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Revista Teias

versión impresa ISSN 1518-5370versión On-line ISSN 1982-0305

Revista Teias vol.24 no.74 Rio de Janeiro jul./sept 2023  Epub 06-Dic-2023

https://doi.org/10.12957/teias.2023.70614 

Artigos de Demanda Contínua

CONSTITUIÇÃO PSÍQUICA INFANTIL E O BRINCAR MEDIADO: estudo a partir da teoria histórico-cultural

CHILD PSYCHIC CONSTITUTION AND MEDIATED PLAY: a study based on the historical-cultural theory

CONSTITUCIÓN PSÍQUICA INFANTIL Y JUEGO MEDIADO: un estudio a partir de la teoría histórico-cultural

Fábia Daniela Schneider Lumertz1 
http://orcid.org/0000-0002-2509-2429; lattes: 5612507391934173

Lisiane Machado de Oliveira-Menegotto2 
http://orcid.org/0000-0001-5670-9332; lattes: 8372541786278165

1Universidade Feevale

2Universidade Feevale


Resumo

O artigo tem como tema central o brincar e o papel da mediação nesse processo, tendo como objetivo principal refletir sobre a mediação do brincar no processo de constituição psíquica infantil desde o início da vida, quando o brincar é marcado fortemente pela intervenção de um outro humano que nomeia os objetos e aponta as suas funções para a criança, até o brincar simbólico, fruto da ação da imaginação sobre os objetos e sobre as situações sociais da vida. Trata-se de um estudo teórico, de revisão narrativa da literatura, feito com pesquisa bibliográfica qualitativa fundamentada na base conceitual da teoria histórico-cultural do desenvolvimento psíquico humano. O estudo destaca o brincar mediado como fundamental para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores e para a humanização infantil. Assim, este trabalho pode contribuir para o entendimento da aprendizagem mediada desde o início da vida e da imprescindibilidade do brincar no desenvolvimento psíquico infantil.

Palavras-chave: teoria histórico-cultural; brincar; mediação; desenvolvimento psíquico.

Abstract

The article has as its central theme play and the role of mediation in this process, having as main objective to reflect on the mediation of playing in the process of child psychic constitution since the beginning of life, when playing is strongly marked by the intervention of another human being. that names the objects and points out their functions for the child, even the symbolic play, the result of the action of the imagination on the objects and on the social situations of life. This is a theoretical study, of narrative review of the literature, carried out with qualitative bibliographic research based on the conceptual basis of the historicalcultural theory of human psychic development. The study highlights mediated play as fundamental for the development of higher psychological functions and for the humanization of children. Thus, this work can contribute to the understanding of mediated learning from the beginning of life and the indispensability of playing in children's psychic development.

Keywords: historical-cultural theory; to play; mediation; psychic development.

Resumen

El artículo tiene como tema central el juego y el papel de la mediación en este proceso, teniendo como principal objetivo reflexionar sobre la mediación del juego en el proceso de constitución psíquica infantil desde el inicio de la vida, cuando el juego está fuertemente marcado por la intervención de otro ser humano que nombra los objetos y señala sus funciones para el niño, incluso el juego simbólico, resultado de la acción de la imaginación sobre los objetos y sobre las situaciones sociales de la vida. Se trata de un estudio teórico, de revisión narrativa de la literatura, realizado con investigación bibliográfica cualitativa sustentada en la base conceptual de la teoría histórico-cultural del desarrollo psíquico humano. El estudio destaca el juego mediado como fundamental para el desarrollo de las funciones psicológicas superiores y para la humanización de los niños. Así, este trabajo puede contribuir a la comprensión del aprendizaje mediado desde el inicio de la vida y la indispensabilidad del juego en el desarrollo psíquico de los niños.

Palabras clave teoría histórico-cultural; jugar; mediación; desarrollo psíquico.

INTRODUÇÃO

O papel do brincar no desenvolvimento infantil é amplamente discutido por diferentes campos do saber, tais como a educação, a psicanálise, a filosofia e a sociologia (LEONTIEV, 1978; VIGOTSKI, 1994; LEVIN, 2007; BENJAMIN, 2009; JERUSALINSKY, 2014). Há uma unanimidade, neste campo de estudos, no sentido de afirmar a importância do brincar, sua função na constituição psíquica e seu consequente papel no desenvolvimento humano.

Nesse contexto, mais especificamente, a teoria histórico-cultural (THC) propõe que o brincar é sempre a primeira opção de atividade de qualquer criança (LEONTIEV, 1978) e que é através das ações, do fazer, do pensar e do brincar que ela vai construindo o seu conhecimento e desenvolvendo suas estruturas psíquicas, adquirindo, assim, condições para se situar e se relacionar no e com o mundo à sua volta. O gosto pela brincadeira, nessa perspectiva, leva a criança a patamares de entendimento e construção de saberes que seriam inalcançáveis sem tal atividade.

