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Revista Teias

versión impresa ISSN 1518-5370versión On-line ISSN 1982-0305

Revista Teias vol.25 no.76 Rio de Janeiro  2024  Epub 07-Mar-2024

https://doi.org/10.12957/teias.2024.72066 

Artigo de Demanda Contínua

DA REDENÇÃO À REPARAÇÃO: A CONSTRUÇÃO DA QUESTÃO RACIAL NO BRASIL

FROM REDEMPTION TO REPARATION: THE CONSTRUCTION OF THE RACIAL QUESTION IN BRAZIL

DE LA REDENCIÓN A LA REPARACIÓN: LA CONSTRUCCIÓN DE LA CUESTIÓN RACIAL EN BRASIL

1Prefeitura Municipal de Porto Seguro/BA. Doutorando do PPGE - UNICAMP

2Faculdade de Educação da UNICAMP


Resumo

Este artigo visa analisar a trajetória dos estudos sobre o povo negro, por meio de uma análise histórica do processo de colonização, sobretudo na elaboração de estereótipos que foram utilizados para justificar o processo desumanizador da escravização ancorado nas Teorias Raciais e no racismo científico. Buscamos, ainda, compreender a maneira pela qual alguns iluministas contribuíram para solidificar o processo de invisibilidade do continente africano e dos povos africanos. Discutimos a ideologia da democracia racial brasileira e a maneira como essa narrativa legitimou a marginalização do afro-brasileiro. Para subsidiar esse estudo, realizamos pesquisa bibliográfica, acionando pensadores/as que versam sobre a temática, a saber: Munanga (2000; 2008), Silva (2007), Hernandes (2008), Hall (2006), Guimarães (2001; 2004), Azevedo (1996), Freyre (2005), Fernandes (2008), Ki-Zerbo (2010), dentre outros. Os resultados apontam para a maneira pela qual o racismo foi utilizado como base ideológica da dominação, tanto no colonialismo, quanto no neocolonialismo. No Brasil, essa narrativa, construída a partir da marginalização dos afro-brasileiros, legitimou e inviabilizou a inserção do negro na sociedade brasileira, sobretudo após a abolição, que consideramos malsucedida. Nesse sentido, o racismo operacionalizado no Brasil, de maneira escamoteada, estabeleceu um conjunto de estratégias que foram capazes de promover uma inversão no tocante à promoção da imagem do país como uma democracia racial.

Palavras-chave: abolição malsucedida; escravidão; estereótipos; marginalização; resistência

Abstract

This article aims to analyze the trajectory of studies on black people, through a historical analysis of the colonization process, especially in the elaboration of stereotypes that were used to justify the dehumanizing process of enslavement anchored in Racial Theories and scientific racism. We also seek to understand the way in which some Enlightenment artists contributed to solidify the process of invisibility of the African continent and the African peoples. We discuss the ideology of Brazilian racial democracy and the way in which this narrative legitimized the marginalization of Afro-Brazilians. To support this study, we conducted a bibliographic research, activating thinkers who deal with the theme, namely: Munanga (2000; 2008), Silva (2007), Hernandes (2008), Hall (2006), Guimarães (2001; 2004), Azevedo (1996), Freyre (2005), Fernandes (2008), Ki-Zerbo (2010), among others. The results point to the way in which racism was used as an ideological basis of domination, both in colonialism and neocolonialism. In Brazil, this narrative, built on the marginalization of Afro-Brazilians, legitimized and made unfeasible the insertion of blacks in Brazilian society, especially after abolition, which we consider unsuccessful. In this sense, the racism operationalized in Brazil, in a concealed way, established a set of strategies that were able to promote an inversion with regard to the promotion of the country's image as a racial democracy.

Keywords: unsuccessful abolition; slavery; stereotypes; marginalization; resistance

Resumen

Este artículo tiene como objetivo analizar la trayectoria de los estudios sobre las personas negras, a través de un análisis histórico del proceso de colonización, especialmente en la elaboración de estereotipos que fueron utilizados para justificar el proceso deshumanizador de la esclavitud anclado en las Teorías Raciales y el racismo científico. También buscamos comprender la forma en que algunos artistas de la Ilustración contribuyeron a solidificar el proceso de invisibilización del continente africano y de los pueblos africanos. Discutimos la ideología de la democracia racial brasileña y la forma en que esta narrativa legitimó la marginación de los afrobrasileños. Para apoyar este estudio, realizamos una investigación bibliográfica, activando pensadores que abordan el tema, a saber: Munanga (2000; 2008), Silva (2007), Hernandes (2008), Hall (2006), Guimarães (2001; 2004), Azevedo (1996), Freyre (2005), Fernandes (2008), Ki-Zerbo (2010), entre otros. Los resultados apuntan a la forma en que el racismo fue utilizado como base ideológica de dominación, tanto en el colonialismo como en el neocolonialismo. En Brasil, esta narrativa, construida sobre la marginación de los afrobrasileños, legitimó e hizo inviable la inserción de los negros en la sociedad brasileña, especialmente después de la abolición, que consideramos infructuosa. En este sentido, el racismo operacionalizado en Brasil, de forma encubierta, estableció un conjunto de estrategias que fueron capaces de promover una inversión en lo que respecta a la promoción de la imagen del país como una democracia racial.

