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Revista Teias

versão impressa ISSN 1518-5370versão On-line ISSN 1982-0305

Revista Teias vol.24 no.75 Rio de Janeiro out./dez 2023  Epub 26-Dez-2023

https://doi.org/10.12957/teias.2023.78896 

“Vocês são importantes…”: questões de alteridade e diferença nas políticas curriculares

A “INOVADORA” POLÍTICA ANGRENSE E O PROCESSO DE REESTRUTURAÇÃO PÓS-BNCC: um estudo da construção discursiva curricular centralizadora no município

THE “INNOVATIVE” POLICY IN ANGRA AND THE POST-BNCC RESTRUCTURING PROCESS: a study of curricular discursive centralization in the municipality

LA POLÍTICA “INNOVADORA” EN ANGRA Y EL PROCESO DE REESTRUCTURACIÓNS POST-BNCC: un estudio sobre la centralización discursiva en el municipio

William de Goes Ribeiro1 
http://orcid.org/0000-0003-3940-7492; lattes: 4912922654698416

Daniel de Mendonça2 
http://orcid.org/0000-0002-8920-4709; lattes: 9251787953915517

1Programa de Pós-graduação em Cultura e Territorialidades, Universidade Federal Fluminense (PPCULT/ UFF)

2Programa de Pós-graduação em Ciência Política, Universidade Federal de Pelotas (PPGCPol/UFPel). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq - Nível 2


Resumo

O objetivo deste estudo é analisar o processo de reestruturação curricular municipal pós-BNCC. Como se sabe, distintos entes federados reconfiguraram suas propostas educacionais, atendendo à portaria federal, a qual torna obrigatório que estados e municípios alinhem seus currículos escolares à Base. Tal processo é atravessado por três elementos: os efeitos na educação provocados pela pandemia de Covid-19; o retorno de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência e demandas locais. Para esta investigação, se fez uso de pressupostos pós-estruturalistas e pós-fundacionais, compondo o referencial com o enfoque nesse terceiro elemento que diz respeito à política municipal. Conforme os argumentos, se rejeita noções teleológicas e fundacionais amparadas em perspectiva identitário-essencialista para pensar e lidar com o social. Diferentemente, adota-se a noção de discurso tal qual sinaliza a teoria política laclauniana. Nesse sentido, observamos a dinâmica do político e desdobramentos do discurso educacional, estudando o caso da articulação do currículo angrense sob a proposição de “inovação educacional” à dinâmica centralizadora nacional. O trabalho reforça que o que se entende por currículo e por inovação não está dado, mas reelaborado de maneira constante, contingente e precária, a partir da construção de sentidos.

Palavras-chave: discurso; currículo; centralização; BNCC; política municipal.

Abstract

The objective of this study is to analyze the process of post-BNCC municipal curricular restructuring. As we know, different federal entities have reconfigured their educational proposals, complying with the federal decree that mandates states and municipalities to align their school curricula with the Base. This process is influenced by three elements: the educational effects caused by the Covid-19 pandemic, the return of Luiz Inácio Lula da Silva to the presidency, and local demands. For this investigation, we have employed poststructuralist and post-foundational assumptions, composing the framework focusing on this third element related to municipal policy. According to the arguments, we reject teleological and foundational notions supported by an identity-essentialist perspective to think and deal with the social. Instead, we work with the concept of discourse as indicated by the Laclauian political theory. In this sense, we observe the dynamics of the political and the unfolding of educational discourse, studying the case of the articulation of the curriculum in Angra under the proposition of educational innovation within the national centralizing dynamics. The work reinforces that the understanding of curriculum and innovation is not predetermined but constantly, contingently, and precariously reworked through the construction of meanings.

Keywords: discourse; curriculum; centralization; BNCC; municipal policy.

Resumen

El objetivo de este estudio es analizar el proceso de reestructuración curricular municipal post-BNCC. Como sabemos, distintas entidades federativas reconfigurarán sus propuestas educativas, cumpliendo con el decreto federal que obliga a los estados y municipios a alinear sus planes de estudio escolares a la Base. En este proceso influyen tres elementos: los efectos educativos provocados por la pandemia de Covid-19, o el regreso de Luiz Inácio Lula da Silva a la presidencia y las demandas locales. Para esta investigación utilizamos supuestos postestructuralistas y postfundacionistas, referenciales compositivos con foco en este tercer elemento relacionado con la política municipal. Según los argumentos, rechazamos nociones teleológicas y fundacionales sustentadas en una perspectiva esencialista identitaria para pensar y actuar como sociales. En cambio, trabajamos como el concepto de discurso indicado por la teoría política de Laclau. En este sentido, observamos la dinámica política y el despliegue del discurso educativo, estudiando el caso de la articulación del currículo en Angra sobre la propuesta de innovación educativa dentro de la dinámica centralizadora nacional. El trabajo refuerza que la comprensión del currículo y la innovación no está predeterminada, sino que se reelabora de manera constante, contingente y precaria a través de la construcción de significados.

