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Revista Teias

versión impresa ISSN 1518-5370versión On-line ISSN 1982-0305

Revista Teias vol.24 no.75 Rio de Janeiro oct./dic 2023  Epub 26-Dic-2023

https://doi.org/10.12957/teias.2023.72236 

Artigos de Demanda Contínua

PESQUISA SOCIOPOÉTICA: confetos e a noção de experiência-afeto na educação

SOCIOPOETIC RESEARCH: confetos and the notion of experience-affect in education

INVESTIGACIÓN SOCIOPOÉTICA: confetos y la noción de experiencia-afecto en la educación

Monaliza Holanda dos Santos1 
http://orcid.org/0000-0002-1390-3415; lattes: 6000430984213684

Jacques Gauthier2 
http://orcid.org/0000-0003-4776-2574; lattes: 3521404840186488

Eugênia de Paula Benício Cordeiro3 
http://orcid.org/0000-0002-8407-5418; lattes: 7596954578610486

1Universidade Federal de Pernambuco

2Centro Universitário Jorge Amado, UNIJORGE, Brasil. Ministère de L'Education Nationale, M.E.N., França

3Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco


Resumo

A sociopoética é uma abordagem de pesquisa criada em 1994-95, inspirada na análise institucional (Lourau, 1993) e na obra de Paulo Freire (1987). O objetivo do artigo é apresentar a compreensão dos confetos criados pelo grupo-pesquisador formado por estudantes do curso de pedagogia da UFPE, em torno do temagerador experiência-afeto na educação. A noção de confetos trata-se de um hibridismo de conceitos e afetos, aqui inspirado na obra O que é filosofia? de Deleuze e Guattari (1992). Como método, as oficinas sociopoéticas através de técnicas artísticas possibilitaram o encontro de criação dos confetos. Neste artigo, trabalhou-se com os afetos oriundos da experiência, notadamente teorizados por Larrosa (2014), Masschelein e Simons (2014), Kohan (2017). A sociopoética permite alcançar uma expansão na compreensão do rizoma experiência-afeto, a partir dos confetos criados pelo grupo-pesquisador: Diamosen; Asoliveza; Rivopassa; Lencozer; Satividade; Batrans; Horimenta; Expecpirar. Conclui-se que a experiência-afeto na educação consiste em um processo formativo no qual o estudante pode se sentir tocado por algo, ao passo que, ao se sensibilizar, seja capaz de compreender mais intimamente os saberes que se mostram diante dele e, quiçá, transformar-se.

Palavras-chave: pesquisa sociopoética; experiência-afeto; educação.

Abstract

Sociopoetics is a research approach created in 1994-95 inspired by institutional analysis (Lourau, 1993) and the work of Paulo Freire (1987). The objective of this article is to present the understanding of the confetos created by a research-group formed by students of pedagogy at UFPE around the theme-generator experience-affect in education. The notion of confetos is a hybridity of concepts and affects inspired by the work What is philosophy? by Deleuze and Guattari (1992). As a method, the sociopoetic workshops through artistic techniques made possible the creation of confetos. In this article, we worked with the affects arising from experience, notably theorized by Larrosa (2014), Masschelein and Simons (2014), Kohan (2017). sociopoetics allows achieving an expansion in the understanding of the experience-affects rhizome, based on confetos created by the research-group: Diamosen; Asoliveza; Rivopassa; Lencozer; Satividade; Batrans; Horimenta; Expecpirar. It is concluded that the experience-affect in education consists of a formative process in which the student can feel touched by something, while, when sensitized, he/she is able to understand more intimately the knowledge that is shown before him and perhaps transform up.

Keywords: sociopoetic research; experience-affect; education.

Resumen

La sociopoética es un enfoque de investigación creado en 1994-1995 inspirado en el análisis institucional (Lourau, 1993) y el trabajo de Paulo Freire (1987). El objetivo del artículo es presentar la comprensión de los confetos creados por el grupo-investigador formado por estudiantes del curso de pedagogía de la UFPE en torno al tema-generador experiencia-afecto en la educación. La noción de confetos es una hibridación de conceptos y afectos, aquí inspirada en la obra ¿Qué es la filosofía? por Deleuze y Guattari (1992). Como método, los talleres sociopoéticos a través de técnicas artísticas posibilitaron la creación de confetos. En este artículo, se ha trabajado con los afectos que surgen de la experiencia, especialmente teorizados por Larrosa (2014), Masschelein y Simons (2014), Kohan (2017). La sociopoética permite lograr una ampliación en la comprensión del rizoma experiencia-afecto, a partir de los confetos creados por el grupo-investigador: Diamosen; Asoliveza; Rivopassa; Lencozer; Satividade; Batrans; Horimenta; Expecpirar. Se concluye que la experiencia-afecto en educación consiste en un proceso formativo en el que el estudiante puede sentirse tocado por algo, mientras que, sensibilizado, es capaz de comprender más íntimamente el saber que se le presenta delante de él y quizás transformar a sí mismo.

Palabras clave investigación sociopoética; experiencia-afecto; educación.

Existir, humanamente, é pronunciar o mundo, é modificá-lo.

O mundo pronunciado, por sua vez, se volta problematizado aos sujeitos pronunciantes, a exigir deles novo pronunciar. Paulo Freire

INTRODUÇÃO

É sabido que no histórico do território brasileiro, a educação, e especificamente, as ideias pedagógicas, passaram por diversas modificações (Saviani, 2013). E não apenas em contextos sociais, culturais e políticos, mas inclusive no campo educacional, houve acontecimentos ultrajantes e opressores (colonização) que de certa forma reverberam na contemporaneidade. Nesse horizonte, torna-se urgente nos atentarmos aos processos formativos que estão se perpetuando em nossas pesquisas e práticas educacionais.