Palabras clave: abolición fallida; esclavitud; estereotipos; marginación; resistencia

NOTAS INTRODUTÓRIAS

Os estudos apresentados neste artigo estão fundamentados em bases teóricas relacionadas a momentos que influenciaram a história do Brasil, servindo como suporte para entendermos o período colonial, sobretudo o período que corresponde à escravização, bem como a abolição malsucedida1.

Assim, este estudo tem como objetivo tecer uma discussão ancorada nos referenciais teóricos que versam sobre a trajetória do negro, sobretudo na elaboração de estereótipos que foram utilizados para justificar o processo desumanizador da escravização, o surgimento das Teorias Raciais utilizadas como base de justificativa para o neocolonialismo. Além disso, buscamos discutir as questões envolvendo a abolição, inclusive apontando-a como malsucedida, uma vez que não foi suficiente, sobretudo para garantir a inclusão dos ex-escravizados na sociedade brasileira, sendo que, por outro lado, legitimou o processo de marginalização e/ou exclusão do negro.

Com a Proclamação da República, no final do século XIX, o Estado Brasileiro intensificou os mecanismos de exclusão dos afro-brasileiros. Além disso, aumentou as suas ações, a fim de miscigenar a população, através de investimento voltado para imigração europeia, tendo como finalidade o branqueamento da população brasileira. Nessa mesma perspectiva, para Clóvis Moura (2019), o ponto mais alto das discussões envolvendo a campanha do branqueamento no Brasil se dá justamente com o descarte da mão de obra escravizada e a inserção da mão de obra assalariada. O pensador faz a seguinte ressalva: “Aí coloca-se o dilema do passado com o futuro, do atraso com o progresso e do negro com o branco como trabalhadores, o primeiro representaria a animalidade, o atraso, o passado, enquanto o branco (europeu) era o símbolo do trabalho ordenado, pacífico e progressista” (Moura, 2019, p. 109). De acordo com Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva (2007), a nação brasileira se projetou branca, tendo como principal aliada para o clareamento da população, a miscigenação, uma vez que se acreditava na prevalência das características da raça branca.

Nesse sentido, diversos mecanismos foram implementados na sociedade brasileira, a fim de reafirmar e fortalecer o processo de branqueamento, ora pelo estímulo à imigração europeia, ora meio da valorização do fenotípico, ora através das transformações psíquicas em relação ao sentimento de pertença, tendo em vista que, por conta do processo de miscigenação, consideravam-se brancos e negavam as características negras. A fim de reforçar essa afirmação, destacamos o pensamento de Maria Aparecida Silva Bento:

[...] quando se estuda o branqueamento constata-se que foi um processo inventado e mantido pela elite branca brasileira, embora apontado por essa mesma elite como um problema do negro brasileiro. Considerando (ou quiçá inventando) seu grupo como padrão de referência de toda uma espécie, a elite fez uma apropriação simbólica crucial que vem fortalecendo a auto-estima e o autoconceito do grupo branco em detrimento dos demais, e essa apropriação acaba legitimando sua supremacia econômica, política e social. O outro lado dessa moeda é o investimento na construção de um imaginário extremamente negativo sobre o negro, que solapa sua identidade racial, danifica sua auto-estima, culpa-o pela discriminação que sofre e, por fim, justifica as desigualdades raciais (Bento, 2002, p. 25).

Nesse momento histórico, vigorava o seguinte discurso eugênico: o país cuja maioria da população fosse composta por negros/as estaria fadado ao insucesso e talvez não alcançaria a plena civilidade. Em meio a tal narrativa, protagonizada principalmente no final do século XIX até meados do século XX, através das Teorias Raciais, que influenciaram o pensamento social brasileiro da época, outras narrativas vêm se reinventando e se adaptando aos novos contextos, posto que ainda se fazem presentes em pleno século XXI.

Ainda é frequente, por exemplo, no diálogo sobre a implementação de Políticas Públicas de Ações Afirmativas que contemplem as necessidades específicas de grupos socialmente marginalizados ao longo da história brasileira como a população afro-brasileira que amargam ainda uma abolição malsucedida que não foi capaz de promover o acesso pleno à cidadania.

O artigo está dividido da seguinte maneira: Na primeira seção, discutimos o projeto colonizador europeu e os métodos adotados para justificar a dominação de novos territórios e de seus povos. Na segunda seção, discutimos os discursos produzidos por pensadores iluministas sobre o continente africano, uma vez que a formulação de ideologias que inferiorizam os povos africanos e as suas respectivas culturas tem sido um mecanismo essencial para o processo de roedura do continente, tanto no colonialismo, quanto no neocolonialismo. E na terceira sessão, trouxemos um diálogo pautado no conceito de racismo e a maneira pela qual este foi operacionalizado no Brasil, inclusive contribuindo para o estabelecimento da falsa ideia de uma democracia racial brasileira.

