação de professores.

Com os personagens de Itard e Philippe Pinel, por exemplo, deparamo-nos com a clássica dualidade natureza x cultura. Itard atribui ao isolamento social do menino seu não desenvolvimento da fala, do andar bípede, da escuta ativa, de hábitos culturais; enquanto Pinel o compara às crianças com deficiências mentais congênitas, maculando a capacidade de aprendizagem do menino. O lugar ocupado por Madame Guerin, a governanta que cuida de Victor, nos leva a perguntar sobre o papel historicamente reservado à mulher, ao afeto e às emoções nos processos de aprendizagem e subjetivação, evidências acerca do eurocentrismo epistemológico, da naturalização da lógica desenvolvimentista e da pluralidade da infância para além de um modo único de ser criança. São muitas imagens que nos convocam a pensar na violência dos apagamentos da multiplicidade humana, na insistência que temos de afirmar apenas uma perspectiva dos modos de sentir, pensar e viver, e no extrativismo dos modos de vida dos povos originários com a invasão colonizadora.

Remetendo-nos a um trecho do relatório de Itard (2001, p. 184): “[...] seus olhos viam e não olhavam; seus ouvidos ouviam e não escutavam nunca; e o órgão do tato, restrito à operação mecânica da apreensão dos corpos [...]”, podemos nos perguntar: seus olhos viam e não olhavam o quê? Seus ouvidos ouviam e não escutavam o quê? Seu tato não sentia o quê? Observa-se que as pontuações de Itard acusam um déficit em relação a um ponto de vista, a um modo de existência que a modernidade europeia de sua época fez questão de apagar. O que se afirmou sobre Victor foi o que se pretendeu retirar dele: o que havia de selvagem.

É preciso destacar que, nesse caso, o adjetivo selvagem utilizado por Itard nos relatórios desqualifica a relação de Victor com o mundo, que era considerada inferior àquela intermedida pela linguagem da representação simbólica, que ele não possuía e que Itard tentou, a todo custo, que o menino aprendesse. O emprego do termo selvagem possui, aqui, conotação negativa e é uma oposição à ideia de civilização, progresso e desenvolvimento5. Retirar dele o que havia de selvagem aparece como condição para o reconhecimento de sua humanidade, uma vez que essa categoria, como nos mostram os estudos de Danowski e De Castro (2017, p. 123), não foi concedida a todos os humanos:

Se a América indígena dos séculos XVI e XVII representou, para os Humanos que a invadiram, um mundo sem homens - fosse porque eles a despovoaram objetivamente, fosse porque os homens que eles encontraram ali não se enquadravam na categoria dos ‘Humanos’, os índios sobreviventes, os Terranos de pleno direito daquele Novo Mundo se viram, reciprocamente, como homens sem mundo, náufragos, refugiados, inquilinos precários de um mundo a que eles não mais podiam pertencer, pois ele não mais lhes pertencia.

De forma análoga, Victor tem seu mundo invadido e colonizado, sendo obrigado a aprender hábitos e comportamentos que não tinha: tomar um banho quente, cortar unhas e cabelos, calçar sapatos, vestir roupas e usar talheres. “O que me fascina é que tudo o que o rapaz fez desde que chegou, fez pela primeira vez6”, comenta Itard, orgulhoso de seu feito, como se na relação de Victor com o mundo antes já não houvesse um hábito, uma rotina, aprendizagens, uma vida! Ora, Itard tampouco ouvia, via, sentia como Victor. Ele foi incapaz de atravessar suas próprias perspectivas para se deixar ser afetado pelas forças desestabilizadoras do modo de existência do menino. O que Itard poderia ter aprendido a fazer pela primeira vez nesse encontro se tivesse se deixado afetar pelo modo de vida de Victor?