Não são recentes os debates e estudos em torno de perspectivas epistemológicas decoloniais, anti-utilitaristas e não-violentas, em prol de uma formação mais integral1 e democrática, na qual a supremacia da racionalidade cartesiana e eurocêntrica não oprime e subjuga os saberes plurais (Freire, 1987; Quijano, 2005; Santos et al., 2009). É diante dessa problemática que surge um modo de se fazer pesquisa intitulado sociopoética.

De acordo com a revisão da literatura, a pesquisa sociopoética vem sendo aplicada desde 1996 até os dias atuais, principalmente nas ciências humanas, com um maior número de trabalhos concentrados na área de educação (Santos, Monaliza, 2019; Cavalcante, 2011; Simeao, 2018) e nas ciências da saúde (Arejano, 2002; Silva, 2018;), majoritariamente na área de enfermagem. Em termos quantitativos, a sociopoética possui maior expressividade na Universidade Federal do Ceará e Universidade Federal do Piauí; seguida pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Universidade Federal do Rio de Janeiro.

A abordagem de pesquisa sociopoética, inspirada notadamente na análise institucional (Lourau, 1993) e na obra de Paulo Freire (1987), segue cinco orientações principais (Gauthier, 2012):

Primeira: quem faz a pesquisa é o grupo-pesquisador, sendo o(a) acadêmico (a)responsável por facilitar a pesquisa, trazendo técnicas de produção de dados, cuidando para que cada um(a) copesquisador(a) possa ter o mesmo espaço para se colocar, guardião(ã) do tempo, estudando os conhecimentos trazidos pelo grupo e devolvendo este estudo para o grupo aceitar, criticar, precisar seus achados. Não se trata de adicionar falas e afetos individuais, e sim de considerar o grupo como filósofo coletivo, atravessado por linhas de fuga, encontros e diferenciações. Assim, são produzidos problemas filosóficos originais, confetos (hibridismo de conceitos e afetos) e um personagem filosófico, verdadeiro autor da pesquisa. Aqui nos inspiramos na obra O que é filosofia? de Deleuze e Guattari (1992).

Segunda: valorizar os conhecimentos criados por coletivos populares marginalizados que resistem ao racismo, ao patriarcado, ao capitalismo neoliberal, às dominações instituídas na esfera da produção do saber acadêmico. Nesta etapa, escutamos estudantes expondo sua criatividade dentro da academia, nem sempre favorecida nem reconhecida.

Terceira: considerando a existência de muitas culturas dominadas e de resistência, a sociopoética mobiliza todas as potências de conhecer do corpo, que não são apenas racionais, mas também, sensíveis, afetivas, experienciais. Neste artigo, trabalhamos com os afetos oriundos da experiência, notadamente teorizados por Larrosa (2014), Masschelein e Simons (2014), Kohan (2017).

Quarta: as técnicas artísticas2 são as mais indicadas para expressar os saberes dos afetos e da experiência, já que revelam aspectos que os participantes não têm consciência, e dificilmente poderiam ser descobertos por meras entrevistas, normalmente fiscalizadas pela racionalidade da consciência em situação de entrevista.

Quinta: o grupo-pesquisador é o dono da pesquisa e dos seus desdobramentos, que devem ser respeitados para além de interesses acadêmicos.

Vale a pena explicar que o mais fácil para se criar confetos, é mostrar como as produções de tipo artístico, e as falas acima delas, fazem rizomas, conforme apontam Deleuze e Guattari (1992): o modelo da cientificidade não é a árvore com suas hierarquias e sua fixidade, e sim o rizoma libertário que corre debaixo da terra e encontra vegetais de áreas muito heterogêneas. Estamos dentro do pensamento complexo, tal como teorizado por Edgar Morin (1990), ou ainda Isabelle Stengers (2013), conclamando as ciências a andarem devagar, com extremo cuidado para com os conhecimentos que existem fora da academia, cultivados por grupos sociais que possuem sua própria sabedoria. Tais grupos enfrentam desafios na vida política e social, pela falta de aceitação por parte de especialistas de instituições de pesquisa, os quais buscam se proteger dos saberes não comprovados em laboratórios, mas que muitas vezes refletem a complexidade da vida social da qual a ciência dita nobre e pura, impõe obstáculos para acatar. As ciências da educação têm procurado resistir a essa forma de negação e isolamento. Esperamos contribuir, com a sociopoética, para uma ética da resistência e abertura à complexidade da realidade social e educacional.

Esclarecidas as principais orientações norteadoras da sociopoética 3, consideramos relevante a adoção dessa abordagem para a realização da pesquisa4 junto a estudantes de pedagogia de uma universidade pública do Nordeste do Brasil. Sendo assim, na seção seguinte buscamos responder ao objetivo do artigo: apresentar a compreensão dos confetos criados pelo grupo-pesquisador formado por estudantes do curso de pedagogia da UFPE, em torno do tema-gerador experiênciaafeto na educação.

Sobre o método, foram realizados nove encontros durante a pesquisa, com duração média de quatro horas cada. Dentre esses encontros, houve um especialmente dedicado à criação de um personagem conceitual e à criação dos confetos (este último aqui abordado). Importante ressaltar que sem a adoção das técnicas artísticas nas oficinas sociopoéticas5 não se conseguiria chegar ao encontro responsável pelo momento da criação de coletiva dos confetos no qual o(a) pesquisador(a)oficial (facilitador(a) da pesquisa) foi ao quadro explicar detalhadamente ao grupo-pesquisador o que seria confeto. Posteriormente, o(a) facilitador(a) deu um tempo para o grupo-pesquisador silenciosamente relembrar tudo aquilo que foi construído até então. Após as técnicas-artísticas e os momentos de contra-análise, foi possível entregar ao grupo-pesquisador grandes folhas de papel 40 quilos e hidrocor, a fim de iniciar a criação dos confetos. Ao final, sentamos em círculo para socializar e conversar sobre tais produções.