O PROJETO COLONIZADOR E A REDENÇÃO PELO TRABALHO

No caminho para as Índias, os portugueses e espanhóis estabeleceram contato com a costa africana, investindo em expedições que investigavam o modo de vida dos que ali habitavam. Partindo das relações estabelecidas entre europeus e africanos, podemos destacar que os europeus utilizaram discursos pelos quais impuseram em nome da fé e do progresso civilizatório, um processo de dominação e exploração, instituindo uma política colonizadora. Segundo a historiadora Leila Leite Hernandez, “[...] o processo de colonização foi sempre marcado pela violência, pelo despropósito e, não raro, pela irracionalidade da dominação” (Hernandez, 2008, p. 109).

Stuart Hall, no texto “A relevância de Gramsci para o Estudo de Raça e Etnicidade”, destaca a maneira como Gramsci esboça a questão da hegemonia quando aponta que esta “[...] não é exercida nos campos econômico e administrativo apenas, mas engloba os domínios críticos da liderança cultural, moral, ética e intelectual” (Hall, 2003, p. 315). Seguindo o raciocínio da amplitude de atuação do poder hegemônico, os europeus utilizaram de argumentos, a princípio de cunho religioso, colocando o africano como um ser pecador. Posteriormente, as ações ideológicas se concentraram na inferiorização dos povos que ali habitavam, deslegitimando a cultura local e deturpando e/ou invisibilizando, ao máximo, o desenvolvimento econômico, político e social, os caracterizando como povos atrasados e incivilizados. Diante da exploração e violência da colonização, surgiram inúmeros movimentos de resistência por toda parte do Continente Africano.

Por outro lado, os europeus passaram a disseminar discursos de autovalorização intelectual, se posicionando como detentores do saber e possíveis condutores para uma transformação daqueles povos e alcance da civilidade pela colonização que, por sua vez, apresentava como justificativa a capacidade de alavancar os campos econômicos, sociais, culturais e políticos da parte atlântica da África, tendo em vista o discurso proferido pelos colonizadores, de que havia uma ineficiência dos povos que ali habitavam, como bem destaca Santos (2005, p. 55): “A cultura diferente desse povo era encarada como signo de barbárie. A vida sexual, política, social dos povos africanos foi sendo devassada e diminuída diante da vida dos europeus”.

Reforçando a reflexão realizada por Gislene dos Santos, Leila Hernandez destaca a maneira negativizada pela qual foi projetada a imagem do Continente Africano e daqueles que ali habitavam. Segundo a autora,

[...] apresentam a África como um continente marcado pela incompetência para conduzir a si próprio, reduzindo-o ao locus mundial da miséria humana, condenado à dor e ao sofrimento sem fim” (Hernandez, 2008). Nesse sentido, ela ainda destaca que “o termo africano ganha um significado preciso: negro, ao qual se atribui um amplo espectro de significações negativas (ibidem).

Diante disso, podemos observar a maneira pela qual o colonizador europeu utilizou-se de argumentos pautados na inferiorização dos povos recém encontrados, objetivando implementar um processo de exploração que, por vezes, acionou os mais sofisticados atos de selvageria para a consolidação do seu projeto.

Em consonância a todo esse movimento, as nações ultramarinas estabeleceram a escravização dos povos originários da América e dos/as negros/as africanos/as. Vale destacar que a escravidão era também uma prática presente em várias sociedades africanas. Todavia, esse escravismo se dava por meio de guerras e dívidas. Assim sendo, a autora apresenta alguns elementos do escravismo nas sociedades africanas do século VII até o século XV:

Em termos gerais é sabido que o fornecimento de cativos provinha basicamente das guerras internas decorrentes das próprias estruturas econômicas de cada região, as quais remontavam à Antiguidade, tendo crescido com a expansão islâmica e com a demanda ao longo do Mediterrâneo. (...) Esses embates ocorriam por razões variadas, como o rapto de mulheres, (...) os conflitos entre “Estados”, (...) guerra de expansão, (...) a fome que, desestruturando uma sociedade, impelia os destituídos a vender a si mesmos ou aos seus filhos como escravos, como um meio de sobrevivência, (...) resultado de punição judicial por algum crime ou como uma espécie de garantia para o pagamento de débito. No último caso, trata-se da penhora humana (Hernandez, 2008, p. 37).

É importante destacar que o Continente Africano, principalmente no período pré-colonial, apresentava um comércio intracontinental muito forte, que envolvia uma série de produtos como o sal, cobre, produtos manufaturados, envolvendo países como o Sudão Central, Egito, cidades do Delta do Níger e as regiões que engloba a Bacia do Chade. Diante do exposto, Leila Leite Hernandez (2008) nos chama a atenção para a importância de se apresentar os intercâmbios existentes em África, uma vez que podemos estabelecer um olhar pelo qual expõem além de uma unidade histórica, uma dinâmica cultural, comercial e econômica que vem calhar na desconstrução de uma imagem produzida pelo colonizador de uma África estática e homogênea.

