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Revista Teias

versão impressa ISSN 1518-5370versão On-line ISSN 1982-0305

Revista Teias vol.24 no.74 Rio de Janeiro jul./set 2023  Epub 06-Dez-2023

https://doi.org/10.12957/teias.2023.75866 

Artigos de Demanda Contínua

MULTILETRAMENTOS COM TECNOLOGIAS DIGITAIS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO: por uma educação inclusiva e autônoma

MULTILITERACIES WITH DIGITAL TECHNOLOGIES OF COMMUNICATION: for an autonomous education

MULTIALFABETIZACIONES CON TECNOLOGÍAS DIGITALES DE COMUNICACIÓN: por una educación autónoma

Daniel Bramo Nascimento de Carvalho1 
http://orcid.org/0000-0001-8491-3875; lattes: 7736202864956920

Ronaldo Nunes Linhares2 
http://orcid.org/0000-0002-3400-4910; lattes: 8443338948664570

1Universidade Tiradentes

2Universidade Tiradentes


Resumo

Este trabalho tem como objetivo refletir sobre como as práticas da pedagogia dos multiletramentos com base no New London Group podem contribuir para novas práticas no espaço escolar que se relacionem com nossas habilidades em ler o mundo mediado pelas mídias. Compreender como tais processos podem possibilitar a autonomia e liberação do sujeito para uma posição crítica frente às lógicas dominantes. Para esta reflexão buscamos a contribuição de autores como: Bifo (2003), Lipovetsky (2011), Freire (2014), Hall (2013), Martin-Barbeiro (1997; 2000; 2007) e Cope e Kalantzis (2009) e Buckingham (2010) que auxiliam na reflexão sobre uma sociedade em redes digitalizada na qual os sujeitos participam ativamente de transformações cognitivas que desterritorializam as práticas socioculturais e modificam as relações com a sociedade, os dispositivos comunicativos e, por conseguinte os processos de aprender, dentro e fora da escola. Ao final e ao cabo, inferimos que é preciso remodelar as relações de comunicação e as estratégias de aprendizagem, considerando as fissuras causadas pela dinâmica da sociedade digital, e que, novas práticas envolvendo multiletramentos podem contribuir para a renegociação de uma pedagógica da comunicação/educação que considere os espaços que os sujeitos ocupam na sociedade, na cultura, na escola e, nos mais diversos espaços/praticas de aprender, transformando a educação num processo autónomo e num instrumento de libertação.

Palavras-chave: educação; multiletramentos; tecnologias digitais da informação e comunicação; pedagogia da comunicação.

Abstract

This work aims to reflect on how the practices of multiliteracies pedagogy based on the New London Group can contribute to new practices in the school space that relate to our abilities to read the world mediated by the media. Understanding how such processes can enable the subject's autonomy and release to a critical position in the face of dominant logics. For this reflection, we seek the contribution of authors such as: Bifo (2003), Lipovetsky (2011), Freire (2014), Hall (2013), Martin-Barbeiro (1997; 2000; 2007) and Cope and Kalantzis (2009) and Buckingham ( 2010) that help to reflect on a society in digitalized networks in which subjects actively participate in cognitive transformations that deterritorialize sociocultural practices and modify relations with society, communicative devices and, consequently, learning processes, inside and outside the classroom. school. In the end, we infer that it is necessary to remodel communication relations and learning strategies, considering the cracks caused by the dynamics of the digital society, and that new practices involving multiliteracies can contribute to the renegotiation of a pedagogical approach to communication/education that considers the spaces that subjects occupy in society, culture, school and in the most diverse spaces/practices of learning, transforming education into an autonomous process and an instrument of liberation.

Keywords: education; multiliteracies; digital technologies of information and communication; comunication pedagogy.

Resumen

Este trabajo tiene como objetivo reflexionar sobre cómo las prácticas de la pedagogía de la multialfabetización a partir del New London Group pueden contribuir a nuevas prácticas en el espacio escolar que se relacionen con nuestras habilidades para leer el mundo mediado por los medios. Comprender cómo tales procesos pueden posibilitar la autonomía del sujeto y su liberación a una posición crítica frente a las lógicas dominantes. Para esta reflexión buscamos el aporte de autores como: Bifo (2003), Lipovetsky (2011), Freire (2014), Hall (2013), Martin-Barbeiro (1997; 2000; 2007) y Cope y Kalantzis (2009) y Buckingham (2010) que ayudan a reflexionar sobre una sociedad en redes digitalizadas en la que los sujetos participan activamente en transformaciones cognitivas que desterritorializan las prácticas socioculturales y modifican las relaciones con la sociedad, los dispositivos comunicativos y, en consecuencia, los procesos de aprendizaje, dentro y fuera del aula escolar. Al final, inferimos que es necesario remodelar las relaciones de comunicación y las estrategias de aprendizaje, considerando las grietas provocadas por la dinámica de la sociedad digital, y que las nuevas prácticas que involucran multialfabetizaciones pueden contribuir a la renegociación de un enfoque pedagógico de la comunicación/educación que considera los espacios que ocupan los sujetos en la sociedad, la cultura, la escuela y en los más diversos espacios/prácticas de aprendizaje, transformando la educación en un proceso autónomo e instrumento de liberación.

Palabras clave educaion; multialfabetización; tecnologías digitales de información e comunicación; pedagogía de la comunicación.