Palabras clave discurso; plan de estudios; centralización; BNCC; política municipal.

INTRODUÇÃO

O objetivo deste texto é analisar o processo de produção de sentido curricular em Angra dos Reis pós-BNCC, observando como a centralização nacional se torna possível como discurso. Quer dizer, a partir da política angrense (2021-2022), analisamos a articulação do currículo centralizado no discurso de inovação do atual governo, cujo prefeito é Fernando Jordão (MDB), desde 2021 no seu 4º mandato no município. Portanto, trata-se de um estudo da construção discursiva de um currículo, considerando os efeitos de sentidos que articulam a gestão educacional, formação de professores e demais elementos ligados à vida escolar.

Angra dos Reis é uma das cidades mais antigas do Brasil, tendo passado por distintos processos de organização política, desde a colonização. Foi construída pela escravização de indígenas e negros, tornando-se um dos polos de fluxos de escravizados, devido ao potencial para a exploração marítima. A cidade passou por mudanças avolumadas no século passado, devido a influências do governo federal, tornando-se de interesse nacional. Sob tal determinação, não houve eleição para prefeitos, o que mudou apenas no final dos anos 1980. A construção da estrada RioSantos, das usinas nucleares, do estaleiro da Verolme são alguns dos movimentos mais significativos, os quais alteraram a vida em Angra dos Reis.

Desde o processo de democratização, foram distintos os governos. Sob a administração petista, desde 1990 e parte dos anos 2000, a educação cria demandas por gestão democrática e por participação política abertas às questões populares. Por contraste, a cidade passou a consolidar crescente oposição ao PT, articulada ao pensamento pentecostal ou católico e do empresariado, sedimentando discursos, como a defesa da família, da segurança e da economia. O atual prefeito é um empresário reconhecido na região que publicamente se manifesta em defesa de valores judaicocristãos. Neste artigo, nos empenhamos em analisar, especificamente, o ponto em que a política educacional da cidade se encontra com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

Para pensar o social, trabalhamos com a teoria política laclauniana, em uma abordagem discursiva. Cumpre esclarecer que não compreendemos discurso apenas como linguagem, tampouco rejeitamos a sua materialidade, ou mesmo assumimos qualquer relativismo estéril, características que não condizem com a profusão teórica pós-marxista, não antimarxista. Diferentemente, ressaltamos que o referencial, capitaneado por Laclau, Mouffe e outros estudiosos, reforça a característica política da pesquisa, oferecendo vias para problemas teóricos, como a ideia de fundamentos, procurando não os rejeitar, mas pensá-los de outro modo, desde uma perspectiva ancorada na diferença ontológica heideggeriana. Isso, a nosso ver, indica um potencial interessante para os debates curriculares no país, para a diferença e a alteridade.

Levado em consideração o exposto, organizamos este texto conforme segue. Na seção inicial, apresentamos os pressupostos teóricos. A seguir, trazemos à baila uma contextualização a respeito da centralização curricular no país. As duas seções seguintes expõem a análise de caso do município, a qual esteve suscitada por um corpus empírico acessível na internet, através de boletins, atas e outros documentos que dizem respeito à gestão educacional no município ao longo do ano de 2021. Ao final deste texto, tecemos considerações que expõem a maneira como compreendemos a formação discursiva apresentada e ainda indicamos reelaborações de novas pesquisas sobre o tema.

PRESSUPOSTOS PÓS-ESTRUTURALISTAS E A PERSPECTIVA DE DISCURSO

A tradição clássica do pensamento ocidental pressupõe a ideia de um fundamento transcendental que ocupa o centro da estrutura (Derrida, 2011a). Trata-se de uma perspectiva de produção de saberes que apresenta sempre a mesma fórmula: base, centro, origem, fim e essência. Assumimos outra maneira de pensar. Em uma tradição pós-estruturalista e pós-fundacional1, explicitamos a seguir os pressupostos teórico-metodológicos e o que entendemos por discurso.

O pós-estruturalismo não é uma escola que reúne ideias homogêneas. Trata-se, antes, de um termo cunhado, no âmbito acadêmico estadunidense, que teve por objetivo categorizar perspectivas teórico-filosóficas desenvolvidas por autores franceses que, a partir do final dos anos 1960, elaboraram, de forma simultânea, ainda que não coordenada, a crítica aos essencialismo e fundacionalismo no então triunfante estruturalismo (Peeters, 2013). Mesmo articulado à pósmodernidade, incluindo críticas à ciência moderna, não são termos intercambiáveis, tampouco significam niilismo. É empobrecedora a redução irônica ao dictum derridiano il n'y a pas de hors-texte (não há fora-de-texto) consagrado na Gramatologia (Derrida, 2011a): tudo é discurso ou tudo é relativo. Isso apenas atesta que o relativismo é uma crítica inadequada ao fundacionalismo, formulada a partir das próprias regras do fundacionalismo (Marchart, 2007). Trata-se de uma abordagem heterogênea de múltiplos enfoques, cujos pressupostos estão relacionados ao estruturalismo e ao pós-fundacionalismo.