Não podemos perder de vista o modo como os colonizadores utilizaram desse arcabouço argumentativo, somado à utilização da religião, por meio do processo de demonização desses povos. Inclusive, essa ação ainda se faz presente no cotidiano daquele/as que fazem parte das religiões de matrizes africanas no Brasil. Logo, todo esse empreendimento tinha uma finalidade: cada vez mais incitar os conflitos étnicos, principalmente na África Centro-Ocidental (hoje região ocupada por Angola). Foi dessa região a maior parte dos/as escravizados/as utilizados/as em toda a América portuguesa, cujo objetivo era a manutenção do comércio de negros/as africanos/as para implantarem, alimentarem e solidificarem o projeto colonial.

A ÁFRICA E OS AFRICANOS PENSADOS PELOS FILÓSOFOS ILUMINISTAS

Não podemos esquecer a maneira pela qual o Continente Africano foi projetado e constituído nas mentalidades. As ideologias bem elaboradas inferiorizavam os povos africanos e as suas respectivas culturas, tanto no colonialismo, para justificar a escravidão, quanto no neocolonialismo, para justificar a exploração da mão de obra e das riquezas minerais e naturais existentes no continente. Contudo, podemos destacar a história da África escrita e pensada por africanos que passaram a ressignificar a sua própria história, realizando um giro epistemológico que concedeu uma história africana do ponto de vista da existência e, sobretudo, resistência. Nesse sentido, o historiador Joseph Ki-Zerbo de Burquina Fasso, bem como a escritora Nigeriana Chimamanda Adichie (2019) nos chama atenção para a maneira pela qual a História da África foi construída pelo colonizador, inclusive questionam o pouco conhecimento do mundo em relação àquilo que ele evidencia como a verdadeira história do Continente Africano. Ambos destacam as narrativas construídas e disseminadas a fim de externar para o mundo a imagem da ignorância. Assim, para Ki-Zerbo (2010, p. 31), “[...] não é de causar espanto o lugar infinitamente pequeno e secundário que foi dedicado à história africana em todas as histórias da humanidade ou das civilizações”.

Nesse sentido, Leila Leite Hernandez enfatiza três pontos importantes para compreendermos a maneira pela qual a África foi projetada:

O primeiro ponto conferiu à África um estado de selvageria, no qual predomina a natureza, isto é, não se produzem cultura e história. O segundo ponto é o que distingue os europeus dos africanos e os próprios africanos entre si. Por sua vez, o terceiro ponto é o que se refere ao africano da África subsaariana como sujeito sem “vontade racional”, equivale dizer, sem o elemento tido como pré-requisito para a transformação da realidade de acordo com critérios “racionais”. Em resumo: esse sujeito não tem condições de ultrapassar os limites de selvageria e de buscar um novo estado de existência (Hernandez, 2010, p. 20-21).

O filósofo Voltaire, por exemplo, se remete ao continente africano e aos povos africanos, da seguinte maneira:

Após observar os comportamentos das várias espécies de “bestas” que aparentavam todas elas possuir um lampejo de uma razão imperfeita, pode perceber que no negro, ao longo prazo, apresenta um pequeno grau de superioridade em relação aos outros animais. Isso o conduz a concluir que, entre eles, o espécime negro seria o homem, que passa, então a ser definido como um animal preto, que possui lã sobre a cabeça, caminha sobre duas patas, é quase tão destro quanto um símio, é menos forte do que outros animais de seu tamanho, provido de um pouco mais de ideias do que eles e dotado de maior facilidade de expressão. Ademais, está submetido igualmente às mesmas necessidades que os outros, nascendo, vivendo e morrendo exatamente como eles (Voltaire, 1978b, p. 62 apudSantos, 2002, p. 27).

Diante das considerações racistas de Voltaire, observamos que o filósofo reduz o negro à condição animalesca, justificando uma possível inferioridade frente ao homem branco. Nesse mesmo sentido, o Filósofo Hegel, tido como o paradigma filosófico europeu, apresentou o negro africano, em sua obra Filosofia da História, publicada em 1837, da seguinte forma:

A principal característica dos negros é que sua consciência não atingiu a intuição de qualquer objetividade fixa, como Deus, como leis, pelas quais o homem se encontraria com sua própria vontade, e onde ele teria uma ideia geral de sua essência. [...] O negro representa, como já foi dito, o homem natural, selvagem e indomável. Devemos nos livrar de toda reverência, de toda moralidade e de tudo o que chamamos de sentimento, para realmente compreendê-lo. Neles, nada evoca a ideia de caráter humano. [...] Entre os negros, os sentimentos morais são totalmente fracos - ou, para ser mais exato, inexistente. [...] Com isso, deixamos a África. Não vamos abordá-la posteriormente, pois ela não faz parte da história mundial; não tem nenhum movimento ou desenvolvimento para mostrar (Hegel, 1995, p. 84-88).