Vigotski (2001) aponta a brincadeira infantil como uma situação imaginária sobre a qual a criança elabora as suas aprendizagens, através da relação entre o pensamento e a realidade, pois, ao agir sobre os objetos, ela estrutura seu tempo e seu espaço, desenvolve noções de causalidade, constrói representações e chega à lógica. Ainda, para o autor, o brincar eleva a criança ao estatuto de humano, pois proporciona experiências que a auxiliam a se apropriar dos bens culturais produzidos pela humanidade, ajudando-a a se desenvolver integralmente, nas dimensões cognitiva, afetiva e motora. Assim, é possível entender o brincar como a forma inicial que o ser humano usa para aprender, sendo primordial para o desenvolvimento infantil e para todas as aprendizagens posteriores à infância.

Porém, para que o processo de desenvolvimento psíquico se dê, o brincar precisa ser mediado. Na teoria histórico-cultural, nada se dá sem a mediação e um mediador. Dessa forma, o brincar só existe porque um outro ser humano media tal atividade com e para a criança. Portanto, mediação é um conceito chave na teoria vigotskiana do desenvolvimento psíquico humano (WERTSCH, 1988), sendo colocada por Molon (2000) como um pressuposto fundante da teoria, pois permeia e articula o desenvolvimento de forma insubstituível.

Assim, este estudo apresenta como tema central o brincar e o papel da mediação nesse processo, tendo como objetivo principal refletir sobre a mediação do brincar no processo de constituição psíquica infantil. Trata-se de um estudo teórico, de revisão narrativa da literatura cuja fundamentação se deu a partir da base conceitual histórico-cultural, que tem como fundador e principal representante Lev S. Vigotski. Sendo assim, a escrita deste artigo foi baseada numa pesquisa bibliográfica qualitativa na qual foram selecionados textos clássicos da teoria histórico-cultural de desenvolvimento psíquico humano, especialmente dos autores Vigotki (1994; 2000; 2001; 2003; 2009), Leontiev (1978; 1987; 2014) e Elkonin (1960; 1987). Estes autores se debruçaram incansavelmente sobre o desenvolvimento infantil, assim como sobre o brincar na infância, vindo ao encontro do fenômeno que buscamos compreender.

Deste modo, iniciamos a apresentação e discussão dos resultados desta pesquisa, discorrendo acerca dos principais conceitos da THC e sua relação com o brincar, para, então, articular o papel do brincar mediado no processo de constituição psíquica infantil. Além das obras clássicas da THC, também compuseram este estudo livros e artigos de estudiosos da teoria. Os conceitos selecionados, por serem basilares para esta apresentação, foram: a mediação, o brincar mediado ao longo do desenvolvimento e as atividades e crises no desenvolvimento, para na sequência tratarmos do brincar mediado no processo de constituição psíquica infantil. O conceito de mediação inaugura a apresentação, em função da sua importância na THC, como já relatado anteriormente. Os outros conceitos analisados foram selecionados em função de serem fundamentais para a discussão que se pretende neste artigo.

MEDIAÇÃO

O conceito de mediação é o mais importante da teoria histórico-cultural (WERTSCH, 1988), sendo considerado o seu pressuposto fundante (MOLON, 2000). A mediação acontece por meio dos signos da cultura e do uso desses signos, uma vez que adultos e crianças mais desenvolvidas fazem a mediação entre a criança e os elementos da cultura que a cercam. Quanto mais elaboradas forem as ofertas à criança - em termos de cultura do seu meio - mais sofisticadas serão as relações mentais feitas por ela a respeito do que lhe é proposto (VIGOTSKI, 2010). Assim, a mediação deve atuar nesse ínterim, proporcionando, por meio dos signos, a cultura.

Então, a apropriação da cultura pela criança depende da intervenção de um outro mais experiente, o mediador. Essa mediação, que atua na zona de desenvolvimento próximo - zona na qual está situado o desenvolvimento iminente da criança -, oferece, posteriormente, condições de fazer sozinha o que a criança faz inicialmente com auxílio, mobilizando, assim, o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, como memória mediada, planejamento de ações e comportamento intencional, funções estritamente humanas e que nos diferenciam das outras espécies que habitam o planeta. Conforme Vigotski (2000) afirma, as funções psicológicas superiores aparecem primeiro externamente, na forma social da relação com os outros (interpsíquica) e, a posteriori, na forma intrapsíquica, a qual ocorre quando a criança internaliza as aprendizagens e se desenvolve psiquicamente pela reconstrução mental da atividade externa (FACCI, 2004).