O livro póstumo de Ferdinand Saussure (Saussure, 2012) influenciou gerações, de onde partiram ideias para várias áreas, estimulando horizontes teóricos no ambiente de uma Europa arrasada e de pensadores descrentes com o humanismo e a modernidade. Nesse contexto, a ideia de uma ciência piloto, que oferecia rigor para a apreensão de um sistema invariável, tornou-se condição crucial à emergência do estruturalismo. Para o pai da linguística moderna, a linguagem exige um sistema a cada instante e depende, simultaneamente, do estabelecido e do que está em curso. Apresenta um lado individual e outro social, enquanto a língua possibilita a apreensão de uma unidade de classificação, um sistema de signos.

Dosse (2018) destaca o estruturalismo como um movimento importante no pensamento francês. O historiador evidencia o impacto da Segunda Guerra, a invasão soviética da Hungria e a crise das apostas europeias no comunismo, após a descoberta dos crimes no período stalinista. Pessimismo e desconfiança marcaram os intelectuais europeus no período, havendo embates com a ciência, o que gerou a reviravolta na ideia de sujeito. Nesse bojo, o olhar volta-se para o outro: o selvagem, a criança e o louco, por exemplo. A ideia é apostar no pensamento formal, objetivo e científico. Assim, a linguística se torna a ciência piloto para nomes como Lévi-Strauss, para muitos, o pai do estruturalismo2.

O estruturalismo encontrou terreno no marxismo, o qual salienta que, para tratar da formação social, passamos pela produção capitalista e pelos meios de reprodução. Althusser (1970) ressalta o que é o ponto crucial para Marx: para que haja produção, é necessário reproduzir. Porém, a reprodução das forças de trabalho é ameaçada pela luta de classes. Nesse sentido, a classe operária enfrenta o aumento da carga de trabalho e a redução salarial. Classe dominante, burguesia versus classe dominada, operária, apresentam posições antagônicas estabelecidas pela estrutura. A economia define os meios de sucesso da empreitada, o que significa a exploração eficiente de trabalhadores como a base do capitalismo. A força produtiva depende da qualificação, o que se dá mediante instituições que sustentam a ideologia.

Assim, se analisa os aparelhos ideológicos que sustentam a sociedade alienada. Nesse sentido, a ideologia é material e depende do indivíduo que está ligado a ela como sujeito. Instituições como a polícia, o direito e o exército exercem função repressiva; já o hospital, a escola, pública ou privada, a família e outras instituições, funcionam como aparelhos ideológicos. Na primeira, prevalece a violência; na segunda, a força das ideias e a acomodação. Assim, como o inconsciente, a ideologia não tem história. Althusser não está se referindo a ideologias particulares que são muitas e mudam; antes, ele se refere ao domínio ideológico sobre o sujeito que está sempre submetido a um sistema. O indivíduo se torna sujeito de uma ideologia mesmo antes de nascer, interpelado a ocupar posições.

Já o pós-estruturalismo reconhece o caráter relacional da identidade; porém, rejeita a estrutura como essencialista e fundacional. Aliado à desconstrução do signo, a teorização se dá a partir da perspectiva pós-fundacional, o que não é anti fundação. Assim, não há um centro imutável que estaria de fora, determinando a estrutura (Deus, Razão Universal, Homem etc.), nem origem e nem fim predeterminados. Nenhum sujeito é absoluto, mas sujeito do discurso. É justamente o vazio/falta de sentido que oferece possibilidades e não o fundamento tanto buscado. O pósfundacional é uma tradição crítica à ideia de telós, centro, verdade, origem ou essência. De outro modo, o fundamento é parte da significação. A sobredeterminação é a indissociabilidade entre o material e o simbólico. Assim, toda representação é opaca. Já que a linguagem funciona como a tradução impossível, jamais há plenitude; não representa, mas é parte da instituição.

Nessa perspectiva, Derrida (2011b) se utiliza de Lévi-Strauss não para expressar deficiências, mas para argumentar que a questão já estava nos textos do antropólogo: reafirma que ciência e filosofia se amparam na metafísica da presença, quer dizer, na ideia de um transcendente que ocupa a função de controle externo em relação à estrutura. Nesse sentido, a estruturalidade da estrutura é a questão. Contrariamente, não há nenhum universal transcendente à estrutura. O que há é um processo de suplementaridade, via deslocamento da estrutura e do centro interditado. Os nomes para esse centro são vários, mas a função é sempre a mesma. Na tradição pós-fundacional, a falta de um centro mobiliza o jogo de diferenças. Não há mais significado e significante, apenas significantes em uma estrutura descentrada. O sentido está sempre adiado.