A maneira pela qual Hegel caracteriza os africanos, como seres inferiores, subalternos e, portanto, subservientes, nos leva a crer que o mesmo estava conectado a uma ideologia presente, pela qual o africano era desprovido de História, isto é, o pensador é um fragmento do pensamento de uma determinada época. Por esse ângulo, a pesquisadora Leila Leite Hernandez aponta Friedrich Hegel, como um dos porta-vozes do pensamento hegemônico de fins do século XVIII e de todo o século XIX, quando:

Na Filosofia da história universal, a historicidade da África, tal como é considerada por Hegel, decorre, em particular, de duas razões independentes. A primeira, pelo fato de a história ser entendida como própria de um Velho Mundo que excluía a África subsaariana e a segunda por conceber o africano como sem autonomia para construir a sua própria história (Hernandez, 2010, p. 19).

Essas ideologias influenciaram e serviram como base para a fundamentação e disseminação do pensamento racista que culminou na solidificação dos estereótipos voltados para a inferiorização dos sujeitos negros. Consequentemente, os seus descendentes sofreram impactos causados por esta narrativa ideológica, justificada por intelectuais de tamanho prestígio. Podemos observar, ainda, que Hegel minimiza o Continente Africano e o retira da história, negando toda a importância histórica que a compõe, especificamente se levarmos em conta os estudos que apontam o Continente Africano como berço da humanidade.

Essas ideologias racistas contribuíram na formatação de um pensamento moderno europeu; posteriormente, alcançaram outras partes do globo, cooperando com a produção cultural de superioridade de uns e a inferioridade de outros, como salienta Joel Rufino dos Santos (2005, p. 55): “[...] a Europa ‘civilizada’, branca, era tomada como paradigma para a ‘compreensão’ da cultura do novo mundo, como se fosse possível fazer um transplante de valores”. O autor pontua, ainda, que “[...] a biologia fornecerá os elementos pelos quais a ideia de raça se transformará em racismo científico” (ibidem).

Outros filósofos iluministas contribuíram com tal pensamento, através dos estudos investigativos acerca das singularidades humanas, baseados nos aspectos anatômicos, como bem destaca Santos (2002, p. 32): “[...] dessas investigações surgem os verbetes ‘negro’, ‘África’, ‘mulato’, ‘hotentote’, ‘chinês’, ‘América’, e tantos outros que dizem respeito à diversidade humana”. A autora destaca o verbete negro, produzido por Diderot (1778-1779, tomo 22): “Não somente a sua cor os distingue, mas eles diferem dos outros homens, pelos traços de seu rosto, narizes largos e chatos, lábios grossos, lã no lugar de cabelos, que parecem constituir uma nova espécie de homem” (ibidem).

Partindo das reflexões desses três filósofos iluministas, percebam que esses pensadores reduziram o homem negro africano a uma condição animalesca. Em contrapartida, Joseph Ki-Zerbo (2010, p. 31), na introdução do livro História Geral da África I: Metodologia e pré-história da África, estabelece um debate de combate às ideologias eurocêntricas acerca da história do Continente Africano, ao afirmar que “A África tem uma história”. Segundo o próprio pensador,

Com efeito, a história da África, como a de toda a humanidade, é a história de uma tomada de consciência. Nesse sentido, a história da África deve ser reescrita. E isso porque, até o presente momento, ela foi mascarada, camuflada, desfigurada, mutilada. Pela “força das circunstâncias”, ou seja, pela ignorância e pelo interesse. Abatido por vários séculos de opressão, esse continente presenciou gerações de viajantes, de traficantes de escravos, de exploradores, de missionários, de procônsules, de sábios de todo tipo, que acabaram por fixar sua imagem no cenário da miséria, da barbárie, da irresponsabilidade e do caos (Ki‑Zerbo, 2010, p. 31).

Diante desse feito, vale pontuar a maneira como foram estabelecidas as bases filosóficas de fundamentação do racista científico e a relevância desse pensamento na formação da sociedade europeia e influência em outras partes do mundo e, sobretudo no Brasil, por apresentar uma sociedade composta, na sua maioria, de negros/as.

Nesse universo, podemos perceber que alguns iluministas apresentavam contradições em suas narrativas, já que pregavam liberdade, igualdade e fraternidade, quando, em alguns momentos, percebemos que a produção ideológica esteve atrelada à inferiorização do outro, tendo como finalidade a exploração, uma vez que as bases ideológicas do Iluminismo, sobretudo o seu lema Liberdade, Igualdade e Fraternidade, não foram produzidas para o povo negro, tendo em vista a exploração dos povos africanos, a exemplo dos pigmeus, expostos nos zoológicos, com e como animais, na França e na Alemanha. Assim, é preciso reconhecer que as ações empreendidas pelos movimentos abolicionistas americanos tiveram como base ideológica os princípios iluministas, mesmo diante de tantas contradições.