Dessa forma, a mediação, na teoria histórico-cultural, é o processo de articulação da criança com a cultura por meio dos signos, sejam linguísticos, visuais ou outros, através de um processo que intenciona o desenvolvimento psíquico infantil, feito por outro ser humano que já tem internalizado o que está ensinando (MARTINS; MOSER, 2012). Assim, a criança nasce com possibilidades biológicas para a humanização, porém isso ocorre somente pela mediação da cultura, através da convivência com adultos e outras crianças, imitando-os em um primeiro momento, para, depois, agir com autonomia sobre a atividade desejada. Quando a criança passa a usar intencionalmente as aprendizagens é porque as internalizou e essas agora fazem parte do seu repertório intrapsíquico (LEONTIEV, 1978).

O BRINCAR MEDIADO AO LONGO DO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO

Cada estágio do desenvolvimento infantil é caracterizado por uma atividade principal, que representa a principal forma de relacionamento da criança com o mundo durante o período. Isso acontece porque, segundo Elkonin (1960) e Leontiev (1978), o ser humano desenvolve-se a partir das suas atividades, na relação direta da elaboração delas em relação às condições concretas de vida nas quais está inserido. Esse processo, que se efetua por meio da mediação, colabora no desenvolvimento da psique da criança. (LEONTIEV, 1987).

Os estágios do desenvolvimento humano na teoria histórico-cultural, de acordo com Elkonin (1987), são: comunicação emocional do bebê, atividade objetal manipulatória, jogos de papéis, atividade de estudo, comunicação íntima pessoal e atividade profissional/estudo. Cabe ressaltar que cada fase é alicerçada pela anterior, sendo que uma não se extingue quando do aparecimento da subsequente, mas dá subsídios psíquicos para que a nova fase se estruture.

1ª FASE: COMUNICAÇÃO EMOCIONAL DO BEBÊ

O desenvolvimento do bebê inicia-se na comunicação emocional com o adulto que cuida da sua sobrevivência. Nessa fase, que compreende aproximadamente o primeiro ano de vida, a atividade principal é a comunicação emocional da criança com os adultos, quando o bebê usa do choro e do sorriso, por exemplo, para manifestar as suas necessidades e tentativas de comunicação, sendo essa a base para que ele se encaminhe à fase sensório-motora (ELKONIN, 1987).

Durante o primeiro ano de vida da criança, os comportamentos infantis começam a se modificar em função das condições sociais e das aprendizagens mediadas pelas pessoas a sua volta (VIGOTSKI, 1997). Para Vigotski, essas mudanças de comportamento acontecem em função de situações sociais de desenvolvimento peculiares aos bebês como: a total incapacidade de gerir suas próprias necessidades e a carência de meios eficazes de comunicação com os adultos que fazem a gestão das suas necessidades. Sendo assim, a contradição entre necessidade e carência, na comunicação, coloca o bebê em uma situação de máxima sociabilidade, justamente em função de suas mínimas possibilidades comunicacionais. Nessa fase, a mediação dos adultos cuidadores, e, especialmente do cuidador primário, normalmente a mãe, é fundamental, pois o mundo é apresentado à criança por essa ou essas pessoas, e a forma de mediação interfere incisivamente nos processos de subjetivação da criança, impactando na forma de ela entender e se colocar no mundo.

2ª FASE: PERÍODO OBJETAL MANIPULATÓRIO OU OBJETALINSTRUMENTAL

Este período é desencadeado pela descoberta da função social dos objetos, proporcionada pelos cuidados e mediações dos adultos para com a criança, que apresenta crescente interesse pelos objetos e significados das ações dos adultos. Nessa fase, como em todas, é fundamental a mediação do adulto, mostrando a função social dos objetos e dando sentido ao mundo para ela - introduzindo-a na cultura. Já não é suficiente a manipulação por si só, é necessário um sentido. Assim, esse ponto do desenvolvimento é caracterizado pela assimilação dos procedimentos construídos socialmente para a ação com os objetos a partir do ensinamento dos adultos, conforme Elkonin (1987).

Este autor ainda afirma que a comunicação emocional é, nessa fase, substituída pela colaboração prática. A interação começa a ser feita por meio da linguagem, alavancando e organizando a aprendizagem do bebê e o seu desenvolvimento psíquico, até ocorrer um salto na comunicação com o adulto.

3ª FASE: DOS JOGOS DE PAPÉIS OU BRINCADEIRAS DE FAZ DE CONTA

No final da primeira infância, em torno dos três anos de idade, a criança apresenta mais um salto no desenvolvimento. Nesse período, passa a entender a função social de vários objetos e começa a ressignificá-los por meio das brincadeiras de faz de conta ou jogos de papéis. Entre os três e os seis anos de idade, especialmente, ela brinca constantemente e, desse modo, o brincar apresenta-se como uma forma privilegiada de aprendizagem infantil, permitindo a apropriação da cultura através de representações dos usos de objetos com finalidades próprias da brincadeira, podendo reproduzir atividades específicas dos adultos, como dirigir um carro, por exemplo. Assim, as brincadeiras infantis não são instintivas, elas partem da percepção da criança sobre os objetos que compõem o mundo a sua volta (ELKONIN, 1987), percepção essa que foi forjada pela mediação que as pessoas da sua convivência proporcionaram, pois todos os sentidos e usos dos objetos são aprendidos e apreendidos através da cultura do meio.