Laclau (1990) lembra que há duas formas essencialistas de lidar com a ideologia na tradição marxista. Como totalidade social, esta se torna ilusória, uma vez que a articulação de distintas perspectivas e o antagonismo impedem a totalização. Já a falsa consciência também é problemática, uma vez que precisaríamos definir o falso e a verdade. Tudo leva a crer no abandono do conceito, mas Laclau vê outra via. A alternativa é evitar o essencialismo marxista ao mesmo tempo que se deve manter a ideia de falsa representação. Nesse sentido, a ideologia é toda a tentativa de fixar sentido ao social, já que nem o social e nem o sujeito estão dados e jamais estarão. Assim, toda afirmação se torna ideológica, ainda que necessária.

Para Laclau e Mouffe (2015), a relação entre socialismo e democracia é objeto de disputas e ameaças: há transformações no capitalismo que levaram ao declínio da classe operária clássica em países pós-industriais; penetração das relações de produção capitalista em diversas áreas da vida social, o que gera novas formas de protesto e antagonismo; formas de luta política no contexto histórico e social atual que não seguem o padrão das lutas de classes tradicionais; crise e descrédito em relação ao socialismo real e novas formas de dominação produzidas em nome do proletariado. Ademais, as novas gerações não são afetadas pelas certezas de ontem.

Nesse sentido, o discurso não é a fala ou escrita de alguém, tampouco separa prática e matéria; mas, articula elementos linguísticos e extralinguísticos. Fatos físicos são, portanto, discursivos. É claro que objetos existem independente da vontade. Um dos erros da crítica é não situar a questão em termos ontológicos. O outro é acusar a teoria de relativista, um falso problema. Ninguém está dizendo que algo é tão válido quanto qualquer outra coisa. A verdade, factual ou não, é discursiva, está inserida em um sistema de relações que é contextual, não inerente ao objeto. Mas, o ser não se basta à existência. Algo só faz sentido relacionalmente. Nunca há transparência, mas práticas que significam. Contingente não é efêmero, pode durar mil anos, como no caso do Império Romano. O registro pós-fundacional rejeita a ideia de sujeito privilegiado e considera o indecidível constitutivo do político. Só há decisão, porque, no limite, não há um fundamento que subjaz a própria decisão.

No âmbito do currículo, o texto é um vir a ser a partir de um fluxo imprevisível. Pode-se imaginar a leitura, mas não se pode definir certezas a partir das quais se mobiliza texto e contexto, a não ser como fantasia. Há o caráter tradutório instituído pela indefinição. Nesse caso, o conhecimento é produzido na linguagem, o que expõe os limites da objetividade. Assume-se a retoricidade, já que é necessário decidir. Porém, a decisão não se dá em um terreno a priori. Ela não é resultado do exercício puramente racional, mas da tentativa de tradução. Se o significado é adiado, não há identidades plenas, nem sujeito estabelecido. O que implica repensar o currículo, assumindo o deslocamento da sedimentação e o paradoxo de produzir conhecimento e ao mesmo tempo dessedimentar o que se sabe e produzir o que se supõe saber (Lopes, 2018). Uma negociação que expande processos políticos, sem nos tornarmos porta-vozes da verdade, efeitos que não encerram, sempre outro / desde o outro.

EDUCAÇÃO NO PROJETO DE CIDADE DE ANGRA DOS REIS: A QUALIDADE COMO INOVAÇÃO

Demandas3 podem retornar à centralidade, não exatamente da mesma forma. Por isso, destacamos os processos decisórios no município de Angra dos Reis, como um caso para que se visualize a ameaça e a articulação à cadeia discursiva que se forma em torno de um projeto de cidade, regularidades discursivas e elementos-momentos que geram corte antagônico. Para tal, utilizamos documentos oficiais de 20214.

Independentemente da ideologia, por mais críticas que se tenha à escola, no país, não é comum que se queira romper o acordo de que a criança deva frequentá-la. Portanto, seja qual for o governo, a evasão escolar se torna uma questão de acesso, permanência, término, distorção sérieidade, aprendizagem. Os referidos significantes se articulam como ameaça, já que o discurso de sucesso é uma construção na qual tais aspectos estão sedimentados. Além da evasão, outra ameaça é a desqualificação, a qual, segundo o governo, leva a índices de desemprego. No caso, o discurso enfatiza que os jovens não estão preparados para o mercado/ para o futuro, orquestrando a significação que injeta culpabilização e meritocracia. Se o estudante não está na escola, não é útil às empresas, rompendo com o pacto da segurança.

Eu tenho orgulho de ser o prefeito das escolas públicas do município de Angra dos Reis. Nosso objetivo é preparar as crianças e jovens para o mercado de trabalho. Além disso, vamos colaborar com a segurança, porque segurança não se faz só com as forças policiais, mas com investimentos no futuro... (Angra dos Reis, 2021a, p. 1).