Essa abordagem é de suma importância, justamente para mensurarmos até que ponto essa ideologia racista formulada desde o final do século XVIII, mas consolidada no século XIX até meados do século XX, contribuiu para a formulação de uma política de branqueamento no Brasil, por meio da miscigenação, considerada por Petronilha Beatriz G. Silva como uma “[...] política inquestionável, uma vez que essa sociedade buscava universalizar-se como branca” (Silva, 2007, p. 491).

O RACISMO E A IDEOLOGIA DA DEMOCRACIA RACIAL NO BRASIL

Segundo Marcos Chor Maio e Ricardo Ventura Santos, “[...] até o século XVIII, na Europa, a palavra raça era utilizada para se referir ao conjunto de descendentes de um ancestral comum, com ênfase nas relações de parentesco e pouco peso para características como cor de pele e outros traços físicos” (Maio, Santos, 2010, p. 19). Porém, com o advento do processo de colonização, a ideia de raça passou a ter outra conotação, especialmente numa perspectiva de dominação. Nesse sentido, destacamos a maneira pela qual Joel Rufino dos Santos conceitua e caracteriza o racismo:

Racismo é a suposição de que há raças e, em seguida, a caracterização biogenética de fenômenos puramente sociais e culturais. E também uma modalidade de dominação ou, antes, uma maneira de justificar a dominação de um grupo sobre outro, inspirada nas diferenças fenotípicas da nossa espécie. Ignorância e interesses combinados, como se vê (Santos, 1990, p. 12).

Complementando este pensamento, Michel Wieviorka define o racismo da seguinte maneira:

O racismo deve ser considerado o fruto de mudanças ou de situações nas quais ele acompanha ou fundamenta relações sociais. Na escala da História, ele é o produto da entrada na era moderna e sua posterior consolidação, ele procede das grandes descobertas, que introduzem uma relação entre a Europa Ocidental e os novos continentes, caminha paralelamente à colonização, é indissociável dos movimentos migratórios, é consubstancial também a expansão do capitalismo, à industrialização, à urbanização (Wieviorka, 2007, p. 41).

Percebemos, portanto que o racismo é um fenômeno ideológico, político e doutrinário que precisa ser compreendido como objeto de conduta entre grupos humanos, e que culmina na formulação do preconceito, discriminação, segregação e violência. No Brasil, ele é estrutural, institucional e sistêmico, como bem afirma Silvio Almeida (2020).

Com o advento e consolidação do racismo pelo mundo, desde o final do século XIX até meados do XX, o Brasil era visto como exemplo de relação racial a ser seguido (vide, por exemplo, os estudos de Donald Pierson), embora essa harmonia entre as raças fosse um grande engodo. Nessa perspectiva, a UNESCO desenvolveu no Brasil o Programa de pesquisas sobre relações raciais no Brasil, pautados na percepção do Brasil como um paraíso racial e com o objetivo de divulgar mestiçagem e o mulatismo brasileiro e, assim, inspirar outros países a partir do modelo brasileiro de relações democráticas entre negros e brancos, conforme ressalta Lilia Schwarcz na apresentação da obra de Florestan Fernandes, O Negro no mundo dos brancos” (2015). Tais ideias se manifestaram em pesquisas como as de Donald Pierson, sobre as relações raciais e culturais na cidade de Salvador, que foi precedida de pesquisa na cidade de Nashville, no estado do Tennessee, no sul dos Estados Unidos. Tal região apresentava um caráter extremista, com linchamentos de pessoas negras, conflitos cotidianos entre negros e brancos, além da institucionalização do racismo.

Kabengele Munanga, em seu livro Rediscutindo a Mestiçagem no Brasil: identidade Nacional Versus Identidade Negra, faz uma reflexão sobre como a elite conservadora e branca orquestrou a narrativa de valorização da mestiçagem, uma vez que acreditava que, por meio desta, conseguiriam realizar um processo que culminasse no branqueamento da população. Além disso, a mestiçagem, segundo essa elite, manteria uma relação pacífica, amistosa, entre negros e brancos, evitando, assim, os conflitos raciais predominantes em outros países. Por outro lado, ainda garantia a permanência do comando da nação à elite branca, evitando uma haitinização2 (Munanga, 2008, p. 75).

A miscigenação, no final do século XIX e início do XX, era vista como um processo negativo de degenerescência. Com Gilberto Freyre e seus contemporâneos, a miscigenação passou a ter um caráter positivado, pois acreditavam que, por meio dela, o branqueamento seria alcançado. Também começamos a encontrar novas ideias que chama atenção para as várias etnias africanas que foram trazidas na condição de escravizadas, rompendo, assim, com o olhar homogêneo que colocava todos os escravizados no mesmo patamar, como se fossem oriundos da mesma região, detentores de uma única cultura.