EXPERIÊNCIA-AFETO NA EDUCAÇÃO A PARTIR DOS CONFETOS CRIADOS PELO GRUPO-PESQUISADOR

Uma vez apresentada introdutoriamente a sociopoética utilizada na pesquisa em questão, essa seção do artigo procura responder a questão: quais as compreensões de experiência-afeto na educação suscitadas a partir dos confetos produzidos pelo grupo-pesquisador?

Considerando todo o percurso da pesquisa, e a partir das técnicas-artísticas utilizadas nas oficinas-sociopoética, foi possível defender um posicionamento em favor de um processo formativo no qual a experiência-afeto favorece o pensar. Assim sendo, o grupo-pesquisador criou o confeto Diamosen, derivado do rizoma diálogo-motivação-sentimento: “[...]o sentimento está diretamente ligado a esse acesso, abertura. Porque se temos o diálogo, conseguimos nesse diálogo uma motivação, e o sentimento é a representação disso. O que esse diálogo e motivação traz para a gente é o sentir”.

Esse pensamento do grupo-pesquisador nos faz compreender que se trata, segundo Larrosa (2014), de friccionar repetida e trabalhosamente o que se vê e o que se diz, as percepções dos sentidos, as palavras, o mundo, os livros, as definições, os nomes e as coisas. Conduzindo o processo sem rivalidades ou inveja, sem pretensão de acordo, sem querer ter razão, apenas em discussões benevolentes, conversando.

Em outras palavras, o grupo-pesquisador, ao entender a experiência-afeto na educação como um Diamosen, reforça a necessidade de se posicionar em favor de uma prática pedagógica, na qual o diálogo aconteça a partir da igualdade. Este, ao se fazer possível com o auxílio do sentimento, ancorado na capacidade de sentir, pode despertar motivação e vontade de pensar e conversar.

E de que maneira as oficinas sociopoéticas podem contribuir para o curso de formação de pedagogos(as), senão oportunizando parar para pensar, com amor, solidariedade e leveza?

Para que a gente possa aprender, é muito melhor na tranquilidade e na calmaria, assim a gente consegue assimilar as coisas melhor. Se a gente está perturbado nada presta, sente raiva o tempo inteiro, está triste. Aí a afetividade nesse sentido traz essa carga de ser tranquilo, relaxante e prazeroso aprender (Grupo-pesquisador).

É nessa direção que o grupo-pesquisador cria o confeto Asoliveza derivado do rizoma Amorsolidariedade-leveza, para responder às contribuições que a experiência-afeto pode trazer ao curso de pedagogia:

O amor, a solidariedade e a leveza são essenciais no curso de pedagogia, Asoliveza, é a junção do amor, do sentimento, da solidariedade tratado com essa leveza que ele merece, os sentimentos do amor e da solidariedade. Praticar esse amor, porque as pessoas só pensam no material, e o amor, ele deveria conduzir tudo, nossas ações, nosso trabalho na sala de aula, [...] vamos definir a educação pelo amor.

Nesse sentido, o grupo-pesquisador amplia o entendimento da experiência-afeto na educação ao ressaltar sua proximidade com o amor, a solidariedade e a leveza, ressaltando a importância da Asoliveza nos processos formativos.

Encontramos respaldo dessa compreensão no comentário de Pagni (2014) acerca do pensamento arendtiano em relação à natalidade e ao amor mundi, quando nos interpela dizendo que a educação é, também, onde decidimos se amamos nossas crianças o bastante para não as expulsar do nosso mundo ou arrancar de suas mãos a oportunidade de empreender alguma coisa nova e imprevista para nós. Em outras palavras, Asoliveza seria abrir caminhos para que através da experiência-afeto, a educação possa fazer pensar a nós e aos recém-chegados.

Aqueles que estão trabalhando em nossa educação escolar sempre têm um tipo de posição marginal (que de algum modo perturba a ordem social). Aqueles que escolhem tornar-se professores, por exemplo, com frequência não escolhem colocar os seus conhecimentos e habilidades a serviço da vida produtiva e econômica, mas a serviço da geração vindoura. [...] uma vez que ensinar implica sempre estar fora-de-posição - algo similar à posição dos artistas - essas tendências frequentemente falham, e têm que falhar, se a educação consiste em colocar o mundo a uma distância para estudá-lo (Simons, Masschelein, 2017, p. 59-60).

Nesse sentido, imaginemos um rio que corre, se nos visualizarmos à sua margem, de certo modo nos colocamos numa posição vulnerável, no sentido de passagem e de não permanência, a serviço de algo novo que sempre vem. Assim é a posição de um educador e de um estudante em relação aos processos formativos instigados a partir do rizoma experiência-afeto. A educação, ou mais especificamente, o curso de pedagogia, nos faz viver a experiência-afeto como rivopassa, “[...]o que passamos aqui [curso de pedagogia], o que passou, o que ficou e a liberdade. Rio-árvorepássaro. Passamos, ficamos livres, é o que dá esse nome, rivopassa” (co-pesquisadora). O rio seria uma espécie de travessia, aquele correr de águas que por nós vai passando, nos tirando do lugar..., e a árvore seria aquilo que ficou depois desse deslocamento. O pássaro representa uma possível liberdade do pensamento, de modo que “[....] somente os indivíduos emancipados podem emancipar outros, que só os que lutam contra seu próprio emburrecimento podem fazer algo contra o emburrecimento dos demais” (Larrosa, 2014, p.136). Em outras palavras, após a experiência-afeto rivopassa derivada do rizoma rio-árvore-pássaro, pode ocorrer a emancipação, a liberdade ou a fuga da gaiola e o voo do pássaro, dito de outro modo, o estudante ao viver um processo formativo experiência-afeto se põe, ou melhor, se expõe à oportunidade de emancipação do pensar, do sentir e do agir, assim como se propõe a abordagem de pesquisa sociopoética.