Por conseguinte, é na atividade lúdica que a criança elabora relações sociais e de trabalho, reproduzindo o fazer do adulto e resolvendo o dilema entre a limitação que a sua condição infantil lhe confere e a vontade de conhecer o mundo como os adultos (LEONTIEV, 2014). Durante as brincadeiras de faz de conta, ou jogos de papeis, ela modela as suas relações com o mundo social e desenvolve-se psiquicamente, pois opera em um nível mental muito além da sua condição, o que alavanca o seu desenvolvimento (ELKONIN, 1987). Para Mello (2007), quando a criança representa papéis diversos nas brincadeiras, ela trabalha com regras sociais próprias daquele papel, o que dispara um processo de pensamento por comparação entre a sua condição e a condição do papel representado, assimilando formas diversas de condutas e organização, desenvolvendo-se psicologicamente.

O jogo de papeis permite à criança operar com o que não está presente, com o que ela não tem condições de fazer em termos de ação (ELKONIN, 1987). Brincando, por exemplo, ela pode pilotar um avião, permitindo, com isso, a resolução mental da contradição entre a vontade de fazer e a impossibilidade para tal. Sendo assim, o principal papel do jogo está associado à modelagem das relações entre as pessoas, uma vez que ele é perpassado pelas atividades e pelas relações humanas.

Além disso, ao operar com o que não está presente, colocando papeis diversos nos objetos e se colocando em papeis diversos da sua condição de criança, ela desenvolve e aprimora a função simbólica mental, um dos pré-requisitos para a alfabetização e para todas as atividades posteriores à infância, sejam elas escolares formais ou não. O jogo de papeis proporciona, portanto, desenvolvimento psíquico na criança e atua sobre a formação da sua personalidade, preparando-a para uma nova fase de desenvolvimento mental (ELKONIN, 1987).

4ª FASE: PERÍODO DA ATIVIDADE DE ESTUDO

A partir dos seis anos de idade, que coincide com a entrada da criança no ensino fundamental (BRASIL, 2010), a sua atividade principal passa a ser o estudo. Nessa fase, ela modifica o seu lugar em relação ao adulto, pois começa a ter deveres para cumprir e tarefas a executar, o que, de forma inédita no seu desenvolvimento, lhe confere a impressão de estar fazendo atividades tão importantes quanto às dos adultos (LEONTIEV, 1987). A atividade de estudo insere a criança em um novo patamar na relação com o mundo adulto, modificando até o sistema de comunicação pessoal com a família, pois, nessa fase, os parentes perguntam a ela sobre a escola, e o dever de casa passa a ser uma função muito importante, que não pode ser atrapalhada de forma alguma (ELKONIN, 1987).

O ensino escolar tem por objetivo, nessa etapa do desenvolvimento infantil, introduzir o aluno na atividade de estudo, de forma a ofertar para ele a assimilação dos conhecimentos científicos acumulados historicamente pelo ser humano. Para Davidov (1988), a partir das atividades de estudo, desenvolvem-se a consciência e o pensamento teórico, além das capacidades de reflexão, análise e planificação mental, entre outras. Nessa fase de atividade principal de estudos, o papel da mediação fica muito mais palpável, uma vez que toda a aprendizagem escolar é feita pela mediação dos docentes e dos colegas, em um sistema que sequer existiria sem tal processo.

5ª E 6ª FASES: ADOLESCÊNCIA E ADULTEZ

A próxima fase de desenvolvimento apresentada pela teoria histórico-cultural corresponde à adolescência, momento em que a atividade principal é o estabelecimento de relações íntimas. Posteriormente, temos a fase em que a atividade principal é o trabalho, que redefine o lugar do indivíduo na sociedade. Assim, para a teoria histórico-cultural, essa é a fase final do desenvolvimento humano (ELKONIN, 1987).

ATIVIDADES E CRISES NO PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO PSÍQUICA

O foco deste estudo é a infância e, de acordo com Elkonin (1987), as atividades dominantes na vida da criança provêm da cultura social na qual ela está inserida e da mediação realizada entre ela e a cultura do meio. Assim, as atividades às quais está submetida podem ser divididas em dois grupos: um de atividades desenvolvidas em um sistema criança-adulto social, no qual predominam as relações entre as pessoas; e outro grupo no qual as atividades são da ordem criança-objeto social, em que ela aprende a se apropriar e agir com os objetos, a partir da constituição da sua subjetividade, a vivenciar as ofertas do meio e as interiorizar.