As análises micropolíticas de Rolnik (2018) sobre o embate do europeu com os povos originários nos ajudam a compreender o processo de resistência e adaptação imposto ao menino selvagem por Itard, que expressa em realidade o pensamento de sua época, herdeiro da subjetividade colonial-capitalística fundada na colonização das Américas e que nos forma até hoje. Naquele encontro, diz Rolnik (2018), os europeus se blindaram ao contágio fecundante que os modos de vida indígenas tinham para nos oferecer e se fecharam a essa desestabilização criadora, que é o outro não familiar e o que ele nos provoca em termos de movimento e transformação. Não à toa, a marca do sujeito moderno é uma subjetividade reativa ao novo, ao que difere do considerado natural, na tentativa de preservar sua individualidade e retornar ao controle/equilíbrio o mais rápido possível. Assim, analisam Guattari e Rolnik (1993, p. 43):

Tudo o que é do domínio da ruptura, da surpresa e da angústia, mas também do desejo, da vontade de amar e de criar deve se encaixar de algum jeito nos registros de referências dominantes [...]. Não somente os professores, mas também os meios de comunicação de massa (jornalistas, em particular) são muito dotados para este tipo de prática.

Nesse sentido, quando falamos de uma formação docente inventiva com o cinema e a psicologia é para criar práticas que subvertam essa subjetividade cristalizada e nossas aprendizagens recognitivas, buscando ir além da verificação de memorização, das aquisições de conteúdos, da díade ensino-aprendizagem como causa e efeito que nos conduz à recognição.

No planejamento, a exibição completa do filme O garoto selvagem (1969) acontece logo nas primeiras aulas, criando oportunidade para que a variedade de temas que atravessam o filme se tornem visíveis nas conversas posteriores. Cenas do filme são evocadas ao longo do curso para contribuir a pensar sobre outros conteúdos que acompanham o cronograma, como teorias comportamentais, a ideia de progresso, a naturalização da infância, o desenvolvimento da afetividade etc.

Com O garoto selvagem, a turma é solicitada a criar um pequeno material audiovisual, reinventando fragmentos do filme original, ou criando novas imagens, a partir de um roteiro imaginado e narrado fabulatoriamente por Victor acerca da experiência que ele vivou, e não narrada por seu tutor, o dr. Itard, como originalmente aconteceu e vemos no filme, por isso a pergunta disparadora do exercício: e se o relatório fosse do Victor? Que filme teríamos?

Recordemos que Truffaut tomou como referência um relatório técnico para contar a história de Victor, colocando em evidência, portanto, a perspectiva do adulto sobre a criança. Afinal, ao longo do filme, temos acesso direto aos pensamentos e reflexões de Itard, em que algumas partes são extratos fidedignos de seu relatório original.

Será que podemos afirmar que o filme enquadra o olhar adulto sobre esse acontecimento, porque tem como referência de roteiro o relatório de Itard? Nesse aspecto, que outros filmes poderiam ser produzidos a partir desse mesmo relatório? Ou quantos relatórios poderiam ser escritos a partir da experiência do encontro com Victor? Enfim, o que diria o próprio Victor sobre tudo isso?

Na experiência que aqui focamos, essas problematizações são levantadas na aula preparando para o exercício de imaginar que Victor pudesse contar/escrever um relatório sobre o acontecimento. Não é necessário que as/os estudantes escrevam um relatório, apenas que tomem a experiência de Victor como referência para descrever o que havia acontecido e imaginar que outras imagens, outros filmes, outras cenas e outros diálogos teriam sido gerados a partir disso. O objetivo é filmar e criar com as imagens, e não com a escrita.

Não farei aqui uma análise7 específica das produções. Tentarei destacar, em termos de uma política inventiva, como e o que os exercícios nos convocam a pensar, criar e relacionar. Isto é, de que forma, eles contribuem para uma formação inventiva? De que forma a relação com a psicologia e o cinema é reinventada com esses exercícios? Que subjetividades emergem? Retornarei a essas questões após descrever o segundo filme e o exercício proposto com ele.

EXERCÍCIO 2: E SE JONAS TIVESSE IDO EMBORA COM O CIRCO?