O que a escola como uma forma pedagógica faz é o duplo movimento de trazer alguém para uma posição de ser capaz (e, portanto, fazer de alguém um aluno ou estudante) que é ao mesmo tempo uma exposição para algo fora (e, portanto, um ato de apresentar e expor o mundo). Esse duplo movimento não começa com as crianças tendo certo destino (baseado nas suas habilidades naturais ou sociais e identidades culturais), mas permite às crianças se tornarem estudantes e encontrarem o seu próprio destino (Simons, Masschelein, 2017, p. 55).

Vejamos alguns extratos de fala das co-pesquisadoras que expressam um movimento de exposição a algo ainda desconhecido: a) “A experiência no curso porque a gente chega aqui muito verdinha, cheia de expectativa, o que me espera ali? Um mundo totalmente diferente que a gente não se sentia pertencente a ele” (co-pesquisadora); b) “A ponte é o caminho aqui dentro da faculdade mesmo, e a gente vai caminhando nessa ponte até chegar do outro lado e do outro lado é que a gente encontra o que é o outro lado” (co-pesquisadora); c) “A gente tem uma experiência de certa forma. O pensamento da gente mudou mesmo sem a gente querer, a gente foi afetada em todos os sentidos, na forma de falar, de olhar com outros olhos as coisas que a gente não percebia” (co-pesquisadora).

Essas falas tornam evidente que, segundo o grupo-pesquisador, a entrada no curso de pedagogia provoca esse movimento inaugural que destoa do que se concebia antes. Quer dizer que quando a pessoa se torna estudante, e aqui, universitária, ela se expõe a possibilidades de transformação. Diante disso, inferimos que o grupo-pesquisador entende a formação relacionada à “[...] experiência-afeto a partir da experiência que nos afeta” (co-pesquisadora).

Isso evidencia a possibilidade de experiência, embora não seja um propósito, como em “[...] nosso livro, corremos o risco de usar a noção de escola como a configuração de espaço-tempo sempre artificial que torna possível essa experiência educacional radical, ao invés de usar a noção para o que torna essa experiência impossível” (Kohan, Masschelein, Simons, 2017, p. 165-166).

Desse modo, o curso de formação de professores e a educação de modo geral, ao trazer alguém para a posição de estudante expondo o mundo, provoca uma experiência-afeto Lencozer, do rizoma Lenço-contato-prazer:

Um Lencozer é o sentimento que traz bem-estar no processo de formação. O lenço seria na interação, o movimento que traz essa interação, [..] o contato é o afeto, e o prazer seria o bem-estar dentro da perspectiva da formação como o Lencozer. Experiência-afeto traz bem-estar no campo da educação. Se a gente for no tempo do dinamismo, descarta muito, perde muito. Mas se a gente for no tempo das emoções, num tempo mais lento, observando bem o que está rolando, como é que isso está passando na gente, acho que aprende melhor, fixa melhor (Grupo-pesquisador).

O que essas falas expressam é uma noção da experiência-afeto capaz de ser o motivo do surgimento do bem-estar6 numa formação a qual é possível aprender de maneira favorável através do deixar-se afetar, ao mesmo tempo que nos afastamos da aceleração cotidiana, e para tanto:

Requer parar para pensar, [...] parar para sentir, [...] demorar-se nos detalhes, [...] suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, [...] ter paciência e dar-se tempo e espaço (Larrosa, 2014, p. 25).

Nessa direção, a experiência-afeto sendo Lencozer significa uma formação que considera a experiência-afeto capaz de trazer - no sentido de suscitar - bem-estar para a educação, em contraposição ao adoecimento docente e do estudante, o grupo-pesquisador explica que:

Ser educador é propor formas diferentes de tentar atingir aquela pessoa, fazer com que ela se abra. Pode não ser daquela forma, [por exemplo:] foi com você, mas não foi com esse grupo aqui, mas a gente como educador está ali em busca [de] formas para facilitar essa abertura. Não é só fazer sentido para o coletivo, é [também] para aquela pessoa.

O entendimento do grupo-pesquisador no que diz respeito ao educador nos aproxima à figura do pedagogus, visto que:

Ele era o escravo liberto, que literalmente levava os jovens ao tempo livre, ou seja, ao estudo e exercício. Na perspectiva da sociedade e da vida econômica adulta, a posição dos professores, e de todos aqueles que estão envolvidos com a educação (e, portanto, também pesquisadores em educação), é de que estão vivendo uma vida nas margens. Como figuras marginais, eles são não produtivos, e, assim, vistos como não realmente importantes (Simons, Masschelein, 2017, p. 60).

Aqueles educadores que sentem viver nas margens, não são vistos como importantes. E essa não importância atribui-se ao fato de resistirem a uma lógica produtivista. Não é à toa, como salientado mais acima, um tema preocupante entre educadores é o adoecimento docente, muitas vezes em razão de exigências elevadas, e por vezes desumanas que alteram a saúde mental do(a) professor(a). Conjecturamos se não estariam adoecidos justamente por não se encaixarem nos moldes produtivistas.