INTRODUÇÃO

As tecnologias digitais da informação e comunicação e as novas mídias (TDIC) compõem o nosso fazer cotidiano em diferentes experiências e práticas. De forma complexa, mede as transformações socioculturais, possibilitando novas experiências e aprendizagens em diferentes âmbitos da convivência humana. Desta forma, as TDIC tornaram-se espaços de formação informal, em que diferentes sujeitos se comunicam, aprendem, ensinam, significam e ressignificam as semioses da natureza e da sociedade.

A sociedade também passa por significativas transformações devido ao uso e interação com as mídias digitais. É perceptível o avanço das tecnologias em que as mídias analógicas foram transformadas e transferidas para o campo digital, permitindo a mutação de diferentes atividades da humanidade do prospecto físico para o virtual, em que ocorre um processo de desterritorialização de práticas socioculturais, políticas, econômicas e ideológicas.

Nessa sociedade digitalizada, os sujeitos são parte ativa destes processos (HAN, 2018). Como prosumers1, (TOFFLER, 1993), sujeito que contribui para a construção de uma civilização inovadora e criativa e propõe uma nova maneira de viver, ainda em movimento, participam da construção de significados em rede e interferem nos procedimentos de troca e produção de sentidos. Rompem a velha estrutura emissor-mensagem-receptor, e com a perspectiva da comunicação de massa um/um e um/todos, colocando o consumidor das narrativas dos meios de comunicação digitais em rede como mais que um simples receptor do signo codificado (HALL, 2013), reconfigurando o papel das grandes estruturas e instituições de formação e identidade dos indivíduos como a família, igreja, escola, mídia.

Neste ponto, a escola enquanto importante instituição sociocultural e política e espaço de formação, precisa compreender melhor os novos paradigmas em que o indivíduo se encontra no século XXI. É necessário que perceba o lugar que o aluno ocupa hoje em uma sociedade digital e como essa cultura atua em sua formação, promovendo diálogos construtivos de uma formação autônoma (FREIRE, 2014), crítica (MARTIN-BARBERO, 1997), popular e cidadã (JIMÉNEZ, 2011).

Considerar tais transformações culturais é também compreender que apenas letrar o sujeito, lhe atribuindo a competência de codificação dos códigos alfabéticos, não é mais suficiente para uma formação mais ampla. As TDIC exigem dos cidadãos diferentes competências que vão além do saber ler e escrever em que, diante da desterritorialização (BIFO, 2005) dos espaços de convivências e trocas sociais, torna-se necessário compreender as lógicas estruturantes do capital que compõem as indústrias e a fabricação de culturas e sentidos.

As TDIC não só exigem diferentes competências, como também criam novas formas de alfabetização e letramento incorporadas as práticas sociais cotidianas. Desta forma, o presente artigo busca refletir como as práticas da pedagogia dos multiletramentos fundamentada no “New London Group”2 podem contribuir para a construção de novas práticas no espaço escolar que se relacionem com as nossas competências em ler o mundo a partir das mídias. Assim como, compreender como tais processos podem possibilitar a autonomia e libertação do sujeito para um posicionamento crítico diante das lógicas dominantes.

TIDC E EDUCAÇÃO- DESTERRITORIALIZAÇÃO DAS PRÁTICAS ECONÔMICAS SOCIOCULTURAIS

Para Bifo (2005), desterritorialização é o processo de transferência de práticas antes centradas nos espaços físicos de convivência, para espaços virtuais cibernéticos. A produção e consumo se torna impalpável, inviabilizando o tato com os signos produzidos e transformados. Parte deste processo é devido a globalização, que recombina os códigos e cria novos espaços de convivência que não pertencem mais a um local, pois a circulação é aberta e livre, em que a ciberespacialização ocupa todas as práticas sociais dos sujeitos.

A digitalização permite que objetos possam ser transformados em combinações binárias, possibilitando ações sobre a realidade geograficamente física por manipulações informacionais em rede (BIFO, 2005). Assim, o processo foi ampliado, facilitado para o sujeito imerso no sistema que acredita ter suas necessidades atendidas, saciadas em uma lógica mercadológica de mediação das técnicas em que se comercializa objetos de consumo como fim prático e ideológico para a felicidade.

Na modernidade industrial, podemos observar que parte significativa da sociedade que lutava contra as lógicas de exploração e opressão da burguesia, tinha consciência do dinâmico espaço temporal de produção do capital. Já na sociedade digital, assim como a cultura se modifica, os métodos de opressão foram transformados e des-localizados das estruturas físicas. Bifo (2005, p. 50) vai destacar que a digitalização da sociedade desencadeou dois processos. Primeiro, a transferência de múltiplos e distintos fragmentos de trabalho em um único curso de informação conectada à rede. E segundo, a dispersão do trabalho em um arquipélago infinito de ilhas produtivas teoricamente autônomas das estruturas físicas, mas formalmente dependentes da conexão em rede.

Podemos perceber que houve uma convergência dos espaços de fruição, de trabalho, entretenimento e de comunicação, ou seja, dos locais de produção de significados para e pelos sujeitos. Durante a modernidade industrial, os espaços de lazer e intelecto eram delimitados e temporalmente separados, distintos de suas atividades de produção. O sujeito exercia sua função de trabalho em um determinado tempo/espaço com fim último de produzir bens de consumo materiais. Com as transformações econômicas e sociais, esses espaços foram desintegrados e a rede possibilitou exercer em um único espaço, trabalho (dentro de uma perspectiva cognitiva), lazer e comunicação, que ainda exige do sujeito competências que não são construídas pelos espaços formais e informais de formação. A digitalização das mediações transformou todos os lugares em fábricas semióticas de fruição dos desejos e das lógicas de consumo capitalistas.