Jonas e o circo sem lona (2015), de Paula Gomes, narra o envolvimento de Jonas com um circo que ele mesmo monta, constrói, ensaia e divulga junto com os amigos no quintal de sua casa na periferia de Salvador, na Bahia. Jonas constrói o circo com - literalmente - restos e resíduos do mundo adulto, como nas clássicas análises de Benjamin (2002): pedaços de arquibancada, lonas velhas e o trapézio do circo onde sua família trabalhava quando ele era menor.

Esse universo, que pode parecer devaneio de fantasia infantil, é concreto e envolvente nesse filme documentário, o qual mostra a dedicação, a autonomia e a disciplina de Jonas com a rotina dos ensaios, montagem e criação dos espetáculos. A brincadeira é vivida com compromisso e seriedade em contraste com as acusações dos adultos e mesmo com a percepção de outras crianças acerca de um Jonas irresponsável e relapso com os estudos e a escola. Enquanto isso, o desejo de Jonas é morar e trabalhar no circo de seu tio, o que é impedido de fazer por sua mãe.

O interesse do menino pelo circo, a mais marginal das artes, um não lugar marcado pela instabilidade e pelo nomadismo, tenciona sua relação com a escola, lugar do conhecimento oficial, das certezas e da busca por segurança. O que a câmera de Paula Gomes vai nos mostrando é que não se trata de uma criança problemática e preguiçosa, mas de um menino que opta por abandonar a segurança e o conforto da escola, o equilíbrio e a estabilidade das ciências, como tantas vezes argumenta sua mãe, por uma vida itinerante, que exige dedicação e trabalho. No circo, o risco é condição iminente do artista em diferentes dimensões: riscos financeiros, físicos, emocionais e simbólicos (GOUDARD, 2009).

Jonas insiste em viver esses riscos, e a diretora Paula Gomes também assumiu os riscos do “[...] engajamento e fricção com o mundo”, o risco dos afetos no seu modo de fazer cinema, no seu modo de filmar o outro. Comolli (2008, p. 68), discorrendo sobre o cinema documentário, afirma que “[...] filmar é, evidentemente arriscar; é também, neste caso, arriscar-se, arriscar alguma coisa do seu lugar, de seu espectro subjetivo, nessa relação violenta com o outro que toda filmagem acaba sendo”. A câmera de Gomes (2015), diretora do filme, assiste Jonas, correndo com ele os riscos dessa relação - que é o específico do procedimento do documentário, “[...] um não controle daquilo que o constitui: a relação com o outro”, diz Comolli (2008, p. 88). No filme, Gomes (2015) parece ultrapassar as fronteiras desse envolvimento, tornando-se, também, uma personagem da história, que intervém junto à mãe para que o deixe ir ao circo e consola Jonas pelo fracasso de sua empreitada - numa câmera tátil, que não só o filma, mas também o toca, literalmente, com suas mãos a acariciá-lo em consolo, prestando-lhe assistência na última cena do filme.

A movimentação da diretora em cena e fora de cena, no campo e no antecampo, seja com seu corpo, suas mãos ou apenas sua voz, embaralha as ideias prévias que temos sobre o que é ficção, documentário, cinema engajado, cinema militante. Assim, Jonas e o circo sem lona é, também, uma experiência de outra atenção para o espectador, especialmente pelos deslocamentos que provoca em termos de expectativa como documentário.

Ainda que na teoria do cinema a oposição ficção/documentário nunca tenha sido totalmente defendida por seus realizadores, a recepção do gênero documentário pelo espectador leigo, de maneira geral, se apoia na oposição ficção/invenção, documentário/verdade. Se, por um lado, a narrativa do filme inicialmente se assemelha a uma ficção, a presença da diretora em cena logo nos retira dessa sensação e embaralha os limites ordinários entre esses gêneros.