Como resposta à violência, a segurança pública abraça a escola como solução, aliada à força policial: “‘Segurança não é só polícia na rua, é também investir na educação e na preparação dos jovens’, costuma dizer o prefeito” (Angra dos Reis, 2021a, p. 1). No aludido contexto, qualidade é sinônimo de “Inovação. Esta é a palavra que está norteando a educação pública do município de Angra dos Reis” (Angra dos Reis, 2021b, p. 1). O que ajuda a produzir a promessa da educação moderna, que deve fazer da cidade uma referência mundial, elemento-momento indispensável que articula a população à cidade do futuro, uma vez que o objetivo “[...] é inovar a educação de Angra e utilizar melhor os recursos para isso... vamos também capacitar os professores, com foco em melhorar nossos índices” (Angra dos Reis, 2021c, p. 1).

Inovação se articula à ideia da gestão eficiente da cidade. Nesse caso, a tecnologia é a grande aposta para tornar a cidade uma referência, com promessa de empregos, visando ainda mais investimentos: “O cenário econômico do Município necessita de inovação, assim, é necessário atrair novos investimentos, novas tecnologias, reduzir o número de violência e oferecer qualificação profissional aos habitantes” (Angra dos Reis, 2021d, p. 26).

No que tange às escolas, entram em cena os números educacionais, cada vez mais cruciais de modo a alimentar o próprio discurso da falta/do desejo. Mas, números não são neutros, números performatizam o discurso. Em Angra, estabelecem a garantia de que a promessa poderá se realizar, servindo como parâmetros que inserem o município no contexto da educação global. Por isso, “[...] é preciso ouvir o que os números têm a dizer”, diz o secretário de educação da cidade, como vimos logo abaixo. No entanto, a quantificação do desempenho escolar não tem adesão geral dos docentes na cidade, pelo contrário, se constitui como um provável corte antagônico. Apesar disso, vimos que se torna o objetivo melhorar os resultados, apontando uma regularidade discursiva, sob a perspectiva do poder.

Argumentou [o secretário de educação] que normalmente as pessoas não gostam de falar em ‘rankeamento’, mas que é importante observar que os Anos Finais de nosso município estão em 78º lugar, num total de 92 municípios; os Anos Iniciais estão em 63º. Segundo ele, desqualificar o indicador não é um bom caminho pois temos que pensar o que esses números traduzem para nós (Angra dos Reis, 2021e, s./p.).

Conforme Lopes (2012), a adjetivação do termo qualidade é parte de uma articulação entre unidades essenciais e o social como totalidade, um esforço de se distinguir sentidos. A despeito disso (qualidade do ensino na educação, qualidade social do ensino ou qualidade socialmente referenciada), o conhecimento, como dado e universal, assume a centralidade, repertório acumulado da humanidade ocidental iluminista. Por isso, entre desenvolvimento econômico neoliberal e demandas de emancipação, a qualidade ganha adjetivos, mas, todas centralizadas no ensino: “Considerando que a educação é imprescindível para o desenvolvimento do município, o programa visa realizar ações para melhoria da qualidade social de ensino” (Angra dos Reis, 2021d, p. 92).

A questão é o que a escola e o docente ensinam enquanto valor de qualidade. É claro que há disputas a respeito. Porém, mesmo quando se complexifica o debate, o ensino não perde força e acaba assumindo o lugar da promessa. O que traz implicações para a forma como a cultura é tratada: adendo ao currículo. Nesse entendimento, há o conhecimento de um lado e as culturas de outro. Já a tecnologia aponta para a execução eficiente, envolvendo pesquisas e preparação, para a realização de tarefas educativas. O que pode oferecer, além de oportunidades e ampliação de receita, maior controle, seja interconectando áreas de atuação e secretarias, seja na comunicação com os pais, mediante reconhecimento facial e envio de mensagens de SMS de modo que saibam se o estudante está frequentando a escola.

A tecnologia, segundo o secretário de Educação, possibilitará que a presença do aluno seja detectada pelo reconhecimento facial. Logo após, os pais ou responsáveis receberão SMS informando a entrada e a saída dos estudantes. Mais do que isso, a ausência dos alunos será informada aos pais e responsáveis e essa será uma grande estratégia que utilizaremos contra a evasão escolar (Angra dos Reis, 2021b, p.1).

Com o aluno cativo e o investimento no ensino e avaliação baseada em padrões, espera-se o resultado, excluindo a imprevisibilidade e o imponderável do processo. A melhora do ranking da cidade é a resposta para a empregabilidade nas indústrias e empresas locais, qualificando a mão de obra. Porém, promessas, como a cidade do futuro, do conhecimento, da modernidade e inovação esbarram na discussão sobre as prioridades apontadas no Plano Municipal de Educação e precisam estar dentro do orçamento.

O secretário se disponibilizou a falar francamente e com transparência em relação às questões apresentadas e alertou para inviabilidade do completo cumprimento do PME em função dos recursos, mas se colocou à disposição para conhecer o plano e afirmou que considera necessário trabalhar a partir do já construído (Angra dos Reis, 2021f).