Nesse sentido, a subjetivação dá-se pela reconstrução mental daquilo que é material e relacional e que é apresentado, com significado cultural, por mediação à criança. Porém, é importante ressaltar que essa reconstrução mental parte da percepção da criança, da forma como ela percebe os significados e os interioriza (VIGOTSKI, 2001). Dessa forma, a matéria e seu representante simbólico são constitutivos do psiquismo humano, mas a subjetivação provém também da percepção individual sobre o objeto e seu valor simbólico - construído culturalmente e transmitido à criança por mediação de outro ser humano (PINO, 2005), o que nos remete ao fato de que o psiquismo humano não se desenvolve sem um mediador entre o mundo externo (interpsíquico) e o mundo interno (intrapsíquico).

Assim, materialismo e significação são fundamentais para a constituição do psiquismo humano, nos remetendo à importância do outro humano na constituição psíquica infantil, uma vez que a mediação entre a cultura e a criança em desenvolvimento é feita por esse outro dotado de capacidade de dar significados ao mundo. Dessa forma, essa conversão da natureza em cultura - e repassada às crianças por mediação social - explicita o complexo processo de humanização que se dá a partir da constituição da psique infantil (VIGOTSKI, 2001).

A humanização é um conceito importante no campo psicanalítico, sendo, desse modo, o processo de marcação do lugar da criança na linguagem como autora de si mesma (MARIOTTO, 2003), que passa a ocupar um lugar na história ao mesmo tempo em que está sujeita a ela. Nessa empreitada humanizadora, o brincar ocupa espaço privilegiado de constituinte, mas também de educativo. Conforme Mariotto (2003) aponta, tomando por base os estudos de Freud, é o processo de humanização que permite o ingresso da criança na cultura, e lhe dá lugar diante da Lei, dos códigos e dos discursos que a organizam. Assim, existe uma conformidade conceitual entre o que a teoria vigotskiana e a psicanálise propõem em relação ao processo de humanização. Vindo ao encontro de Vigotski (2001), Mariotto (2003) afirma que humanizar é marcar o sujeito com a linguagem, abrindo espaço para a desbiologização do corpo e para as possibilidades de constituição por mediação do Outro.

Destarte, no processo de humanização, as atividades realizadas pelas crianças são interligadas de forma inexorável à própria constituição psíquica delas. As atividades dominantes em determinado período, portanto, não deixam de existir em um outro, mas vão cedendo espaço à nova atividade predominante na fase de então. Diante disso, Elkonin (1987) tece uma hipótese sobre o caráter periódico dos processos de desenvolvimento psíquico: que eles são compostos de motivações, necessidades e possibilidades de operacionalizá-los tecnicamente.

Nesse sentido, de acordo com Elkonin (1987), cada fase é constituída de dois períodos ligados regularmente entre si - um representa a etapa propriamente dita e o outro prepara a passagem à próxima, através da operacionalização dos objetivos da anterior. Para Leontiev (2014), a passagem de uma etapa do desenvolvimento para outra se dá pela inquietação da criança sobre o lugar que ocupa, partindo da percepção dela sobre o mundo e o seu papel nele. Quando percebe que as suas potencialidades atuais não correspondem ao lugar que ocupa nas relações humanas, no contexto no qual está inserida, se esforça para modificá-lo, ou seja, surge um dilema entre o potencial que percebe em si e o tratamento e mediações que recebe no seu círculo próximo de relações sociais. Nesse ponto, a criança torna-se consciente das relações sociais estabelecidas e, a partir dessa consciência, muda a motivação da sua atividade, fazendo emergir novos motivos que a fazem reinterpretar as suas ações anteriores (ELKONIN, 1987). Assim, ela vai modificando a atividade principal e substituindo-a por outra, na medida em que se dá o processo de desenvolvimento psíquico.

Da mesma forma, as funções psíquicas vão se modificando em cada nova fase do processo de desenvolvimento e, ao mesmo tempo, vão proporcionando alterações nas ações da criança, que a conduzem a novos saltos no desenvolvimento, de modo que atividade e desenvolvimento psíquico caminham juntos e são interdependentes. As funções psicológicas superiores, como memória, percepção, atenção voluntária, controle de conduta e outras evoluem de forma interdependente e concomitante, mas possuem processos de evolução diferentes, conforme o uso que a criança precisa fazer de cada função, a condição mental apresentada por ela no momento e a mediação efetuada; daí, depreendemos que o processo de humanização é único para cada sujeito, mas depende diretamente da mediação feita entre a cultura e a criança.

Para Elkonin (1987), o fato de cada fase do processo de desenvolvimento infantil ter uma atividade principal não significa que, simultaneamente, não exista desenvolvimento em outras direções. Segundo o autor, o surgimento e a conversão de uma atividade, a princípio, não eliminam as existentes anteriormente, apenas reorganizam o sistema de relações da criança com o seu mundo, enriquecendo-o. Outro fato importante a destacar é que as passagens de fases provocam crises que surgem no limite entre duas fases ou próximas da idade de mudança. Essas crises anunciam o fim de um período de desenvolvimento e o início de outro. Elas foram identificadas por Vigotski (2000) entre as fases de desenvolvimento, podendo durar de vários meses até dois anos, no máximo.