Assim, à primeira vista, Jonas e o circo sem lona é um filme que conjuga em suas imagens modos outros de perceber e configurar clássicas problemáticas da psicologia na educação, como a questão da queixa escolar, da aprendizagem, da atenção, da imaginação, da brincadeira, da infância, da própria função da escola e da família. Sob esse ponto de vista, o filme de Paula Gomes poderia ajudar a tencionar diagnósticos médicos de crianças que não se adaptam às expectativas da sociedade, da escola, das famílias, sendo muitas delas enquadradas em leituras de transtornos psicossociais e vítimas da medicalização da vida, temáticas fundamentais que compõem o currículo de psicologia.

Entretanto, para além dessa contribuição, notamos que a potência pedagógica e inventiva do filme não se limita ao seu conteúdo, mas se expande para o modo como a diretora, ao contrário de Itard8, se deixa afetar pelo universo de Jonas, em como se insere nas cenas, tal como uma personagem, e se relaciona com o menino e sua história sem neutralidade, inventando uma forma outra de fazer documentário e inventando com Jonas outras possibilidades de vida9.

Jonas e o circo sem lona é exibido mais ao final do curso, quando discutimos as principais queixas escolares que acabaram por proliferar diagnósticos de transtorno de aprendizagem, de déficit de atenção e hiperatividade, e problematizamos a medicalização da educação a partir desses diagnósticos. Acontecimentos do filme, marcados pela postura de Jonas e da diretora da escola, se agenciam às leituras específicas do tema deslocando concepções prévias da turma sobre como pode ser nossa abordagem diante desses fatos.

Em Jonas e o circo sem lona, a turma é convidada a imaginar que Jonas realizou seu desejo de ir embora para o circo e que, passado um tempo, resolveu enviar para casa um filme-carta10 sobre como está sua vida. Nesse caso, como se trata de um dispositivo específico de criação cinematográfica, o filme-carta, são exibidas, antes, para a turma, algumas referências fílmicas, as quais podem servir como disparadores para suas produções.

O que aconteceria com esse menino se ele fosse escutado e se seu desejo de ir embora tivesse sido atendido? E se a gente olhasse para o que chama sua atenção? Essa é a provocação que esse segundo exercício nos demanda. Imaginar como teria sido a vida dele ao ir embora com o circo. Como ele narraria o que aconteceu? O que mostraria? O que nos faria ver?

Em ambos os exercícios, as/os estudantes podem se reunir em grupos de até cinco pessoas e costumam ter 15 dias para a produção das imagens posteriormente visualizadas em conjunto na aula. É um momento de expectativa e entusiasmo. Os comentários pessoais versam sobre a liberdade de fazer algo inusitado em uma graduação, falam da leveza e do prazer que sentem com o exercício em meio a outras cobranças e textos densos, e manifestam também um estranhamento inicial: como assim? Como faremos? Como vamos saber disso?, perguntam, indicando interrupções - breakdowns (KASTRUP, 2005, p. 1276) no fluxo cognitivo. Frequentemente, as/os estudantes se surpreendem com os próprios resultados e destacam os ganhos colaterais que tiveram no desafio da aprendizagem do audiovisual. Sem dúvida, esses comentários são elementos importantes, mas, do ponto de vista da formação inventiva, destacarei a baixo outras hipóteses e apostas de aprendizagens com os filmes e as criações.

FORMAÇÃO DOCENTE: PSICOLOGIA, CINEMA E INVENÇÃO

Pensar como Victor e Jonas contariam a história, ou parte dela, impele a/o estudante ao exercício da alteridade, intensificada pela radicalidade do olhar de uma criança. E mais do que isso: em um caso, uma criança que não fala e, em outro, uma criança que é constantemente desautorizada a falar. Trata-se da tentativa de narrar o mundo sem a captura da linguagem ou pelo emprego de uma linguagem que o mundo constantemente não escuta. Como filmar sentimentos, sensações e emoções pré-simbolizados? Como usar a linguagem do cinema para expressar uma subjetividade, cuja linguagem desconhecemos? Como responder a uma pergunta fabulatória acerca do destino de um desejo de infância? O que expresso acerca das minhas expectativas de infância e educação nessas respostas? O que aprendo acerca de outras possibilidades ao ver a resposta dos meus colegas?