Apesar de vistos como desimportantes, os(as) educadores(as), deslumbram-se aos nossos olhos exatamente como libertados e libertadores e, portanto, frequentemente invejados nesse sentido (Simons, Masschelein, 2017). São por essas lentes que colocamos aqui libertados e libertadores como piratas (Larrosa, 2014), que a despeito dos medos se jogam no mar do desconhecido e não se deixam prender pelas amarras do instituído. Aqueles(a) que talvez estejam buscando no campo da educação, processos formativos que considerem o ser humano em sua multidimensionalidade, nos quais a experiência-afeto possa possibilitar o pensar. O(A) pedagogo(a), aquele(a) que passou pelo curso de pedagogia, seria um(a) artista, um(a) andante ou forasteiro(a), porque justamente “[...] acho que para que a gente possa aprender, a gente tem que ter o canteiro preparado para que a gente possa plantar e fazer a coisa acontecer”. (co-pesquisadora). E o que seria esse canteiro, senão um sujeito da experiência, posto que este, “[...] é um ponto de chegada, um lugar a que chegam as coisas, como um lugar que recebe o que chega e que, ao receber, lhe dá lugar. [...] o sujeito da experiência é sobretudo um espaço onde têm lugar os acontecimentos” (Larrosa, 2014, p. 25).

O Lencozer como sinônimo de bem-estar ao qual o(a) educador(a) tenta usufruir e possibilitar, possui relação com o cuidado ético de si, ou seja, do(a) educador(a), pois este(a) último(a), digno(a) de agir como um(a) mestre(a),

[...] se destina a se ocupar, muito além de si próprio, nessa relação pedagógica, com o cuidado de si de seu aluno: como alguém que cuida para que o cuidado de si do outro aconteça e que esse outro se transforme tanto quanto ele, ainda que o possa fazê-lo em outro sentido e por outros caminhos, desde que seja por sua própria decisão e sua coragem (Pagni, 2014, p. 209).

Esse fazer sentido para aquela pessoa, quando o grupo-pesquisador defendeu o Lencozer, é justamente a experiência singular, que não é repetível ou passível de ser replicada para outra pessoa ou coletivo. “A experiência, ela não nos é dada, ela é sentida e é individual, a sua afetação própria e o que foi que lhe afetou. [...] isso é uma coisa muito íntima” (co-pesquisadora). Nessa perspectiva, compreendemos que a experiência segundo Jorge Larrosa (2014, p. 4):

Seria o modo de habitar o mundo de um ser que existe [...]. E a existência, como a vida, não pode ser conceitualizada porque sempre escapa a qualquer determinação, porque é, nela mesma, um excesso, um transbordamento, [...] possibilidade, criação, invenção, acontecimento.

A citação acima nos deixa clara a relação entre experiência e corpo. Para que a experiênciaafeto como Lencozer seja algo possível no curso de formação de professores, faz-se necessário que a vida e o saber estejam enlaçados, a fim de formar uma tessitura que ultrapasse o paradigma hierárquico de valorização cognitiva e subjugação do corpo no terreno da educação.

O corpo na educação é muito mais no sentido existencial. Pela minha experiência no curso de pedagogia eu percebi que a gente não dá tanta importância para o que é a nossa existência. A gente só é porque tem isso aqui [corpo], eu posso ver ela [colega] então ela existe para mim, e na educação a gente não faz essa ligação. A gente dá muito mais importância ao que é teórico, ideológico e todas essas coisas que ficam aqui em cima [cabeça] e esquece que a gente precisa estar aqui [toca em seu corpo] (co-pesquisadora). [...] chorei com um documentário de história no ensino médio, eu pedi para sair porque aquilo me afetou muito e a professora falou: “[...] não era para você ter ficado tão mal com isso”; porque eu fiquei tremendo. E eu disse: “[...] mas eu estou”. Educação é justamente isso, [...] impede o corpo físico, [e] a parte mental [...], infelizmente eu vejo muito isso [...], está sempre ali impedindo não o corpo de ser o que é, porque eu acho que a gente nem sabe o que é, mas [de] pelo menos tentar saber o que é. A educação [...], quando dá [possibilidade] é de forma mínima, [por exemplo] vai, mas tem um limite aqui, vai, mas para quando chegar (co-pesquisadora).

É evidente o argumento do grupo-pesquisador em expor que a educação tem receio do corpo e que talvez tentamos barrá-lo por não saber o que pode um corpo7. O que nos leva a questionar se talvez não seja por isso que:

[...] a sala nunca é um caos, com os alunos ocupando o espaço desordenadamente, mas há sempre uma ordem implícita que, se visa a possibilitar a ação pedagógica, traz também consigo a marca do exercício do poder, que deve ser sofrido e introjetado pelos alunos (Gallo, 2016, p. 82).

Nessas circunstâncias, a própria educação e a sociedade de modo geral, parecem inibir a presença dos corpos que, assim como a skholé, é potência de criação e devires. Santos, Maria (2012) afirma que a escola quer um corpo dócil e estático, que só se aprende estando sentado e quieto, pois é isso que estamos acostumados a acreditar. Porém, a autora afirma o contrário: “[...] o corpo todo aprende, e todo e qualquer aprendizado se ancora nas experiências corporais. À medida que valorizamos apenas a mente como potencializadora cognitiva, esquecemo-nos de vivenciar a corporeidade do aprendente. Em consequência, [...] a escola se fecha para a arte” (Santos, 2012, p. 142).

Não obstante, queremos chamar atenção para a fala de uma das co-pesquisadoras, quando a mesma relembra uma situação acontecida no ensino médio, na qual a professora falou que ela não deveria chorar e se sentir tão mal pelo documentário que assistira durante a aula. Esse episódio nos faz questionar: por que as emoções e os afetos parecem não ser bem-vindos?

Em um de seus escritos, Didi-Huberman (2016) traz fotografias de crianças chorando e aponta que tais fotos tinham sido encomendadas por Charles Darwin - o reconhecido teórico da evolução - para ilustrar seu livro intitulado A expressão das emoções no homem e nos animais na qual sua pretensão era demonstrar que chorar é um ato primitivo.