Nesse sentido, o financiamento se torna uma relação seletiva, entrando em confronto com o movimento local de amplo debate no qual a sociedade civil definiu o plano de educação para a cidade. Ignorando isso, afirma-se que os recursos não são suficientes, todo o PME deixa para trás o caráter de plano de Estado, tornando algumas metas mais relevantes e o jogo político decidirá as prioritárias. Nesse caso, a forma de responder a demanda da valorização docente, se dá no uso dos fundos da educação básica, tornando a questão episódica.

Como sabemos, Angra dos Reis tem sua história marcada pelas lutas de movimentos sociais e por espaços democráticos de debate popular, no qual muitos professores se sentem inseridos. Se isso não garante o atendimento de demandas locais e se muda com a migração de professores e a insatisfação da população, não deixa totalmente para trás a herança antagônica às propostas arroladas acima. Já as parcerias, como as que resultam do apoio ao governo federal, trouxeram a ideia de uma escola militar para o município, amplamente divulgada e desejada pelo prefeito. Mas, demandas populares não podem ser simplesmente apagadas, são incorporadas à cidade moderna. Por sua vez, diversidade e norma não se contrapõem, necessariamente.

A FORMAÇÃO DO DISCURSO CURRICULAR CENTRALIZADOR NO MUNICÍPIO

Conforme Macedo (2014), a centralização do currículo remete a debates antigos no país, intensificados após o novo Plano Nacional de Educação (PNE, 2014-2024), imbuído de celeridade e decisões autoritárias e antidemocráticas, sobretudo, após o impeachment de Dilma Rousseff (Aguiar, Dourado, 2018). Em 2017, é homologada a versão do documento intitulado Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para a educação infantil e ensino fundamental, enquanto a inclusão do ensino médio vem a ocorrer um ano depois. Desde então, torna-se obrigatório que toda a produção curricular no país esteja alinhada. Em 2019, o governo federal institui a portaria Pró-BNCC a partir da qual se intensificam os processos de implementação da Base nos estados e municípios.

Como busca pela sedimentação, a BNCC encarna a educação e assume a posição de comum, com a promessa de preenchimento do significante vazio qualidade, atendendo a variadas demandas público-privadas. Estudos como os de Ribeiro (2020) e Lopes (2018) ressaltam que a ideia é equivalente a instituir o conhecimento comum. o qual alude a uma abordagem universalista de educação. Em tais termos, a tendência é reforçar a negatividade sobre a escola, como o lugar onde não se ensina, ocultando que a desigualdade atribuída à educação decorre menos de registros pedagógicos do que investimentos nas condições de vida em um país desigual e que tende a naturalizar tal desigualdade como culpa dos indivíduos, o que irá se articular à formação discursiva da inovação angrense.

Vimos que a educação municipal está articulada ao projeto de governo em uma cadeia discursiva regulada pela economia, capitaneada pela promessa de empregos e desenvolvimento. A educação que se espera inovadora é um instrumento para anseios do discurso que, sob o poder local, está investido da promessa, tão audaciosa quanto anedótica, de se tornar referência mundial. Tal desenvolvimentismo demanda rastros instrumentais que, no caso da referida educação municipal, produz o sentido do conhecimento como investimento, mobilizado por promessas de futuro. Assim, se articula à avaliação como desempenho. Por sua vez, ainda que não desarticulada do resultado, a cadeia discursiva crítico-libertadora (Angra dos Reis, PME, 2015) se mobiliza pela diversidade, gestão democrática, cultura local, participação política e luta por direitos, ainda que esta não seja o foco deste artigo. A despeito disso, parece que em ambas as formações discursivas, currículo tende a ser significado como o conhecimento do que vale a pena ser ensinado. Como qualidade está atrelada à equidade e ensino, entendemos que o que está se enfatizando é a eficácia no cumprimento curricular e na capacidade docente de concretizar o projetado (Lopes, 2012).

Afinal, tablet para estudantes, computador para docentes, climatização e controle de presença apontam o resultado pelo resultado. Conforme estudamos, as ações de inovação visam atingir avanços no processo ensino-aprendizagem e combate à evasão escolar. Com isso, a distribuição dos dispositivos tecnológicos também é tomada como forma de valorização dos professores, “[...] para que possam preparar suas aulas e fazer pesquisas”. Nesse sentido, “[...] é necessário atrair investimentos, novas tecnologias, reduzir o número de violências e oferecer qualificação profissional aos habitantes” (Angra dos Reis, 2021d, p.194-195).

Como vimos, o que se entende por qualidade e por currículo não estão dados, assim como não são fixas as identidades dos sujeitos articulados e antagonizados (Lopes, 2012). Os significados são contingentes e precários, construídos nos processos de constituição de demandas. Portanto, não se trata de seleção de conteúdos elaborados por classe definida em um universo cultural mais amplo. Currículo é política cultural, a própria disputa pela sua significação, processo que não se esgota em fixações, seja por agências multilaterais, em definição de textos políticos etc. Trata-se de fluxos mobilizados por ações, questões e sentidos em múltiplos contextos.