Durante esses períodos, acontecem mudanças bruscas na personalidade da criança. Não há limitação de tempo pré-determinado para o início e fim da crise, pois aparecem e desaparecem imperceptivelmente. Por conseguinte, são permeadas por negativismo, pois pode haver uma comparação em relação ao que a criança fazia antes de forma harmoniosa e a nova postura - desobediente, manhosa e contestadora - o que as coloca em rota de colisão com os adultos. Para Vigotski (2000), esses períodos críticos tratam da extinção de comportamentos outrora apresentados, para darem lugar a novos comportamentos, ou seja, “[... ]a criança perde o que já tinha conseguido antes de adquirir algo novo” (VIGOTSKI, 2000, p. 257). Nesse período, ela perde o interesse pelo que lhe prendia a atenção, pelas relações externas e pela sua vida interior. Vigotski (2000) ainda menciona que os períodos de crise se intercalam com os estáveis e que as mudanças de níveis não são processos naturais, mas sim produtos de um processo dialético revolucionário no desenvolvimento humano.

Leontiev (2014) indica que as crises na passagem das fases não são inevitáveis e nem são uma regra, mas as rupturas e as mudanças qualitativas no desenvolvimento o são, ou seja, a atividade principal de cada fase se reorganiza, pois as necessidades internas e externas fazem com que a criança mude de interesse e, assim, mude de atividade também, em um processo dialético entre o que já adquiriu, em termos de capacidade, e o que pode e quer adquirir.

O BRINCAR MEDIADO NO PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO PSÍQUICA: CONTEXTUALIZAÇÃO E PROCESSO

A brincadeira proporciona à criança o acesso ao mundo adulto, quando ela ainda não tem condições de fazê-lo (LEONTIEV, 1978). Dessa forma, por meio da brincadeira, ela consegue reproduzir e compreender o mundo real, adiantando-se em aprendizagem ao desenvolvimento. Assim, ela avança e adianta mentalmente o próprio desenvolvimento, realizando simbolicamente atividades que não consegue realizar em função da sua condição de criança.

Na teoria histórico-cultural, a brincadeira não é vista como um evento de evolução biológica, mas como um evento gerado socialmente, tendo surgido a partir de necessidades sociais que se apresentaram ao longo da história (ELKONIN, 1987), necessitando, portanto, de mediação. O autor menciona que, nas sociedades primitivas, não existiam limites definidos entre o mundo adulto e o infantil e que a criança muito precocemente ingressava no mundo adulto em função da forma de organização do trabalho. Assim, em razão dessa especificidade, a criança criava um laço com a sociedade em função justamente de trabalhar com os adultos na medida das suas forças, não tendo necessidade da reprodução das relações sociais e de trabalho por meio da brincadeira, uma vez que já estava inserida nesse contexto.

Com as mudanças nas formas de organização do trabalho ao longo da história, as crianças passaram a fazer uso de instrumentos próprios dos adultos, mas na forma lúdica, ou seja, os instrumentos próprios do mundo adulto são feitos em tamanhos menores e com materiais adaptados para elas. Além disso, as próprias crianças passaram a fantasiar outros materiais e fazer de conta que eram outras coisas, como o cabo da vassoura ser um cavalo ou a tampa de uma panela ser a direção de um carro, por exemplo, fazendo uso da imaginação e promovendo a função simbólica psíquica, tão valorosa para o processo de humanização. As pesquisas de Elkonin (1987) revelam que essas transformações históricas e sociais aumentaram o período da infância e introduziram uma nova fase no desenvolvimento infantil, o período dos jogos de papéis ou brincadeiras de faz de conta, que corresponde à fase pré-escolar.

É importante considerar que a compreensão da dimensão histórica da origem da brincadeira nos leva a perceber que o seu surgimento está relacionado às condições sociais da vida da humanidade e não à ação de fatores biológicos pré-determinados geneticamente (ELKONIN, 1987), o que nos conduz a entender que as atividades lúdicas infantis não são inatas, mas fruto da evolução social da nossa espécie e da mediação dos fatores culturais e socio-históricos da humanidade feitas por mediadores. Assim, sem a mediação não teríamos a infância como a conhecemos atualmente nem a constituição da função simbólica como a temos, o que afetaria os processos de desenvolvimento psíquico de forma inimaginável.

O brincar da criança inicia-se pela execução de ações repetidas com os objetos e, posteriormente a essa fase, passa a imitar a ação dos adultos com os objetos, realizando sequências de ações, mas sem um princípio lógico. Ao final dos três anos de idade, aproximadamente, entra, então, na fase da atividade principal dos jogos de papéis, quando começa a reproduzir ações da vida real através do faz de conta, inaugurando a função simbólica (ELKONIN, 1987). Assim, podemos perceber que é das ações do adulto e da sua mediação que a criança extrai seus primeiros modos de agir e brincar. É ele que dá o modelo de ação à criança, através da sua forma de usar os objetos e de conviver, mediando, de forma implícita, os significados sociais dos objetos e das suas ações.