Podemos considerar então que a identidade nacional brasileira foi construída sob a crença de que o Brasil era uma nação onde todas as raças viviam em harmonia, sem conflitos ou segregações. Diferentemente do que ocorreu nos Estados Unidos e na África do Sul, a segregação racial nunca foi legalmente adotada pelo Brasil. E é essa uma das razões que fazem com que as reivindicações de movimentos sociais, entre elas a adoção de Políticas Públicas específicas para afro-brasileiros, pareçam absurdas para grande parte da população, por ainda acreditarem que vivemos em uma nação racialmente democrática. Diante disso, Kabengele Munanga afirma que:

O mito de democracia racial, baseado na dupla mestiçagem biológica e cultural entre as três raças originárias, tem uma penetração muito profunda na sociedade brasileira: exalta a ideia de convivência harmoniosa entre os indivíduos de todas as camadas sociais e grupos étnicos, permitindo às elites dominantes dissimular as desigualdades e impedindo os membros das comunidades não-brancas de terem consciência dos sutis mecanismos de exclusão da qual são vítimas na sociedade. Ou seja, encobre os conflitos raciais, possibilitando a todos se reconhecerem como brasileiros e afastando das comunidades subalternas a tomada de consciência de suas características culturais que teriam contribuído para a construção e expressão de uma identidade própria. Essas características são “expropriadas”, dominadas e “convertidas” em símbolos nacionais pelas elites dirigentes (Munanga, 2008, p.77).

A partir de 1950, os argumentos sobre a miscigenação, branqueamento e, por conseguinte, a configuração de que o Brasil estava inserido em um modelo de democracia racial passaram a ser questionados e combatidos por meio dos estudos realizados e orientados por Roger Bastide, Florestan Fernandes e outros intelectuais da época no projeto UNESCO coordenado por Bastide e realizado na Bahia, em São Paulo, Pernambuco e Rio de Janeiro (Maio, 1999)

Nesse sentido, é importante salientar que a expressão democracia racial só se fez presente na década de 1950. Segundo Antonio Sérgio Guimarães (2002, p. 138), “[...] parece que esse termo foi usado pela primeira vez por Roger Bastide em um artigo publicado no Diário de S. Paulo em 31 de março de 1944”. No entanto, essa expressão passou a ser utilizada com frequência, pelo Movimento Negro, na década de 1950.

Roger Bastide, ao regressar de uma viagem de Recife para São Paulo escreveu um artigo sobre as questões raciais na cidade de Recife, apontando, inclusive, para a relação amistosa na qual viviam as diversas raças que compunham aquela sociedade.

Regressei para a cidade de bonde. O veículo estava cheio de trabalhadores de volta das fábricas, que misturavam seus corpos fatigados aos dos passeantes que voltavam do parque dos Dois Irmãos. População de mestiços, de brancos e pretos fraternalmente aglomerados, apertados, amontoados uns sobre os outros, numa enorme e amistosa confusão de braços e pernas. Perto de mim, um preto exausto pelo esforço do dia, deixava cair sua cabeça pesada, coberta de suor e adormecida, sobre o ombro de um empregado de escritório, um branco que ajeitava cuidadosamente suas espáduas de maneira a receber esta cabeça como num ninho, como numa carícia. E isso constituía uma bela imagem da democracia social e racial que Recife me oferecia no meu caminho de regresso, na passagem crepuscular do arrabalde pernambucano (Bastide, 1944, apud Guimarães, 2002, p. 143-144).

Como bem afirma Antonio Sérgio Alfredo Guimarães, aquela foi a primeira vez que a expressão democracia racial foi utilizada. O que se pode notar, é que, até a década de 1950, havia quase um consenso acerca da ideia de uma nação democraticamente racial, mesmo por parte do Movimento Negro, que durante a década de 1930, em seus primeiros atos, como a Frente Negra Brasileira, não questionava os estudos realizados por vários intelectuais brasileiros, europeus e estadunidenses que apontavam o Brasil como um laboratório de relações raciais a ser investigado.

Naquele momento, os Movimentos Negros3 denunciavam o descaso com a população negra, sem oportunidades de acesso à educação e à qualificação profissional, o que gerava um pensamento negativo acerca da capacidade desses indivíduos. Nessa perspectiva, Antonio Guimarães menciona um discurso proferido pelo presidente da União Nacional dos Homens de Cor, o senhor Manoel Passos, em 1942, em uma “mensagem aos negros americanos”:

Preferiu, por exemplo, salientar o abandono a que está relegada a população negra, sua falta de instrução e seus costumes arcaicos, como responsáveis pela situação de “degenerescência” dos negros. Até mesmo o “preconceito de cor”, de que se ressentem os negros, é parcialmente atribuído à fraqueza moral das populações negras (Guimarães, 2001, p. 149).