O indivíduo não é mais explorado pelo padrão burguês facilmente detectável, mas sim, por si mesmo. Por um desejo criado e alimentado pela dialética consumista. E mesmo que o sujeito consiga saciar seus desejos de posses, não há como saciar o consumo. O espaço também foi transformado. Geograficamente não é mais físico, agora é cibernético, é ciberespaço. Parte significativa destes processos encontram-se digitalizados na rede, espaço ilimitado de armazenamento e produção de sentidos. No entanto, o tempo ainda é orgânico, corre da mesma forma no campo físico, digital e não há tempo para consumir tudo que o capital informacional/cognitivo cria e compartilha.

Bifo (2005, p. 95) vai chamar essa digitalização de new economy tratando-a como um processo produtivo que fraciona o poder econômico, desterritorializa os processos produtivos e de significação. Esse fracionamento diminui as possibilidades de mobilização do sujeito, o transformando no que o autor chama de “[...] cognitariado” (Ibidem, p. 73), trabalhadores da rede imersos nos sistemas de comunicação de produção semiótica, compartilhando de forma coletiva a sua inteligência formada pelos fluxos midiáticos na rede onde as interações comunicativas e tecnológicas entre mentes e máquinas articulam-se para a produção de uma mentalidade global.

Essa desterritorialização também desorganiza as consciências locais e os modos de existência (LIPOVETSKY, 2011). Apresenta culturas planetárias que mercantilizam as esferas da sociabilidade em que as ciências e tecnologias não oferecem mais garantias de um amplo e inclusivo progresso da humanidade. Por mais que o digital promova aproximações virtuais entre o local e o global, essa justaposição ameaça a dissipação das identidades locais do sujeito, individualizando os gostos e consumo coletivo. Assim, é preciso promover reflexões acerca da massificação industrial cultural, e como este processo do capital impacta nas relações dos sujeitos com as diferentes culturas comercializadas pelas grandes indústrias.

Percebemos uma desterritorialização cultural acelerada e desorganizada, em que as nações mais desenvolvidas conseguem impor uma cultura dominante sob as culturas locais de regiões menos desenvolvidas. Essa promoção ocorre desde os períodos de colonização e expansão marítima europeia do final do século XV, no entanto, desde as últimas décadas do século XX, é reforçada pela digitalização em que processos culturais globais atuam com sutileza sob as culturas locais e reorganizade forma desorganizadaas ordens de produção e consumo do capital cultural individual.

Por mais que a natureza das tecnologias digitais seja comunicacional, a oferta de consumo e de prazeres individuais que as indústrias culturais oferecem, funcionando como um refúgio as frágeis relações sociais, trazem uma sensação de liberdade aos sujeitos. De forma quase onipresente, os objetos materiais e imateriais de consumo, mostram-se prontos a aquisição e fruição. Assim, a liberdade individual se choca com a dependência das ofertas mercadológicas para satisfação dos seus desejos que, não havendo uma identidade fixa, desorienta o consumidor diante do mar de lançamentos a todo momento.

É um erro acreditar que por mais que haja toda essa globalização e desorganização cultural de relação e consumo, que os sujeitos recebem e decodificam de forma passiva. A participação é parte fundamental do processo. Nem todas as normas impostas são aceitas em sua totalidade. O que se ressalta aqui é possibilitar uma conscientização coletiva para que essa cultura planetáriaque Lipovetsky (2011, p. 09) vai chamar de “[...] cultura mundo”seja uma cultura de todos e que o seu consumo seja responsável e protagonizado pelos sujeitos locais dentro da perspectiva cultural global, no que, em outro tempo Levy (2003) definiu como inteligência coletiva.

Nestas vias de desterritoralizacão e desorganização, a educação tem um importante papel para munir o sujeito das competências necessárias na interação com a cultura global informacional. É notável que possuímos liberdade de fruição e acesso às informações, o que não temos é um norte que oriente diante do oceano de dados que somos expostos diariamente. Em tempos que as ordens sociais modernas industriais não mais organizam as relações econômicas e socioculturais, é fundamental possibilitar uma formação crítica e de conscientização diante da cultura-mundo e das lógicas hipercapitalistas, hiperconsumistas e hiperindividualistas (LIPOVETSKY, 2011).

Para isso, é preciso reconsiderar e refletir sobre o papel que as TDIC’s possuem na cultura do aluno e de como estes dispositivos podem colaborar para uma educação crítica e autônoma. Por uma educação crítica compreendemos o rompimento com a concepção de uma educação bancária, focada na transmissão de informações e conteúdo para um aluno que estaria inerte e passivo, treinado apenas para desempenhar destrezas de uma sociedade capitalista (FREIRE, 2014).