Ainda conforme Elkonin (1987), os jogos de papeis partem, então, da ação concreta da criança com os objetos, passando pela atividade lúdica e chegando ao faz de conta. Desse modo, todos esses processos de mediação do brincar favorecem a interiorização do mundo e da cultura pela criança, promovendo o processo de constituição psíquica e consequente humanização (VIGOTSKI, 2001). Cabe lembrar que a reelaboração mental da realidade é particular e irreproduzível, mas só ocorre porque existe um laço social que proporciona a identificação e significação do mundo para a criança, dando-lhe a matéria-prima para o seu desenvolvimento.

A consolidação das brincadeiras de faz de conta dá-se no período posterior ao da atividade objetal manipulatória, quando se consolidam as coordenações sensório-motoras, e antecede o período da atividade principal de estudos. A fase das brincadeiras de jogos de papeis tem, portanto, papel fundante para a fase dos estudos, servindo de base para o desenvolvimento da atividade principal do novo período, que, por sua vez, é parte fundante da emancipação e cidadania dos sujeitos.

A brincadeira de jogos de papeis oferece à criança a possibilidade de mudar de posição, realizando os seus desejos através da atividade mental de faz de conta, pelas situações imaginárias que ela constrói na relação entre o seu desejo e a sua posição limitada pela idade cronológica, ressignificando objetos através do seu imaginário e criando situações fictícias nas quais ela pode exercer uma profissão ou o papel de mãe ou de pai, conforme o momento e a brincadeira proposta. Para Leontiev (2014), essa relação dá-se no sentido de estabelecer uma nova relação entre a criança e as suas vontades/necessidades, não sendo um reflexo fidedigno da vontade dela e nem refletindo sua total consciência a respeito dos próprios desejos. Ela prefere se submeter às regras da brincadeira do que aos próprios impulsos e, assim, desenvolve funções psíquicas superiores como controle de comportamentos, substituição de significados, dissociação do pensamento em relação à função real dos objetos e enquadramento das suas atitudes às regras estabelecidas para a brincadeira, por exemplo. Nesse sentido, a função psicológica superior, ou seja, a imaginação, desenvolvida nas brincadeiras infantis, é uma função estritamente humana e necessária para todas as atividades mentais humanas (VIGOTSKI, 2009) e, consequentemente, para a humanização.

Para Vigotski (2003), as aprendizagens mediadas são tão importantes que podem modificar o desenvolvimento, uma vez que interferem diretamente nos processos psíquicos do indivíduo. A aprendizagem fornece conhecimentos e habilidades que contribuem com o desenvolvimento das faculdades mentais infantis, proporcionando novas formas de relação com o meio e com as pessoas. Assim, a educação é extremamente relevante para a humanização dos sujeitos.

A teoria histórico-cultural redefine, portanto, a condição de ser humano e, nessa linha, Vigotski e seus colaboradores apontam que os seres humanos não nascem humanos, mas que aprendem a ser. Essa humanização é o que realmente nos separa dos outros animais, e somente pode ser proporcionada pela mediação de outros seres humanos através da transmissão da cultura e de oportunidades de vivência dela. Ao se relacionarem com outros seres humanos e com a cultura material e não material, produzidas socialmente e acumuladas historicamente, a criança vai se desenvolver e se humanizar. Assim, ela se humaniza na medida em que, por intervenção de outros seres humanos, tem acesso ao conhecimento elaborado e acumulado historicamente - que constitui a cultura de um grupo de seres humanos. Dessa forma, a criança se move em direção ao mundo e a si mesma. Nas palavras de Vigotski (2009, p. 334):

Aprendizagem e o desenvolvimento não coincidem imediatamente, mas são dois processos que estão em complexas interrelações. A aprendizagem só é boa quando está à frente do desenvolvimento. Neste caso, ela motiva e desencadeia para vida uma série de funções que se encontravam em fase de amadurecimento e na zona de desenvolvimento imediato. É nisto que consiste o papel principal da aprendizagem no desenvolvimento. É isto que distingue a educação da criança e o adestramento dos animais.

Desde o nascimento, por meio da educação e da comunicação, no laço social, a criança aprende a tecer relações e agir dentro do seu círculo social e cultural, passa a fazer uso da materialização da cultura, com seus objetos, costumes, crenças, relações, valores, arte, tecnologia, linguagem e lógica (VIGOTSKI, 2010), subjetivando a realidade e humanizando-se. Nela, a humanização ocorre concomitantemente ao processo de desenvolvimento biológico, pois nesse período da vida ela está, também, em pleno desenvolvimento orgânico. Sendo assim, na infância, os desenvolvimentos biológico e humano coexistem. Nessa etapa da vida, a relação entre desenvolvimento biológico e humano está tão amarrada que algumas estruturas do sistema nervoso somente se desenvolvem em função das atividades e aprendizagens realizadas pela criança (DUARTE, 2013; VIGOTSKI, 2000).