Vale destacar que pensar, do ponto de vista de uma formação inventiva, não se restringe a encontrar com esses filmes respostas, explicações ou ilustrações para temas de estudos, mas criar vizinhanças com outros conceitos, imagens e ideias. Isto é,

[...] pensamento como processo de criação problematizante. Tal perspectiva distancia-se daquelas que procuram ver o pensamento como atividade de adequação entre representações e percepções, envolvendo, portanto, uma renovação do conceito de aprendizagem (KASPER, SILVA, 2014, p. 712).

Aprender com os filmes, portanto, não se define por uma relação causa-efeito ou conteudista, nem como resposta certa. Do ponto de vista da formação inventiva, apostamos que pensar em respostas para as perguntas colocadas pelos exercícios impulsionam o sujeito em formação para um contato visceral com um conceito fundamental no campo da psicologia - o da infância, desencadeando um exercício de estranhamento e encantamento com o mundo, de comunicar-se sem falar, expressar-se sem a língua, de suspensão, pois, da recognição e abertura para novas subjetividades.

Logo, pensar e aprender nesse caso é criar. Ao convocar a imaginação para responder a uma atividade formativa, a proposta legitima essa função como constituinte do humano para a construção do conhecimento e da realidade, como já afirmara Vigotski (2012) no campo da psicologia e como defende Rancière (2009) ao refletir sobre a arte e a política.

Destaca-se, também, que os exercícios expressam uma possibilidade de relação inventiva com a arte cinematográfica e a formação docente, porque não se limitam a debates sobre conteúdos do filme. As perguntas apontam para a possibilidade de outros filmes serem feitos a partir do que foi visto. São perguntas que tomam o filme e seus diretores como uma relação atravessada por escolhas, pontos de vista e afetos sem neutralidade. Trata-se, então, de uma abordagem que nos permite perfurar o cinema transparente, aquele que diz retratar a realidade tal como ela é, na construção de uma aprendizagem e exercícios que nos auxiliem a compreender que as imagens constroem o real (XAVIER, 2012).

Além disso, pensar a articulação de uma formação inventiva no contexto do próprio ensino de psicologia é fundamental, porque a proposta de uma cognição inventiva precisa da psicologia enfrentando suas contradições para abrir espaço para novas práticas. Como afirma Kastrup (2007, p. 194), “[...] para esboçar uma nova maneira de fazer psicologia, precisamos nos deslocar para o plano das condições de uma cognição ampliada, que inclua a recognição, mas também a invenção”.

Jonas e Victor nos instigam a pensar pelo avesso em muitas questões em torno das aprendizagens, da infância, da atenção, da educação e da psicologia na formação de professores. Paula Gomes (2015) e François Truffaut (1969), em seu fazer cinema, nos provocam a pensar em modos de ser professor, de ser pesquisador, de se relacionar com a infância, com o cinema e com a educação, com a produção de imagens e de conhecimento. Como nos posicionamos como adultos diante dessas crianças? Somos neutros? O que acontece nos quintais das casas das crianças, as quais comumente são denominadas desobedientes, irresponsáveis, desatentas? À que prestam e ao que prestamos atenção quando estão fora de aula ou mesmo dentro de sala? Muitas outras perguntas e exercícios podem ser formulados.

Em termos de uma formação inventiva, nenhuma proposta prática afirma-se como solução ou receituário de um modo de conduzir uma experiência educacional. A experimentação, não no sentido de uma etapa provisória, mas como qualidade da invenção e da construção de campo propício para o surgimento do novo, é sempre condição para o exercício de uma política inventiva (KASTRUP, 2018 apudFRESQUET, 2018). Desse modo, a escolha dos filmes e os exercícios compartilhados neste texto possuem sua justificativa epistemológica e teórica, como buscamos relacionar, mas são apenas exercícios de pensamento e criação, atravessados por dúvidas, incertezas e riscos imprevisíveis, que corremos juntos, no exercício de invenção de nossas próprias docências.