Essa educação crítica possibilitaria uma maior autonomia e liberdade do sujeito na aquisição e construção do conhecimento, em que seus saberes e cultura são respeitados e levados em consideração no fazer pedagógico e nos espaços de formação. Por autonomia, compreendemos o processo de respeito aos modos de aprender e de ler o mundo, que Freire (2014) aponta como essencial nas práticas de aquisição do conhecimento, centradas no respeito a identidade do sujeito e em suas práticas culturais diante de um sistema opressor. É necessário então respeitar e considerar o lugar que o indivíduo ocupa na sociedade e a sua cultura, promovendo espaços de diálogo em que o aluno colabore com o fazer pedagógico enquanto sujeito ativo (FREIRE, 2014).

Na perspectiva de Gonnet (2004), a escola que conhecemos hoje data do século XIX, e desde então, a cultura do impresso determina o que os alunos devem aprender para se inserir na sociedade. Mesmo com a presença de outras mídias na cotidianidade, o livro estabeleceu fortes raízes na escola. Não devemos diminuir sua importância, no entanto, não é mais a única forma de expressão social, cultural, econômica ou intelectual no campo dos saberes e conhecimentos. Freire e Guimarães (1984) já inferiram a necessidade de permitir a entrada das mídias e meios de comunicação na escola, observando “[...] quem produz, por que produz, como produz e para quem produz”.

Amparado em técnicas que são fruto dos avanços tecnológicos, os meios de comunicação são formas de expressão e difusão da criatividade humana. Os educadores, portanto, não podem ignorar que essas experiências criadas e (re)significadas por lógicas dominantes do poder, são vivenciadas pelos sujeitos consumidores e fazem parte de seu cotidiano. Esse conjunto de experiências vivenciadas fragmenta e desterritorializa a aprendizagem, possibilitando aferir que os meios não se detêm a diversão, tornando mais sutis seus processos de significação e codificação da realidade (FREIRE, GUIMARÃES, 1984; LIPOVETSKY, 2009; HALL, 2013).

É urgente pensar propostas e metodologias que incluam as diferentes linguagens que envolvam as tecnologias, mídias e meios de comunicação digitais na escola. Assumir a sua existência é trazer à tona a necessidade de pensar uma educação que permita um consumo crítico dos meios de comunicação de massa. Assim, a escola vai estar cumprindo um duplo papel, em que, segundo Gonnet (2004), atua na transmissão de conhecimento e na criação de confiança, perpetuando a construção de uma autonomia com uma visão humanista de direitos básicos, permitindo que todos façam parte do debate público e tenham condições plenas de se posicionar criticamente diante das produções midiáticas.

Por isso precisamos repensar o modelo de escola contemporânea em que é levado em consideração a dinamicidade da cultura. Hall (2013) e Martin-Barbero (2006) destacam que a cultura é viva e que as transformações socioculturais alteram as interações com o mundo. Desta forma, o espaço escolar também precisa acompanhar tais mutações e refletir sobre com que tipo de sujeito e cultura lidamos hoje. Jiménez (2011) aponta que o pensar pedagógico transpassa por reflexões da realidade exercidas por um coletivo, uma comunidade que busque construir uma nova sociedade.

Pensar sobre essas novas realidades é refletir sobre uma nova escola, que considere as práticas situadas e socioculturais dos alunos que compõem o seu cenário. Consideramos aqui como práticas situadas as vivências individuais por sujeitos que negociam os diferentes signos e significados das experiências coletivas em sociedade (MARTIN-BARBERO, 1997, 2006; HALL, 2013; COPE, KALANTZIS, 2009, 2010). Como Buckingham (2010) já ponderou, o primeiro contato com as tecnologias e meios de comunicação já ocorrem fora do contexto escolar e que é necessário atentar para estas interações e avaliar como as TDIC podem contribuir para uma educação mais ampla, considerando estes meios e linguagens construídas a partir de signos codificados intencionalmente por grupos dominantes do poder.

Destacamos também a importância do rompimento com a ideia determinista em que as TDIC podem por si só resolver a crise na educação (BUCKINGHAM, 2010, p. 41). Os dispositivos podem mediar a interação e a construção do conhecimento no espaço escolar, mas sozinhos, não passam de instrumentos materiais. Não basta inserir as mais modernas tecnologias e meios de comunicação na escola sem uma transformação epistemológica que trabalhe as intencionalidades pedagógicas dos professores com os dispositivos propostos para o ambiente. A intencionalidade está em quem usa, porque usa, para que usa e como usa. Martin-Barbeiro (1997) vai evidenciar quatro pontos em que devemos agir para transformar a escolar em um ambiente de comunicação dos saberes.

O primeiro é deixar de negar as mudanças culturais da sociedade e aceitar que os escritos não são mais as únicas mídias de busca e mediação do conhecimento. O segundo é perceber que há outros dispositivos e instituições para além da escola que são importantes, necessários e responsáveis pela e na formação dos sujeitos. O terceiro é romper com a ideia de que a crise na leitura é culpa dos jovens, em que se recusa a heterogeneidade de formas textuais presentes no contexto sociocultural do século XXI. Por fim, é preciso abordar outras formas de interação com o conhecimento e tratar as tecnologias e mídias como algo intrínseco à cultura contemporânea e não como algo desumanizante. Este processo chama atenção para novas formas multimodais de ler o mundo mediado pelas mídias, por uma pedagogia do multiletramento.