Segundo Vigotski (2000), a gênese das formas comportamentais básicas do ser humano é biológica, constituindo a base para a construção das funções psicológicas superiores e da humanização. Diante disso, temos um sistema de complementaridade entre a natureza biológica e a humanização dos seres humanos, pois é pelo processo de aprendizagem que a criança internalizará as qualidades especificamente humanas advindas dos produtos culturais materiais e imateriais e, assim, desenvolverá as funções psíquicas superiores. No período da infância, a forma de subjetivar a realidade e se desenvolver psiquicamente é através do brincar, inicialmente com a manipulação dos objetos, seguindo para uma manipulação deles com função social e evoluindo para a fase do brincar de faz de conta, que instaura a função psíquica simbólica e se move com o sujeito por toda a sua vida. Ainda vale lembrar que todo o processo de humanização só ocorre em função das mediações realizadas entre o mundo e a criança, feitas pelos outros seres humanos presentes no laço social infantil.

Daí depreende-se uma reflexão sobre os contextos sociais e as relações nas quais a criança está inserida. A forma de interiorização é individual e única, e o desenvolvimento psíquico é próprio de cada sujeito, mas só é possível interiorizar o que é ofertado materialmente e na forma das relações humanas, por mediação. Assim, o papel da mediação e do brincar na infância são fundamentais para que esta constituição seja efetuada de forma a contemplar o potencial da criança e alavanca-lo, uma vez que as aprendizagens e os estímulos mediados têm plena possibilidade de modificar aspectos biológicos do desenvolvimento infantil.

Refletimos também sobre o papel da família e da escola neste aspecto, pois ambas entendem o seu papel e fazem a mediação, pelo brincar, entre a cultura e a criança. Ainda, refletimos, especialmente, sobre o papel da escola, que necessita entender os contextos sociais nos quais os seus alunos estão inseridos para, então, planejar as mediações que vão proporcionar um melhor desenvolvimento nas e com as crianças. Na escola, pelo brincar mediado com seus pares, a cultura pode ser materializada e internalizada pelas crianças, e proporcionar o desenvolvimento das funções psíquicas superiores, próprias dos seres humanos; estas não se desenvolvem de forma natural, biologicamente, mas usando suas zonas de desenvolvimento próximo e afetos (LEONTIEV, 2014), para então desenvolver um brincar constitutivo e que agregue na criança a alegria do movimento infantil com a interiorização da cultura humana.

Conhecer as fases do desenvolvimento da criança e pensar de forma personalizada e inclusiva sobre cada educando poderia ser um ponto favorável para a elaboração de propostas educacionais que visem, conscientemente, o desenvolvimento infantil através do brincar, a atividade base da infância.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento psíquico infantil é prioridade quando se pensa em humanização. Olhar atentamente e amorosamente para as crianças é pré-requisito para que se pense em uma sociedade menos desigual, com mais empatia e condições básicas de vida para todos e todas. Partindo do sentido vigotskiano de humanização, sabemos que isso depende de vários fatores, e parte do meio sócio-histórico-cultural como promotor do desenvolvimento psíquico e não o contrário, privilegiando, assim, as relações humanas, as condições sociais, a convivência entre os pares, e, especialmente, a aprendizagem por mediação, muito antes das questões de maturação orgânica. Nessa linha de pensamento, nascemos seres biológicos e nos tornamos seres humanos a partir da interiorização da cultura do nosso meio, que só pode ser feita pela mediação de outro ser humano apto e disposto a fazê-lo. Então, humanizar e ser humanizado são atos de afeto e mediação que levam e trazem transformações.

Nesse sentido de desenvolvimento psíquico infantil, a partir da articulação do brincar pela mediação, refletimos sobre o quão fundamental é a articulação da cultura e a apresentação do mundo por meio da mediação para a criança. É nessa mediação que as fases do desenvolvimento infantil vão se constituindo e construindo, abrindo espaços de desenvolvimento das funções psíquicas superiores e humanização. É por mediação e a partir das aprendizagens e relações formadas que muito do que somos se constrói. Assim, a mediação pelo brincar na zona de desenvolvimento próximo de cada criança é especialmente importante.

Deste modo, este artigo teve como objetivo principal apresentar a articulação do desenvolvimento psíquico infantil mediado pelo brincar à luz da teoria histórico-cultural. Assim, pensamos que este estudo tem potencial para promover reflexões acerca do desenvolvimento infantil, sobre o papel do brincar e da mediação no processo de desenvolvimento psíquico infantil e humanização das crianças.

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Recebido: Outubro de 2022; Aceito: Junho de 2023

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