1Este artigo foi parte inicial da pesquisa de pós-doutorado que concluí em março de 2023, realizado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul sob supervisão do professor Luciano Bedin da Costa.

2Trata-se da pesquisa publicada em 2021 na Revista Proposições E se o relatório fosse do Victor? Pensando com o cinema, a alteridade, a imaginação e a psicologia na formação de professores disponível em: https://www.scielo.br/j/pp/a/mnfKNdvWXPj4ZjHbqqQBvSR/ e do resultado da Iniciação Científica Cinema e Psicologia na formação de professores: práticas pedagógicas com Jonas e o circo sem lona realizada pela estudante de graduação Raiane Leite e orientada por mim cujo relatório final foi entregue a Pró-reitora de Pesquisa da Universidade Federal de São João del-Rei PROPE/UFSJ em 2021. A estudante contou com financiamento de bolsa PROPE/UFSJ para esta realização.

3O resultado dos exercícios pode ser visto em https://youtu.be/pZVlQbDDDI8 e https://youtu.be/e4DawwvnX7I

4O cronograma e a ementa do curso estão disponíveis em https://ufsj.edu.br/coped/planos_de_ensino.php

5Vale destacar que outra disciplina do campo da psicologia que leciono, e na qual exibo esses filmes, é intitulada “Desenvolvimento e Aprendizagem”, nome que expressa uma clássica área da psicologia responsável por estudos de habilidades, competências e características humanas em cada etapa da vida. Busco, nesse curso e com esse filme, problematizar a perspectiva desenvolvimental culturalmente imposta pelo capitalismo, usada para justificar a exploração de nações, do meio ambiente, de povos, culturas e pessoas, além de marcar determinismos e hierarquias entre adultos, crianças e adolescentes. Trabalho no curso com uma abordagem não desenvolvimentista do ser humano, especialmente difundida pelas pesquisas da professora Lucia Rabello de Castro, trazendo para a Psicologia do Desenvolvimento discussões do âmbito da Antropologia, da História e da Sociologia.

6Este comentário aparece em uma cena do filme, e não no relatório.

7Uma análise detalhada da produção audiovisual realizada por duas estudantes está disponível em https://www.scielo.br/j/pp/a/mnfKNdvWXPj4ZjHbqqQBvSR/

8É curioso no filme de Truffaut que ele mesmo interpreta o personagem Itard e faz escolhas, como diretor, que apagam o protagonismo de outras pessoas na vida do menino e alteram acontecimentos da história que sugerem outra versão nos relatórios. Para mais detalhes sobre essa análise crítica acerca da ambiguidade do papel ocupado pelo diretor-ator, vale a leitura do capítulo “Olhares cruzados sobre a educação de um selvagem: Itard (1801) - Truffaut (1970)”, de Anne Goliot-Lété e Sophie Lerner-Sei, presente no livro O Garoto selvagem e o dr. Itard: história e diálogos contemporâneos, das organizadoras Luci Banks-Leite, Izabel Galvão e Débora Dainez. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2017.

9Vale acompanhar, de forma mais detalhada, o impacto inventivo que a amizade da diretora Paula Gomes e os desdobramentos desse filme tiveram na vida de Jonas, que acabou se tornando fotógrafo e trabalhando com ela em outras produções audiovisuais.

10Trata-se de um dispositivo de criação cinematográfica em que o filme tem previamente um destinatário e uma narrativa oral em formato de carta que vai para esse destinatário. Mais informações sobre o filme-carta podem ser encontradas em: http://www.inventarcomadiferenca.com.br/referencia/o-ensino-de-cinema-ea-experiencia-do-filme-carta/. Na ocasião do exercício, foram exibidos os seguintes filmes e/ou fragmentos para a turma: Pra Chica (2013), de Juliana Shimada; Di-Glauber (1977), de Glauber Rocha; e As praias de Agnès Varda (2011), de Agnès Varda.

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Recebido: Abril de 2023; Aceito: Maio de 2023

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