MULTILETRAMENTOS- AUTONOMIA E CRITICIDADE PARA LEITORES DO MEIO

O século XXI nos apresenta uma sociedade completamente diferente do século passado. O rompimento com o paradigma moderno é claro quando conseguirmos observar as diferentes formas de interação do sujeito com o mundo e a diversidade de identidades presentes na cotidianidade. Com isso, as instituições formadoras também passaram por significativas transformações (BIFO, 2005), no entanto, ainda percebemos que a escola mantém padrões da modernidade de formação, de identidade e de intelectualidade (BUCKINGHAM, 2010). Também observamos que enquanto os meios de comunicação de massa dominaram o século XX, o avanço tecnológico vai permitir que no século XXI, a mobilidade dos meios influencie significativamente as transformações na cultura e na sociedade (HJARVARD, 2016).

As competências em torno da leitura e da escrita sozinhas não são mais suficientes no século XXI em que o contexto nos apresenta uma cultura diversa e globalizada, em que nos é exigido diferentes competências e habilidades de interpretação e interação (LIPOVETSKY, 2011). O local e o planetário se chocam, tornando complexas as experiências e negociações dos sujeitos que derivam entre os dispositivos tecnológicos e comunicacionais, em busca de soluções, entretenimento e atendimento das necessidades comunicacionais cotidianas. Tais relações permeadas pelo digital em rede, são determinantes na criação de valor e poder que tornam complexas as formas de organização entre o sociocultural e as TDIC (HJARVARD, 2016).

A sociedade digital é vivenciada por sujeitos que não só fazem parte desta cultura, mas também a constroem, modificando suas interfaces de acordo com as negociações e relações em seu espaço de convivência e dos laços socioculturais que constroem através das mediações (HALL, 2013; MARTIN-BARBERO, 2006). Apenas possuir ou utilizar estes meios não são suficientes para a aquisição de competências importantes para uma compreensão crítica e emancipatória, que o permita perceber como se estrutura os meios de produção e de que forma se pode fazer um uso crítico destes dispositivos.

As mudanças culturais acabam acompanhando o ritmo acelerado dos avanços tecnológicos e midiáticos em que a novas gerações conseguem ter maior facilidade de adaptação ao seu uso e interação com seus pares. A escola precisa então encontrar seu espaço na atual sociedade, transformando-se em um “[...] ecossistema comunicativo” (MARTIN-BARBEIRO, 1997, p. 11). Neste contexto, é preciso compreender o ambiente como espaço de “[...] experiências culturais, entorno informacional e um espaço educacional difuso e descentralizado” (Ibidem). Para isso é conciso ponderar os processos de desterritorialização/relocalização das identidades, o hibridismo entre ciências e artes, reorganizar os conhecimento e saberes em rede e interagir com as mudanças socioculturais.

Para que isso ocorra de forma significativa, é preciso superar a ideia de Tecnicidade dos Meios (MARTIN-BARBEIRO, 1997; BUCKINGHAM, 2010), ou seja, a concepção instrumental das tecnologias de comunicação e aceitar que fazem parte da formação cultural do sujeito, e não como algo externo ou separado das práticas cotidianas e construção de experiências. Tais dispositivos são parte intrínseca a cultura do século XXI, não são meios externos e neutros que podem ser desconsiderados do processo cognitivo do cidadão. São carregados de intencionalidade e devem ser lidos de forma crítica para articular um uso responsável e transformar as práticas educativas nos espaços de formação intelectual e sociocultural dos indivíduos.

Os avanços das TDIC promovem novas negociações entre os sujeitos e as práticas socioculturais cotidianas. Segovia (2008) destaca a urgência de refletir sobre as mudanças necessárias para a educação dentro de uma perspectiva comunicacional, que molde nos sujeitos para além da leitura e escrita, competências audiovisuais e digitais, considerando que a sociedade permeada pelas tecnologias é caracterizada pela informação e pelo conhecimento. É importante uma reflexão epistemológica sobre o lugar das TDIC na sociedade; sua participação na construção da identidade dos alunos e como a escola pode convergir com estes espaços não formais e informais de educação para que os alunos compreendam “[...] cómo los medios producen significados, cómo se organizan, cómo construyen su propia realidad”. (SEGOVIA, 2008, p. 452).

Nesse cenário, as práticas pedagógicas que envolvem as diferentes formas de narrar e ler o mundo, como os multiletramentos podem auxiliar professores a repensaram suas metodologias em sala de aula? O multiletramento é uma abordagem crítica baseada na compreensão significativa das mudanças tecnológicas, midiáticas e comunicacionais que transformaram as formas de interação do sujeito com a realidade (COPE, KALANTZIS, 2010). Essa abordagem considera importante as experiências vividas pelos indivíduos fora do espaço escolar, em que se aprecia as práticas situadas, incorporadas e sociais para que haja transformações expressivas na construção do conhecimento (SILVA, 2016), como também, as características multimodais das interfaces das TDIC’s (COPE, KALANTZIS, 2009).

Observamos então que o multiletramento entende os sujeitos como protagonistas de suas práticas e transformações da realidade. Permite o desenvolvimento de competências de significação por meio de outras linguagens para além do texto linear escrito (MONTEIRO, 2020). Hall (2013) nos lembrar que todo sujeito está situado em uma prática, influenciada pelos meios sociais, tecnológicos e culturais que moldam sua percepção de mundo. Neste processo entendemos que as mediações possuem intencionalidades que podem diferir das intenções de cada sujeito, que decodifica a mensagem a partir de suas experiências vivenciadas em seu contexto sociocultural (Martin-Barbeiro, 2006). Também, segundo Rojo3, reforça-se a ideia de a escola deve tematizar a diversidade de linguagens, mídias e culturas, daí multiletramentos, multilinguagens, multiculturas (Rojo, 2013), rompendo a dicotomia entre mundo da vida, digital e multimidiático e o mundo da escola. Ainda citando Rojo (2012), o multiletramento aponta para a multiplicidade cultural e semiótica de constituição dos textos por meio dos quais os sujeitos e seus coletivos se informam e se comunicam.