Se a emoção é um estado primitivo, isso significa, segundo Darwin, que a encontramos principalmente nos animais (pássaros, cachorros, gatos), nas crianças, nas mulheres (sobretudo as loucas), nos velhos (sobretudo os doentes mentais ou em condição senil) e, por fim [...] nas “[...] raças humanas [que têm] poucas semelhanças com os europeus”. [...] A idade da razão, a idade adulta, seria então a idade em que sabemos reprimir essa tendência primitiva de expressar as emoções. (Didi-Huberman, 2016, p. 15-17)

Essa passagem nos põe a pensar sobre muitos aspectos. Por exemplo, torna ainda mais evidente que o corpo, a emoção e os afetos, carregam uma herança distorcida e subjugada advinda de bases eurocêntricas e patriarcais que têm sido historicamente e hegemonicamente impostas. Afirmar que encontramos emoção, principalmente a partir dos estudos de Darwin (DidiHuberman, 2016), nos animais, crianças, mulheres, idosos e ainda mais, na loucura e naqueles que possuem pouca semelhança com os europeus, é no mínimo ultrajante.

É certo que essa afirmação desperta discussões inesgotáveis em relação ao tempo presente. Por mais que queiramos desenvolver todas as mais urgentes reflexões, compreendemos que devemos nos deter ao que nos foi permitido no horizonte da pesquisa, contudo, abrimos o espaço.

Talvez alguns indivíduos e sociedades de modo geral, por ainda sustentarem esse tipo de pensamento, reproduzam no cenário contemporâneo como um todo, e em especial, no campo da educação, atitudes repressoras não somente do corpo, mas também das emoções e dos afetos, o que resulta na negligência de uma perspectiva do ser humano em sua integralidade. Ressaltamos o exemplo de uma das co-pesquisadoras acerca da docente que não aprovou sua ex-posição diante de um documentário.

Compreendemos que se faz desafiador o entendimento de que:

Aquele que se emociona diante dos outros não merece o nosso desprezo. [...] nada tem de ridículo, nem de lamentável. Muito pelo contrário! Quando se arrisca a “[...] perder a pose”, esse ser exposto à emoção se compromete também com um ato de honestidade: ele se nega a mentir sobre o que sente, se nega a fazer de conta (DidiHuberman, 2016, p. 19).

É a experiência-afeto insistindo em se fazer presente. E no intento de contrariar o esquecimento do corpo na educação, o grupo-pesquisador entende experiência-afeto no curso de pedagogia como satividade, derivado do rizoma Sala-incentivo-criatividade, porque a criação é amiga do pensamento. “Satividade seria um atelier, sala do incentivo da criatividade. A experiência-afeto aqui no curso de pedagogia é um atelier de criatividade através do incentivo” (Grupo-pesquisador).

Destarte, na contramaré do ser humano convertido em maquinário, a satividade seria o espaço no qual a arte, ciência e ética têm lugar, assim como ocorre nas pesquisas sociopoéticas, em que (Gauthier et al., 1998) afirma que a pesquisa científica toca o sentimento estético dos envolvidos. Na criação de um conhecimento novo, com sua dimensão singular e o imprevisível convoca a criatividade, que quiçá pode tornar-se uma verdadeira obra de arte.

Inclusive, é nesse sentido que o grupo-pesquisador cria os confetos, “[...] tocamos o inconsciente como sendo produtor de confetos, isto é, nas suas dimensões afetiva, sensível, quase física. Ao abalar os fundamentos do ser, a criatividade cria saídas para transformá-lo” (Gauthier et al., 1998, p. 170, grifo do autor).

Nessas circunstâncias, o confeto Batrans derivado do rizoma Barro-transformação, seria a consequência da experiência-afeto no curso de pedagogia:

O barro seria uma representação de nós. Assim como o barro podemos ser transformados, afetados, pelas experiências que vão acontecendo em nossa vida cotidiana na universidade [...], na formação. Estamos aqui [curso de pedagogia] para de certa forma sermos afetados. A gente não vai sair daqui a mesma pessoa que a gente entrou, a gente vai virar o Batrans a partir dessa modificação, com essa transformação. As experiências são as consequências quando a gente se afeta pela transformação [...] (Grupo-pesquisador)

Uma transformação possível a partir da experiência-afeto nos processos formativos, pode ser entendida nas palavras de Jorge Larrosa quando ele justifica:

[...] na formação, [...] a questão não é que, a princípio, não saibamos algo e, no final, já o saibamos. [...] na qual o aprender deixa o sujeito imodificado. [...] se trata [...] de uma experiência em que alguém, a princípio, era de uma maneira, ou não era nada, pura indeterminação, e, ao final, converteu-se em outra coisa. Trata-se de uma relação interior com a matéria de estudo, na qual o aprender forma ou transforma o sujeito (Larrosa, 2013, p. 52).

Esse pensamento nos faz compreender, como salientado em parágrafos anteriores, que a educação de modo geral, e a formação do humano, não devem ser pautadas apenas na transformação do conhecimento, mas igualmente na transformação de si possibilitada a partir de uma perspectiva educacional que considera a experiência-afeto como rizoma.

Não obstante, o grupo-pesquisador compreendeu afeto e afetividade numa dimensão mais ampla que antes não conhecia:

Afetividade, [...] não está só ligada à ternura como a gente achava quando relacionava só afeto à questão afetiva mesmo [...] e a gente já vê que o afeto, ele está muito ligado à questão da transformação, total, muito. E a transformação está muito ligada à experiência, talvez seja a experiência que transforma. É porque quando você passa pela experiência, ela vai te transformar a tal ponto de você não ser mais.

E para exemplificar o que seria essa transformação através da experiência-afeto no terreno da educação, o grupo-pesquisador cria o confeto horimenta derivado do rizoma horizonte-experimentar.