Dessa forma, mobiliza-se a valorização do ensino de matemática, língua portuguesa, ciências e tecnologias, incentivos à robótica, escola de talentos, eventos de ciência, convênios com instituições de ensino e pesquisa (Angra dos Reis, 2021d, p. 47), demandas da formação discursiva. É parte de disputas políticas que reivindicam distintos sentidos de qualidade educacional e de currículo de qualidade. No jogo de poder e de diferença, as preocupações da gestão recaem sob tais elementos. Como as finalidades educacionais não são as mesmas, distintas formações discursivas se distanciam na significação de conceitos e se aproximam em outros. No PME, por exemplo, especificamente a meta 19 de gestão democrática, apresenta ideias híbridas que emergem de discursos variados:

19.3 - Na gestão da qualidade reunir dimensões: respeito aos direitos à diversidade cultural, equidade, democracia, coletividade, participação, eficiência, humanismo, sustentabilidade, perfazendo prática libertadora e crítica (Angra dos Reis, 2015, p. 48).

Portanto, a prática libertadora e crítica está articulada à eficiência, reforçando o argumento de que nenhum documento oferece leitura única. Lopes (2012) lembra que a fronteira imaginada nós x eles também é processual. A despeito de possíveis objeções, a incerteza nos convoca a constantemente pensar sobre a adesão aos discursos. Do modo exposto, o curricular tende a girar em torno do que se ensina e/ou se aprende, atrelado à preocupação com a escolarização básica, sem deixar de responder a determinadas questões locais.

Cumpre destacar ainda que questões de acesso, permanência e terminalidade se articulam a demandas curriculares de trabalho de memórias africanas e afro-brasileiras, de povos ciganos, de povos indígenas, de caiçaras e população do campo, reforçando o trabalho com a diversidade cultural e decisões coletivas e protagonizadas pela participação política, conforme o PME. Como dito antes, será preciso negociar com a diversidade e a inclusão, significantes flutuantes que geram disputas locais.

Apesar disso, se articulam à inserção no projeto municipal, como uma ficcionalização da totalidade, excluindo a dinâmica de constituição da prática ambivalente da cultura. O que se evidencia na ideia dicotômica de culturas separadas e a universal, investida do termo hierárquico conhecimento. Distintos são os projetos em disputa, mas ambos tendem a pensar um resgate particular de culturas no todos do um da cidade Como se as supostas identidades estivessem prontas; como se houvesse totalidade; como se diversos projetos políticos estivessem definidos; como se não houvesse mudanças das culturas; como se não houvesse poder e processos impossíveis de se tornarem equivalentes; como se a unidade se tornasse harmônica; como se soubéssemos o que é uma cultura e o que é a outra para dialogarem como se fossem blocos já previamente estabelecidas. Nada disso é simples.

Como reforça Lopes (2012), tal articulação é possível mediante a concepção estruturalista de sociedade e essencialista de identidade/cultura. Diversidade e norma curricular se articulam e o diálogo com conhecimentos se torna quase a obrigação para culturas marginalizadas. Por sua vez, assimilação parece indiscutível, haja vista a tentativa de construção de memória e de patrimônio, mas podem apaziguar um dos mais graves processos de genocídio, exploração e escravização. Em meio ao histórico de discriminações e desigualdades, não por acaso é a meta a mais no município. No entanto, se reafirma a tendência da formação discursiva com rastros instrumentais e prescritivos, hibridizada à abordagem crítico-libertadora que trabalha com a ideia de currículo como seleção da totalidade. Com o discurso de necessidade da Base mobilizada em contexto nacional, a política centralizadora e a visão instrumental, a BNCC se torna articulação adequada à promessa de conteúdos e de valores supostamente universais e humanizados.

A base já se apresentava nos livros didáticos, avaliações, aulas e formações. Gerou a definição do novo documento curricular em Angra dos Reis, demandado pelas políticas públicas, discutido em encontros de conselheiros. O IV Encontro de Conselheiros Municipais de Educação da Região Sudeste “Educação brasileira: perspectivas e desafios à luz da BNCC” teve como objetivo “[...] subsidiar o fortalecimento dos conselheiros municipais de educação, visando a implementação da Base Nacional Comum Curricular e suas funcionalidades” (Angra dos Reis, 2018).

É em meio a celeridades e autoritarismos que a BNCC se processa em âmbito nacional (Ribeiro, 2020), durante a pandemia, se torna parte das exigências municipais, de forma condicionada a repasse de verbas e ameaças de irregularidades.

Foi cobrado, nesta reunião, que os conselhos municipais homologassem os documentos produzidos pelos municípios. Se não houver esta homologação o município fica irregular e passa a ter dificuldades com repasses de verbas... os recursos federais vinculados ao Censo Escolar têm a implementação da BNCC como condicionante... (Angra dos Reis, 2021g).