Na sociedade digital, o sujeito não só recebe e decodifica a partir do seu espaço de significação. Ele também codifica, transforma o significado recebido e compartilha com seus pareslocal e global. Neste ponto que a escola deve levar em consideração estes processos de mediação do dia a dia. Ressignificar essas experiências em sala de aula podem construir processo autônomos a partir do momento que ele adquire a competência crítica de ler os meios e transforma os signos a partir de suas experiências, produzindo e (re) criando novas leituras e narrativas de e sobre o mundo.

O digital também modifica as formas de interação com o conhecimento, rompendo com o paradigma milenar de acesso e pertencimento a uma cultura em que a escrita delimitava os espaços de convivência e instrumentalizava os processos burocráticos do fazer cultural (COPE, KALANTZIS, 2009). Influência também na autonomia do sujeito, quando permite diferentes interações enquanto sujeito ativo no processo de produção e consumo, de negociação do significado e uso das informações disponíveis em rede. É importante atribuir significado ao uso e ponderar as experiências individuais do sujeito, legitimando as diferentes formas de negociação dos significados e rompendo com a ideia hegemônica de que há letramentos ou competências mais importantes que outras (JOAQUIM, VÓVIO e PESCE, 2020).

O fazer cultural deixa de ser burocrático e passa a ser dinâmico e flexível, ressignificado por agentes do próprio convívio digital em uma perspectiva de cultura negociada, codificada/decodificada a partir das transformações e experiências locais e globais. Neste ponto, é importante convidar o aluno a pensar a sociedade enquanto um conjunto de práticas culturais que são permeadas pelas lógicas do capital, para então possibilitar a emancipação e uma consciência coletiva da importância das culturas locais nas identidades e mediações do conhecimento (MARTIN-BARBERO, 1997).

Com o multiletramento cada sujeito é parte integral das transformações socioculturais que compõem o fazer pedagógico nos espaços de formação. São, retomando Rojo (2012, pag. 23) híbridos, interativos, colaborativos, transgressores, fronteiriços, multimodais, críticos e desafiadores. Um lugar mestiço, como afirma Michel Serres, “[...] situado entre dois focos” (1993, pag. 57). Na perspectiva de uma pedagogia da comunicação, Serres observa: “Eis o objetivo e o fim da filosofia da comunicação que leva a mensagem de Hermes, mestiço entre a primeira e a segunda pessoas, circulando entre suas relações: nem ela nem seu deus podem dispensar o que não é ela nem ele” (pag. 61).

Concentra-se em quatro etapas (GRUPO NOVA LONDRES, 2000): Prática Situada ou Experienciamento, Instrução Explícita ou Conceituação, Enquadramento Crítico ou Análise e Prática Transformada ou Aplicação. O primeiro passo situa a prática do sujeito, compreende que tais métodos implicam abarcar a multiplicidade linguística e que o desenvolvimento precisa ser situado e dialógico possibilitando a promoção de intervenção e mudanças sociais (AGUIRRE, 2020). É entender que o indivíduo participa ativamente da cultura e da sociedade, que a mudança passa pela percepção desta participação, envolvimento com a realidade e com a estruturação dos signos e significados.

No segundo momento, a instrução explícita vai possibilitar que o aluno conceitue as suas experiências, apropriando-se das práticas de forma científica, sendo capaz de se mover entre o mundo experimental e sistemático. É aqui que o aluno começa a adquirir consciência e controle do que está sendo aprendido, como também, das lógicas estruturantes na construção de significados pelos sistemas de opressão e dominação. É fundamental que o aluno compreenda sistematicamente como as lógicas de produção e consumo são mediadas para que possa transformar as suas práticas, vislumbrando sua autonomia e um uso crítico e consciente dos meios e tecnologias.

No enquadramento crítico, terceiro momento, o aluno já deve ser capaz de enquadrar a sua prática, percebendo que suas experiências possuem fortes relações com os processos históricos, sociais, culturais, políticos e ideológicos (SILVA, 2016) e que estas práticas estão no núcleo de determinados sistemas de conhecimento e práticas sociais. Bevilaqua (2013) destaca que o enquadramento crítico pode ser entendido em duas etapas. Primeiro uma análise funcional, em que o sujeito se baseia em procedimentos de raciocínio e deduz conclusões a partir das lógicas entre os gêneros textuais e linguagem. E segundo, por uma análise crítica em que se interroga os motivos e finalidades que compõem o signo e a representação do mundo.

A prática transformada é a última etapa, em que retornamos à primeira fase e a transformamos para que a prática situada ganhe corpo e significado para o sujeito (SILVA, 2016). Assim, alunos e professores devem de forma coletiva e criativa desenvolver novas práticas baseadas na intervenção da realidade, considerando os interesses e experiências dos sujeitos que passam a interferir na codificação e decodificação de signos. Ou seja, refletir sobre a ação e a prática para compreendê-la e transformá-la em ações significativas e pragmáticas para a cultura e a sociedade a partir do espaço de ação dos sujeitos (FREIRE, 2014).