Depois que a gente está aqui [curso de pedagogia] [...] se a gente tiver medo fica no meio do caminho. [...] você não sabe, não tem a noção do que [...] vai encontrar e alcançar lá na frente, mas você se joga e [...] vai tendo as experiências suas, a construção sua, é como se fosse [...] aquela rocha com aquelas heras que, às vezes, dá uma forma bem diferente [...]. (co-pesquisadora)

Isso quer dizer que a experiência-afeto no curso de formação de professores é uma horimenta porque não podemos estagnar e ficar no meio do caminho, mas sim caminhar, é caminhando que nos ex-pomos a experienciar, e quem sabe, afetados nos transformamos.

Caminhar implica a possibilidade de uma transformação. Portanto, o sujeito do caminhar é o sujeito da experiência e, assim, em certo sentido, não é nenhum sujeito (com objetos e objetivos). Em outras palavras, o sujeito da experiência e da atenção é um sujeito de um tipo especial, extraordinário. Não só não se submete ao tribunal da investigação científica, da fala comunicativa, e do diálogo com vista a um acordo, mas é coagido pelo presente, se deixa conduzir por ele (Masschelein, Simons, 2014, p. 53)

É caminhando que o horizonte se expande, o extraordinário abre-se ao sujeito da experiência, em outras palavras:

Horizonte é realmente aquilo que a gente amplia, a gente vê além do que está aqui. Além, bem mais distante, é uma ampliação [...] em geral. Não é aquela visão pequena, é uma visão muito grande, é um horizonte [...]. E o experimentar é a gente se jogar [...] nesse horizonte, a gente se joga para experimentar [...] (co-pesquisadora)

Essa fala sobre o horizonte ser aquilo que está para além e que para experimentar o olhar transformado para o horizonte é preciso nos jogarmos, significa se entregar àquilo com fé, sem esforço de dominação; é estar à disposição de aprender e descobrir estilos diferentes de pensar e de viver. Tal perspectiva, nos recorda o pedagogo e filósofo Jorge Larrosa, quando este expõe que:

O olhar transformado do leitor “[..] se topava” com o mundo. Esse topar é um encontrar-se com um mundo. E encontrar-se significa topar com aquilo que não se busca. [...] o olhar apropriador, o olhar que toma, é um olhar que divide e que não acolhe o que é. [...] mas os olhos dadivosos não dividem nem projetam a vontade de dominação e, por isso, encontram um mundo que revela [...] sua independência de nós, sua inacessibilidade e seu mistério (Larrosa, 2013, p. 111).

Nessas circunstâncias, horimenta poderia articular-se a uma pedagogia pobre8 que se refere à necessidade de se dar a um olhar mobilizado, um olhar que presta atenção ao mundo e à sua verdade. Entendendo uma verdade que não trata da realidade, mas que dela advém. Uma verdade que se encontra na experiência (Masschelein, Simons, 2014).

Uma experiência é quando você sente; quando lhe afeta. É experiência no momento do acontecimento, e se você for afetado de fato a experiência realmente se sucedeu. É porque também não dá para você falar que vai realmente acontecer, mas [...] nesse caso, horimenta é a experiência que vai acontecer através dos horizontes; porque os horizontes [...] [são] o espaço, [...] o infinito. Se você não tiver medo, você se jogar, você experimenta. Através do experimento você tem aquilo que lhe toca, os efeitos (copesquisadora).

Acreditamos que esse pensamento do grupo-pesquisador possibilita entender o confeto horimenta como uma pedagogia pobre, que “[...] convida a sair pelo mundo, a se expor, ou seja, a colocar-se em uma ‘posição’ débil e incômoda [...] em certo sentido, uma pedagogia pobre é generosa: dá tempo e espaço, o tempo e o espaço da experiência” (Masschelein, Simons, 2014, p. 50).

Nessa direção, quando o professor belga Jan Masschelein fala da pedagogia pobre, a convoca a partir de uma ex-posição, de outra maneira, ao mundo. Assim, torna-se mister salientar que a Horimenta no curso de pedagogia, não deve se restringir apenas aos estudantes, mas inclusive estender-se aos professores de modo que:

[...] não há aprendizagem sem entrega, sem exposição a uma viagem que tire do lugar, que nos faça sair da zona de conforto [...] mas o que a vida de Masschelein ensina é que não há pedagogia sem viagem pedagógica do pedagogo, sem que o próprio pedagogo se deixe levar e saia de sua zona de comodidade (Kohan, 2017, p. 82).

É fundamental reconhecermos que o pedagogo, ao se colocar numa posição exposta de aprendiz, se põe à disposição da experiência-afeto, e consequentemente é capaz de transformação, expandindo linhas de pensamento, possibilitando uma inclinação para si mesmo.

Essa ex-posição, esse movimento para fora, sair do conforto de sua comodidade, como parte de um processo formativo, pode, porventura, acontecer de vir carregado de expecpirar derivado do rizoma expectativa-respirar:

A gente criou o Expecpirar pelas expectativas, o que essa expectativa do curso, da formação de pedagogia traz para a gente. [...] nas expectativas no decorrer do curso e o sentimento que isso traz de angústia às vezes, [...] e respirar como se fosse [...] [por exemplo:] um faz e o outro alivia, um acontece e o outro alivia (Grupo-pesquisador) O Expecpirar, e o pirar ali no fim, é como se o confeto já virou duas palavras também. [...] é essa expectativa mesma que a gente tem sobre a formação e [...] [que] traz uns sentimentos [...] de angústia, [...] é porque a expectativa é sempre [...] da gente pensar que pode ser, mas quando a gente tem a experiência, pode ser que não seja como a gente pensou, é melhor... (Grupo-pesquisador)

Acreditamos que a fala do grupo-pesquisador sobre o confeto Expecpirar no curso de formação de professores consegue exprimir a experiência-afeto que se traduz na esperança em meio à incerteza. A miraculosa imagem de uma borboleta elucida essa analogia: no momento em que a borboleta se expõe ao mundo deixando seu casulo, seu respiro esperançoso se traduz na expectativa do tempo presente. Porque a vida de uma borboleta é sempre Expecpirar, o movimento de suas asas convida-a à liberdade.