Ademais, como bem sintetiza o autor, “[...] esta autoflagelação só será revertida com a democratização do País, em 1945, quando surgem novas organizações negras que terão mais liberdade e assim influenciaram a vida nacional em termos culturais, ideológicos e políticos” (Guimarães, 2001), considerando-se que, durante o Estado Novo, o país vivenciou uma ditadura Varguista e as organizações sociais foram lançadas à ilegalidade e duramente perseguidas. Assim, o Teatro Experimental do Negro (TEN), criado em 1944, comungava da ideologia que o Brasil era um país onde existia a democracia racial, mas com a seguinte ressalva: ainda havia resquícios de discriminação, os quais precisavam ser combatidos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta deste artigo se dá em uma perspectiva dialógica acerca da trajetória dos estudos sobre o negro na sociedade brasileira, buscando analisar as bases da elaboração e/ou criação de estereótipos que, de algum modo, foram internalizados nas subjetividades dos sujeitos, indicando o lugar que o corpo negro deveria ocupar. O processo escravagista foi um marcador social do ser negro, e a abolição pode ser compreendida como malsucedida, haja vista o não rompimento com as mazelas impostas aos negros/as nos quase quatro séculos de escravização no Brasil.

Tal abolição não foi capaz de estabelecer mecanismos que de fato incluíssem os/as exescravizados/as em nossa sociedade, e a República nascente foi além, investiu significativamente em um projeto de imigração europeia, sobretudo italiana, com a justificativa da inserção de mão de obra qualificada, capaz de ocupar os postos de trabalho da indústria nascente.

É preciso externar, contudo, que esse investimento para a vinda de europeus brancos, além da substituição da mão de obra escravizada, tinha como finalidade a aceleração do processo de miscigenação da população brasileira, ou seja, o Estado brasileiro buscou, de todas as formas, elaborar diversos mecanismos, principalmente no final do século XIX e início do século XX, para um branqueamento da população, e a imigração fazia parte desse projeto.

Vale lembrar que, diante do que foi abordado nesse estudo, as maneiras pelas quais os/as negros/as foram apresentados/as para o mundo, a partir do final do século XV, mas com maior evidência no século XVI, quando foram trazidos, em grande proporção, para atender o projeto colonial português no Brasil, apontam, no primeiro momento, a demonização desse povo para justificar a desumanização da escravidão. No século XIX, assistimos à instauração do neocolonialismo, com a intensificação de narrativas pejorativas, de animalização e inferiorização dos/as negros/as africanos/as, tidos/as como incapazes de conduzirem a sua nação.

Essa estrutura estereotipada, marginalizada, em que o/a negro/a foi construído no imaginário das pessoas, também gerou, no campo social, a partir da subalternização provocada pelas ações do próprio Estado brasileiro, mazelas, talvez irreparáveis, no campo das desigualdades sociais entre negros e brancos. Acompanhamos, por exemplo, um genocídio da população negra, principalmente em comunidades carentes, exclusão, encarceramento dos/as jovens negros/as das periferias brasileiras.

Foi a partir de toda essa discussão que tentamos apresentar, neste texto, as bases que solidificam a necessidade do Estado assumir a responsabilidade de criar elementos de reparação histórica de um povo que teve e continua tendo o direito à cidadania plena violado. Assim, se faz necessário compreendermos a nossa formação social, em uma perspectiva de pluralidade, em que todos/as devem, inclusive, exercer os mesmos direitos, por meio da viabilização da construção de novos afetos, um novo olhar para as diferenças, e assim possamos, por meio dessa relação com o outro, constituir e construir as nossas subjetividades, não apenas estabelecida por meio da visão eurocêntrica, mas de outros campos de debates que nos possibilitem romper com o pensamento colonial.

1Esse conceito tem sido utilizado por alguns pensadores, como Célia Maria Marinho de Azevedo, Florestan Fernandes e Kabenguele Munanga (Azevedo, 2004, p. 189-220; Fernandes, 1989, p. 30-42; Munanga, 2008, p. 103-119).

2O Haiti era uma colônia francesa e apresentava uma estrutura econômica e social baseada no latifúndio, na monocultura e no trabalho escravo. Em meio a um violento levante negro que, em 1791, aboliu a escravidão, a maior parte da população branca foi massacrada, tendo o restante emigrado. Na tentativa de sufocar tal rebelião, o governo francês enviou tropas, em 1793; porém, mais uma vez essas tropas foram derrotadas. Na Era Napoleônica (1799-1815), ocorreu uma nova tentativa de recolonização. Contudo, na medida em que ficou evidente a intenção francesa de restabelecer a escravatura e as antigas formas de dominação colonial, os negros voltaram a se revoltar e, em novembro de 1803, o Haiti tornou-se a primeira colônia da América Latina a proclamar sua independência.

3Em alguns momentos utilizaremos o termo Movimentos Negros, por levar em consideração a pluralidade do Movimento, uma vez que os pensamentos e as formas de atuações desses grupos são diversos. Porém, não desconsideramos a importância política caracterizada pela singularidade do termo.

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Recebido: Dezembro de 2022; Aceito: Junho de 2023

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