O que o multiletramento propõe é uma nova abordagem que busca romper com a velha forma de alfabetizar, em que o professor era o codificador dos sistemas significativos e transmitia por meio da escrita e da oralidade ao aluno, que estava na posição de decodificador massificado e passivo. Neste cenário, docentes e alunos são parte integrante e ativa dos processos de ensino e aprendizagem, em que diferentes olhares e culturas trocam experiências coletivamente para alcançar um objetivo em comum: significado na aprendizagem.

Para tanto, o principal foco do multiletramento é o desenvolvimento de uma pedagogia que transforme o entorno da aprendizagem, em que todas as formas de representação linguísticas devem fazer parte do processoescrita, oralidade, audiovisual, imagens, etc.- integrando com as diferentes culturas no espaço escolar, levando em conta que este espaço não é mais o único que participa diretamente da formação do sujeito, dinamizando todo o processo e rompendo com a ideia de passividade do aluno.

Ao romper com a ideia de passividade, é possível construir a perspectiva de autonomia, em que o aluno passa assumir a produção e construção do seu conhecimento. Freire (2014) já ponderava que ensinar não é transferir conhecimento, mas possibilitar de forma coletiva a sua edificação. É fazer o discurso ser visto na prática, envolvendo os alunos e permitindo que façam parte das inquietações que as experiências socioculturais podem oferecer para reflexões e percepções do mundo vivido.

Quando o professor desenvolve o multiletramento, está considerando as práticas situadas dos alunos, em que contextualizações socioculturais e transformações críticas das experiências possibilitam os exercícios das teorias e conteúdos discursados em sala de aula. As transformações e ressignificações dadas em aula é o que Freire (2014, p. 29) chama de “[...] inacabamento do ser”. Este inacabamento torna homens e mulheres conscientes e leva a pensar nos suportes como a linguagem, a cultura e a comunicação como dispositivos que permitem agir sob o mundo para transformar as práticas socioculturais e identidades, a partir de suas experiências e significações dadas nas mediações dialógicas da cultura local e global.

Essa consciência é fundamental no processo de consciência e libertação dos sujeitos dos sistemas dominantes. Quando se assume o papel de contribuir para transformar as experiências comunicativas docentes em práticas significativas, o professor precisa perceber que o seu aluno parte de um lugar de fala, é situado em um contexto que lhe permite experimentar e negociar diferentes técnicas e linguagens que influenciam em sua formação cultural. Portanto é preciso construir consciências coletivas destes processos, munindo o indivíduo de uma capacidade perceptiva de como se faz, quem faz e para quê codificam os signos na construção de sentidos a partir dos aparelhos ideológicos da cultura dominante.

Uma das principais ideias que o multiletramento propõe é a complexidade nas relações de significado, em que a linguagem é inseparável aos modos de significação. Nesse sentido, Tan e McWillian (2009, p. 215 e 216) destacam quatro procedimentos que podem auxiliar a pensar o multiletramento e TDIC’s em sala de aula. 1. Facilita o desenvolvimento de habilidades individuais e coletivas que envolvem o mundo e a vida dos alunos; 2. Fornece oportunidades de aprendizagem em ambientes mais flexíveis, permitindo que o aluno explore mais suas subjetividades quanto a sua aprendizagem; 3. Possibilita que os alunos desenvolvam competências e habilidades relevantes para o século XXI; e 4. Permite que alunos se apropriem da aprendizagem, resultando em uma autonomia e construção de conhecimento em uma comunidade mais próxima de suas realidades.

É necessário então tirar os sujeitos das margens da sociedade e localizá-los no centro da produção e ressignificação da cultura. Integrantes da cultura digital, os indivíduos já negociam os significados em diferentes espaços. Cabe a escola trazer essas negociações para suas práticas pedagógicas considerando as lógicas de codificações e decodificações que os alunos fazem dos signos presentes no dia a dia. As TDIC já atuam como agentes educadoras, pois transmitem suas intenções ideológicas. O professor precisa então, fazê-los compreender que os sentidos que circulam nos grandes meios e mídias são produzidos com intencionalidades sutis, que buscam moldar padrões de identidades e comportamentos culturais que interessam as grandes estruturas de poder (SEGOVIA, 2008).

A escola é um dos espaços sociais onde as negociações podem ser (re)significadas e analisadas de forma crítica. O processo de libertação e autonomia é constituído a partir das percepções de como os sistemas dominantes produzem e vendem seus significados e de como nós os consumimos. O posicionamento crítico é adquirido a partir do momento em que há empoderamento sobre as práticas de significação e negociação dos sentidos veiculados pelas grandes mídias. Ter consciência de como faz, porque faz e para quem faz torna mais evidente como o sistema funciona e como podemos agir para contrariar as lógicas do capital.

É importante compreender melhor como está situado o sujeito da sociedade e da cultura digital e levar o aluno por meios das diversas formas de comunicação ao centro das práticas de ensino e aprendizagem. Diante do multiletramento, o aluno precisa dominar de forma crítica diferentes processos de leitura e produção de significados para que possamos ter um sujeito autônomo e consciente perante as expressões do sistema dominante (FONTES E MIGUEL, 2020). Ou seja, é importante explorar a multiplicidade de signos e significados produzidos pela sociedade digital.