Que a borboleta continue voando, mesmo que não possa pregá-la em um pedaço de cortiça para dizer que a borboleta é - decididamente - azul. Prefiro não ver completamente a borboleta, prefiro que ela continue viva: essa é a minha atitude quanto ao saber. Eu a vejo aparecer e tento pôr meu olhar em palavras, em frases. Mas esse é um olhar tão frágil e furtivo quanto são as minhas frases; [...]. Seja como for, é inevitável que a borboleta desapareça, já que é livre para ir aonde bem quiser, e não precisa de mim para viver sua liberdade. Ao menos eu terei apanhado em pleno voo, sem guardar apenas para mim, um pouco de sua beleza (Didi-Huberman, 2016, p. 62).

Em defesa da continuidade do voo, dos pensamentos, dos corpos e das borboletas, e sobretudo contra certezas fixadas em cortiças, preferimos Expecpirar em aparições, saberes inquietantes, talvez capazes de fazer vibrar estudantes do curso de formação de professores.

Do exposto, se torna fundamental destacarmos que no horizonte da abordagem sociopoética:

O relevante não é de criar conceitos (ou confetos) politicamente corretos, pois ninguém vive na correção política, mas sim na confusão e na escuridão mental; nem de seguir os passos dos pesquisadores profissionais, que falam a partir de um outro mundo, em um outro mundo. O relevante é de desconstruir a “[...] escura confusão”, conscientizar-se criticamente da sua própria estranha “[...] confusão escura”, e apontar para confetos suficientemente complexos e heterogêneos, que permitam agir com pertinência e eficiência em um mundo social fundamentalmente heterogêneo, definitivamente complexo (Gauthier et al., 2001, p. 57).

Nessa direção, o grupo-pesquisador criou confetos inéditos e heterogêneos que juntos compuseram um verdadeiro caleidoscópio experiencial-afetivo, permeado de imaginários miraculosos que sobressaíram em todos os dias de oficina-sociopoética, de modo a contribuir com um processo formativo que possibilita um pensar aflorado a partir do abandono das certezas e abertura para o inefável no terreno educativo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Consideramos que experiência-afeto no campo educacional amplia a ideia de que a experiência-afeto na educação consiste em um processo formativo no qual o(a) estudante pode se sentir tocado(a) por algo, ao passo que, ao se sensibilizar, pode ser capaz de compreender mais intimamente os saberes que se mostram diante dele(a) e, não obstante, quiçá transformar-se.

O que os confetos expressam é uma noção da experiência-afeto na educação ancorada numa formação que traz bem-estar no qual é possível aprender de maneira favorável através do deixarse afetar, e para tanto é preciso desacelerar, ir contra o dinamismo e viver o tempo das emoções, num tempo mais lento, percebendo o que se passa em nós, ou dito de outro modo, o que nos afecciona.

Em consequência, um processo formativo que contempla a experiência-afeto põe o estudante na condição de barro, dado que assim como o barro podemos ser transformados, afetados por experiências que vão acontecendo. E para que se faça possível a transformação, não se pode ter medo, tem que se arriscar e se jogar, porque a experiência-afeto na educação é diferente para cada um, acontece no íntimo. É caminhando que nos ex-pomos a experienciar, e quem sabe, uma vez afetados, nos transformamos durante o processo formativo.

Por fim, esperamos contribuir para o aumento do número de trabalhos científicos sobre o tema abordado. Consideramos também a possibilidade de ampliar e diversificar os modos de se fazer pesquisa na área da educação, uma vez que ao utilizarmos a sociopoética (e os confetos) nos deslocamos de um pensamento unicamente ligado à racionalização de produzir conhecimentos.

1Essa integralidade diz respeito à consideração do ser humano com todas as dimensões que o compõem basicamente: física, sensorial, emocional, mental e espiritual (Röhr, 2012).

2Citamos algumas utilizadas nas oficinas sociopoéticas da pesquisa: técnica dos sentidos; técnica dos lugares geomíticos; técnica das esculturas de argila etc.

3A partir da pesquisa sociopoética, Monaliza Holanda dos Santos criou um desdobramento chamado de aulas sociopoéticas, quando alerta os professores (as), educadores (as) que queiram utilizar a sociopoética em sala de aula e em espaços formativos.

4A pesquisa foi desenvolvida em obediência aos procedimentos éticos reconhecidos pela comunidade acadêmica, por exemplo: assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) por todos os participantes da pesquisa; a não-identificação dos mesmos etc.

5Foram quatro encontros de oficinas sociopoéticas numa sala apropriada para dinâmicas com o corpo, elas ocorreram logo após o primeiro encontro dedicado às boas-vindas e assinatura do TCLE. As oficinas sociopoéticas seguiram uma estrutura lógica básica: momento de relaxamento dinâmico; técnica principal para produção de dados; momento de socialização.

6O bem-estar aqui não está contido na experiência. É certo que a experiência envolve inquietação, deslocamento, etc., no entanto, é daí que pode surgir um bem-estar. Talvez possamos compreender com mais clareza quando pensamos numa certa frase bíblica quando anuncia que depois da tempestade vem a calmaria. Nessa direção, a tempestade seria a experiência e a calmaria o bem-estar.

7Baruch de Espinosa (1983) em meados século XVII, revoluciona o pensamento dualista cartesiano ao questionar o que pode um corpo.

8Torna-se mister destacar que a palavra pobre não é utilizada pejorativamente.

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Recebido: Dezembro de 2022; Aceito: Fevereiro de 2023

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