O discurso articula a produção curricular, reduzido à BNCC, no contexto nacional e global. É o que se busca hegemonizar no município. É a ideia de direitos, inserir os estudantes em um sistema, cativos pela tecnologia, sob o ensino regulado que irá conduzir sujeitos às demandas desenvolvimentistas. Afinal, jovens precisam ser capazes de garantir seus empregos, o que antecipa uma resposta à ausência (futura) de tais empregos como culpa individual. Formação nesse sentido é garantir tal processo. Porém, o discurso enfrenta o desejo pela gestão democrática e participativa. O que já fora construído, bem como uma percepção interna sobre o antagônico, entram em negociação (Mendonça, 2012). Há discursos, princípios e conteúdos considerados essenciais que dialogam com a Base. Porém, há o traço autoritário no formato e uma outra Base política curricular local antecedente à BNCC.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo deste estudo foi analisar, com base em pressupostos pós-estruturalistas, em especial na teoria do discurso de Laclau e Mouffe, a formação discursiva em torno da centralização curricular gerada pela BNCC. Para elaboração do trabalho, destacamos os elementos teóricometodológicos que têm nos conduzido na pesquisa. Utilizamos o caso de Angra dos Reis como uma articulação que reúne elementos para os nossos estudos. Trata-se de um processo envolvendo um município marcado por uma história de relações não democráticas e militares com o governo federal. Ademais, que sofre mudanças no último século, como rodovias, estaleiro, usina nuclear, as quais impulsionam o turismo e a especulação imobiliária.

A BNCC remete a um debate tenso e que foi conduzido de formas distintas, a depender do governo, mas sempre diante de um público crítico que apontava outras direções para a política educacional. Não há consensos nem mesmo a respeito da necessidade de uma centralização. No entanto, com mudanças recentes no governo federal, sobretudo, após Michel Temer, a Base ganha celeridade e se desenrola de maneira autoritária diante dos posicionamentos críticos de diversas entidades de pesquisa no país. Em meio à pandemia, a despeito dos problemas no Ministério de Educação, gerados no governo de Jair Bolsonaro, a portaria Pro-BNCC torna obrigatório que todos os entes federais se adaptem ao instituído como base para todos os currículos do país.

O enfoque do texto então se volta para compreender em que medida a centralização curricular adere à política angrense, a qual está endereçada pelo atual governo à população com uma perspectiva desenvolvimentista, na qual o significante vazio inovação é central. Não foi o objetivo dar ênfase a formações críticas, mas à cadeia discursiva que aderiu ao discurso, o que tem sido priorizado pela política curricular local e o que é posto à margem como exterior constitutivo.

1É importante fazer a distinção entre pós-fundacionalismo e pós-estruturalismo, ainda que ambas as formas de pensamento sejam normalmente articuladas por diversos pesquisadores. A primeira questão que devemos considerar é que não existe apenas um pós-fundacionalismo ou um pós-estruturalismo, no sentido de que não podemos tratar esses termos como se eles fossem escolas de pensamento. Devido à multiplicidade de pensamentos filosóficos associados a eles, é conveniente dizermos que existem pós-fundacionalismos e pós-estruturalismos. Porém, de uma forma geral, o pós-fundacionalismo remete à crítica filosófica a existência de fundamentos transcendentes quando - sob um ponto de vista heideggeriano, que é a corrente à qual nos associamos -, estamos diante da diferença ontológica, ou seja, a diferença entre os níveis ôntico e ontológico. Assim, no plano ontológico, não se pode atribuir qualquer fundamento ao ser, ao passo que o fundamento existente no nível ôntico é sempre o auto fundamento de um ente. Já o pósestruturalismo, inspirado na desconstrução derridiana, assume o primado da ausência de fundamento no plano ontológico, o que nos leva a afirmar, de uma forma certamente elítica, que o pós-estruturalismo é uma crítica pósfundacional aos essencialismo e fundamento presentes no então triunfante estruturalismo francês na segunda metade da década de 1960.

2Lévi-Strauss, claramente influenciado pela linguística estrutural, considera que “[...] os fenômenos de parentesco são fenômenos do mesmo tipo que os fenômenos linguísticos” (Lévi-Strauss, 2012, p. 61).

3Estamos empregando o termo demanda no sentido estabelecido por Laclau (2013), ou seja, desde o jogo que este autor propõe a partir dos dois sentidos possíveis de serem assumidos pela palavra inglesa demand. Assim, por um lado, demand pode ser simplesmente um pedido, uma solicitação; por outro lado, esta palavra tem o sentido de exigência, reivindicação.

4A escolha do ano de 2021 se deu em função do prazo atribuído pela portaria Pró-BNCC que ocorreu em 2019, o que entendemos como um forte mobilizador da política.

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Recebido: Setembro de 2023; Aceito: Outubro de 2023

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