Assim, o multiletramento oferece uma estrutura que possibilita uma reflexão crítica de como as práticas socioculturais dos alunos podem contribuir para pensar uma educação inclusiva e emancipatória. Uma educação que rompa com os velhos modelos de produção de significado, e que o aluno passa a ser tratado como parte colaborativa do processo de ensino e aprendizagem e que sua cultura é parte integrativa na ressignificação dos sentidos e códigos produzidos pelas lógicas dominantes de significação.

Também reforça a ideia de que as tecnologias não são neutras. Atuam de forma simbólica nas interações e mediações socioculturais, conflitos simbólicos e sob interesses políticos, econômicos e ideológicos (MARTÍN-BARBERO, 2000). E por isso são importantes na construção de novas metodologias em sala de aula, pois fazem parte das novas condições de entrelaçamento entre o local e o global, entre a transmissão e a aquisição do saber que oriente os sujeitos a apropriação utilitária do saber em relação as necessidades da vida (LARROSA, 1997).

CONCLUSÃO

O presente texto buscou refletir como a pedagogia do multiletramento do Grupo Nova Londres junto as tecnologias digitais da informação e comunicação podem contribuir juntos, para construir uma educação crítica e autônoma. É perceptível que diante da cultura digital, o ensino exige novas abordagens metodológicas que contemple as diferentes técnicas e linguagens utilizadas na interação e negociação de suas práticas e significados diários.

Diante disso, foi importante destacar como a cultura digital provocou fissuras nas delimitações espaço temporais da sociedade, desterritorializando práticas cognitivas, culturais, econômicas e ideológicas, globalizando os processos de significação e de identidades na cultura de massa. Exigindo diferentes competências, moldou novas formas de alfabetização e letramentos que foram incorporadas na sociedade. Assim, podemos inferir também como o multiletramento pode contribuir nas transformações necessárias no ensino, trazendo para o centro da discussão, as interações socioculturais do aluno como ponto de partida e chegada nas negociações cotidianas no processo de ensino e aprendizagem, tal como, a constituição de um sujeito autônomo, capaz de se libertar das amarras dos sistemas dominantes.

Se convivemos em uma sociedade transformada pelos meios, técnica e linguagem, é preciso então remodelar as estratégias de ensino e de interação com as TDIC. Perante um sujeito dinâmico, ativo e nativo desta cultura digital, é preciso renegociar as práticas em sala de aula, concordando que o aluno participe enquanto colaborador do processo de ensino e aprendizagem e sujeito situado em práticas socioculturais imprescindíveis para a ressignificação das práticas locais e globais de codificação e decodificação dos signos construídos pela sociedade.

Podemos inferir nas reflexões feitas ao longo do texto, como as práticas de multiletramento do Grupo Novas Londres podem encaminhar as transformações necessárias para uma educação que considere o lugar que os sujeitos ocupam na sociedade e na cultura. Em como a participação dos alunos nos contextos socioculturais, políticos, econômicos e ideológicos podem permear metodologias de inclusão em que as TDIC fortalecem a interação e aproximação entre os diferentes espaços de formação e de negociações no processo de ensino e aprendizagem.

Tais processos tornam possíveis uma educação que promova autonomia e libertação dos sujeitos, que direcione para um consumo crítico e consciente e rompe com as lógicas dos sistemas dominantes. É possível promover um espaço de interações e dialógico, onde as diferenças tomam corpo e voz na construção de distintas narrativas, de novas codificações e decodificações em que os signos planetários e locais ganham sentidos e são apropriados por sujeitos protagonistas de suas práticas socioculturais, da construção do conhecimento e de uma sociedade mais justa e inclusiva.

Para isso, é importante que se faça uso significativo das TDIC, rompendo a ideia determinista em que os meios e tecnologias inseridos no contexto escolar resolvem sozinhos os problemas da educação e incluem os sujeitos na sociedade digital. Elas são meios pelos quais produzimos e transmitimos signos e significados, possibilitando diferentes usos de suas ferramentas. É, portanto, imprescindível um uso crítico e autônomo para que possibilite aprendizagem e emancipação em uma sociedade mais inclusiva.

1Tipologia criada por Alvin Toffler e que Sergio de Souza Xavier, em sua dissertação sobre comunidades virtuais, na Unigranrio em 2012, caracteriza como um consumidor que se utiliza e constrói, de forma individual e/ou coletivas, práticas, identidades e significados, em narrativas que, mediadas por tecnologias digitais, em diferente formatos, textos e imagens (XAVIER, 2012).

2Grupo Nova Londres (1996). As práticas consistem em considerar a prática situada do sujeito, em que o aluno colabora e participa ativamente do processo de ensino e aprendizagem e podem ser encontradas nos escritos de Cope e Kalantzis (2009; 2010).

3 Entrevista multiletramentos, multilinguagens, novas aprendizagens, com Roxane Rojo Ter, 15 de Outubro de 2013 in http://www.grim.ufc.br/index.php?option=com_content&view=article&id=80:entrevistacom-roxane-rojo-multiletramentos-multilinguagens-e-aprendizagens&catid=8:publicacoes&Itemid=19, capturado em junho de 2023.

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Recebido: Abril de 2023; Aceito: Junho de 2023

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